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Luiz Felipe Alcântara Ferreira - Medicina DOR DOR NEOPLÁSICA Tópicos ● Etiologia ● Tipos de Dor ● Barreiras ao Tratamento ● Mensuração da Dor ● Tratamento Introdução A dor causada pelo câncer é extremamente apavorante, mas na maioria dos casos pode ser facilmente controlada. A dor causada pelo câncer comumente é atribuída aos efeitos diretos do tumor, ao tratamento da neoplasia maligna ou a outros distúrbios não-relacionados com a doença e seu tratamento. Estudos mostraram que alguns grupos estão sob risco de receber avaliação e tratamento inadequados, inclusive minorias, crianças, idosos, indivíduos com história de dependência química e pacientes com déficits cognitivos . As abordagens terapêuticas farmacológicas incluem analgésicos não-opióides, opióides e coadjuvantes, antineoplásicos e, em alguns casos, técnicas intervencionistas. As intervenções terapêuticas não-farmacológicas podem dar suporte ao tratamento farmacológico e incluem abordagens cognitivo-comportamentais e procedimentos físicos como órtese, exercícios terapêuticos, aplicações de calor e frio e utilização de dispositivos auxiliares. 1 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Etiologia Dor Causada pelo Tumor ➔ Infiltração óssea A infiltração óssea tumoral é a causa mais comum de dor no câncer, podendo manifestar-se localmente ou à distância, pelo mecanismo de dor referida. Ela ocorre por conta da estimulação nociva nos nociceptores no periósteo. O crescimento tumoral ou as fraturas secundárias podem ocasionar lesão, compressão, tração ou laceração das estruturas nervosas, ocasionando dor isquêmica, dor neuropática periférica ou dor mielopática. O paciente apresenta dolorimento constante, profundo, às vezes contínuo, e surge com os movimentos (dor incidental). ➔ Compressão ou infiltração de nervos periféricos A infiltração ou compressão de troncos, plexos e/ou raízes nervosas pelo tumor, linfonodos e/ou fraturas ósseas metastáticas pode determinar dor aguda de forte intensidade, resultando em plexopatia, radiculopatia ou neuropatia, ou seja, dor na distribuição da estrutura nervosa acometida, com apresentação de dor em queimação, contínua, hiperestesia, disestesia e perda progressiva da sensibilidade. ➔ Infiltração do neuroeixo (SNC) Pode ocorrer dor por invasão tumoral na medula espinal, no encéfalo e em suas meninges. A dor radicular surge por compressão ou infiltração da medula espinal, com alteração motora, sensitiva e autonômica distais ao local da lesão. Podemos observar, além da dor radicular, a primeira manifestação do comprometimento raquimedular, a dor mielopática localizada e a dor-fantasma. ➔ Infiltração e oclusão dos vasos sanguíneos e linfáticos As células tumorais podem infiltrar e/ou ocluir os vasos sangüíneos e linfáticos, ocasionando vasoespasmo, linfangite e possível irritação nos nervos aferentes peri-vasculares. O crescimento tumoral nas proximidades dos vasos sangüíneos leva à oclusão desses vasos parcial ou totalmente, produzindo estase venosa ou isquemia arterial, ou ambos. A isquemia causa dor e claudicação. A estase venosa produz edema nas estruturas supridas por esses vasos, determinando distensão dos compartimentos fasciais e de outras estruturas nociceptivas. A oclusão arterial produz isquemia e hipóxia 2 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina com destruição celular. Esses mecanismos causam dor normalmente difusa, cuja intensidade aumenta com a progressão do processo. ➔ Infiltração de vísceras ocas ou invasão de sistemas ductais de vísceras sólidas A oclusão de órgãos dos sistemas digestório, urinário e reprodutivo (estômago, intestinos, vias biliares, ureteres, bexiga e útero) produz obstrução do esvaziamento visceral e determina contratura da musculatura lisa, espasmo muscular e isquemia, produzindo dor visceral difusa (tipo cólica) constante, com sensação de peso ou pobremente localizada, referida nas áreas de inervação da víscera comprometida. Órgãos como linfonodos, fígado, pâncreas e supra-renais podem vir a apresentar dor devido à isquemia ou distensão de suas cápsulas. Essas