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O conjunto de Cantor

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O Conjunto de Cantor
Jorge Maysson C Silva
Janeiro 2022
1 Considerações do Autor
Dado o teor do conteúdo aqui abordado, acredita­se que os leitores que aqui chegaram já
possuem alguma base em análise real, particularmente algum entendimento razoável sobre con­
juntos, suas propriedades e principais resultados. Em caso contrário, recomendamos a leitura de
[1] (pelo menos os três primeiros capítulos) ou [2] (até a aula 6). Na seção seguinte, estudare­
mos algumas definições e resultados basilares, que servirão de sustento argumentativo quando
adentrarmos no estudo do conjunto de Cantor, onde abordaremos suas características topoló­
gicas, formas em este pode ser medido e algumas outras coisas. Vale ressaltar que nem todos
os resultados serão demonstrados, mas o leitor pode consultar tais resultados nas referências
bibliográficas. Boa viagem!
2 Definições e Resultados Importantes
2.1 Noções Topológicas
Aqui serão dadas importantes definições para a compreensão do conjunto de Cantor e
suas aplicações. Tais como: Interior de um conjunto, ponto de acumulação, compacidade de um
conjunto e outras coisas que julgamos importantes.
2.1.1 Conjuntos abertos
Definição 2.1. Um ponto a é dito interior ao conjunto X ⊂ R quando existe ϵ > 0 tal que
(ϵ − a, ϵ + a) ⊂ X . O conjunto de todos os pontos interiores de X é chamado de interior do
conjunto X, de notação intX .
Se a ∈ intX então X é uma vizinhança de a. Veremos com detalhes a definição de
vizinhança no estudo de pontos de acumulação, mas há aqui esse adiantamento. Um conjunto
A ⊂ R é aberto quando A = intA, isto é, quando todos os pontos de A são interiores a A .
Exemplo 2.1. O interior do conjunto Z dos números inteiros é vazio. De fato, bastaria por
ϵ = 1/2 então (n − ϵ, n + ϵ) ∩ Z = {n} para qualquer n ∈ Z, logo (n − ϵ, n + ϵ) ̸⊂ Z. Por
conta desta caracterização topológica todos os pontos de Z são ditos isolados e por conseguinte
Z é um conjunto discreto. Semelhantemente, concluímos também que o conjunto dos números
racionais Q é discreto, isto é, possui interior vazio.
Motivação: Poderíamos reformular a definição de limite de uma sequência nos termos de
conjuntos abertos: tem­se a = lim
n→∞
xn se, e somente se, para todo conjunto aberto A contendo
1
a existe n0 ∈ N tal que n > n0 ⇒ xn ∈ A. Em outras palavras: se A e a ∈ A, então o ponto a
é interior a A, ou seja, existe ϵ > 0 tal que (a− ϵ, a+ ϵ) ⊂ A. Então a partir de um n0, isto é,
∀n > n0 isso implicaria que xn ∈ A, seriam interiores a A e se aproximariam de a.
Teorema 2.1. 1. SeA1 eA2 são conjuntos abertos então a interseçãoA1∩A2 é um conjunto
aberto.
2. Se (Aλ)λ∈L é uma família qualquer de conjuntos abertos, a reunião A =
⋃
λ∈L Aλ é um
conjunto aberto.
Demonstração. 1. Se x ∈ A1∩A2 então x ∈ A1 e x ∈ A2. Como A1 e A2 são abertos, existem
ϵ1 > 0 e ϵ2 > 0 tais que (x− ϵ1, x+ ϵ1) ⊂ A1 e (x− ϵ2, x+ ϵ2) ⊂ A2. Seja ϵ o menor dos dois
números ϵ1, ϵ2. Então (x− ϵ, x+ ϵ) ⊂ A1 e (x− ϵ, x+ ϵ) ⊂ A2 logo (x− ϵ, x+ ϵ) ⊂ A1 ∩A2.
Assim todo ponto x ∈ A1 ∩ A2 é um ponto interior, ou seja, o conjunto A1 ∩ A2 é aberto.
2. Se x ∈ A, ∃λ ∈ L;x ∈ Aλ. Como Aλ é aberto, existe um ϵ > 0; (x − ϵ, x + ϵ) ⊂
Aλ ⊂ A, logo todo ponto x ∈ A é interior, isto é, A é aberto. (A = intA)
Embora a reunião de uma infinidade de conjuntos abertos seja aberto, a interseção de uma
infinidade de abertos pode não ser aberto. O exemplo tradicional disso é: tome A1 = (−1, 1),
A2 = (−1/2, 1/2), A3 = (−1/3, 1/3), . . . , An = (−1/n, 1/n), . . . portanto A1 ∩ A2 ∩ A3 ∩
· · ·∩An∩ · · · = {0}, que, como veremos à seguir, é fechado. Com efeito, se x ̸= 0 então existe
n ∈ N tal que |x| > 1/n, logo x ̸∈ An ⇒ x ̸∈ A.
Exemplo 2.2. Temos que int[a, b] = (a, b). Com efeito, a e b não são pontos interiores do
intervalo [a, b]. Por exemplo, para que a ∈ int[a, b] deveria existir ϵ > 0 tal que (a− ϵ, a+ ϵ) ⊂
[a, b], mas observe que isto não acontece. Nitidamente existem pontos de (a− ϵ, a+ ϵ) que não
pertencem a [a, b], especificadamente todos os pontos do intervalo (a− ϵ, a).
2.1.2 Conjuntos Fechados
Definição 2.2. Um ponto a é aderente a um conjuntoX ⊂ R se existir uma sequência de pontos
xn ∈ X tal que lim
n→∞
xn = a.
Claramente todo ponto a ∈ A é aderente a ele, de fato, bastaria pegar uma sequência
cujo todos os pontos fossem xn = a. Chama­se fecho de um conjuntoX o conjuntoX formado
por todos os pontos aderentes de X .
Definição 2.3. Um conjunto X é dito fechado quando X = X .
Daí que concluímos que todo conjunto discreto, ou seja, que possui só pontos isolados,
é fechado.
Motivação: Veja, diz­se que um conjunto X é denso em conjunto Y se Y ⊂ X . Por exemplo,
é um resultado de que Q dos números racionais é denso em R, isto é, R ⊂ Q. Ora, isso quer
dizer que, já que os números reais são constituídos de racionais e irracionais, é possível obter
qualquer irracional através de uma sequência de números racionais e vice­versa. Foi o
matemático Richard Dedekind, assim como Karl Weierstrass, contemporâneo de Cantor e seu
companheiro, que construiu os números reais lançando mão de sequências.
Teorema 2.2. Um ponto a é aderente ao conjunto X se, e somente se, toda vizinhança de a
contém algum ponto de X.
2
Demonstração. Ver [1], teorema 2 do capítulo 5.
Teorema 2.3. Um conjunto F ⊂ R é fechado se, e somente se, seu complementar A = R− F
é aberto.
Demonstração. Sejam F fechado e a ∈ A, isto é, a ̸∈ F . Então existe alguma vizinhança V
tal que a ∈ V que não contém pontos de F , isto é, V ⊂ A. Assim, todo ponto a ∈ A é interior
a A, ou seja, A é aberto. Reciprocamente, se o conjunto A é aberto e o ponto a é aderente a
F = R−A então toda vizinhança de a contém pontos de F , logo a não é interior a A. Sendo A
aberto, temos que a ̸∈ A, ou seja, a ∈ F . Assim, todo ponto a aderente a F pertence a F , logo
F é fechado.
Teorema 2.4. 1. Se F1 e F2 são fechados, então F1 ∪ F2 é fechado.
2. Se (Fλ)λ∈L é uma família qualquer de conjuntos fechados então a interseçãoF =
⋂
λ∈L Fλ
é um conjunto fechado.
Demonstração. 1. Os conjuntos A1 = R − F1 e A2 = R − F2 são abertos, pelo teorema 3.
Logo, pelo teorema 1, (A1∩A2) = R− (F1∪F2) é aberto. Novamente pelo teorema 3, F1∪F2
é fechado.
2.Para cada λ ∈ L, Aλ = R − Fλ é aberto. Segue­se que A =
⋃
λ∈L Aλ é aberto. Mas
A = R− F . Logo F é fechado.
