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FRANCISCA FLAVIA DE SOUSA LOURENÇO A AÇÃO POPULAR COMO MECANISMO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA FACULDADE ANHANGUERA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO (FDSBC), SÃO BERNARDO DO CAMPO, A Ação Popular Como Mecanismo Da Democracia Participativa Trabalho de Conclusão de Curso (Monografia) apresentado à Banca Examinadora da Faculdade Anhanguera de São Bernardo do Campo, como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito sob orientação da Professor-Orientador. Tiago Alves Pessoa São Bernardo do Campo/SP Francisca Flavia de Sousa Lourenco Setembro/2020 Aprovado em _____/_____/____ ______________________ ______________________ ______________________ RESUMO A ação popular é instrumento constitucional que apareceu pela primeira vez no ordenamento pátrio na Constituição de 1934. Desde então é realizada uma verdadeira tentativa de adequar sua interpretação à intenção do constituinte com a realidade enfrentada pela população. Nesse trabalho, a ideia é justamente dissecar o instituto da ação popular, trazer à discussão o que é democracia e como ela é atualmente exercida no Brasil e, por fim, demonstrar como o remédio constitucional pode ser o balizador, ou melhor, o estandarte da participação política na República do Brasil. O primeiro capítulo traz justamente essa análise detalhada da ação popular, na qual são demonstrados os seus pressupostos para ajuizamento, descritos e explicados através da doutrina constitucional e da jurisprudência. No segundo, buscamos trazer breves explicações, por se tratar de tema deveras extenso, acerca da democracia e alguns tipos identificados pela doutrina. No terceiro, um paralelo entre ação popular e democracia, demonstrando como pode esse mecanismo ser uma ferramenta de alcance dos objetivos políticos do povo brasileiro e as barreiras e impedimentos encontrados quando dessa pretensão. Por fim, no quarto capítulo, a análise de um caso concreto, processo que tramita na cidade de São Bernardo do Campo e que nos permitiu examinar, no caso prático, os elementos abordados nos capítulos anteriores. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 5 1 AÇÃO POPULAR 6 1.1 CONCEITO DE AÇÃO POPULAR 6 1.2 ESPÉCIES 7 1.3 LEGITIMIDADE ATIVA 9 1.4 LEGITIMIDADE PASSIVA 10 1.5 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO POPULAR 11 1.6 OBJETO DA AÇÃO POPULAR 12 1.7 O BINÔMIO LESIVIDADE / ILEGALIDADE 13 1.8 COMPETÊNCIA E SENTENÇA NA AÇÃO POPULAR 15 2 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 18 2.1 CONCEITO HISTÓRICO DE DEMOCRACIA 18 2.2 TIPOS DE DEMOCRACIA 21 2.2.1 A DEMOCRACIA DIRETA 22 2.2.2 A DEMOCRACIA INDIRETA OU REPRESENTATIVA 23 2.2.2.1 CRISE DO MODELO REPRESENTATIVO 24 2.2.3 A DEMOCRACIA SEMIDIRETA OU PARTICIPATIVA 26 3 ENTRAVES À EFETIVADE DA AÇÃO POPULAR 28 4 ANÁLISE DE CASO CONCRETO 32 CONCLUSÃO 36 BIBLIOGRAFIA 38 INTRODUÇÃO Em uma democracia representativa, o povo sempre há de esperar de seus representantes que, quando eleitos, busquem ao máximo cumprir com tudo o que haviam prometido no período eleitoral. Mais do que isso, que ajam dentro da legalidade e da moralidade esperada de seus líderes. Pode ocorrer, no entanto, que ambas as situações não se efetive. A primeira, quando o representante descumpre o prometido, deixando seus representados à deriva e com verdadeira sensação de impotência política. A segunda, talvez até mais grave, quando esse político realiza ato que fere preceito legal ou mesmo a moralidade esperada de quem ocupa qualquer cargo na administração pública. O constituinte, buscando garantir à população mecanismos de participação mais incisiva na política do Estado, manteve na Constituição de 88, instrumento de controle já conhecido no ordenamento pátrio, a ação popular. Dentre outros remédios constitucionais, a ação popular busca garantir que aquele que identifica ato lesivo contra o patrimônio público possa acionar o poder judiciário a fim de anular o ato, remetendo a situação ao status quo ante, ou seja, ao estado em que as coisas se encontravam antes do ato lesivo. Nessa monografia, buscamos evidenciar os elementos que caracterizam a ação popular e que são tidos pela doutrina e pela jurisprudência como essenciais à sua propositura. Abordamos também algumas características da democracia e as características de exercício do poder pelo povo. Um assunto que permite inúmeras abordagens em virtude da dimensão continental de nosso País, suas peculiaridades regionais, a diferente interpretação do Poder Judiciário acerca de um mesmo assunto, em decorrência dessas mesmas peculiaridades, mas que procuramos explicar de forma abrangente, simples e didática. 