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Anemia de Doença Crônica

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1 Julia Florenzano Soares- GT 2 ONCO HEMATO 
Anemia de Doença Crônica 
 Definição 
Anemia de doença crônica (ADC), também conhecida como anemia da inflamação, é uma síndrome clínica que 
se caracteriza pelo desenvolvimento de anemia em pacientes com doenças inflamatórias, infecciosas ou neoplásicas, 
embora mais recentemente, tem se demonstrado que a ADC também pode ser observada em várias outras 
condições incluindo DM, trauma, anemia do idoso, e em situações que cursam com ativação aguda ou 
crônica do sistema imune. 
Essa síndrome tem como aspecto peculiar a presença de anemia leve (hipoproliferativa; normocrômica, normocítica) 
associada à diminuição da concentração do ferro sérico e da saturação da transferrina, e, paradoxalmente, ferritina sérica 
e quantidade do ferro de depósito normais ou aumentadas. 
É secundária a estados inflamatórios, infecciosos ou não, e câncer, de etiologia multifatorial, envolvendo desequilíbrio 
do metabolismo do ferro, encurtamento da sobrevida eritrocitária, inibição da hematopoese e relativa deficiência de 
eritropoietina. 
OBS: Outros sinônimos empregados para ADC incluem: “anemia inflamatória”, “anemia hipoferrêmica com siderose 
reticuloendotelial” e “anemia citocina-mediada’’. 
 Frequência/epidemiologia 
ADC é a causa mais frequente de anemia em pacientes hospitalizados, particularmente quando se analisam 
pessoas com mais de 65 anos de idade, e a segunda causa mais frequente de anemia, após a anemia por deficiência 
de ferro 
Em pacientes com artrite reumatoide (AR), a frequência de ADC varia entre 27 e 58%, sendo que essa 
frequência é maior nos casos em que a doença inflamatória encontra-se em atividade clínica. 
OBS: nas doenças reumáticas a ampla utilização de anti-inflamatórios não hormonais leva à deficiência de ferro, pela 
sua potencialidade de induzir sangramento digestivo, encontrada em 25 a 70% dos pacientes com artrite reumatoide. 
 Condições patológicas associadas à anemia de doença crônica 
- Infecções crônicas (fúngicas, bacterianas, virais): Tuberculose, bronquiectasia, abscesso pulmonar, pneumonia 
Endocardite, miocardite, osteomielite, meningite, Doença inflamatória pélvica, infecção pelo HIV, parvovírus B19 
 Artrite reumatoide: É uma das doenças difusas do tecido conjuntivo, tendo caráter crônico, inflamatório e 
progressivo. Caracterizada fundamentalmente pelo acometimento do sistema osteoarticular. Contudo, pode 
assumir aspecto sistêmico, comprometendo sistemas extra-articulares (pulmões, coração, olhos, 
hematopoese). 
 Diabetes Mellitus: gera um processo inflamatório crônico vascular. 
- Doenças inflamatórias crônicas: Artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, Doença de Crohn, sarcoidose 
- Doenças neoplásicas: Linfoma de Hodgkin, linfoma não Hodgkin, mieloma múltiplo, carcinoma 
 Patogênese 
Dos vários mecanismos envolvidos na etiopatogenia da ADC, os três principais são: diminuição da sobrevida 
das hemácias, resposta medular inadequada frente à anemia e distúrbio do metabolismo do ferro. A ADC compreende 
uma das alterações de um complexo de respostas metabólicas frente à estimulação do sistema imunológico celular. 
Essa resposta inicia-se com a ativação dos macrófagos e a síntese e secreção de citocinas. 
1. Diminuição da sobrevida das hemácias: 
A redução da sobrevida das hemácias devese à hiperatividade do sistema mononuclear fagocitário. Tal estado hiper-
reativo leva à remoção precoce dos eritrócitos circulantes e, portanto, à diminuição da sobrevida das hemácias 
(80 a 90 dias versus a normal que é de 110 a 120 dias). 
Outros fatores como: febre (que pode causar dano à membrana eritrocitária), liberação de hemolisinas (em 
algumas neoplasias) e liberação de toxinas bacterianas podem deflagrar ou agravar a condição de hiperhemólise. 
2. Resposta medular inadequada: 
 