Exemplo 2.3. Sejam os intervalos (a, b), (a, b], [a, b). O fecho de todos eles é o intervalo [a, b].
Além disso, sejaX ⊂ R um intervalo limitado não vazio, fechado ou não, então a = infX e b =
supX são aderentes a X, assim como são aderentes em todos os intervalos citados inicialmente.
Com efeito, ∀n ∈ N, podemos escolher xn ∈ X com a ≤ xn < a + 1n , logo limn→∞xn = a.
Analogamente vê­se que lim
n→∞
yn = b, yn ∈ X .
Exemplo 2.4. O conjunto vazio e o dos números reais R são simultaneamente abertos e fecha­
dos. De fato, veja que o complementar do vazio é R = R− ∅, logo R é aberto e ∅ é fechado.
Agora veja o complementar de R, ∅ = R− R, assim R é fechado e ∅ é aberto.
2.1.3 Pontos de Acumulação.
Definição 2.4. Um ponto a ∈ R é um ponto de acumulação do conjunto X ⊂ R se toda
vizinhança V de a cumpre V ∩ (X −{a}) ̸= ∅, isto é, a contém algum ponto deX diferente do
próprio a.
Igualmente, ∀ϵ > 0 tem­se (a− ϵ, a+ ϵ)∩ (X−{a}) ̸= ∅. Indicamos porX ′ o conjunto
de todos os pontos de acumulação de X . Assim, a ∈ X ′ ⇐⇒ a ∈ X − {a}. Se a não é um
ponto de acumulação deX , dizemos que ele é um ponto isolado deX , isto é, existe pelo menos
uma vizinhança V de a, que V ∩ (X − {a}) = ∅. Quando todos os pontos de X são pontos
isolados, X chama­se conjunto discreto.
Teorema 2.5. Dados X ⊂ R e a ∈ R, as seguinte afirmações são equivalentes:
1. a é um ponto de acumulação de X;
2. a é limite de uma sequência de pontos X;
3. Todo intervalo aberto de centro a contém uma infinidade de pontos de X .
3
Demonstração. Ver [1], teorema 6 do capítulo 5.
Dizer que essas afirmações são equivalentes, significa dizer que uma decorre da outra,
ou seja, uma sendo verdade, a outra vem de maneira consequente.
Exemplo 2.5. Um exemplo tradicional é que se temos um intervaloaberto (a, b) o conjunto dos
pontos de acumulação é o mesmo que o fecho desse intervalo, ou seja (a, b)′ = (a, b) = [a, b].
Teorema 2.6. Todo conjunto infinito limitado de números reais admite pelo menos um ponto de
acumulação.
Demonstração. Ver [1], teorema 7 do capítulo 5.
2.1.4 Conjuntos Compactos
A definição de conjunto compacto é extremamente simples:
Definição 2.5. Chama­se conjunto compacto todo conjuntoX ⊂ R que for fechado e limitado.
Evidentemente todo conjunto finito ou do tipo [a, b] são compactos.
Teorema 2.7. Um conjunto X ⊂ R é compacto se, e somente se, toda sequência de pontos em
X possui uma subsequência que converge para um ponto de X .
Demonstração. SeX ⊂ R é compacto, toda sequência de pontos deX é limitada, logo (ver em
[1] o teorema de Bolzano­Weierstrass para sequências) possui uma subsequência convergente,
cujo limite é um ponto deX (poisX é fechado). Reciprocamente, sejaX ⊂ R um conjunto tal
que toda sequência de pontos xn ∈ X possui uma subsequência que converge para um ponto de
X . Então X é limitado porque, do contrário, para cada n ∈ N poderíamos encontrar xn ∈ X
com |xn| > n. A sequência (xn), assim obtida, não possuiria subsequência convergente. Além
disso, X é fechado pois do contrário existiria um ponto a /∈ X com lim
n→∞
xn = a, onde cada
xn ∈ X . A sequência (xn) não possuiria subsequência alguma convergindo para algum ponto
de X pois todas as suas subsequências teriam limite a. Logo, X é compacto.
Uma coisa muito importante: todo conjunto compacto, por ser fechado e limitado por
definição, dispõe de um elemento mínimo e um elemento máximo. Isto é, se X compacto
⇒ ∃x0, x1 ∈ X;x0 ≤ x ≤ x1, ∀x ∈ X .
Teorema 2.8. Dada uma sequência crescente · · · ⊂ Xn ⊂ Xn−1 ⊂ Xn−2 ⊂ · · · ⊂ X3 ⊂
X2 ⊂ X1 de conjuntos compactos não­vazios, existe (pelo menos) um número real que pertence
a todos os Xn.
Demonstração. Definimos uma sequência (xn) escolhendo, para cada n ∈ N, um ponto xn ∈
Xn. Esta sequência está no compactoX1, logo possui uma subsequência (xn1 , xn2 , . . . , xnk , . . . )
convergindo para um ponto a ∈ X1. Dado qualquern ∈ N, temos xnk ∈ Xn sempre quenk > n.
Como Xn é compacto, segue­se que a ∈ Xn. Isto prova o teorema.
Omaior exemplo de conjunto compacto está no cerne deste trabalho. O próprio conjunto
de Cantor é compacto.
4
2.1.5 Mais algumas definições prévias
Definição 2.6. Uma cobertura de um conjuntoX a uma famíliaC de conjuntosCλ cuja reunião
contém X .
A condição X ⊂
⋃
λ∈L Cλ significa que, para cada x ∈ X , deve existir (pelo menos)
um λ ∈ L tal que x ∈ Cλ. Quando todos os Cλ são abertos, dizemos que C é uma cobertura
aberta.
Definição 2.7. Uma métrica num conjunto M é a função d : M × M → R que faz associar
cada par x, y ∈ M um real d(x, y), denominado distância entre x e y tal que
1. d(x, y) = 0;
2. d(x, y) > 0 se x ̸= y;
3. d(x, y) = d(y, x);
4. Desigualdade triangular: d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z), onde z ∈ M .
Definição 2.8. Um espaço métrico é o par (M,d) do conjunto M não­vazio da métrica d em
M .
Exemplo 2.6. Um exemplo muito comum é o espaço métrico Rn, constituído por n­uplas x =
(x1, . . . , xn), cuja métrica, com x, y ∈ Rn, é definida por:
d(x, y) =
√∑n
i=1(xi − yi)2.
Com efeito, queremos provar que d(x, y) =
√∑n
i=1(xi − yi)2 é uma métrica em Rn.
Para isto, precisamos verificar se tal função cumpre as propriedades de uma métrica para pontos
do Rn. Pois bem, que d(x, x) = 0, d(x, y) > 0 se x ̸= y e d(x, y) = d(y, x) é óbvio. Nos resta
demonstrar a desigualdade triangular. Isto é, veremos se√∑n
i=1(zi − xi)2 ≤
√∑n
i=1(yi − xi)2 +
√∑n
i=1(zi − yi)2
realmente é verdade. Primeiramente, vamos supor que
yi − xi = ai e zi − yi = bi para cada n > 0.
Portanto, teremos√∑n
i=1(ai + bi)
2 ≤
√∑n
i=1(ai)
2 +
√∑n
i=1(bi)
2.
Elevando ambos os membros a quadrado, chegamos a seguinte desigualdade∑n
i=1(aibi)
2 ≤
∑n
i=1(ai)
2
∑n
i=1(bi)
2,
que é a chamada desigualdade de Couchy. Então, demonstrada a desigualdade de Couchy,
teremos a prova da nossa métrica em questão. Observe:
1. se
∑n
i=1(bi)
2 = 0, temos:∑n
i=1(aibi)
2 = 0 =
∑n
i=1(ai)
2
∑n
i=1(bi)
2.
2. se
∑n
i=1(bi)
2 > 0, temos que o seguinte trinômio em x:
5
∑n
i=1(ai + bix)
2 =
∑n
i=1(ai)
2 + 2
∑n
i=1(aibi)x+
∑n
i=1(bi)
2x2 ≥ 0,
para qualquer x em R. Logo seu discriminante deve ser menor ou igual a zero:
(2
∑n
i=1(aibi)x)
2 − 4
∑n
i=1(ai)
2
∑n
i=1(bi)
2 ≤ 0.