1. AÇÃO POPULAR O instituto jurídico da Ação Popular não pode ser considerado uma novidade trazida pela Constituição Federal de 1988. De fato esse instrumento foi recebido pelo ordenamento Pátrio pela primeira vez na Constituição de 1934, com características semelhantes às atuais. Tem importante papel na defesa dos direitos coletivos, conforme veremos a seguir e hoje figura no Artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 1988, com regulamentação pela Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. Ocorre que, sob alguns aspectos que pudermos observar e que serão abordados nas seções seguintes, a Ação Popular não confere garantia de intervenção por parte dos cidadãos, como se pretendia. Características como a necessidade da contratação de um advogado para postular em juízo, bem como a possibilidade de se condenado ao pagamento do décuplo do valor da causa, comprovada a litigância de má-fé, acabam por inibir a ação do cidadão comum, já bastante descrente do poder judiciário de forma geral, como demonstrado no terceiro capítulo deste trabalho. Para uma análise mais detalhada da Ação Popular, abordaremos separadamente conceito; espécies; legitimidade ativa e passiva; o papel do Ministério Público na ação popular; o objeto do referido instrumento constitucional; o binômio lesividade/ilegalidade e a quem compete julgar a ação popular e quais os tipos possíveis de sentença nessa ação. 1.1 CONCEITO DE AÇÃO POPULAR A fim de conceituarmos o instrumento da ação popular, façamos uma breve exposição do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal Brasileira atual: LXXII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo se comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; Nas palavras de José Afonso da Silva: “Trata-se de um remédio constitucional pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de natureza essencialmente política [...]”.1 Faz-se necessário ressaltar, porém, que ainda que se diga que qualquer cidadão teria legitimidade para exercer esse poder, veremos adiante, ao abordar a legitimidadeativa para propor ação popular, que existem algumas limitações que podem levar esse mesmo cidadão a renunciar esse direito. Já a ideia de remédio explica justamente a natureza do mecanismo que é a de sanar, resolver questão onde existe lesividade aos bens jurídicos expostos. Quais sejam o patrimônio público ou de entidade de que participa o Estado; a moralidade administrativa; o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. O objetivo da propositura de ação popular seria o de fazer cessar ato lesivo a direito coletivo, indo além da pessoa do impetrante. Provoca o poder judiciário a atuar para conter ato político/administrativo que fira os bens acima elencados. É nitidamente um instrumento que foi concebido para frear e conter a arbitrariedade ou a irresponsabilidade no poder público. 1.2 ESPÉCIES Com o intuito de facilitar seu estudo e entendimento, a ação popular recebeu da doutrina classificação de acordo com a natureza jurídica da pretensão. De acordo com Pedro Lenza, “presentes os requisitos legais [...], é possível a concessão de liminar, 1 Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 466. podendo a ação popular ser tanto preventiva, visando evitar atos lesivos, como repressiva, buscando o ressarcimento do dano [...]” 2. A terminologia é inclusive repetida na jurisprudência, como vemos: AÇÃO POPULAR PREVENTIVA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO PÚBLICO COM SUSPEITA DE SUPERFATURAMENTO. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO (REMESSA OFICIAL DADA POR INTERPOSTA). PRELIMINARES (CARÊNCIA DE AÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA) AFASTADAS. DECISÃO DE MÉRITO COERENTE COM O CONTEXTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO DESPROVIDO. 1. Ação Popular Preventiva motivada pelo financiamento aprovado no âmbito do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), no valor de R$ 3.940.000,00, em favor da Cooperativa de Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados de Reforma Agrária do Pontal Ltda (COCAMP), ligada ao Movimento dos Sem Terra (MST), para aquisição de uma fecularia e de dez caminhões, sob suspeita de superfaturamento. 2. Constatado que a fecularia, além de possuir dívidas fiscais, era alvo de duas execuções movidas pelo Banco do Estado de São Paulo S/A (BANESPA), hoje sucedido pelo Banco Santander (Brasil) S/A, perante a Justiça Estadual, onde teve os bens móveis e imóveis penhorados. Ou seja, eventual alienação dos bens penhorados configuraria fraude à execução, nos termos do artigo 593 do Código de Processo Civil. 3. A lesividade e a ilegalidade do ato administrativo impugnado estão estampadas nos autos, não havendo que se cogitar da carência de ação. Ademais, a Ação Popular, modernamente, é tida como instrumento de defesa da moralidade administrativa, o que se coaduna com perfeição à situação relatada, envolvendo a possível malversação de recursos públicos na ordem de R$ 3.940.000,00. Precedentes do C. STJ (AgRg no REsp 1378477/SC, Segunda Turma, Relator Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, julgado em 11/3/2014, DJe 17/3/2014; AgRg na SLS 1.353/PI, CORTE ESPECIAL, Relator Ministro ARI PARGENDLER, julgado em 12/5/2011, DJe 17/8/2011). 4. Afastada a alegação de ofensa ao princípio da congruência. Consta na inicial pedido subsidiário de declaração de invalidação dos atos impugnados, o que condiz com a sentença exarada em primeiro grau de jurisdição, baseada na evolução dos fatos e consequentes implicações jurídicas (STJ - REsp 814.710/MS, Primeira Turma, Relator Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, julgado em 21/11/2006, DJ 1/2/2007). Ademais, a situação fática subjacente foi-se alterando ao longo do processo, de modo que a sentença foi proferida conforme a regra do art. 462 do CPC. 5. No mérito: é correta a conclusão de que a ameaça de dano ao patrimônio público se evidencia mais pela precária situação financeira da fecularia (amplamente sucateada) do que pelo superfaturamento, deduzido a partir do cotejo das informações carreadas aos autos. Notória insolvência da empresa que se pretendia adquirir com recursos públicos, envolvida em múltiplas execuções; prévia arrematação por terceiro do terreno da sede da firma; penhora sobre os bens móveis e pendências judiciais e fiscais existentes; sucateamento da empresa: tudo desaconselhando o financiamento com verbas públicas pretendido pela apelante. 