vísceras sólidas também podem apresentar quadro álgico por obstrução de seus sistemas ductais. Dor Causada pelo Tratamento ➔ Dor pós-cirúrgica Determinadas intervenções cirúrgicas têm alta incidência para o desenvolvimento de dor aguda e crônica. Na fase aguda, a dor decorre do processo inflamatório traumático de cirurgias, como toracotomias, esternotomias, amputações e mastectomias. Na fase crônica, a dor ocorre devido ao câncer recidivado localmente. ➔ Dor pós-radioterapia A dor pós-radioterapia apresenta-se como exacerbação aguda de dor crônica relacionada ao posicionamento para a terapia, queimaduras cutâneas, neuropatia actínica, mielopatia actínica, sinal de Lhermitte (desmielinização transitória da medula cervical ou torácica), mucosite bucal, esofagite, produção de tumores primários de nervos periféricos secundários à radiação, obstrução intestinal parcial e infarto ou isquemia intestinal. ➔ Dor pós-quimioterapia A dor pode ocorrer por polineuropatias periféricas, causadas por drogas imunossupressoras (oxaliplatina, paclitaxel, docetaxel, vincristina, carboplatina, cisplatina, doxorrubicina e capecitabina), podendo ser de caráter transitório ou definitivo. Existem as mucosites (oral, faríngea, gastroduodenal e nasal) induzidas por leucopenia ou irradiação junto com a monilíase do sistema digestório e a esofagogastroduodenite. Também podem ocorrer espasmos vesicais e a necrose asséptica da cabeça do fêmur, causados por corticóides. 3 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Dor não relacionada As síndromes dolorosas que não estão relacionadas nem ao tratamento nem ao tumor representam 3% do total e podem ser causadas por: osteomielite, migrânea, cefaléia tensional, osteoartrite, osteoporose, neuropatia diabética, pós-alcoolismo, pós-hanseníase, protusão discal, hérnia discal, síndrome pós-laminectomia miofascial, entre outras, sem relação com a dor ocasionada pelo câncer. Tipos de Dor A dor no câncer tem as características da dor crônica ou persistente, sendo decorrente de processo patológico crônico, podendo envolver estruturas somáticas ou viscerais, bem como estruturas nervosas periféricas e/ou centrais, isoladas ou em associações, cursando com dor contínua ou recorrente por meses ou anos. A intensidade da dor relaciona-se geralmente ao estágio da doença, podendo apresentar períodos de remissão com a terapêutica neoplásica e de piora com recidivas e progressão da doença. A dor pode ser um dos primeiros sinais da doença, não sendo necessário aguardar o diagnóstico definitivo, como, por exemplo, o resultado histopatológico de uma biópsia já realizada para dar início à terapia antálgica. Retardar o tratamento causa mais sofrimento ao paciente. ➔ Dor nociceptiva A dor por excesso de nocicepção (nociceptiva) é a mais comum no câncer. É causada por estímulos aferentes de grande intensidade, nocivos ou lesivos, produzidos por processo inflamatório ou infiltração de tecidos pelo tumor, capazes de atingir o alto limiar de excitabilidade do nociceptor e gerar a dor. A dor nociceptiva ocorre como resultado da ativação e sensibilização dos nociceptores em tecidos cutâneos e profundos, localizados preferencialmente na pele, músculo, tecido conjuntivo, osso e víscera torácica ou abdominal. ➔ Dor neuropática A dor é denominada neuropática se a avaliação sugerir que é mantida por processos somatossensoriais anormais no sistema nervoso periférico (SNP) ou central (SNC). Ela surge quando há disfunção do SNP e/ou do SNC, por invasão tumoral ou pelo 4 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina tratamento do câncer (cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia). A fisiopatologia da dor por desaferentação ainda não está completamente esclarecida. ➔ Dor psicogênica A dor pode ser definida como psicogênica se houver evidência positiva de que os fatores psicológicos predominam na manutenção do sintoma sem nenhuma evidência de causa orgânica. ➔ Dor incidental (breakthrough pain) Oevento conhecido como dor incidental, ou breakthrough pain, ocorre quando o controle da dor basal é alcançado, e, ainda assim, o paciente apresenta