O que prova a desigualdade de Couchy. Logo, d(x, y) = |y − x| é uma métrica em R,
por exemplo. Assim como
d(x, y) =
√
(y1 − x1)2 + (y2 − x2)2
é uma métrica em R2.
Observação. Na demonstração da métrica do Rn, estamos considerando, junto com a hipótese
2), que
∑n
i=1(ai)
2 > 0 também, pois, caso contrário, cairíamos novamente na hipótese 1).
Justificativa. Um dos principais conceitos na matemática é a continuidade, que por sua vez
faz surgir o conceito de convergência e limite. O fato é que tais definições envolvem uma ideia
de proximidade de dois pontos num espaço. Observe a noção destes conceitos:
1. Uma função f : A → B é contínua se, dados x, y ∈ A com x ̸= y, eu puder tornar f(x)
e f(y) tão próximos quanto queira, desde que se aproxime numa determinada distância x
e y.
2. Dada uma sequência (xn), com n = 1, 2, . . . , n, . . . de pontos de um conjuntoX , dizemos
que (xn) converge para um certo a ∈ X , se for possível tornar xn tão próximo de a quanto
se queira, com n suficientemente grande.
Portanto, percebe­se que estas definições só fazem sentido se a estrutura na qual tra­
balhamos, ou seja, o espaço em questão, me permitir medir distâncias, é neste sentido que a
definição de métrica é importante.
SejamM um espaço métrico, r > 0 um número real e a um ponto deM .
Definição 2.9. A bola aberta de centro em a e raio r é o conjunto B(a; r) de todos os pontos
de M cuja distância ao ponto a é inferior a r:
B(a; r) = {x ∈ M ; d(x, a) < r}.
Definição 2.10. A bola fechada (ou disco) de centro em a e raio r é o conjuntoD(a; r) de todos
os pontos de M cuja distância ao ponto a é inferior ou igual a r:
D(a; r) = {x ∈ M ; d(x, a) ≤ r}.
2.2 Medida de Lebesgue
Esta subseção foi escrita tendo como bases principais as referências [5], [6] e [7], portanto
as demonstrações que forem ocultadas, se encontram nestas referências, principalmente em [6].
6
2.2.1 Classes de Conjuntos
Seja Ω um conjunto não vazio e S ⊆ P(Ω) uma classe não vazia de subconjuntos de Ω, onde
P(Ω) denota o conjunto das partes de Ω.
Definição 2.11. A classe S é dita um semianel se satisfaz as seguintes condições:
1. Se A,B ∈ S então A ∩B ∈ S;
2. Se A,B ∈ S então A−B =
∑n
i=1 Ci, para algum n ∈ N e para alguns Ci ∈ S, onde
1 ≤ i ≤ n (o sinal Σ indica união disjunta e será chamado de soma). Disto decorre que
∅ ∈ S
Definição 2.12. A classe S é dita uma semiálgebra se é um semianel e Ω ∈ S.
Exemplo 2.7. Sejam Ω = R, S = {(a, b], (−∞, b], (a,+∞), (−∞,+∞); a, b ∈ R, a ≤ b}.
Então S é um semianel e uma semiálgebra. Com efeito, considerando a = b tem­se que (a, b] = ∅
(o que por fim valida a condição 2. de semianel). Além disso, (−∞,+∞) = R.
Mais precisamente: S é semiálgebra se, e somente se,
1. Ω ∈ S;
2. A,B ∈ S ⇒ A ∩B ∈ S;
3. A ∈ S ⇒ AC =
∑n
i=1Ci, Ci ∈ S ( AC é o complementar de A em relação a Ω).
Seja agora F ⊆ P(Ω) uma classe não vazia de subconjuntos de Ω.
Teorema 2.9. As seguintes afirmações são equivalentes: F é fechada com relação a
1. União finita e diferença;
2. União finita e diferença própria;
3. Diferença simétrica e intersecção finita;
4. União finita disjunta, diferença própria e intersecção finita.
Demonstração. (1.) ⇒ (2.) Trivial.
(2.) ⇒ (3.) Sejam A,B ∈ F. Observe que
A−B = (A ∪B)−B e B−A = (B ∪ A)−A,
ou seja, tais diferenças podem ser vistas como diferenças próprias. Como F é fechada para união
finita e diferença própria, segue queA−B eB−A ∈ F. Utilizando mais uma vez que F é fechada
para união finita, obtemos que a diferença simétrica
A∆B = (A−B) ∪ (B−A) ∈ F.
Para mostrarmos que F é fechada em relação a intersecção finita, basta observarmos que como
F é fechada para uniãofinita, diferença e diferença simétrica, podemos afirmar que A∩B ∈ F.
(3.) ⇒ (4.) Mostremos primeiro que F é fechada para diferença própria. Seja B ⊆ A
em F. Então
A∆B = (A−B) ∪ (B−A) = A−B. Logo, (A−B) ∈ F,
7
pois F é fechada em relação a diferença simétrica. Agora mostremos que F é fechada em relação
a união finita disjunta. Sejam A,B ∈ F tais que A ∩B = ∅. Observe que
A ∪B = A∆B ∈ F
.
(4.) ⇒ (1.) Basta observarmos que
A ∪B = (A−(A ∩B)) ∪ (B−(A ∩B)) ∪ (A ∩B) ∈ F,
pois F é fechada para diferença própria e união finita disjunta. Além disso,
A−B = ((A ∪B)−B) ∈ F,
pois F é fechada para diferença própria.
Definição 2.13. A classe F é dita um anel se satisfaz alguma das condições acima listadas (e
consequentemente as outras quatro). Além disso, F é álgebra se é anel e Ω ∈ F.
Teorema 2.10. A classe F é uma álgebra se, e somente se, é fechada com relação à união finita
e complementação.
Demonstração. Com efeito, sejam F uma álgebra e A ∈ F. Daí segue que F é fechada com
relação à união finita. Para provar que F é fechada com relação à complementação, bastaria
mostrar que AC ∈ F. De fato, observamos que
AC = Ω− A ∈ F.
Isto é verdade porque F é fechada para a diferença própria (A ⊆ Ω). Reciprocamente, supondo
uma classe F fechada com relação à união finita e complementação, segue que
∀A ∈ F ⇒ AC ∈ F ⇔ Ω− A ∈ F,
ou seja, F é fechada para a diferença própria e Ω ∈ F. Logo, F é uma álgebra.
A interseção de uma família qualquer de anéis é um anel. Portanto, dada uma classe não
vazia H de subconjuntos de Ω, podemos definir o anel gerado por H como o menor anel que
contém H, que coincide com a interseção de todos os anéis que contêm H. Podemos também
considerar esta definição com álgebra no lugar de anel.
Teorema 2.11. Se S é um semianel (resp. semiálgebra), então a famíliaR(S) das uniões finitas
disjuntas de elementos de S é um anel (resp. álgebra) e coincide com o anel (resp. álgebra)
gerado por S.
Demonstração. Ver [6], proposição 1.2.
Definição 2.14. A classe F é σ­anel se é fechada por diferença e por união enumerável de
conjuntos. Se F é σ­anel e Ω ∈ F, chamaremos F de σ­álgebra.
Teorema 2.12. A classe F é σ­anel se, e somente se, é fechada por intersecção finita, diferença
própria e soma enumerável (isto é, união enumerável disjunta).
8
Demonstração. Suponhamos que F seja σ­anel. Como F ̸= ∅ e é fechado por diferença, temos
que ∅ = A−A ∈ F, paraA ∈ F. Então F é fechado por união finita, pois toda união finita é igual
a uma união enumerável, onde todos os conjuntos, menos um número finito, são o vazio. Então
F é anel, e portanto fechado por interseção finita. Além disso F é fechado por soma enumerável
pela definição de σ­anel. Agora para provarmos o outro lado da implicação, suponhamos que F
seja fechado por interseção finita, diferença própria e soma enumerável. Exatamente como na
parte anterior, prova­se que ∅ ∈ F, e como ele é fechado por soma enumerável, é fechado por
soma finita. Então F é anel. Agora para provar que F é fechado por união enumerável basta
utilizarmos a igualdade ⋃∞
i=1Ai = A1 +
∑∞
i=2(Ai −
⋃i−1
j=1 Aj).
