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1 Ensino de Química Corpo Humano - estruturas de macromoléculas. Tópico: Grandes estruturas, grandes responsabilidades – parte 1 Objetivo: Mostrar as principais estruturas de macromoléculas com atividade biológica e correlacionar as estruturas moleculares e as funções destas entidades químicas. As estruturas aprendidas nessa aula serão lipídeos, carboidratos e ácidos nucleicos. Nessa aula, estudaremos as estruturas das principais biomoléculas presentes em humanos, com especial interesse nas proteínas, estabelecendo dois conceitos cruciais nesse tema: complexidade e representação, facetas onipresentes na área da Bioquímica Estrutural. A premissa pétrea da Bioquímica Estrutural é a de que estrutura está intimamente relacionada com a função. Uma vez que as moléculas adquiram a forma tridimensional nativa (encontrada na natureza), estas estarão prontas para desempenharem seus papéis fisiológicos. No caso das proteínas, pode haver a necessidade de aquisição de cofatores, espécies químicas auxiliares com estrutura diversa dos aminoácidos, que auxiliam o desempenho completo desses papéis. Mas esse é o assunto da próxima aula. As funções específicas de cada biomolécula são acessadas indiretamente e, por isso, em certos casos, a caracterização das biomoléculas por técnicas de microscopia torna-se necessária. Até bem pouco tempo atrás, esses métodos não estavam disponíveis para a maioria das biomoléculas, mas apenas para macromoléculas como o DNA, visíveis até a olho nu, ainda que a ultraestrutura não possa ser distinguida nessas condições. Atualmente, é possível estudar biomoléculas e os processos controlados por elas por meio do uso de imagens em alta resolução. O alcance desse nível de detalhe na 2 visualização das moléculas biológicas levou a Bioquímica a um outro nível nessa década, por esta razão, os desenvolvedores desses métodos – a microscopia crio-eletrônica - Joachim Frank (1940-), Richard Henderson (1945-) e Jacques Dubochet (1942-), foram laureados com o Prêmio Nobel de Química de 2017. Os 3 cientistas conseguiram visualizar a estrutura completa do Vírus Zika em alta resolução, gerando grande impacto na pesquisa nas áreas da Bioquímica Estrutural e de Saúde Pública, pela importância desse agente infeccioso. A classe molecular com a qual trabalharemos inicialmente é a dos Lipídeos. A forma mais simples desse tipo de biomolécula é um ácido graxo, definido como um ácido carboxílico de cadeia longa (geralmente mais do que 10 carbonos). Um ácido graxo é uma molécula anfifílica, com uma cabeça polar (hidrofílica) no grupo carboxila e uma cauda apolar (hidrofóbica) compreendendo a cadeia de hidrocarboneto. Existem na natureza ácidos graxos saturados e insaturados, sendo estes últimos encontrados somente na configuração cis, como pode ser visto na figura 1. Ácidos graxos com ligações trans não são naturais e tendem a se acumular no organismo. Em geral, pelo processo de síntese adicionar pares de carbonos por vez, o número total de carbonos em um ácido graxo tende a ser par. Figura 1: Estrutura de ácidos graxos de 18 carbonos. a) Ácido graxo saturado e b) Ácido graxo com instauração cis no carbono 9. Figura retirada de Voet et al., 2012. Os ácidos graxos podem ser combinados em diversas classes de lipídeos, das quais vale destacar os triacilgliceróis – forma de armazenamento de lipídeos no tecido adiposo – e os fosfolipídeos, as moléculas encontradas na bicamada lipídica das membranas celulares. A diferença de composição entre os dois tipos de lipídeos pode ser vista na figura 2. Enquanto os triacilgliceróis possuem 3 cadeias de ácidos graxos, os fosfolipídeos são compostos por duas cadeias de ácidos graxos e um éster-fosfato. 