Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
A tuberculose é uma doença que atinge a população desde a Antiguidade. Com a revolução industrial, novas tecnologias surgiram e, com elas, a estreptomicina, que era efetiva contra TB. Entretanto, o desenvolvimento de bacilos resistentes aos medicamentos antituberculose e o surgimento do vírus da imunodeficiência humana foram dois marcos importantes na persistência da TB na sociedade. aspectos epidemiológicos A tuberculose é causada pelo Mycobacterium tuberculosis, ou bacilos de Koch. Sua parede celular é resistente a álcool e ácidos. A AIDS é causada por um lentivírus, o HIV. Esse vírus apresenta alta taxa de replicação e, consequente, elevada taxa de mutação por ciclo. O HIV é o maior fator de risco para o adoecimento por tuberculose. Em cada 100 pessoas com HIV, 10 terão tuberculose ativa por ano. Enquanto que sem o vírus, esse número cai cara 10 em 100 durante a vida toda. O risco de um indivíduo infectado pelo HIV progredir para tuberculose ativa a partir de um foco latente é 21 a 34 vezes maior do que o da população geral. Atualmente, a tuberculose é a doença infecciosa que mais mata pessoas com HIV/AIDS. aspectos imunológicos Ainda não se sabe exatamente os mecanismos imunológicos atuantes na coinfecção TB-HIV; mas acredita-se que erros inatos da imunidade podem estar relacionados à maior suscetibilidade da coinfecção O Mycobacterium tuberculosis e o HIV, atuando de modo sinérgico, fadigam o sistema imunológico. A imunidade celular, essencial para o controle da infecção de Mycobacterium é prejudicada no indivíduo vivendo com HIV/aids. Enquanto a TB ativa os linfócitos alvo do HIV, aumentando suas taxas de replicação. Além disso, a depleção de linfócitos T CD4+, característica da infecção pelo HIV, aumenta a suscetibilidade de reativação de focos latentes de M. tuberculosis. Outro fenômeno que tem papel importante na evolução e na coinfecção TB-HIV é a organização de granulomas frouxos. Na imunodeficiência grave, a estrutura do granuloma está rompida e o mecanismo de contenção dos bacilos está falho, o que pode ajudar na disseminação dos bacilos e, consequentemente, no surgimento de formas extrapulmonares de tuberculose. anamnese clínica Anamnese é uma entrevista que consiste em perguntar sobre alguns sintomas, a cada visita do paciente ao serviço de saúde, a fim de obter o diagnóstico de tuberculose em PVHA. Recomenda- se o rastreamento (screening) baseado em: • Tosse (seca ou com escarro, independentemente do tempo de sintoma); • Febre (geralmente, baixa e no final da tarde); • Sudorese noturna; • Emagrecimento. A presença de qualquer um dos quatro sintomas deve levantar a suspeita de tuberculose em PVHA e sinaliza para o desencadeamento de investigação diagnóstica mais minuciosa, com anamnese mais ampla e solicitação de exames complementares. A radiografia de tórax, sempre que disponível, deve ser solicitada, pois aumenta a sensibilidade e a especificidade do screening baseado em sintomas e ajuda na elucidação diagnóstica. Uma vez que as formas extrapulmonares são frequentes, os sintomas ou sinais de tuberculose em PVHA variam bastante e dependem do órgão afetado. Por isso, durante a consulta, é importante buscar outros sinais e sintomas indicativos do órgão afetado. Por exemplo, urina escura repetidas vezes pode ser um sinal de hematúria e pode indicar TB renal. Prova tuberculínica negativa não exclui tuberculose ativa em PVHA, uma vez que PVHA com imunodeficiência grave (contagem de linfócitos T-CD4+ < 200 céls/mm3) não produzem resposta à prova tuberculínica. exames histopatológicos Exames histopatológicos em biópsias de tecidos podem revelar granulomas frouxos, contendo bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) no seu interior. A cultura para micobactéria deve ser solicitada com identificação da micobactéria e teste de sensibilidade antimicrobiano, pois micobactérias não-tuberculosas (MNT) também podem causar doenças em PVHA. Além disso, outras doenças (infecciosas ou não) podem resultar em granulomas frouxos sem BAAR, como, por exemplo, histoplasmose, sarcoidose e doenças autoimunes. exames bacteriológicos Na coinfecção TB-HIV, os pacientes geralmente não produzem cavidades pulmonares e, portanto, apresentam baixa carga bacilar. Por isso, as amostras de escarro sempre devem ser encaminhadas para baciloscopias. Baciloscopias ou cultura positivas indicam a necessidade de início imediato do tratamento