Teorema 2.13. Todo σ­anel é fechado por intersecção enumerável.
Demonstração. Ver [5], proposição 2.4.
Teorema 2.14. A classe F é σ­álgebra se, e somente se, é fechada por união enumerável e
complementação.
Demonstração. (⇒) Seja F uma σ­álgebra de Ω. Então Ω ∈ F e F é fechada por diferença
e união enumerável. Precisamos provar que F é fechada por complementação. Seja A ∈ F.
Observe que
AC = Ω−A ∈ F,
já que Ω ∈ F e F é fechada por diferença.
(⇐) Seja F uma classe de conjuntos de Ω fechada por união enumerável e complemen­
tação. Mostremos que F é fechada por diferença. Sejam A,B ∈ F. Observe que
A−B = (AC ∪B)C .
Logo, A−B ∈ F. Para verificarmos que Ω ∈ F, basta notarmos que dado A ∈ F qualquer,
temos Ω = A ∪ (AC). Logo, Ω ∈ F.
A interseção de uma família qualquer de σ­anéis é um σ­anel. Portanto, dada uma classe
não vaziaH de subconjuntos deΩ, podemos definir o σ­anel gerado porH como omenor σ­anel
que contémH, que coincide com a interseção de todos os σ­anéis que contêmH. Podemos tam­
bém considerar esta definição para σ­álgebra. Adotaremos o símbolo σ(H)( resp. σ̃(H)) para
denotar a σ­álgebra (resp. σ­anel) gerada(o) pela família de conjuntos H. Com estes resultados
e definições podemos introduzir o conceito de medida de Lebesgue.
2.2.2 Medidas
Seja Ω um conjunto não vazio e F ⊆ P (Ω), com F ̸= ∅. Daremos agora uma série de
definições e resultados que nos permitirão medir, posteriormente, o denominado Conjunto de
Cantor.
Definição 2.15. Uma função µ : A → (−∞,+∞) é chamada uma função de conjunto.
Definição 2.16. Seja µ uma função de conjunto. Diremos que µ é finitamente aditiva se µ(A) =∑n
i=1 µ(Ai), para todo A =
∑n
i=1 (Ai), onde A,Ai ∈ F . E diremos que µ é σ­aditiva se
µ(A) =
∑∞
i=1 µ(Ai), para todo A =
∑∞
i=1Ai, onde A,Ai ∈ F .
9
Definição 2.17. Sejam S um semianel e µ : S → [0,+∞) uma função conjunto. Se µ(∅) = 0 e
µ é σ­aditiva, então µ é chamada medida.
Poderíamos colocar, em vez de semianel, semiálgebra, σ­anel ou σ­álgebra, a definição
seria a mesma.
Definição 2.18. Uma terna (Ω,F , µ) em que Ω é um conjunto não vazio, F é uma σ­álgebra
contida em P (Ω) e µ é uma medida sobre F , é chamada um espaço de medida. O par (Ω,F) é
chamado um espaço mensurável.
Definição 2.19. Um espaço de medida (Ω,F , µ) tal que µ(Ω) = 1 é denominado espaço de
probabilidades.
Definição 2.20. Seja (Ω,F , µ) um espaço de medida. Se para todoA ∈ F existe uma sequência
{Ai} de conjuntos onde A ⊆
⋃∞
i=1 Ai e µ(Ai) < ∞, para todo i, então µ é chamada σ­finita.
Se µ(A) < ∞ para todo A ∈ F , então µ é chamada finita.
Antes do próximo resultado, vamos relembrar alguns conceitos prévios: Se Ann=1,2,... é
uma sucessão de conjuntos, chamaremos limite superior da sucessão Ann=1,2,... ao conjunto de
todos os pontos que pertencem a An para infinitos índices n. Tal conjunto será denotado por
lim
n
supAn. Podemos observar que
lim
n
supAn =
⋂∞
n=1
⋃∞
i=nAi.
O conjunto de todos os pontos de Ω que pertencem a todos os An, a menos de um nú­
mero finito de tais An, é chamado de limite inferior da sucessão Ann=1,2,..., e simbolizado por
lim
n
infAn. Observemos também que
lim
n
infAn =
⋃∞
n=1
⋂∞
i=nAi.
Uma sucessão {An}n=1,2,... é dita crescente (respectivamente decrescente) seAn ⊆ An+1,
para n = 1, 2, . . . (respectivamente An+1 ⊆ An, n = 1, 2, . . . ). Se para uma sucessão
{An}n=1,2,..., lim
n
infAn = lim
n
supAn, dizemos que tal sucessão tem limite e denotaremos tal
conjunto por lim
n
An. Indicaremos sucessões crescentes (respectivamente decrescentes) de con­
juntos com a notação An ↑ (respectivamente An ↓). Escrevemos An ↑ A (respectivamente
An ↓ A), se An ↑ (respectivamente An ↓) e
⋃∞
i=1 An = A (respectivamente
⋂∞
i=1 An = A).
Teorema 2.15. Seja (Ω,F , µ) um espaço de medida. São válidas as seguintes afirmações:
1. A ⊆ B e µ(B) < ∞ implicam µ(B−A) = µ(B)−µ(A);
2. An ↑ A implica µ(A) = limµ(An);
3. Se An ↓ A e existe n0 ∈ N tal que µ(An0) < ∞ então µ(A) = limµ(An);
4. µ(
⋃∞
n=1An) ≤
∑∞
n=1 µ(An);
5. Para toda sucessão {An} de elementos de A temos µ(lim infAn) ≤ lim infµ(An) e se,
para algum n0, µ(
⋃∞
n=n0
An < ∞), então lim supµ(An) ≤ µ(lim supAn). Em particular
se (Ω,F , µ) é um espaço de probabilidades, então An → A implica P (An) → P (A);
6.
∑∞
n=1 µ(An) < ∞ implica µ(lim supAn) = 0.
Demonstração. Ver [6], proposição 2.1.1.
Esta proposição continua válida caso F fosse um σ­anel.
10
2.2.3 Extensão de Medidas
Teorema 2.16. Seja µ uma medida finitamente aditiva sobre o semianel S. Então existe uma
única medida µ finitamente aditiva sobre o anel gerado por S, que é uma extensão de µ.
Demonstração. Ver [6], proposição 2.2.1.
Teorema 2.17. Seja µ uma medida sobre um semianel S. Então:
1. A ⊆ B implica µ(A) ≤ µ(B) para todos A,B ∈ S;
2. A ⊆
⋃∞
n=1An implica µ(A) ≤
∑∞
n=1 µ(An) para todos A,An ∈ S.
Demonstração. Ver [6], proposição 2.2.2.
Definição 2.21. Sejam S um semianel e µ uma medida sobre S. Definimos
A ={A ⊆ Ω : A ⊆
⋃∞
n=1Cn, para alguma sequência {Cn}n∈N onde Cn ∈ S,∀n}.
Observação. A é um σ­anel e é hereditário, no sentido de que B ⊆ A, A ∈ A ⇒ B ∈ A.
Definição 2.22. Considere o conjunto A definido acima e µ uma medida sobre S. Para cada
A ∈ A definimos
µ∗(A) = inf{
∑∞
n=1 µ(Cn) : A ⊆
⋃∞
n=1 Cn, Cn ∈ S,∀n}.
A função de conjunto µ∗ : A → [0,+∞) assim definida é chamada medida exterior
induzida por µ sobre A.
Teorema 2.18. São válidas as seguintes afirmações:
1. A ∈ S implica µ(A) = µ∗(A);
2. µ∗(∅) = 0 e 0 ≤ µ∗(A) ≤ ∞, para todo A ∈ A;
3. A ⊆ B implica µ∗(A) ≤ µ∗(B), para todos A,B ∈ A;
4. µ∗(
⋃∞
n=1An) ≤
∑∞
n=1 µ
∗(An), para toda {An}n∈N, An ∈ A, ∀n.
Demonstração. Ver [6], proposição 2.2.4.