episódios de dor em picos, de início súbito e agudo. Pode ocorrer espontaneamente ou estar relacionado aos movimentos (pacientes com infiltração óssea), como também pode ocorrer em consequência de prescrição analgésica com doses e intervalos inadequados. Essa condição leva o paciente à apreensão e à descrença no tratamento. Barreiras ao Adequado Tratamento da Dor ➔ Desconhecimento sobre os mecanismos fisiopatológicos das síndromes dolorosas relacionadas ao câncer; ➔ Desconhecimento sobre a terapêutica (farmacológica e não-farmacológica) em uso no tratamento dos diversos mecanismos; ➔ Medo da dependência física e psicológica, adição, tolerância e/ou efeitos colaterais relacionados ao uso de opióides (paciente, família e profissionais de saúde); ➔ Desconhecimento da avaliação correta, quanto à localização, intensidade, irradiação, variação temporal e fatores que aliviam e pioram a dor; ➔ Medo de que a utilização de opióides venha a acelerar a morte na fase terminal; ➔ Ausência de informações sobre dor nos currículos médicos e nos de outros profissionais de saúde; ➔ Falta de informação e crenças incorretas, responsáveis por levar os pacientes a acreditarem que a dor do câncer é inevitável e intratável. 5 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Mensuração da Dor Quantificar a intensidade da dor é indispensável para o planejamento do tratamento e verificação da adequação do esquema proposto. Como a dor é uma experiência subjetiva e referida pelo paciente, não pode ser objetivamente quantificada, sendo acessada, indiretamente, por instrumentos de medida padronizados. Escala visual analógica (EAV), que consiste em uma linha reta, não numerada, com indicação de “sem dor” e “pior dor imaginável” nas extremidades, e a escala numérica visual (EVN), graduada de 0 a 10, onde zero significa “sem dor” e 10 significa “pior dor imaginável” Existe também a escala descritiva verbal de intensidade da dor, com a seguinte graduação: 0 = sem dor; 1, 2, 3 = dor fraca; 4, 5, 6 = dor moderada; 7, 8, 9 = dor intensa; e 10 = dor insuportável. 6 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina Tratamento O tratamento da dor do câncer consiste inicialmente do tratamento primário do câncer nas suas diversas modalidades; como cirurgia, radioterapia, quimioterapia e/ou hormonioterapia, isoladas ou, na maioria das vezes, combinadas. O tratamento com fármacos analgésicos é baseado na utilização da escada analgésica da OMS, com a utilização de analgésicos antiinflamatórios não-hormonais (AINHs), opióides fracos e fortes, associados ou não a drogas coadjuvantes. Também são utilizados métodos não-farmacológicos para o tratamento da dor no câncer, como bloqueios anestésicos, procedimentos neurocirúrgicos funcionais, estimulação elétrica do sistema nervoso periférico e central, implantes de dispositivos para administração de analgésicos, programas de medicina física, acupuntura, acompanhamento psicológico, biofeedback, hipnose e estratégias cognitivas comportamentais, entre outros. O tratamento tem como objetivo promover o alívio necessário da dor para que os procedimentos diagnósticos e terapêuticos do câncer possam ser realizados e deve ser instituído logo que surjam as primeiras manifestações dolorosas. Vias de administração Mais diversas vias de administração: intravenosa (infusão contínua, utilização de bombas de infusão ou uso de sistema PCA [pacient control analgesia]), intramuscular, oral, subcutânea, transdérmica (através da utilização de patchs), retal ou peridural. A via de administração é escolhida levando-se em conta as condições clínicas e/ou características do tumor e as condições sociais e econômicas do paciente. Devem ser também consideradas as condições do serviço onde ele é atendido e, ainda, se esse atendimento é em regime de internamento hospitalar, domiciliar ou ambulatorial. AINHs As drogas analgésicas antiinflamatórias não-hormonais são utilizadas em todos os degraus da escada analgésica da dor. O mecanismo de ação é baseado na inibição reversível ou irreversível da ciclooxigenase (COX), existindo, atualmente, grande interesse na utilização de fármacos