2 Julia Florenzano Soares- GT 2 ONCO HEMATO 
A eritropoese encontra-se normal ou discretamente aumentada e a contagem de reticulócitos normal ou 
inadequadamente aumentada frente ao grau de anemia do paciente com ADC. 
A resposta medular inadequada observada deve-se, basicamente: à secreção inapropriadamente baixa de 
eritropoetina (EPO), à diminuição da resposta da medula óssea à EPO e à diminuição da eritropoese consequente à 
menor oferta de ferro à medula óssea. 
Em condições normais, a medula óssea é capaz de aumentar 6 a 8 vezes sua atividade eritropoética e, portanto, 
facilmente compensaria a modesta diminuição da sobrevida das hemácias. No entanto, não é isto que se observa nos 
pacientes com ADC. Tal falha do aumento da eritropoese devese sobretudo à secreção inapropriadamente baixa de 
EPO. 
Uma das explicações para essa resposta medular inadequada está diretamente relacionada com a ativação dos 
macrófagos e à liberação de citocinas inflamatórias, principalmente da interleucina1 (IL1) e interleucina6 (IL6), 
do fator de necrose tumoral alfa (TNFα) e da interferona gama (INFγ), que atuam inibindo a proliferação dos 
precursores eritrocitários e, portanto, inibindo a eritropoese. Além disso, a ação supressora dessas citocinas sobre a 
eritropoese supera a ação estimuladora da EPO resultando na diminuição da resposta da medula óssea à EPO e 
diminuição da eritropoese. 
Nesse processo, INF-y é o inibidor de eritropoese mais eficiente: 
 Promove apoptose das células progenitoras da linhagem eritroide. 
 Infrarregula os receptores de eritropoetina nas células precursoras da medula óssea. 
 Antagoniza os fatores pró-hematopoéticos. 
 
3. Distúrbio do metabolismo do ferro 
Ocorre aprisionamento do ferro em seus locais de depósito (devido a ativação de linfócito T => IL-2, TNF-a, INF-y 
=> ativa macrófagos => IL-1, IL-6-TNF-a => com consequente ↓ da disponibilidade de ferro para a síntese de células 
da linhagem eritroide. 
 IFN-y => promove a retenção de ferro nos monócitos e macrófagos, diminuindo a expressão de ferroportina, 
principal proteína exportadora de ferro presente nos macrófagos, hepatócitos e enterócitos. 
Inibidor mais potente da proliferação de unidades formadoras de colônia eritroides, através da formação de 
de óxido nítrico, que também atua interferindo na biossíntese do heme pela inibição de 
proteínas envolvidas nessa reação. 
 IL-6 =>é um importante ativador de hepatócitos, que vão sintetizar várias proteínas de fase aguda, como a 
proteína C reativa e o fibrinogênio. Além disso, estimula síntese de HEPCIDINA (pelos hepatócitos), a 
hepcidina se liga à ferroportina e esse complexo é degradado, dessa forma, há redução da absorção intestinal 
de ferro e retenção de ferro nos macrófagos, limitando a disponibilidade do ferro para a eritropoese. 
OBS: hepcidina bloqueia a ferroportina tanto no enterócito quanto no macrófago. 
 IL-1 => estimula a síntese de lactoferrina pelos PMN, que compete pelo ferro com a transferrina e não libera 
o ferro para a medula de forma adequada. (Obs: por isso a capacidade total de ligação do ferro está normal ou 
↓ => tem menos transferrina e mais lactoferrina, que tem maior afinidade pelo ferro) 
 TNF-α e os lipossacarídeos => Aumenta a expressão da proteína transportadora de metal divalente DMT1, o 
que aumenta a captação de ferro pelos macrófagos. Também diminuem a expressão de ferroportina. 
Em condições normais a transferrina transporta o ferro dos seus locais de depósito (macrófagos do baço/ferritina) para 
a medula óssea. Na anemia de doença crônica esta etapa encontra-se “bloqueada”. A IL-6 tem um papel essencial 
neste bloqueio, já que, após o aparecimento de uma doença inflamatória crônica, os macrófagos começam a liberar 
esta citocina, que estimula o fígado a produzir hepcidina (que se comporta como um reagente de fase aguda). Esta 
última, por sua vez, determina uma redução na absorção intestinal de ferro ao inibir a síntese de ferroportina (o “canal 
de ferro” responsável pela entrada deste elemento nos enterócitos). Ocorre também um “aprisionamento” do ferro no 
interior dos macrófagose demais locais de depósito, comprometendo o abastecimento da produção eritrocitária – um 
fenômeno chamado de eritropoiese restrita em ferro. Tais efeitos da hepcidina justificam a HIPOFERREMIA 
encontrada na anemia de doença crônica. 
 Manifestações clínicas 
Como na maioria das vezes a anemia não é grave, o quadro clínico é caracterizado pelos sinais e sintomas da doença 
de base. Entretanto, mesmo a anemia leve acentua os efeitos debilitantes da doença subjacente sobre o estado geral do 
paciente. 
 