Definição 2.23. M ∈ A é dito mensurável se ∀A ∈ A,
µ∗(A) = µ∗(A ∩M) + µ∗(A ∩MC).
Notação. Λ = {M ∈ A : M é mensurável }.
Definição 2.24. Uma medida µ sobre um σ­anel F é dita completa se
B ⊆ A, A ∈ F e µ(A) = 0 ⇒ B ∈ F .
Teorema 2.19. (Teorema de Extensão de Carathéodory): A família Λ é um σ­anel contendo S
e µ∗ restrita a Λ é uma medida completa que estende µ.
Demonstração. Ver [6], proposições 2.2.5, 2.2.6 e 2.2.7.
11
Teorema 2.20. (Teorema de Extensão de Hahn): Se µ é σ­finita, então a extensão de µ a σ̃(S)
é única.
Demonstração. Ver [6], proposição 2.2.8.
Teorema 2.21. Seja (Ω,F , µ) um espaço de medida. Então, se definirmos
F = {A ∪N : A ∈ F , N ⊆ M para algum M ∈ F tal que µ(M) = 0}
e µ : F → [0,+∞) por µ(A ∪ N) = µ(A), teremos que (Ω,F , µ) é um espaço de medida
completo. Nessas condições diz­se que F é o completamento de F com respeito a µ.
Demonstração. Ver [6], proposição 2.2.9.
Observação. A proposição acima também é válida se F é σ­anel.
Teorema 2.22. Seja µ uma medida σ­finita sobre o semianel S. Então, Λ é o completamento de
σ̃(S) em relação a µ, ou seja, Λ = σ̃(S).
Demonstração. Ver [6], proposição 2.2.12.
Agora podemos definir a medida de Lebesgue da seguinte forma: definimos o compri­
mento de um intervalo semiaberto (a, b] como o número real b−a e o comprimento de um inter­
valo da forma (−∞, b], (a,+∞) ou (−∞,+∞) pelo número estendido +∞. Além disso, defi­
nimos o comprimento de uma união finita de conjuntos disjuntos dessas formas pela soma dos
comprimentos correspondentes. Em particular, o comprimento de
∑n
j=1(aj, bj] é
∑n
j=1(bj−aj).
Dessa forma, o comprimento é uma função de conjunto sobre a família
F = {(a, b], (−∞, b], (a,+∞), (−∞,+∞); a, b ∈ R, a ≤ b},
tomando Ω = R. Esta função comprimento, que será denotada por µ, é uma medida sobre a
álgebra F, a qual é σ­finita. Pelo Teorema de Extensão de Hahn, µ pode ser estendida a uma
única medida λ sobre σ̃(F). Obtemos então uma medida completa λ sobre Λ = σ̃(F). A σ­
álgebra σ(F) é chamada σ­álgebra de Lebesgue de R, e os conjuntos de σ(F) são chamados
conjuntos Lebesgue mensuráveis e a medida λ restrita a σ(F) é chamadamedida de Lebesgue.
O exemplo que segue foi retirado da referência [7].
Exemplo 2.8. A medida de Lebesgue µ de um conjunto unitário {x}, consistindo de um único
ponto x ∈ R é zero, pois, segundo a definição 2.17 e o teorema 2.18,
µ({x}) = inf{µ(A) : x ∈ A = (a, b], a, b ∈ R}
≤ inf{µ(An) : An = (x− 1n , x+
1
n
], n ∈ N}
= inf{ 2
n
: n ∈ N} = 0.
Consequentemente, a medida de Lebesgue de qualquer conjunto enumerável {xn}n∈N ⊂
R também é zero, pois
µ({xn}n∈N) =
∑∞
n=1 µ({xn}) = 0.
Em particular, obtemos que µ(Q) = 0. No entanto, existem conjuntos não enumeráveis
commedida de Lebesgue zero. O exemplo consideradomais interessante é o conjunto de Cantor.
12
3 Construção do conjunto de Cantor e suas propriedades to­
pológicas
O Conjunto de Cantor K é um subconjunto próprio fechado do intervalo [0, 1], obtido
como complementar de uma reunião de intervalos abertos, do seguinte modo: retira­se do in­
tervalo [0, 1] seu terço médio aberto (1
3
, 2
3
), depois retira­se o terço médio aberto de cada um
dos intervalos restantes [0, 1
3
] e [2
3
, 1]. Sobrará então [0, 1
9
] ∪ [2
9
, 1
3
] ∪ [2
3
, 7
9
] ∪ [8
9
, 1]. Em seguída
retira­se o terço médio de cada um desses quatro intervalos. Repete­se o esse processo indefi­
nidamente. O conjunto K dos pontos não retirados é o conjunto de Cantor. (ver a figura X).
Vamos definir o conjunto K∗ = KC , que é o complementar do conjunto de Cantor em relação
a [0, 1], dos ”terços médios”retirados, da seguinte maneira:
H1 = (
1
3
, 2
3
)
H2 = (
1
9
, 2
9
) ∪ (7
9
, 8
9
)
H3 = (
1
27
, 2
27
) ∪ ( 7
27
, 8
27
) ∪ (19
27
, 20
27
) ∪ (25
27
, 26
27
)
... = ...
K∗ =
⋃∞
i=1Hi.
A cada retirada de intervalo, observamos que os extremos obtidos sempre pertenceram ao
conjuntoK de Cantor. Caso um elemento deK não seja extremo, será um ponto na vizinhança
de um dos extremos. Se indicarmos com I1, I2, . . . , In, . . . os intervalos abertos omitidos, ve­
remos que F = R−
⋃∞
n=1 In é um conjunto fechado logoK = [0, 1] ∩ F é limitado e fechado,
isto é, o Conjunto de Cantor K é compacto.
Figura 1: Conjunto de Cantor
Fonte: Google
Observemos que a cada n­ésima etapa da construção do conjunto de Cantor, tem­se 2n
intervalos de comprimento 1
3n
. Portanto, dado qualquer intervalo J ⊂ [0, 1] de comprimento
c > 0, se pegarmos n tal que 1
3n
< c, o intervalo J estará mutilado depois da n­ésima etapa da
formação de K. Assim, K não contém intervalos, isto é, o interior do Conjunto de Cantor é
vazio. Por mais que se tenha um intervalo J ⊂ [0, 1] de “tamanho” c > 0, sempre consegue­se
um n, pela definição que constitui os próprios números reais, tal que faça 1
3n
> c então há pontos
de J fora do comprimento 1
3n
.
Quando se trata de pontos pertencentes ao conjunto de Cantor, vale uma, e somente uma,
das duas alternativas: x ∈ K ou é um dos extremos dos intervalos fechados obtidos na n­ésima
retirada da etapa para formar K ou é pertencente a [xn, yn] que restou depois da n­ésima etapa
da construção de K. Verdadeiramente, seja c ∈ K extremidade do intervalo (c, b) omitido de
[0, 1] para formarK. Quando (c, b) foi retirado, restou um intervalo [a, c] . Nas etapas seguintes
da construção do conjunto, restará sempre terços finais do intervalo, do tipo [an, c] com todos
os an pertencentes a um conjunto enumerável E. O comprimento de c − an tende a zero, logo
13
an → c assim c não é ponto isolado de E. Agora vejamos quando c ∈ K mas não é extremo
de intervalos omitidos. Provemos que c não é isolado em K. Com efeito, para cada n ∈ N, c
pertence ao interior de um intervalo [xn, yn] que restou após a n­ésima etapa da construção de K.
Temos xn < c < yn com xn, yn ∈ K e yn − xn = 13n . Logo c = limn→∞xn = limn→∞ yn é um ponto
de acumulação de K. Assim, todos os pontos pertencentes a K são pontos de acumulação.
Mostraremos agora que tendo qualquer contagem dos elementos de K, sempre haverá
outros fora dessa contagem, revelando outra característica do conjunto de Cantor. Com centro
num ponto de K, tomamos um intervalo compacto não degenerado I1 tal que x1 /∈ I1. Como
nenhum ponto de K é isolado, I1 ∩ K é um conjunto infinito, compacto sem pontos isolados.