6. Sentença de parcial procedência mantida. Recurso voluntário e remessa oficial desprovidos. (TRF-3 - AC: 1203547 SP 1203547-30.1997.4.03.6112, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 25/09/2014, SEXTA TURMA). 2LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado, p. 1279. No entanto, outra forma de classificação, mais ligada à natureza do bem jurídico a ser protegido é trazida por Elival da Silva Ramos, que explica: Assim, há ações populares ditas penais, posto que por meio delas se pretende a imposição de pena, em face da prática de crime; há ações populares eleitorais, em que se examina a regularidade de algum ato de natureza eleitoral e, finalmente, ações populares civis ou administrativas, mediante as quais se busca a defesa do patrimônio público (em sentido amplo e não apenas econômico) ou simplesmente a legalidade dos procedimentos administrativos.3 Essa delimitação ajudará na definição da competência para interposição e julgamento da ação popular, como veremos mais à frente. 1.3 LEGITIMIDADE ATIVA O inciso LXXIII, do artigo 5º da CF/88 traz em seu teor que “qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular”. É preciso porém trazer à luz o conceito jurídico de cidadão. Mendes e Branco ensinam, de forma bastante abrangente que a ação popular “[...] somente pode ser proposta pelo cidadão, aqui entendido como aquele que não apresente pendências no que concerne às obrigações cívicas, militares e eleitorais que, por lei, sejam exigíveis [...]”4 Essa exigência ultrapassa o exposto na Lei n. 4.717/65, em seu artigo 1º, §3º que nos mostra que “a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”. Aqueles que não comprovem esse requisito mínimo não estariam aptos a pedir a tutela jurisdicional nos moldes e através da ação popular. Ainda no entendimento de Alexandre de Moraes: 3 RAMOS, Elival da Silva. A Ação Popular como Instrumento de Participação Política, p. 115. 4MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional, p. 394. A legitimação do cidadão é ampla, tendo o direito de ajuizar a ação popular, mesmo que o litígio se verifique em comarca onde ele não possua domicílio eleitoral, sendo irrelevante que o cidadão pertença, ou não, à comunidade a que diga respeito o litígio, pois esse pressuposto não está na lei e nem se assenta em razoáveis fundamentos5. Dessa forma, não podem ingressar como autores os estrangeiros, os brasileiros que não gozem de seus direitos políticos e nem mesmo as pessoas jurídicas; essa última, inclusive, com a vedação do Supremo Tribunal Federal (STF),através da súmula 3656. Dentro do assunto legitimidade ativa é de grande importância frisar que para propositura de ação popular, a pessoa interessada precisa necessariamente contratar um advogado para postular em juízo. Não fazendo parte do estrito rol de exceções do Código de Processo Civil que isenta a parte de postular através de um advogado, o que se aplica na Ação Popular é a regra do diploma processual. Ainda que em um primeiro momento esse fato não pareça um impedimento por si só, queremos expor questões que, diante de uma ótica popular, podem embaraçar a utilização da ferramenta constitucional. 1.4 LEGITIMIDADE PASSIVA Expostos os requisitos para legitimação do proponente da ação popular, falaremos agora das exigências legais para figuração no polo passivo do instrumento constitucional. Na realidade o rol de agentes ou instituições que podem compor o processo como demandados é bem amplo e não possui restrição. Uma vez que a ação popular existe para cessar ou evitar a implementação de ato lesivo ao patrimônio público e ao meio ambiente, basta que esses bens sejam lesadas ou sofram ameaça de lesão para que os autores dessa lesividade possam responder ao pleito. 5MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 2003. 6“Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”. Na Lei 4.717/65, em seu artigo 1º, §2º temos que: Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo. É este também o sentido da jurisprudência: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO POPULAR - LEGITIMIDADE PASSIVA - ABRANGENTE - APLICAÇÃO DO ARTIGO 6º DA LEI Nº 4.717/65 - RECURSO PROVIDO. Os administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado possuem legitimidade para compor o pólo passivo da ação popular, que possui caráter abrangente. Aplicação do artigo 6º, da Lei nº 4.717/65. Recurso a que se dá provimento. (TJ-MG 107200501979070011 MG 1.0720.05.019790-7/001(1), Relator: KILDARE CARVALHO, Data de Julgamento: 12/04/2007, Data de Publicação: 09/05/2007). Resta demonstrado que muito mais criteriosa é a verificação da legitimidade da parte autora da ação popular, ao passo que para responder podem ser chamados todos aqueles que geraram o dano a patrimônio público ou concorreram para tal. 1.5 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO POPULAR Destarte o Ministério Público atuará como fiscal da lei, acompanhando e garantindo que o processo siga seu curso de dever. Senão vejamos o texto do artigo 6º, §4º da Lei 4.717/65: § 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato impugnado ou dos seus autores. Pode acontecer, porém de o autor da ação desistir de prosseguir no processo ou dar causa à sua extinção sem resolução do mérito. Não havendo interesse de outro cidadão em prosseguir com a lide, poderá o Ministério tomar lugar no pólo ativo da ação, de acordo com o artigo 9º7 da Lei supramencionada. 