mais específicos para a inflamação e a dor. Como visto anteriormente, essas drogas podem ser utilizadas isoladas ou associadas a outras drogas adjuvantes, opióides fracos e fortes, nas várias fases da dor. A associação de AINHs e opióides é bastante benéfica, tornando possível a redução da dose do opióide, a melhora dos sintomas álgicos e a redução dos efeitos colaterais. Na dor oncológica, 7 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina esses fármacos são benéficos no tratamento da dor somática, principalmente a de caráter inflamatório, como nas metástases ósseas. Podem aliviar a dor-fantasma, a dor pós-operatória, as cefaléias, as mialgias e a dor incidental. Opióides O tratamento analgésico com opióides constitui o sustentáculo da terapia da dor no câncer. Os opióides são classificados quanto à sua origem como naturais (morfina, papaverina, codeína e tebaína), semi-sintéticos (heroína, hidromorfona, hidrocodona, buprenorfina e oxicodona) e sintéticos (levorvanol, butorfanol, metadona, pentazocina, meperidina, fentanil, sufentanil e alfentanil). Quanto à sua potência, são divididos em fracos (codeína, tramadol) e fortes (morfina, metadona, oxicodona, buprenorfina, fentanil). Devido à sua eficácia, disponibilidade em todo o mundo e baixo custo, a OMS considera a morfina como droga-padrão para o tratamento da dor no câncer Não-farmacológicos No tratamento não-farmacológico da dor oncológica, destacam-se a atuação de vários profissionais para melhora da dor e da qualidade de vida dos pacientes. A abordagem multiprofissional tenta lidar com o paciente como um todo. O psicólogo da dor pode atuar auxiliando o paciente no melhor entendimento do processo de sua doença, enfocando a subjetividade do processo doloroso no discernimento dos fatores biológicos (sensoriais), psicológicos (afetivos, cognitivos), comportamentais, sociais e culturais. Os pacientes com dor oncológica possuem elevada incidência de transtornos depressivos, ansiosos e somatoformes. Várias intervenções psicoterápicas podem ser instituídas: modelo biopsicossocial para compreensão do processo de cronicidade da dor, biofeedback, treinamento de relaxamento e dessensibilização. O fisioterapeuta atua na dor, por meio da medicina física e da reabilitação. Existem os meios físicos para atuar na dor, como a termoterapia (forno de Bier, parafina, laser, infravermelho, tanques, crioterapia, banho de contraste, ultra-som) e as correntes analgésicas. Pode-se reabilitar o paciente por cinesioterapia (contrações musculares, exercícios, alongamento muscular), implantação de órteses e próteses de membros, protegendo o corpo de fraturas patológicas e disfunção corporal. A acupuntura também é útil na dor do câncer; ela pode atuar na dor somática e neuropática, assim como na melhora dos sintomas do câncer e sua terapia. Outros profissionais têm importância no tratamento: enfermeiro, assistente social, odontólogo, terapeuta ocupacional e nutrólogo. Existem vários procedimentos que podem ser utilizados nos pacientes com dor oncológica. Ultimamente, esses procedimentos têm sido considerados como o quarto degrau da escada analgésica; sendo procedimentos invasivos, devem ser bem avaliados quanto 8 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina aos benefícios e efeitos adversos. Existem os bloqueios nervosos temporários e os definitivos, bloqueio neural simpático, administração de radiofármacos e radioterapia paliativa. Drogas adjuvantes São considerados analgésicos adjuvantes drogas que não têm a dor como indicação primária, embora sejam analgésicas em algumas situações dolorosas. São bastante diferentes dos analgésicos tradicionais, como os AINHs e os opióides, compondo um grupo diversificado de drogas. Existem os analgésicos polivalentes: antidepressivos,agonistas α2, neurolépticos, anestésicos locais; os analgésicos para síndromes dolorosas neuropáticas: antidepressivos, anticonvulsivantes, agonistas GABA, bloqueadores NMDA; e os analgésicos para dor óssea: corticóides, bisfosfonatos, calcitonina. 9 Luiz Felipe Alcantara Ferreira - Medicina 10
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