Em seguida, com centro em algum ponto de K interior a I1, tomamos um intervalo compacto
não­degenerado I2 ⊂ I1 tal que x2 /∈ I2 .Prosseguindo Analogamente, obtemos uma sequência
decrescente de intervalos compactos · · · ⊂ In · · · ⊂ I3 ⊂ I2 ⊂ I1 tais que xn /∈ In e In∩K ̸= 0.
Sem perca de generalidade, podemos supor que In tem comprimento < 1n .
Então um o ponto c pertencente a todos os In (cuja existência é garantida pelo teorema
dos intervalos encaixados) é único, isto é,
⋂∞
n=1 In = {c} . Escolhendo para cada n ∈ N um
ponto yn ∈ In ∩K teremos então |yn − c| ≤ 1n donde limn→∞ yn = c. Como K é fechado segue­
se que c ∈ K. Por outro lado, pata todo n ∈ N temos que c ∈ In, logo c ̸= xn concluindo
a demonstração, mostrando que O conjunto de cantor não é enumerável. Assim, temos a
seguinte definição.
Definição 3.1. Um conjuntoK é um conjunto de Cantor se ele é fechado, totalmente desconexo
e um subconjunto perfeito de I = [0, 1], que por conseguinte também é não­enumerável. Um
conjunto é totalmente desconexose este não contém nenhum intervalo; é perfeito se for fechado
e formado apenas por pontos de acumulação.
Teorema 3.1. O Conjunto K∗ é denso em [0, 1]
Demonstração. Vamos mostrar que K∗ = [0, 1]. Com efeito, como K é fechado, segue que
seu complementar
⋃∞
i=1Hi = K∗ é aberto, o que significa que todo Hi, com i = 1, 2, 3, . . . , é
aberto. Como viu­se, os extremos dos intervalos retirados são pontos pertencentes ao conjunto
de Cantor. É simples visualizar que cada um desses pontos é o supremo (ou o ínfimo) dos
intervalos retirados. De fato, sejam a = supHi e b = infHi, então a e b são limites de uma
sequência de pontos de Hi. Daí, segue­se também que os pontos que estão entre [xn, yn] da
n­ésima etapa da construção de K também serão, por corolário, aproximados via sequências.
Assim, temos que ⋃∞
i=1Hi = [0, 1].
O que conclui a demonstração.
4 Função Ternária de Cantor
O conjunto de Cantor possui uma caracterização interessante: seus pontos, em expansão
ternária, são constituídos apenas por 0′s e 2′s, o que constitui um teorema. No entanto, antes
de provarmos tal teorema, temos de entender como a expansão ternária funciona. Seja a ∈ R.
Temos
a = (0.x1x2 . . . xn . . . )3 tal que xi = 0, 1 ou 2,
14
onde (0.x1x2 . . . xn . . . )3 é a expansão ternária de a. Daí, segue que esta expansão ter­
nária representa o número a para o qual a série∑∞
i=1
xi
3i
converge. Isto é ∑∞
i=1
xi
3i
= a.
Para os exemplos, vamos tomar alguns pontos pertencentes ao conjunto de Cantor, para
se começar a observar o que foi dito inicialmente.
Exemplo 4.1. Temos 1
3
= (0.100 . . . )3, 13 = (0.0222 . . . )3,
2
3
= (0.200 . . . )3. Com efeito, basta
verificar que
1
3
=
∑∞
i=1
xi
3i
= 1
3
+ 0
32
+ 0
33
+ · · · ;
1
3
=
∑∞
i=1
xi
3i
= 0
3
+ 2
32
+ 2
33
+ · · ·
= 2
32
(1
3
+ 1
32
+ · · · ) = 2
32
( 1
1− 1
3
) = 1
3
.
A terceira igualdade que propus deixo a cargo do autor prova­la. Pois bem, observa­
se que a fracão 1
3
, que pertence ao conjunto de Cantor, possui duas representações ternárias.
Pensa­se que isto seria uma contradição ao que foi dito inicialmente, mas na verdade é que se
um ponto pertencente ao conjunto de Cantor têm duas expansões ternárias, uma dessas contém
necessariamente algum dígito 1 (isso também será provado doravante).
Teorema 4.1. Todo número a ∈ K admite uma única expansão ternária 0, x1x2x3 . . . xn . . .
onde xn ou é 0 ou é 2.
Demonstração. Para provarmos este teorema, necessitaremos dos resultados auxiliares à seguir.
Lema 4.1.1. A série
∑∞
i=1
xi
3i
onde xi = 0, 1 ou 2, converge para um número no intervalo [0, 1].
Verdadeiramente, temos que
0 ≤
∑∞
i=1
xi
3i
≤
∑∞
i=1
2
3i
≤ 2
∑∞
i=1
1
3i
= 2(1
3
+ 1
32
+ 1
33
+ · · · )
= 2(
1
3
1− 1
3
) = 1.
Portanto, obtemos a seguinte desigualdade
0 ≤
∑∞
i=1
xi
3i
≤ 1.
O que prova o lema. Daí segue mais um resultado auxiliar, que é recíproca deste.
Lema 4.1.2. Todo número no intervalo [0, 1] admite pelo menos uma expansão ternária.
Ver a referência [3].
Para provar que todo a ∈ K possui uma única expansão ternária constituída apenas de
0′s e 2′s, vamos supor que a = 0.x1x2 · · · = 0.y1y2 . . . e que exista um n tal que
x1 = y1, x2 = y2, · · · , xn−1 = yn−1, xn − yn = 1, yj = 2 e xj = 0 para j > n.
15
Assim, n é o menor inteiro tal que xi ̸= yi. Suponhamos que xi > yi. Por construção,
temos que ∑∞
i=1
xi
3i
=
∑∞
i=1
yi
3i
.
xi
3i
+
∑∞
j=1
xi+j
3i+j
= yi
3i
+
∑∞
j=1
yi+j
3i+j
Multiplicando a igualdade acima por 3i, obtemos
xi +
∑∞
j=1
xi+j
3j
= yi +
∑∞
j=1
yi+j
3j
(xi − yi) +
∑∞
j=1
xi+j
3j
=
∑∞
j=1
yi+j
3j
.
Como
∑∞
j=1
xi+j
3j
e
∑∞
j=1
yi+j
3j
pertencem ao intervalo [0, 1], segue que o primeiro membro da
última igualdade acima é nomínimo 1 e o segundomembro é, nomáximo, 1. Consequentemente
xi − yi é um número inteiro no intervalo [0, 1]. Evidentemente xi − yi = 0 é um absurdo, logo
necessariamente xi − yi = 1. Daí segue que
1 +
∑∞
j=1
xi+j
3j
=
∑∞
j=1
yi+j
3j
, onde xi+j = 0 e yi+j = 2 para j = 1, 2, 3 . . . .
Como mostramos que xi − yi = 1 com xi > yi, segue­se
1. yi = 0 implica que xi = 1;
2. yi = 1 implica que xi = 2;
3. yi = 2 não pode ocorrer, pois xi > yi.
Conclui­se que se um a ∈ K possuir duas representações ternárias, uma necessariamente
conterá algum 1. Assim está provada a unicidade da representação ternária formada apenas por
0′s e 2′s dos pontos do conjunto de Cantor.
Vamos construir neste momento a função ternária de Cantor. Faremos assim: primeiro
vamos construir a função sem utilizar as expansões ternárias, depois faremos a definição da
mesma em termos das expansões e é nesta que demonstraremos algumas propriedades, daí a
função primeira (que não lança mão da base ternária) obviamente herda tais propriedades. O
motivo disto é que será mais fácil demonstrar tais propriedade, como continuidade e monoto­
neidade. Então vamos lá.
Definição 4.1. A função f : [0, 1] → [0, 1] definida por
1. f(0) = 0
2. f(1) = 1
3. f restrita aos terços médios abertos é constante, isto é,
f(Hn) =
2q−1
2n
onde n é o n­ésimo passo da construção do conjunto de Cantor e q é um número natural
tal que 1 ≤ 2q − 1 ≤ 2n. Mais precisamente a imagem de f restrita ao conjunto K∗ é
Im(f |K∗) = {12 ,
1
22
, 3
22
, 1
23
, 3
23
, 5
23
, 7
23
, 1
24
, 3
24
, 5
24
, 7
24
, 9
24
, 11
24
, 13
24
, 15
24
, 1
25
, · · · }
16
4. se α ∈ K − {0, 1}, então
f(α) = lim
x→α
f |K∗(x), x ∈ K∗.