1.6 OBJETO DA AÇÃO POPULAR Ensina Bulosque “O objeto da ação popular é a impugnação de atos lesivos e ilegais [...]”8 praticados contra os elencados no artigo 1º da Lei 4.717/65, como vemos: Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. Assevera ainda, Lenza, que “Busca-se a proteção da res publica, ou, utilizando uma nomenclatura mais atualizada, tem por escopo a proteção dos interesses difusos”.9 Por fim, a didática explicação de Alexandre de Moraes (2003, p. 146), de que: O objeto da ação popular é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público, sem contudo configurar-se a ultimaratio, ou seja, não se exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento. Ainda para ressaltar o caráter de lesividade ou potencial lesividade a interesse coletivo, temos caso em que a Ação Popular foi extinta sem resolução do mérito, por 7Artigo 9º - Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação. 8BULOS, Uadi Lamego. Curso de Direito Constitucional, p. 803. 9LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 1275. descumprir exatamente esse preceito, verificando-se o intuito de proteger direito individual da parte autora: PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO POPULAR. INÉPCIA DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Nos termos do art. 5º, LXXIII, da CF/88, qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência. 2. No caso dos autos, a demanda foi motivada pela alegação de nulidade de concessão de benefício previdenciário, com sentença transitada em julgado, restando caracterizado tão somente interesse particular da parte autora, inventariante do espólio deixado por seu genitor, ao discutir benefício pensão por morte concedido à ex-companheira do de cujus. 3. Considerando a inexistência de ato lesivo ao patrimônio público e que a ação popular não é o meio adequado para amparar direitos individuais próprios, irrefutável a sentença extintiva do feito sem resolução do mérito. 4. Remessa oficial não conhecida. Apelação desprovida. É nesse diapasão que concluímos que a ação popular, como dito no início, pretende garantir o direito do cidadão comum de atuar para exercer o controle da legalidade dentro da Administração Pública. 1.7 O BINÔMIO LESIVIDADE / ILEGALIDADE Ao abordar a questão do objeto da ação popular, verifica-se que muitos autoresclassificam os atos lesivos e ilegais como alvos do remédio constitucional, porém o segundo item não é mencionado na Constituição Federal e nem mesmo na Lei 4.717/65 que regulamenta o instituto. Ocorre que difícil se faz a distinção entre ato lesivo e ato ilegal, por considerarmos que não haveria risco ao Patrimônio Público, em sentido amplo, se os atos dos administradores se pautassem sempre na legalidade. Alexandre de Moraes10 ensina que para ajuizamento da ação popular, um dos pressupostos seria o requisito objetiva para tal, definido pelo autor como a “[...] natureza do ato ou da omissão do Poder Público a ser impugnado, que deve ser, obrigatoriamente lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade. [...]”. Entendemos que aqui a ilegalidade surgiria como espécie onde lesividade é gênero. Michel Temer entende que: A doutrina e a jurisprudência têm enfrentado o problema de saber se basta a lesividade para autorizar a demanda popular ou se é indispensável a configuração da legalidade. A questão pode ser solucionada pela compreensão de que é impossível a existência de um ato lesivo, mas “legal”. É que a lesividade traz em si a ilegalidade.11 Já para Mancuso, “[...] dispensável é o requisito da ilegalidade, eis que a ofensa à moralidade por si permite o desfazimento do ato pela ação popular. Resta, então, como requisito, apenas a lesividade, mas não, necessariamente, de cunho patrimonial [...]”.12 Outro que admite que a lesividade é fundamento suficiente para propositura da ação é José Afonso da Silva, ao explicar que “na medida em que a Constituição amplia o âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo autônomo de nulidade do ato”.13 Podemos entender que caberá ao julgador da ação determinar se lesão por si só ou o risco de lesão ao patrimônio público será suficiente para propositura da ação ou se deverá esse ato lesivo ser contrário a determinação legal preexistente. Parece-nos que a tendência é realmente de que o conceito de lesividade torne-se cada vez mais abrangente. 10MORAES. Op. cit., p. 146. 11 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional, p. 208. 12MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação Popular, 2015, p. 100. 13SILVA, J. A. apud. LENZA, Op. cit., p. 1276. 