para tuberculose. teste rápido molecular para tuberculose O teste rápido molecular para tuberculose (TRM-TB) é uma tecnologia diagnóstica recém-implantada na rede SUS. Ele fornece maior sensibilidade e especificidade do que a baciloscopia, diagnosticando mais facilmente os casos com baixa carga bacilar. O TRM-TB identifica, ao mesmo tempo, o genoma do M. Tuberculosis e a resistência à rifampicina. tuberculose no sistema nervoso central A meningite por tuberculose se deve à ruptura de um tuberculoma no espaço subependimal devido, por exemplo, a um trauma ou a alguma imunodeficiência. Pode ocorrer também por disseminação hematogênica, podendo estar relacionada à tuberculose miliar. Durante a anamnese é importante perguntar se o paciente tem dor de cabeça intermitente, febre baixa, seguida de dor de cabeça prolongada, vômitos, confusão mental, meningismo e sinais neurológicos localizados. O exame de líquor pode ajudar a definir o diagnóstico enquanto que a tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética (RNM) revelam lesões circulares (tuberculomas), aracnoidite basilar, infarto cerebral ou hidrocefalia. O líquor pode ser analisado por testes moleculares que detectam o Mycobacterium tuberculosis. tuberculose ganglionar A tuberculose ganglionar periférica pode se desenvolver em qualquer cadeia ganglionar do corpo. Entretanto, 90 % das formas ganglionares acometem as cadeias cervical, supraclavicular e submentoniana. O acometimento ganglionar pode ser uni ou bilateral. De modo geral, os gânglios são indolores e têm consistência firme, mas quando apresentam necrose caseosa central podem ser mais macios e formar massas ganglionares com tendência à fistulização. Há poucos sintomas ou sinais sistêmicos https://app2.unasus.gov.br/UNASUSPlayer3/recursos/SE_UNASUS_0001_COINFECCAO_MANEJO_CLINICO/1/docs/U2A2R1.pdf A prova tuberculínica, em geral, é positiva, mas ela tem pouco valor nos países com alta prevalência de tuberculose e vacinação maciça com BCG, como é o caso do Brasil. O diagnóstico se faz por meio da punção aspirativa por agulha. Quando a punção aspirativa não define o quadro, deve-se proceder à biópsia ganglionar, com a exérese de gânglios inteiros, para evitar a fistulização pós-operatória. O material retirado deve ser encaminhado para baciloscopia, cultura e histopatológico. tuberculose osteoarticular Na investigação de tuberculose em PVHA, após o rastreamento inicial baseado nos sintomas, é preciso perguntar sobre dor óssea, que é a manifestação mais precoce. Em geral, a tuberculose é monoarticular e está frequentemente associada a alguma história de trauma. Radiografia, tomografia e ressonância apresentam praticamente as mesmas alterações. A diferença entre eles é a capacidade de revelar mais precocemente a lesão: a RNM evidencia alterações antes da radiografia. As imagens podem mostrar: edema de tecidos moles próximos à área afetada, osteopenia, destruição periarticular, espessamento periosteal e, eventualmente, destruição da cartilagem e do osso. Na tuberculose osteoarticular, as lesões mais comuns ocorrem nos joelhos e quadris, mas também pode-se apresentar por tenossinovite da mão, artrite do punho e síndrome do túnel do carpo. tuberculose vertebral Dentro das tuberculoses ósseas, corresponde a 1/3 dos casos. A coluna torácica é a mais afetada, seguida da lombar. A área vertebral mais acometida é a anterior. Pode haver acometimento do disco vertebrale de outras vértebras adjacentes. tuberculose pleural É a complicação mais comum da TB pós-primária em adultos jovens, adolescentes e crianças, podendo, no entanto, ocorrer em qualquer faixa etária. Também pode ocorrer por reinfecção exógena ou reativação endógena. Na maioria das vezes, resulta da disseminação direta de um foco tuberculoso subpleural, podendo ser decorrente também da disseminação hematogênica. O paciente pode estar assintomático ou apresentar tosse seca, febre e comprometimento do estado geral, com dor torácica de aparecimento súbito e frequentemente intenso. Muitas vezes a dor torácica é de início insidioso, sendo a dor do tipo pleural, com piora à inspiração. Nestes casos a febre é quase uma constante. A tosse pode ser variável: seca ou produtiva. A dispneia depende da quantidade de líquido pleural e da velocidade de sua instalação. A prova tuberculínica pode orientar o diagnóstico em países com baixa prevalência de tuberculose. A radiografia de tórax é o exame complementar que mais ajuda o diagnóstico