é chamada de função ternária de Cantor.
O quarto item é um tanto natural, já queK∗ é um conjunto denso em [0, 1], ou seja, todo
elemento de [0, 1], em particular todo elemento de K, é limite de uma sequência de pontos em
K∗.
Figura 2: Função ternária de Cantor f : [0, 1] → [0, 1]
Fonte: Google
Podemos definir, como foi dito, a função ternária de Cantor em termos de expansões
ternárias.
Teorema 4.2. Seja F definida no conjunto K de Cantor com valores sobre o intervalo [0, 1],
por F ((0.a1a2 . . . an . . . )3) = (0.b1b2 . . . bn . . . )2 com bn = 0 se an = 0 e bn = 1 se an = 2.
Então temos que:
1. F é contínua e monótona no intervalo [0, 1]
2. F é constante em cada intervalo contido no conjunto complementar do conjunto de Can­
tor.
Demonstração. 1. F é monótona por definição. Mostremos que F é contínua no intervalo
[0, 1]. Dado ϵ > 0, escolheremos n0 tal que 12n0 < ϵ e, para tanto, basta tomarmos δ tal que
δ = 1
3n0
. Isto é, para x, y com x = (0.a1a2 . . . an . . . )3, y = (0.c1c2 . . . cn . . . )3, onde ai = ci
para i = 1, 2, . . . , n0 tal que |x− y| < δ implica que
|F (x)− F (y)|
|
∑∞
q=n0+1
bq
2q
− b
′
q
2q
| = |
∑∞
q=n0+1
(aq
2
− cq
2
) 1
2q
|.
Essa segunda igualdade é bem simples de entender o porquê: bq e b′q só podem ser ou 0
ou 1, mas bq e b′q decorrem de x = (0.a1a2 . . . an . . . )3 e de y = (0.c1c2 . . . cn . . . )3, onde ou
aj = 0 ou aj = 2 e ou cj = 0 ou cj = 2, assim é bem simples ver que bj = aj2 e b
′
j =
cj
2
seguindo
a forma em que F foi definida. Daí, temos que
17
|
∑∞
q=n0+1
(aq
2
− cq
2
) 1
2q
| ≤ |
∑∞
q=n0+1
1
2q
= 2
−(n0+1)
1− 1
2
≤ 1
2n0
< ϵ.
O que demonstra a continuidade de F no intervalo [0, 1].
2. Seja (a, b) o intervalo aberto pertencente a K∗ no [0, 1]; e mostremos que F (a) =
F (b). Na n­ésima retirada de intervalos abertos do [0, 1], seja (a, b) um intervalo tal que
b− a = 1
3n
= 0.00 . . . 01.
Segue­se que necessariamente a e b são respectivamente da forma
a = 0.a1a2 . . . an−11
b = 0.a1a2 . . . an−12
Como a, b pertencem ao conjuntoK de Cantor segue­se que
F (a) = F (0.a1a2 . . . an−11) = F (0.a1a2 . . . an−102222 . . . ) = 0.c1c2 . . . cn−101111 . . . ;
F (b) = F (0.a1a2 . . . an−12) = 0, c1c2 . . . cn−11, onde ci = 0 se ai = 0 e ci = 1 se ai = 2.
Portanto F (a) = F (b).
Exemplo 4.2. Para (a, b) = (1
3
, 2
3
) temos
F (1
3
) = F (0.1) = (0.0222 . . . ) = 0.0111 . . . e
F (2
3
) = F (0.2) = 0.1 = 1
2
.
5 Conjunto de Cantor tem medida de Lebesgue zero
Teorema 5.1. O conjunto de Cantor tem medida de Lebesgue zero.
Demonstração. Para ver que µ(K) = 0, observe que K é obtido removendo­se do intervalo
I = [0, 1], um intervalode comprimento 1
3
, dois intervalos de comprimento 1
9
, quatro intervalos
de comprimento 1
27
e assim por diante. Logo,
µ(K) = 1−
∑∞
n=1
2n−1
3n
= 1−1
3
∑∞
n=0(
2
3
)n = 1−1
3
( 1
1− 2
3
) = 0.
Concluímos a partir do resultado demonstrado nesta seção que o conjunto de Cantor é
um conjunto não enumerável com medida de Lebesgue zero.
18
6 O conjunto de Cantor, no entanto, possui Dimensão Fractal
6.1 Introdução
Antes de entendermos a geometria fractal, que é uma geometria essencialmente não eu­
clidiana, primeiro vamos entender o que é a geometria euclidiana. Em primeiro lugar, geometria
euclidiana é a geometria, em duas ou três dimensões (dimensão 2 ou 3), baseada nos postula­
dos de Euclides de Alexandria (300 a.C), organizados em sua obra intitulada Os Elementos.
As principais características de tal geometria é apresentar um espaço que não se modifica em
momento algum, revelando uma estrita relação de simetria, isto é, por exemplo, tomando uma
relação verdadeira para a e b, nesta ordem, também valerá para b e a, respectivamente. Qual se­
ria, portanto, o problema de aplicar tal geometria à natureza? ora, o problema consiste no fato de
que, emmuitos casos, esta geometria se mostra incapaz de nos fornecer uma compatibilidade no
mínimo razoável para com as formas naturais, pois nem tudo se parece com um quadrado, uma
circunferência, icosaedros ou triângulos. Enfim, não são simples curvas, superfícies ou sólidos,
conforme definidos na geometria clássica de Euclides. Por tal motivo usaremos da dimensão
fractal para tentarmos ver como o conjunto de Cantor se apresenta na mesma. Esta seção está
baseada na referência [8] e [9].
Um fractal é um objeto geométrico que pode ser dividido em partes, cada uma das quais
semelhante ao objeto original. Diz­se que os fractais têm infinitos detalhes, são geralmente auto­
similares e independem de escala. Em muitos casos, um fractal pode ser gerado por um padrão
repetido, tipicamente um processo recorrente ou iterativo.
Figura 3: Estrutura fractal construída iterativamente.
Fonte: Google
O conjunto de Cantor demonstrado anteriormente é um fractal. Tal conjunto vem de um
processo iterativo e é reconhecido como precursor da geometria fractal. Veja novamente a figura
que representa este conjunto e observe como o conjunto de Cantor é uma figura que se repete
várias vezes nela mesma. A estrutura do conjunto é uma reta que após a n­ésima iteração vai
sendo substituída por um conjunto de pontos que jamais ocupa a dimensão original, mas que
também jamais possui dimensão nula. Quando isso acontece, dizemos que o conjunto possui
uma dimensão fractal, ou seja, a dimensão que essa figura ocupa é fracionária, daí o nome
fractal.
O emprego do termo fractal pode ser temporalmente localizado no ano de 1975, quando
Benoit Mandelbrot sentiu a necessidade de encontrar um nome para descrever a geometria com
que buscava representar as reais formas da natureza. Tecnicamente, um fractal é um objeto que
apresenta invariância na sua forma à medida em que a escala, sob a qual o mesmo é analisado,
é alterada, mantendo­se a sua estrutura idêntica à original. As principais propriedades que
caracterizam os fractais são a auto­semelhança, a complexidade infinita e a sua dimensão. A
auto­semelhança é identificada quando uma porção pode ser vista como uma réplica do todo,
19
numa escala menor. Esta característica pode ser melhor entendida a partir da figura mesma do
conjunto de Cantor, como falamos. A complexidade infinita refere­se ao fato de que o processo
de geração de uma figura, definida como sendo um fractal, é recursivo. Isto significa que,
quando se executa um determinado procedimento, no decorrer da mesma encontra­se como
sub­procedimento o próprio procedimento anteriormente executado. Veja o próximo exemplo.
Figura 4: Triângulo de Sierpinski
Fonte: Google
Este fractal foi descoberto pelo matemático polonêsWaclaw Sierpinski (1882­1969), em
1916. Para construirmos o Triângulo de Sierpinski, utilizaremos um processo iterativo seguindo
as etapas: consideramos inicialmente um triângulo equilátero; construímos os segmentos de­
terminados pelos pontos médios de cada lado formando quatro triângulos equiláteros; retira­
mos o triângulo central; repetimos em cada um dos triângulos não eliminados as etapas 2 e 3;
repetimos a etapa 4 sucessivamente.