3 Figura 2: Estrutura de um triacilglicerol (a) e de um exemplo de fosfolipídeo, a etanolamina (b). Figura retirada de Arêas Dau, 2015. (a) (b) A presença de cadeias saturadas de ácidos graxos nesses dois lipídeos eleva o ponto de fusão da molécula, porque permite maior compactação destas. A pequena distância entre elas promove a formação das forças de dispersão de London entre as caudas apolares. Estas interações são provenientes de dipolos temporários e aleatórios de baixa intensidade, mas que conjuntamente rendem estabilidade à molécula. Sendo assim, é preciso alta temperatura para romper estas interações. Quando há uma ou mais cadeias insaturadas em triacilgliceróis ou fosfolipídeos, as caudas apolares se afastam e minimizam a formação das Forças de dispersão de London. Como consequência, existe abaixamento do ponto de fusão. Por essa razão, lipídeos saturados são sólidos a temperatura ambiente (gorduras) e os insaturados - em pelo menos uma cadeia - são líquidos nessa faixa de temperatura (óleos). É possível ver a representação de uma gordura e de um óleo na Figura 3. Figura 3: a) Triacilgliceróis formados por ácidos graxos saturados (gorduras) e, em b), por cadeias insaturadas (óleos). Figura retirada de Voet et al., 2012. (a) (b) Todas essas propriedades são importantes, mas a capacidade de se organizar em água na forma de bicamadas é que torna os lipídeos essenciais à vida. Como vimos na 4 Aula 1, uma das características de um ser vivo é ser autocontido, ou seja, deve haver uma separação entre o material do ser vivo e o meio externo. A bicamada lipídica faz esse papel, permitindo o transporte seletivo de solutos apolares entre os meios interno e externo e, acomodando estruturas proteicas e de açúcares que realizam o transporte das moléculas polares. Para isso, os lipídeos de membrana voltam a cabeça polar para os lados onde existe água, enquanto as caudas apolares concentram-se no interior hidrofóbico da ultraestrutura. As proteínas, por sua vez, podem estar em uma das faces desta membrana – periféricas – ou atravessar a bicamada lipídica (completamente ou parcialmente), como as integrais de membrana. Essa composição híbrida da membrana pode ser vista na figura 4. Figura 4: Organização de uma membrana na forma de bicamada lipídica. É possível visualizar a parte lipídica (fosfolipídeos), com cabeça polar (esferas terracota) e cauda apolar (filamentos areia), e, as proteínas constituintes (em azul). O retângulo amarelo mostra uma molécula de colesterol, outro componente lipídico da bicamada. Figura adaptada de Khan Academy website. O balanço da composição entre lipídeos saturados e insaturados, além da presença de lipídeos rígidos, como o colesterol, é que faz a membrana ser resistente o suficiente para conter o material da célula e maleável a ponto de permitir movimentação das estruturas não lipídicas ao longo dela. Essa propriedade de ser rígida e maleável ao mesmo tempo é a fluidez de membrana, responsável por suas características. Outra classe de moléculas importantes para a manutenção da vida é a de Carboidratos (açúcares ou sacarídeos), compostos orgânicos de fórmula molecular (CH2O)n. Em termos de massa, os carboidratos são as moléculas biológicas mais presentes no nosso planeta, sendo a grande maioria sintetizada por organismos fotossintéticos, pela fixação de carbonos vindos do CO2 da atmosfera. Em humanos, a principal função de carboidratos de grandes cadeias, polissacarídeos, é a de armazenamento de energia metabólica. Essa é outra grande propriedade de um ser vivo, ter uma fonte de produção energética para manutenção das funções vitais. Ainda que carboidratos tenham importância fundamental na vida como conhecemos, como na de 5 humanos, Francisco Jr (2008) afirma que materiais didáticos de Química no ensino médio tratam superficialmente de Bioquímica e, adicionalmente subestimam a essencialidade dos carboidratos. Nesse trabalho, o autor ainda descreve abordagens experimentais simples que podem ser feitas para trabalhar as propriedades dos carboidratos de forma bastante didática. Este artigo está disponível no Repositóriona aba da disciplina como material complementar, sob o nome de carboidratos.pdf. Muitos monossacarídeos (açúcares monoméricos) são comumente encontrados na dieta ou sintetizados por vias metabólicas bem estabelecidas, todos em configuração D, a natural. O prefixo D refere-se à posição do OH no último carbono quiral (assimétrico) a partir do carbono 1 dos açúcares. Nessa representação, o grupo OH deve estar localizado à direita do carbono 5 nas hexoses (açúcares de 6 carbonos) e do carbono 4 nas pentoses (açúcares de 5 carbonos). Destes monossacarídeos, vale destacar a glicose, por ser a principal fonte de energia para organismos não fotossintéticos. A galactose e a manose também merecem destaque nesse