1.8 COMPETÊNCIA E SENTENÇA NA AÇÃO POPULAR A competência para conhecimento e julgamento da ação popular estará intrinsecamente ligada à origem do ato impugnado. À luz do que diz MORAES (2003): Importante ressaltar que seguindo uma tradição de nosso direito constitucional, não há previsão na Constituição de 1988, de competência originária do Supremo Tribunal Federal, para o processo e julgamento de ações populares, mesmo que propostas em face do Congresso Nacional, de Ministros de Estado ou do próprio Presidente da República, ou das demais autoridades que, em mandado de segurança, estão sob sua jurisdição.14 Também a respeito, BULOS: [...] a competência para processar e julgar ação popular, contra ato de qualquer autoridade, é do juiz de primeiro grau de jurisdição, algo que está fora da esfera de atribuições originárias do Supremo Tribunal Federal. Assim, a Lei Maior de 1988, acolhendo a tradição implantada desde o Texto de 1934, não incluiu, nos rígidos limites fixados em numerusclausus em seu art. 102, I, a competência para o Pretório Excelso processar e julgar ações populares. O mesmo se diga quanto ao Superior Tribunal de Justiça e ao Tribunal Superior Eleitoral, que também não possuem competência originária (CF, art. 105, I; Código Eleitoral, arts. 22 e 23).15 Não se aplicaria o foro especial por prerrogativa de função, popularmente conhecido como foro privilegiado, nas ações populares. Nesse mesmo sentido, tornando praticamente unânime o ponto, está o entendimento do Supremo Tribunal Federal: O STF – por ausência de previsão constitucional – não dispõe de competência originária para processar e julgar ação popular promovida contra qualquer órgão ou autoridade da República, mesmo que o ato cuja invalidação se pleiteie tenha emanado do presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, ou, ainda, de qualquer dos tribunais superiores da União. (...) Os atos de conteúdo jurisdicional – precisamente por não se revestirem de caráter administrativo – estão excluídos do âmbito de incidência da ação popular, 14 MORAES, Alexandre de. Op. Cit., 15 BULOS, Uadi Lamego. Op. Cit., p. 807. notadamente porque se acham sujeitos a um sistema específico de impugnação, quer por via recursal, quer mediante utilização de ação rescisória. (Pet 2.018 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 22-8-2000, 2ª T, DJ de 16-2-2001.)16 Sendo assim, deveria o impetrante observar qual autoridade proferiu o ato lesivo ou gerador de risco ao patrimônio para que pudesse, por associação, determinar o órgão jurisdicional competente para conhecer e julgar o processo popular. Quanto à sentença na ação popular, via de regra, valerá o disposto no artigo 1817, da Lei 4.717/65, que diz que os efeitos erga omnes, que equivale a dizer, de forma bastante simples, que a sentença abrange a todos os envolvidos. Esse efeito valerá tanto para a ação que julgue procedente o pedido do autor, quanto àquela em que esse mesmo pedido é considerado improcedente. Ora, pois, se a sentença julga que o autor não tem razão ao reputar nulo ou anulável o ato potencialmente lesivo ao patrimônio público, é o mesmo que declarar a validade desse mesmo ato, observada a exceção que o artigo mencionado faz com relação à improcedência por deficiência de provas, onde a lei autoriza que outra pessoa ingresse ação contra o mesmo ato. Aqui, o legislador parece ter entendido que a deficiência de provas seria a ausência de pressuposto material capaz de permitir que outra pessoa intente outra ação com a mesma finalidade e com a chance de sanar os vícios do processo anterior. Seriam, então, espécies de sentença na ação popular aquelas em que há julgamento do mérito, que define por dar ou negar provimento ao pedido do autor. A sentença procedente anula os atos impugnados e condena o réu a promover o mencionado status quo ante, que seria fazer retornar a situação dos envolvidos tal qual estava antes da implantação do ato lesivo. 16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 17 Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Outra possibilidade é a de o juiz extinguir o processo de ação popular sem resolução do mérito, onde o judiciário não decide a respeito do fato concreto, por entender que naquela lide específica faltam pressupostos processuais que impedem a continuação do feito. É o que ocorre, por exemplo, quando a parte autora não reúne os pressupostos subjetivos que lhe conferem a legitimidade ativa já explicada, ou quando severifica a litigância manifestamente temerária, abordada no artigo 1318 da Lei n. 4.717/65. Diz o referido artigo que poderá ser condenado ao pagamento do décuplo do valor da causa, aquele que utilizar-se de má-fé no intento processual. Ao nosso ver essa possibilidade tem mais a prejudicar a utilização do instrumento do que a garantir o seu mau uso. Mesmo porque na referida lei não tem caracterizado objetivamente o que seriam sinais claros de má-fé por parte do autor popular. Por uma questão de divergência ideológica, qualquer um pode ser acusado – e modernamente isto é cada vez mais notado – de utilizar-se de má-fé. Em virtude da subjetividade deste item e da grande monta da condenação, cremos que este critério não deveria existir. 18 Art. 13. A sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas. 2 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA No capítulo anterior, demonstramos como a ação popular é ferramenta de exercício da cidadania e da democracia. A partir do momento em que o cidadão pode pleitear e interferir na gestão pública, temos uma pura manifestação de cuidado com a res publica, ou seja, a coisa pública, o patrimônio abstrato e coletivo de um povo. Povo, que na lição de Dallari, com bastante estudo, pode ser definido como: [...] o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano.19 Analisamos o conceito de povo para definirmos a questão principal dessa seção, a democracia. 