Vale salientar que, no caso da construção iterativa de um fractal matematicamente defi­
nido, dispõe­se de um número infinito de procedimentos a serem executados, gerando­se assim
uma estrutura infinitamente complexa. Finalmente, a dimensão de um fractal, ao contrário
do que ocorre na Geometria Euclidiana, não é necessariamente um valor inteiro. Nela, um
ponto possui dimensão zero, uma linha possui dimensão um, uma superfície possui dimensão
dois e um volume possui dimensão três. No caso da dimensão fractal, ela é uma quantidade
fracionária, representando o grau de ocupação da estrutura no espaço que a contém. Como
exemplos, pode­se citar a dimensão fractal dos relâmpagos no espaço tridimensional, 1.51, dos
angiogramas dos rins, 1.61, dentre outros.
Figura 5: Sistema arterial dos rins com dimensão fractal 1.61
Fonte: Referência [8]
A conceituação acima foi retirada da referência [8], que por ser muito clara e objetiva,
creio não ser necessário dar novas palavras à ela.
20
6.2 Dimensão Fractal
Esta subseção utilizou­se principalmente de [8] e [9].
6.2.1 Introdução
Guarde bem a seguinte informação: a dimensão fractal de uma determinada figura
tem tudo a ver com o espaço que a mesma ocupa. Falamos inicialmente da geometria euclidi­
ana, cuja aplicabilidade se resume a dimensões de número inteiro. Veremos agora um exemplo
de construção que vai desafiar essa estrutura, onde a geometria euclidiana trabalha, onde atesta­
remos que em algum momento essa construção vai escapar dos moldes dimensionais inerentes
à geometria de Euclides. Considere a Curva de Koch, conforme a figura abaixo.
Figura 6: Curva de Koch
Fonte: Google
A construção se dá a partir de um segmento de reta (de comprimento 1) que, em seguida,
é dividido em três segmentos iguais. Depois disto, substitui­se o terço médio por um triângulo
equilátero retirando­lhe a base. Daí segue o mesmo processo aplicado aos segmentos de reta
que ficaram da etapa anterior. Iteramos assim. Assim, temos inicialmente um segmento de
comprimento 1, depois temos uma estrutura, ainda formada por segmentos, que se fosse esticada
como uma corda, teria comprimento 4
3
. Fazendo o mesmo processo, temos agora uma figura de
comprimento 16
9
. Logo, concluímos que no n­ésimo passo da construção da curva de Koch,
obtemos uma corda de comprimento (4
3
)
n.
Portanto, no n­ésimo nível, o comprimento da curva de Koch será dado por
Sn = Sn−1 +
Sn
3
= (4
3
)
n.
Assim, no limite de um número infinito de etapas, tem­se o seguinte resultado:
lim
n→∞
Sn = ∞.
Uma curva deste tipo, devido à sua complexidade infinita, contém um número de infinitas
“dobras” que, se ampliadas, continuam aparecendo indefinidamente. Devido a este infinito
detalhamento, esta curva “ocupa mais espaço” que uma linha convencional, possuindo assim
uma dimensão fractal maior que 1.0, sem chegar, no entanto, a ocupar o espaço de uma faixa
que a contém (dimensão 2.0).
21
Antes de definirmos a dimensão fractal, falaremos das que a antecedem, que são as di­
mensões topológica (Dt) e de imersão (Di). A dimensão topológica de outros objetos é dada
pelo valor deDt do elemento que o torna desconexo mais 1. Para uma curva, um ponto é sufici­
ente para torná­la desconexa de forma que o correspondente valor deDt será 0 + 1 = 1. Para o
plano, uma curva o torna desconexo, o que leva a 1+1 = 2 e para um volume, uma vez que uma
superfície o torna desconexo, 2+1 = 3. Já a dimensão de imersão se refere a dimensão em que
um certo ente geométrico está pairado. É muito simples de entender: uma reta, por exemplo,
tem dimensão 1, no entanto, a mesma está imersa no plano bidimensional, ou seja, sua dimensão
de imersão é 2. Daremosagora uma definição precisa para a dimensão fractal. A chamemos de
Df .
Definição 6.1. (Mandelbrot) Um dado conjuntoA constitui um fractal se, emA,Di > Df > Dt.
Existe outra definição proposta por Kenneth Falconer, que é mais simples.
Definição 6.2. Um conjunto A, terá dimensão fractal se
N (A, ϵ) ∼= Cϵ−D
sendo C uma constante, e N (A, ϵ) é o menor número de bolas fechadas de raio ϵ necessário
para se ter uma cobertura A, com A ⊂ Rn e ϵ > 0.
Da definição acima segue que a dimensão fractal de um conjunto pode ser definida pela
seguinte expressão
Df = lim
ϵ→0
ln(N (A,ϵ))
ln( 1ϵ )
.
6.2.2 Dimensão Fractal do Conjunto de Cantor
Quando descrevemos a construção do conjunto de Cantor, e demonstramos alguns resul­
tados, notamos que suas características mais marcantes são paradoxais. Um exemplo disso está
no fato de que, apesar do conjunto ser não enumerável, não vazio e constituído só por pontos
de acumulação, vimos que seu comprimento tende a zero. Até denominamos o conjunto como
Poeira de Cantor.
É natural, portanto, que se conclua que o conjunto de Cantor possua a dimensão entre 0
e 1, ou seja, dimensão fractal. Provemos isso. Com efeito, seja
N (A, ϵ) = 2N , com ϵ = (1
3
)
N ,
o menor número de bolas fechadas de raio ϵ necessário para se ter uma cobertura A da estrutura
do conjunto de Cantor naN ­ésima iterada. Quando ϵ → 0, ou seja, quando se diminui o raio das
bolas, acontece que N → ∞, isto é, aumentou­se o número de iteradas infinitamente. Então,
utilizando a definição 6.2., temos que
Df(K) = lim
ϵ→0
[ ln(N (A,ϵ))ln( 1ϵ )
]
= lim
N→∞
[ ln (2
N )
ln(3N ) ]
= ln(2)ln(3) = 0.630 . . .
22
Referências
[1] LIMA, E. L. Análise Real ­ volume 1. IMPA, RJ, 2004
[2] FRID, Hermano. Análise real. v. 1. / Hermano Frid. Rio de Janeiro: Fundação CECIERJ,
2010.
[3] FREIRIA, Antônio Acra. A Teoria dos Conjuntos de Cantor. Paidéia (Ribeirão Preto), Ri­
beirão Preto , n. 2, p. 70­77, jul. 1992 .
[4] ALVES, M. T. O Conjunto de Cantor. Trabalho de Conclusão de Curso. Departamento de
Matem´atica UFSC, 2008.
[5] MOURA, Elis Coimbra. SANTOS, Elisa Regina.Medida de Lebesgue e Conjunto de Can­
tor. v. 6 n. 2 (2018): Matemática e Estatística em Foco, 2019.
[6] P. J. Fernandez, Medida e Integração. IMPA, 2002
[7] MOURA, Elis Coimbra. SANTOS, Elisa Regina. Conjunto de Cantor: um conjunto não
enumerável com medida de Lebesgue zero. IMPA, 2017.
[8] ASSIS, Thiago Albuquerque. MIRANDA, Vivas. GARCIA, José. MOTA, Fernando de
Brito. ANDRADE, Roberto Fernandes Silva, & CASTILHO, Caio Mário Castro. Geome­
tria fractal: propriedades e características de fractais ideais. Revista Brasileira de Ensino
de Física, 30(2), 2304.1­2304.10, 2008.
[9] FREITAS, Amauri Fernandes. Explorando o Conjunto de Cantor e outros fractais no ensino
básico. 2014. 43 f. Dissertação ­ (mestrado) ­ Universidade Estadual Paulista, Instituto de
Geociências e Ciências Exatas, 2014.
[10] LIMA, E.L, Elementos de Topologia Geral, Rio de Janeiro: SBM, 1a ed, 2009.
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