contexto metabólico. Essas 3 hexoses são estereoisômeros, ou seja, compostos com fórmula molecular idêntica, contendo os mesmos ligantes nos carbonos, mas com distribuição espacial diversa. A frutose também possui um papel importante, pois é um dos intermediários do metabolismo de glicose e é amplamente distribuída nos vegetais de consumo humano. A frutose e a glicose são os dois monossacarídeos mais abundantes na natureza. Glicose, manose e galactose são isômeros de posição da frutose, pois os três primeiros são poli- hidroxialdeídos (aldoses), enquanto o último é uma poli-hidroxicetona (cetose). A ribose é a pentose mais importante em humanos, por fazer parte do esqueleto carbônico dos ácidos nucleicos. As estruturas desses 5 monossacarídeos podem ser vistas na figura 5. Figura 5: a) Estrutura das aldoses: D-manose, D-glicose e D-galactose. A diferença de distribuição dos ligantes entre os açúcares está assinalada. b) Estrutura da cetose: D-frutose. c) Estrutura da aldose: D- ribose. Figura adaptada de Voet et al., 2012; Berg et al., 2002 e Arêas Dau, 2015. (a) (b) (c) 6 A representação da forma aberta dos monossacarídeos, visualizada na figura 5, é chamada de Projeção de Fischer. Estas estruturas estão em equilíbrio com a forma cíclica, mais estável e, por consequência, mais abundante na natureza. A representação da forma fechada do monossacarídeo, obtida pela reação de ciclização da forma aberta, é a Projeção de Haworth. O processo gera dois isômeros (α e β) que são bem representados na natureza. Como exemplo, observe o processo de ciclização da glicose na figura 6. Nesta figura também é possível observar um dissacarídeo formado a partir de monossacarídeos na forma fechada e, amido, o polímero de glicoses responsável pelo suprimento desse açúcar na dieta, adquirido pela ingestão de vegetais. O amido é formado por uma parte linear (amilose) e por uma ramificada (amilopectina). O glicogênio, nossa reserva de glicose, encontrado no fígado, músculo e outros órgãos, é similar à amilopectina. Figura 6: a) Ciclização da D-glicose. b) Dissacarídeo formado a partir de monossacarídeos (glicose e galactose) na forma fechada. c) Amido, polímero formado a partir de unidades de glicose. Figura adaptada de Arêas Dau, 2015 e Voet et al., 2012. (c) (b) O processo de ciclização da D-ribose e da D-desoxirribose - D-ribose que tem H em vez de OH no carbono 2’ do anel, veja figura 7 - rende a base do esqueleto de carbono dos Ácidos Nucleicos, a próxima classe molecular que estudaremos. O Ácido Desoxirribonucleico (DNA) e o Ácido Ribonucleico (RNA) estão relacionados ao fluxo de (a) 7 informação conforme previsto no Dogma da Biologia Molecular. Isso mesmo, você não leu errado. Essa informação possui tanta evidência científica que já superou o status de teoria e de lei, sendo chamado de dogma. Ele diz que a informação da constituição do indivíduo - em quase todas as espécies, inclusive a humana – segue a seguinte ordem irreversível: DNA RNA Proteína. Podemos dizer que o DNA seria o código-fonte do ser humano, o RNA as informações que trafegam entre programas – um intermediário, um mensageiro - e a proteína é a linha de frente do programa, quem de fato realiza as funções no corpo. DNA e RNA são formados por unidades de repetição nucleosídicas, unidas por ligações fosfodiéster. As famosas bases do DNA (adenina, timina, citosina e guanina), que codificam os aminoácidos na proteína final, são ligantes dos açúcares ribose e desoxirribose no carbono 1’, como pode ser visto na figura 7. Nesta figura também pode ser visualizada uma pequena sequência de DNA. Figura 7: Estrutura dos nucleosídeos de DNA e RNA. a) Ribonucleosídeos, unidades de repetição no RNA. b) Desoxirribonucleosídeos, unidades de repetição no DNA. c) Um fragmento de uma cadeia de DNA. A diferença entre ribose e desoxirribose está no carbono 2’ do açúcar, mostrada com uma seta vermelha. Figura adaptada de Arêas-Dau, 2015. (c) (c) Como pode ser visto na figura 7c), a sequência de adição dos nucleosídeos pode ser representada simplesmente pelo encadeamento da informação das bases contidas nos nucleosídeos. Ou seja, tomando-se como exemplo o fragmento da figura 7 c), ao invés de escrever a ordem dos nucleosídeos: adenosina, guanosina, timidina (seria uridina no caso do RNA) e