2.1 CONCEITO HISTÓRICO DE DEMOCRACIA Diferentes são as fontes para consulta do significado da palavra democracia. Ocorre, porém que no caso dessa monografia, não bastaria apenas a análise etimológica do vocábulo para explicação de sua relação com a aplicação e utilização do instrumento da Ação Popular. Por isso recorremos alguns autores, sejam juristas ou cientistas políticos, a fim de extrairmos de cada um desses, os conceitos aplicáveis ao conteúdo defendido neste trabalho. Segundo Norberto Bobbio, é possível abordar o conceito de democracia a partir das noções de instrumentos e finalidade, ao que o ilustre autor chama de Democracia Formal e Democracia Substancial, como veremos a seguir: 19 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado, p. 39. Para evitar a confusão entre dois significados tão diversos do mesmo termo prevaleceu o uso de especificar o conceito genérico de Democracia como um atributo qualificante e, assim, se chama de "formal" a primeira e de "substancial" a segunda. Chama-se formal à primeira porque é caracterizada pelos chamados "comportamentos universais" (universali procedurali), mediante o emprego dos quais podem ser tomadas decisões de conteúdo diverso (como mostra a co-presença de regimes liberais e democráticos ao lado dos regimes socialistas e democráticos). Chama-se substancial à segunda porque faz referência prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais característicos da tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um Governo do povo; a substancial é mais um Governo para o povo. Como a democracia formal pode favorecer uma minoria restrita de detentores do poder econômico e portanto não ser um poder para o povo, embora seja um Governo do povo, assim uma ditadura política pode favorecer em períodos de transformação revolucionária, quando não existem condições para o exercício de uma Democracia formal, a classe mais numerosa dos cidadãos, e ser, portanto, um Governo para o povo, embora não seja um Governo do povo.20 Do trecho acima podemos concluir que não foi esgotada a conceituação do termo, porém o mesmo autor enuncia na mesma obra: Os dois tipos de regime são democráticos segundo o significado de Democracia escolhido pelo defensor e não é democrático segundo o significado escolhido pelo adversário. O único ponto sobre o qual uns e outros poderiam convir é que a Democracia perfeita — que até agora não foi realizada em nenhuma parte do mundo, sendo utópica, portanto — deveria ser simultaneamente formal e substancial.21 Vemos que a definição de democracia pode variar dependendo das características culturais e ideológicas de quem a define. Ainda assim, mesmo diante de nobre lição, buscamos aquela capaz de fornecer maior quantidade de elementos a serem utilizados na demonstração da necessidade da utilização do instrumento da Ação Popular e, posteriormente, sua ineficácia. Daí a necessidade de buscarmos na doutrina jurídica, o que melhor definiria o que é democracia. Apesar de sua enorme importância, faremos uma breve análise da Democracia Ateniense, por se tratar de uma das mais lembradas e estudadas manifestações originárias da democracia. Apesar de o conceito de poder que emana do povo ou poder que se origina 20 Dicionário de Política, p. 338. 21 BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 329. do povo, ocorre que à época, justamente o conceito de povo e de cidadão era bastante distante do conceito atual, o que nos permite uma comparação ideológica e conceitual bastante limitada com a Idade Antiga. Como bem diz DALLARI (1998) em sua obra: Haverá alguma relação entre a ideia moderna de democracia e aquela que se encontra na Grécia antiga? A resposta é afirmativa, no que se respeita à noção de governo do povo, havendo, entretanto, uma divergência fundamental quanto à noção do povo que deveria governar.22 Dallari se refere a Aristóteles, que em sua obra “Política” define quem seriam os cidadãos legítimos para exercício do direito de governar ou de escolher seus governantes. Diz o filósofo grego que “a virtude política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só pertence àqueles que não têm necessidade de trabalhar para viver [...]”.23 Embora seja considerado um ótimo modelo de democracia pelo senso comum, percebe-se que o modelo grego, embora detentor de nobres ideais, era bastante restritivo se o compararmos com a sociedade moderna. O peso que carregava um estrangeiro ou um escravo àquela época, por estar totalmente à margem das regras da sociedade “legítima”, era algo inimaginável nos dias atuais, nos quais as Constituições da maioria das Nações pelo mundo são pautadas ou seguem um mínimo de respeito à dignidade humana, dando guarida tanto para os nacionais quanto para estrangeiros quase da mesma maneira. Uma outra explanação, não muito aprofundada, podemos fazer a respeito da ferramenta da democracia ao fim da Idade Moderna, época marcada pelo fortalecimento do absolutismo. Na Europa, a classe dos burgueses alcançara grande evolução econômica e industrial. No entanto, não exerciam poder político, em virtude do poder absoluto do Rei, que à época gozava de forteapoio da Igreja, uma das instituições mais poderosas de todos os tempos. Essa limitação acabou por gerar, ao longo do tempo, grandes revoltas e protestos por parte da classe comerciante. O fervilhar de ideais de libertação culminou, no 22 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 54. 