e mostra os sinais da ocupação do espaço pleural. Cerca de 50% dos casos apresentam também lesões parenquimatosas. A toracocentese define o diagnóstico. O líquido retirado em geral é claro, serofibrinoso, de cor amarelo palha, com retículos de fibrina que são melhor visualizados ao agitar o líquido pleural. Pode estar levemente sanguinolento. Recomenda-se a solicitação do exame bacteriológico e a cultura de escarro para apoiar o diagnóstico. Se apesar de todos os exames acima ainda não foi possível definir o diagnóstico, pode-se lançar mão da biópsia pleural. Os fragmentos devem ser submetidos à baciloscopia e à cultura com identificação de micobactéria e teste de sensibilidade antimicrobiana, além de exames histopatológicos. tuberculose gastrointestinal Qualquer área anatômica do sistema gastrointestinal pode ser acometida pela tuberculose. A região ileocecal é a mais afetada e a que apresenta sintomas mais típicos: dor abdominal, diarreia, obstrução intestinal, hemorragia e, frequentemente, massa palpável. Os sintomas referidos, associados a exames radiológicos e endoscópico, com muita frequência levam a um diagnóstico errado de carcinoma. Em geral, colonoscopia e biópsia definem o diagnóstico de tuberculose gastrointestinal. tuberculose peritoneal Em geral, resulta de outras tuberculoses, como: a ganglionar, a intestinal, a de trompas uterinas ou a tuberculose miliar. A associação da tuberculose peritoneal com a pleuropulmonar é frequente. Os principais sinais e sintomas são febre, emagrecimento progressivo e dor abdominal. Por isto, o principal diagnóstico diferencial da tuberculose peritoneal é o abdômen agudo. tuberculose renal Em geral, a tuberculose renal afeta apenas um rim e é assintomática, na maioria dos casos. A urografia excretora é inespecífica nas fases precoces, mas tardiamente pode revelar necrose da papila renal, estreitamento de ureteres, hidronefrose, cavitação do parênquima e autonefrectomia (autoexclusão renal). investigação de tuberculose pulmonar nos casos extrapulmonares Casos de tuberculose extrapulmonar podem estar associados à tuberculose pulmonar. Assim, recomenda-se amostras de escarro em todos os casos de tuberculose extrapulmonar (para baciloscopias ou teste rápido molecular e cultura para micobactéria com identificação de espécie e teste de sensibilidade antimicrobiano). exames radiológicos Os exames radiológicos são ferramentas valiosas para o diagnóstico de tuberculose em PVHA. A radiografia de tórax, por exemplo, ajuda a avaliar a gravidade da lesão pulmonar e a monitorar o tratamento. Infiltrados nos ápices dos lobos superiores ou segmentos superiores dos lobos inferiores devem fazer pensar em tuberculose. Frente a uma radiografia de tórax com adenopatia hilar também se deve pensar em tuberculose, independentemente do motivo que levou a solicitar a radiografia. Entretanto, é importante lembrar que é relativamente comum que a radiografia de tórax esteja normal em PVHA com tuberculose. exame broncoscópico A broncoscopia está indicada quando os exames de escarro são inconclusivos, mas a hipótese diagnóstica de TB pulmonar é mantida. O material colhido durante a broncoscopia (biópsia e lavado broncoalveolar) deve ser encaminhado para baciloscopias ou teste rápido molecular (TRM-TB), cultura com identificação de micobactérias e teste de sensibilidade aos antimicrobianos. https://app2.unasus.gov.br/UNASUSPlayer3/recursos/SE_UNASUS_0001_COINFECCAO_MANEJO_CLINICO/1/docs/U2A2R1.pdf https://app2.unasus.gov.br/UNASUSPlayer3/recursos/SE_UNASUS_0001_COINFECCAO_MANEJO_CLINICO/1/docs/U2A2R1.pdf Apesar de útil, a broncoscopia permite diagnosticar somente 1/3 dos casos de tuberculose em PVHA, devido à baixa carga bacilar, comum nesses pacientes. exames bioquímicos Outros exames laboratoriais, embora inespecíficos, também podem corroborar com o diagnóstico de tuberculose. As alterações mais comuns são: anemia normocítica e normocrômica, hipoalbuminemia e hipergamaglobulinemia. Dosagem da Adenosina deaminase (ADA) A dosagem da atividade da adenosina deaminase (ADA) em fluidos corporais é um exame simples e barato que também pode ser usado para o diagnóstico de tuberculose extrapulmonar. Pode ser usada em qualquer fluido corporal. Uma dosagem > 30 U/ml é considerada positiva para TB. diferença entre ILTB e tuberculose ativa O bacilo da tuberculose, após infectar um organismo, pode permanecer latente, sem causar doença, por muitas décadas. Ou seja, a infecção