Buscar

Os paradoxos da revolução russa (Paulo Fagundes Visentini)

Prévia do material em texto

1 
 
VISENTINI, Paulo Fagundes. A URSS no mundo: A Superpotência Socialista. In: Os 
paradoxos da revolução russa: Novas teses sobre o stalinismo, as guerras e a queda da 
URSS. Rio de Janeiro: Alta Books, 2017. pp. 77-118. 
 
A URSS NO MUNDO: A Superpotência Socialista (1947-1987) - pp. 77-118 
3.3 – O interregno Kruschev: o outro lado da desestalinização 
“foi impossível desengajar-se das transformações globais, e o Socialismo em um Só País 
deu lugar à segunda superpotência mundial, com toda a carga de militarização que esse 
fato implicou. A virada ocorreu em 1947, contra suas expectativas de médio prazo e, 
ainda que atuasse nos primeiros anos apenas em sua vizinhança, ela foi arrastada a um 
papel global cada vez mais complexo, sem que fosse criado um sistema internacional 
alternativo, que prosseguia capitalista” (p. 77). 
[...] 
“Apesar de certas formas histéricas e maniqueístas da Guerra Fria, o período foi 
caracterizado por uma racionalidade cristalina, pois permitia aos Estados Unidos manter 
o controle político e a primazia econômica tanto sobre seus aliados industriais europeus 
quanto sobre a periferia subdesenvolvida. Ao explorar a ideia de uma ameaça externa, 
Washington obtinha a unidade do mundo capitalista. A manutenção de um clima de 
tensão militar conferia aos americanos uma posição privilegiada para consolidar sua 
projeção econômica e administrar a emancipação das colônias que desejava subtrair aos 
seus próprios aliados europeus . A permanente tensão permitiria a hegemonia de sua 
formidável máquina militar em pleno tempo de paz. A Guerra Fria constituiu-se, assim, 
em uma Pax Americana”. 
“Mas também permitia à Stalin endurecer os mecanismos de controle político, a pretexto 
do ‘inimigo externo’, e manter o sistema de dominação. Assim, a Guerra Fria criou um 
eixo orientador das relações internacionais, com uma bipolaridade equilibrada que 
substituía o equilíbrio europeu como centro do mundo e legitimava as ideologias rivais 
das superpotências. A URSS liderava um bloco regional e os EUA um mundial, havendo 
um modus vivendi pactuando entre ambas (p. 82). O ‘equilíbrio do terror nuclear’ era, 
também, uma garantia contra a eclosão de uma III Guerra Mundial (‘Quente’)”. 
“Por isso, a Guerra Fria foi, neste contexto, tanto um conflito quanto um sistema. Segundo 
o acadêmico norte-americano Mike Davis (1985, p. 68-70), 
[a Guerra Fria], em sentido amplo, não [era] uma rixa arbitrária ou anacrônica 
encenada essencialmente na Europa , mas um conflito racionalmente 
explicável e profundamente enraizado de formações sociais e forças políticas 
opostas, cujo principal centro de gravidade tem sido [desde os anos 1950], o 
Terceiro Mundo. Tal conflito teria existido e evoluído para uma Guerra Fria, 
mesmo que as armas nucleares jamais tivessem sido inventadas. A Bomba 
formou e malformou sua evolução, mas não é ela a sua razão. Esta reside na 
sua dinâmica da luta de classes a uma escala mundial. [...] Dessa perspectiva, 
a Guerra Fria entre a URSS e os EUA é, em última análise, o condutor de 
descargas elétricas de todas as tensões históricas entre forças de classe 
antagônicas. 
[...] 
2 
 
“A URSS de Krushchev, mesmo marcada pelo desconcertante voluntarismo de seu líder, 
atingiu, na segunda metade da década de 1950, a condição de potência mundial. Ainda 
que, sob o comando de Stálin, fosse uma superpotência no contexto da ONU, 
materialmente seguia a política do Socialismo em um Só País, com interesses apenas em 
suas regiões fronteiriças”. 
“O país se recuperara, no plano econômico e demográfico, do baque sofrido na Segunda 
Guerra, atingira um relativo equilíbrio nuclear na Europa e ultrapassara os EUA na 
corrida espacial, ao lançar o Sputnik, o primeiro satélite artificial, em 1957, e colocar o 
primeiro homem em órbita pouco depois. As realizações tecnológico-militares não se 
restringiram à corrida espacial. A tecnologia de mísseis foi desenvolvida, tanto no que se 
refere aos de médio alcance quanto aos antiaéreos que derrubava o avião espião norte-
americano U-2 sobre território soviético”. 
“Moscou superara a fase em que a extrema vulnerabilidade do país obrigava Stálin a uma 
atitude apenas reativa e defensiva nas relações internacionais. Krushchev implementou, 
ainda que com muitas deficiências, uma diplomacia realmente mundial, com programas 
de ajuda ao nacionalismo do Terceiro Mundo (embora modestos) (p. 98). A União 
Soviética agora se percebia como potência e, nos marcos da Coexistência Pacífica, se 
propunha a ultrapassar economicamente os EUA em pouco tempo. Essa política 
econômica era muito criticada. Diferentemente do que Stálin havia alertado, Krushchev 
deu ênfase à indústria de bens de consumo, em detrimento da pesada, perdendo a 
capacidade de produzir meios de produção e de manter o crescimento econômico. Para 
os opositores, essa competição com os Estados Unidos e com a Europa Ocidental era algo 
que a URSS não conseguiria ganhar e nem deveria empreender”. 
“John F. Kennedy assumiu a Casa Branca em 1961 herdando certo pessimismo americano 
quanto à situação da Guerra Fria, e três meses depois sofreu o revés da Baía dos Porcos, 
em Cuba. Urgia uma reação, e o presidente ordenou que fossem construídos vários porta-
aviões nucleares e aumentou substancialmente o orçamento militar norte-americano, o 
efetivo da OTAN no envolvimento no Vietnã” (p. 98). 
[...] 
“Em seguida os Estados Unidos desmascararam o blefe nuclear de Krushchev (o Missile 
Gap), descobrindo que a URSS não se encontrava em vantagem estratégica. Isso se 
somou à proclamação de Cuba como Estado socialista e ao bloqueio americano para 
estimular a decisão soviética de instalar mísseis na ilha (1962). Descobertos antes da fase 
operacional, os mísseis perderam parte da importância diplomática. Em face da violenta 
reação norte-americana, os soviéticos foram humilhados e retiraram os mísseis de Cuba, 
em troca do compromisso dos EUA de não invadir o país” (p. 99).

Mais conteúdos dessa disciplina