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- A anemia geralmente se instala ao longo do primeiros 30-90 dias, em geral não progride e se normaliza com o 
tratamento da doença de base => quanto mais intensa a atividade inflamatória > o grau da anemia. 
 Diagnóstico 
Feito por exclusão. 
Diagnostico Diferencial: o mais importante é a anemia ferropriva (AFe). 
 
 Laboratório 
ADC caracterizase por anemia do tipo hipoproliferativa com ferro sérico e saturação da transferrina diminuídos 
e, paradoxalmente, aumento da ferritina sérica e da concentração de ferro na medula óssea 
Hemograma: na maioria das vezes revela uma anemia normocítica-normocrômica (2/3 dos casos), embora também 
possa ser microcítica-hipocrômica ou normocítica-hipocrômica. 
OBS: quando há microcitose, não constuma ser tao intensa quando observada no paciente com anêmica ferropriva e, 
raramente, o VCM é menor que 72 fl. 
 ↓ Hemoglobina: entre 9-12g/dL (anemia leve-moderada) 
 ↓ Hematócrito: > 25% na maioria das vezes. 
 VCM ↓, embora, raramente menor que 72. (Valor de referência: 80-100) 
 RDW normal 
Contagem de Reticulócitos: normal (medula hipoproliferativa devido à baixa disponibilidade de ferro para a 
eritropoese) 
PCR, VHS e fibrinogênio: aumentados 
Cinetica do Ferro: 
 Fe sérico: ↓ (< 50mg/dL) ou normal 
 Ferritina sérica: normal ou alta 
 Capacidade total de ligação do ferro à transferrina: normal ou baixa (o que NÃO pode estar é aumentado) 
 Índice de saturação da transferrina: normal ou ↓ (mas nunca tão baixo quanto na ferropriva). 
 
 Tratamento 
Como geralmente a ADC é leve ou no máximo moderada, o tratamento deve enfocar apenas a doença de base. Nos 
casos incomuns de anemia grave (hematócrito < 25%), afastando-se a ferropenia e outras causas de anemia, o 
tratamento deve ser realizado com eritropoietina recombinante, de modo a evitar as hemotransfusões repetidas. O 
tratamento com eritropoetina deve ser acompanhado de reposição de ferro parenteral, pois aumenta significativamente 
o consumo deste elemento 
OBS: eritropoietina para anemia sintomática moderada a grave (principalmente me pacientes com câncer) ou com 
evolução ruim => melhora qualidade de vida e estado geral do paciente. 
OBS: Tratamento oral não é eficiente (há ↓ da absorção intestinal de ferro).

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