citidina, escreve-se AGTC (para o DNA mostrado) ou AGUC 8 (se a fita fosse de RNA). Vale lembrar que além da diferença de timidina ser encontrada só no DNA e uridina só no RNA; no DNA, o esqueleto de açúcar é a desoxirribose (ribose com H no carbono 2’). O carbono 2’ nos dois açúcares está sendo mostrado com uma seta vermelha na figura 7. Uma outra diferença entre RNA e DNA é que o primeiro se apresenta como cadeia única, enquanto o DNA é uma dupla hélice (também chamado de dupla fita), ou seja, uma ultraestrutura com duas cadeias que interagem por ligações de hidrogênio. Essas interações ocorrem entre as bases das duas cadeias da seguinte forma: adenina interage com timina e, citosina interage com guanina (A-T e C-G). A estrutura do DNA pode ser vista como uma escada dupla em espiral, na qual as bases são os degraus e os fosfatos, que ligam as unidades nucleosídicas, são o corrimão da escada. Todas estas informações estruturais estão demonstradas na figura 8. Figura 8: a) Pequena sequência de DNA dupla fita na qual é possível ver as interações (ligações de H) entre as bases. De cima para baixo vemos os pares: A-T, G-C, T-A e C-G. b) Pareamento complementar e empilhamento de bases na dupla hélice do DNA. c) Visão axial da dupla hélice. As bases estão em amarelo e em tons de azul, enquanto o esqueleto de desoxirribose e os grupos fosfato estão em rosa. Figura adaptada de Arêas Dau, 2015 e Voet et al., 2012. A estrutura de DNA é mantida pelas milhões de ligações de H ao longo da cadeia e por forças de empilhamento, interações hidrofóbicas que se estabelecem entre os anéis das bases do DNA. Esses anéis têm localização paralela entre eles. Devido aos dois tipos (c) (a) (b) 9 de interações, a dupla hélice é muito estável, sendo necessários mais de 90 oC para separar as fitas. Muitos grupos de pesquisa tentaram resolver o mistério da estrutura do DNA na primeira metade do século XX. O conhecimento de que o pareamento correto de bases era A-T e C-G e, de que a estrutura não poderia ser de uma única cadeia já era conhecida. Também se sabia que DNA era a molécula relacionada à hereditariedade. Faltava descobrir como de fato era a estrutura e como esta molécula conseguia transmitir a informação. Cientistas renomados haviam tentado prover modelos coerentes a respeito da informação molecular da vida. Linus Pauling, um químico muito conhecido e prestigioso tentou imprimir ao modelo seu conhecimento sobre proteínas, por isso, propôs uma estrutura de tripla hélice, como a que é encontrada no colágeno. Embora a proposição não estivesse correta, ela inspirou James Watson e Francis Crick, na elaboração de seu modelo de dupla hélice, publicado em 1953 e, que rendeu nos anos 1960 o Nobel de Medicina,compartilhado com Maurice Wilkins. Uma animação dessa estrutura de tripla hélice pode ser vista no DNA Learning Center website. Com isso, terminamos a primeira aula sobre estruturas químicas de biomoléculas. A quantidade de informação disponível para estes tipos de moléculas é enorme, aqui fizemos apenas um apanhado geral para conhecermos essas estruturas. Para fixar esses conceitos, pratiquem seus conhecimentos na ferramenta Exercícios na aba da disciplina. Até a próxima aula! Referências Arêas Dau, A.P.M. Bioquímica Humana, 1 ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2015. Berg, J.M.; Tymoczko, J.L. e Stryer, L. Biochemistry, 5 ed. Estados Unidos da América: WH Freeman e Company, 2002. DNA Learning Center Website - Linus Pauling's triple DNA helix model, 3D animation with basic narration, disponível no link: https://www.dnalc.org/view/15512-Linus-Pauling-s- triple-DNA-helix-model-3D-animation-with-basic-narration.html. Acessado em 03/08/2020. Francisco Jr., W.E. Carboidratos: Estrutura, propriedade e funções. Química Nova na Escola, v. 29, p. 8-13, 2008. http://www.dnalc.org/view/15512-Linus-Pauling-s- 10 Khan Academy website – Estrutura da membrana plasmática, disponível no link: https://pt.khanacademy.org/science/biology/membranes-and-transport/the-plasma- membrane/a/structure-of-the-plasma-membrane. Acessado em 10/08/2020. Voet, D.; Voet, J. e Pratt, C. W. Fundamentals of Biochemistry: Live at the molecular level, 4 ed. Estados Unidos da América: Wiley, 2012.
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