23ARISTÓTELES, apud DALLARI, Dalmo de Abreu. ibid., p. 54. fim do século 18, com a Revolução Francesa e a destituição do poder das mãos do monarca. O advento da revolução mencionada fez eclodir em diversos outros países o surgimento de grupos idealistas, e o fortalecimento daqueles que já existiam. Em pouco tempo os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade tornaram-se base forte para a implementação de uma forma de governo em que, nas palavras de Elival da Silva Ramos, “o Estado é mero instrumento de realização da pessoa humana, assegurando-lhe liberdade e igualdade [...].24 Em uma análise mais atual, José Afonso da Silva explica que “podemos, assim, admitir que a democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo”.25 Diante das diversas definições apresentadas, uma conclusão ao menos nos parece possível apresentar. A de que em uma democracia haverá sempre a necessidade de se demonstrar ao menos um grau mínimo de busca e esforço, por parte de um certo representante de um coletivo de pessoas, em alcançar algo que se define como bom e ideal para esse grupo. 2.2 TIPOS DE DEMOCRACIA Vê-se das tentativas de definição que o conceito de democracia é variável de acordo com a época, a cultura de uma sociedade e também a ótica de quem analisa esse conceito. A ideia desse trabalho não é, porém, de liquidar essa questão, e sim trazer à análise os diversos pontos encontrados na literatura jurídica a respeito. 24 RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 16. 25 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 128. No ordenamento jurídico pátrio, mais precisamente na Constituição Federal, no artigo 1º, parágrafo único, o constituinte trouxe o ideal à tona de que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” Continuando nessa investigação, propomos a subdivisão do termo em três subtópicos, que são a democracia direta, a democracia indireta e a democracia semidireta ou mista. 2.2.1 A Democracia Direta Os primeiros relatos de democracia direta nos remetem à Grécia Antiga, mais precisamente a Atenas, onde os cidadãos26 reuniam-se nas ágoras, que eram como grandes auditórios, para decidir o futuro da cidade, a elaboração de leis e tudo o que estivesse ligado à administração local. É evidente que o número reduzido de cidadãos permitia esse tipo de manifestação. Como o número de escravos era extremamente grande, os cidadãos não tinham que se preocupar com atividades laborais e tinha tempo e disposição suficientes para pensar a cidade. Não é difícil de aceitar que o exercício direto da democracia, nos moldes atenienses, hoje seria inviável. Seria realmente impossível de se escutar a opinião de todos os cidadãos de uma nação. Ocorre que a população mundial cresceu em número e, também, com a evolução dos critérios para habilitação ao voto tornaram-se muito mais abrangentes quase que em todos os países e em comparação com a Idade Antiga. Apesar da atual impraticabilidade desse formato, não se pode negar que toda a base da manifestação democrática e do pensamento democrático tiveram seu desabrochar na Grécia antiga, com os ideais de Aristóteles27 e Platão28. 26Aqui nos referimos ao conceito supramencionado de Aristóteles na obra ‘A Política’, onde os cidadãos eram apenas os homens, com mais de 21 anos, atenienses e filhos de pais atenienses. 2.2.2 A Democracia Indireta ou Representativa A democracia indireta ocorre quando os cidadãos elegem pessoas que os representarão e administrarão a coisa pública em seu lugar. É conferido um verdadeiro mandato ao representante na ocasião de sua escolha. Teoricamente esse mecanismo propicia a escolha de alguém que se dedicará totalmente à consecução dos objetivos da maioria que o elegeu. Além de ser uma forma viável de administração pública nos tempos modernos, ela também propicia a escolha de alguém que tende a estar habilitado tecnicamente para o exercício do cargo e comprometido com os ideais coletivos. Existem, segundo Bernard Manin, dois momentos que descrevem o sistema representativo. Seriam eles: [...] Em um primeiro ponto de vista – do mandato –, as eleições servem para selecionar boas políticas ou políticos que sustentam determinadas políticas. Os partidos ou os candidatos fazem propostas políticas durante a campanha e explicam como essas propostas poderiam afetar o bem-estar dos cidadãos, os quais elegem as propostas que querem que sejam implementadas e os políticos que se encarregarão de praticá-las[...] [...] Em um segundo ponto de vista – da prestação de contas –, as eleições servem para manter o governo responsável pelos resultados de suas ações passadas. Por anteciparem o julgamento dos eleitores, os governantes são induzidos a escolher políticas, julgando que serão bem avaliadas pelos cidadãos no momento da próxima eleição [...]29 Segundo José Afonso da Silva, a democracia representativa: É aquela na qual o povo, fonte primária do poder, não podendo dirigir os negócios do Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade demográfica e da complexidade dos problemas sociais, outorga as funções de governo aos seus representantes, que elege periodicamente.30 27 Cf. ARISTÓTELES. A Política. 28 Cf. PLATÃO. A República. 29MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam e STOKES, Susan C.. Eleições e representação. Lua Nova [online]. 2006, n.67, pp.105-138. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n67/a05n67.pdf>. Acesso em 24 jul. 2018. 