latente de tuberculose (ILTB) é um estado em que o indivíduo tem o Mycobacterium tuberculosis, mas não tem nenhum sintoma ou manifestação da doença. A exposição ao bacilo da tuberculose ocorre a partir de um doente que tosse e expele bacilos. Somente 30% dos expostos se infectam. Na população geral, dentre os infectados, 5% a 10% desenvolvem a tuberculose doença nos primeiros dois anos após a infecção. A maioria (de 90% a 95%) das pessoas permanece com a infecção na forma latente. Tardiamente (após os primeiros anos), outros 5% reativam o foco latente em algum momento, pelos mais variados motivos (diabetes, uso de imunossupressores, etc.). Entre as PVHA, 5% a 15% dos que têm a ILTB reativam o foco latente de tuberculose a cada ano. Dentre todas as possíveis causas de reativação de focos latentes de tuberculose, como diabetes, desnutrição e insuficiência renal, a infecção pelo HIV é o maior fator de risco para o desenvolvimento de tuberculose ativa. diagnóstico da ILTB Para evitar que a infecção latente se converta em tuberculose ativa (doença), é necessário diagnosticar a tuberculose latente e instituir o tratamento da ILTB. No Brasil, o diagnóstico da (ILTB) se faz pelo exame clínico, perguntas e também pela prova tuberculínica (PT), exame realizado pela inoculação intradérmica de PPD (derivado proteico purificado), com posterior leitura do tamanho da enduração (após 72 horas da aplicação). A prova tuberculínica não é um bom exame para o diagnóstico da tuberculose ativa, mas é um bom teste para o diagnóstico da infecção latente. Nas pessoas vivendo com o HIV, esse é um exame fundamental para evitar o adoecimento pela tuberculose. Em PVHA, recomenda-se que a PT seja feita anualmente, caso o último resultado tenha sido negativo. A PT é considerada negativa quando a leitura é menor do que 5 mm e é considerada positiva quando for maior ou igual a 5mm. Frente a um resultado positivo, deve-se afastar a possibilidade de tuberculose ativa (por meio da anamnese clínica e, quando possível, da radiografia de tórax) e tratar a ILTB. É muito importante prevenir que as gestantes vivendo com HIV/aids tenham tuberculose ativa porque quando isso acontece, há aumento de sua carga viral com consequente aumento do risco de transmitir o HIV para seus bebês. Assim, nesse grupo, recomenda-se tratar a infecçãolatente após o 3º mês de gestação. indicações de tratamento da ILTB O tratamento da infecção latente é recomendado nas seguintes situações: • PVHA com radiografia de tórax normal e: » prova tuberculínica ≥ a 5 mm; ou que tenha tido contato com um caso de tuberculose pulmonar, independentemente do resultado da prova tuberculínica; ou » que tenha registro documental de ter tido PT ≥ 5 mm e não ter se submetido ao tratamento da ILTB na ocasião. • PVHA com cicatriz radiológica sem tratamento prévio da infecção latente da tuberculose, independentemente do resultado da prova tuberculínica. tratamento da ILTB O fármaco usado no tratamento da ILTB é a isoniazida. No Brasil, este medicamento está disponível somente na rede pública em comprimidos de 100 mg. A dose recomendada é de 5 mg/kg a 10 mg/kg de peso até a dose máxima de 300 mg/dia. Dessa forma, de acordo com as faixas de peso, as recomendações são as seguintes: • 20 kg a 35 kg – 2 comprimidos de 100 mg/dia; • 36 kg e 50 kg – 2 a 3 comprimidos/dia; e • Acima de 50 kg – 3 comprimidos/dia. O tratamento da ILTB em PVHA deve ser realizado, idealmente, com 270 doses, por um período mínimo de nove meses, que pode ser estendido para 12 meses. Há evidências de que o uso da isoniazida por nove meses protege mais do que o uso por seis meses, principalmente em pacientes com HIV/AIDS. Para fazer a opção entre seis meses (com 180 doses) e nove meses (com 270 doses) de tratamento deve-se considerar a viabilidade operacional e a adesão do paciente. A quantidade de doses tomadas é mais importante do que o tempo de tratamento. Por isso, recomenda-se que esforços sejam feitos para que o paciente complete o total de doses programadas mesmo com a eventualidade de uso irregular, considerando a possível prorrogação do tempo de tratamento com o objetivo de completar as doses previstas, não excedendo esta prorrogação em até três meses do tempo inicialmente programado. Em gestantes, durante o tratamento da ILTB com a isoniazida, recomenda-se o uso de piridoxina na dose de 50 mg/dia, diariamente, para reduzir o risco de toxicidade neurológica no recém-nascido.
Compartilhar