30 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 138. Um outro motivo para implementação de um modelo representativo, defendido pelos teóricos, seria o de que o representante seria capaz de absorver as necessidades da maioria e depurá-las, ou aprimorá-las.31 Em teoria, esse modelo parece-nos muito satisfatório quando à possibilidade de alcance do bem comum. Ocorre, porém, que estando sujeito ao compromisso assumido por um ser humano, as variáveis inerentes a toda relação humana são inúmeras e suscetíveis às mais diversas possibilidades. O modelo em si é aparentemente justo, porém deve ser aplicado simultaneamente a uma delicada preparação da sociedade que o exercerá. Na seção seguinte veremos características que acabam por depreciar o modelo representativo. 2.2.2.1 Crise do Modelo Representativo Como dizíamos na seção anterior, o modelo de democracia representativa tem seus méritos e por impossibilidade da aplicação de outro modelo, é o que vigora em grande parte dos países democráticos do mundo. Abordando a questão do Brasil especificamente, é ainda mais notável a impossibilidade da aplicação da democracia direta. Se examinarmos melhor o sistema representativo, concluiremos que tambémtem seu ponto fraco justamente em sua característica principal: a de eleger um representante ou alguns representantes como administradores da vontade da maioria. Nesse sistema, e de acordo com a Constituição de 1988, não existe obrigação jurídica do representante para 31 Cf. COSER, Ivo. Democracia representativa e democracia direta: revisitando dois modelos. Cadernos da Escola do Legislativo, Belo Horizonte, v. 18, n. 30, jul./dez. 2016. Disponível em <https://www.al.sp.gov.br/alesp/biblioteca-digital/obra/?id=22213>. Acesso em 23 jul. 2018. com os representados, ou seja, o eleito age como bem quer depois da eleição. Ainda que uma postura desse tipo soe imoral, de ilegal ela nada possui. Analisando o modelo representativo de forma geral encontramos diversas críticas ao seu funcionamento, como explica Manin: [...] Nas eleições, partidos ou candidatos se apresentam para os eleitores, informam-nos sobre suas intenções sobre políticas públicas. Especificamente, eles dizem aos eleitores quais políticas serão adotadas, com qual propósito e com quais consequências. Uma vez eleitos, os candidatos vitoriosos escolhem as políticas, não necessariamente as mesmas que anunciaram [...]32 Parece claro que a quantidade de expectativa depositada pelo povo no representante é diretamente proporcional à parcela do controle direto sobre a coisa pública que esse mesmo povo concordou em delegar. Partindo dessa premissa, também nos parece verdadeiro admitir que maior seria a decepção e o desgosto experimentado pelo povo ao constatar que seu representante não é capaz ou não manifesta interesse em atender as demandas coletivas. Para Ivo Coser, um ponto negativo, ou uma desvantagem a ser mencionada a respeito do sistema representativo seria: [...] as democracias contemporâneas estariam passando por uma crise das instituições representativas. As instituições seriam vistas pelos cidadãos como controladas por lobbies e interesses dos próprios representantes, o que resultaria em instituições distantes dos anseios da população em geral [...]33 Esmiuçando o caráter representativo, ensina José Afonso da Silva: [...] Segundo a teoria da representação política [...] o representante não fica vinculado aos representados, por não se tratar de uma relação contratual; é geral, livre, irrevogável em princípio, e não comporta ratificação dos atos do mandatário. Diz-se geral, por que o eleito por uma circunscrição [...] não é representante só dela [...] mas de todas as pessoas que habitam o território nacional. É livre, porque o representante não está vinculado aos seus eleitores 32MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam e STOKES, Susan C..Op. cit., p. 33COSER, Ivo. Op. cit., p. [...] Éirrevogável, porque o eleito tem o direito de manter o mandato durante o tempo previsto para sua duração [...]34 Esmiuçando o conceito de democracia indireta, sob diversos aspectos percebemos o porquê de esse sistema ter se tornado questionável do ponto de vista da satisfação dos anseios do cidadão. O mesmo confere pequena participação efetiva do indivíduo na gerência e administração da coisa pública, ou até mesmo canais de fiscalização dos atos dos administradores do patrimônio público pouco divulgados, ou – o que parece pior – pouco eficazes. Daí resultará o nosso estudo para a próxima seção, acerca da democracia participativa. 2.2.3 A Democracia Semidireta ou Participativa O sistema participativo deriva dos dois sistemas anteriores. Ou melhor, seria uma união de características do sistema direto, porém implantado em regime representativo. Teríamos aqui uma forma de ampliar a participação dos cidadãos na política do Estado. Um meio de se sentirem realmente responsáveis pelas alterações na administração da Nação e atuarem mais próximos dos governantes, ainda que em momentos específicos. No sistema explanado na seção anterior, a participação dos eleitores ficava limitada somente aos períodos de sufrágio. O reflexo disso é uma apatia com relação ao direcionamento das políticas públicas e uma verdadeira sensação de impotência quanto ao todo. Nas palavras de Elival da Silva Ramos: [...] consiste a Democracia Participativa em uma maneira nova de entender o sistema democrático em que participação política passa a ser vista como vital, 34SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 141. posto que nela se contém a força criadora do sistema que lhe permite o evoluir contínuo [...].35 O próprio Ramos36 defende que, por ora, o sistema democrático participativo não se configura um meio autônomo da democracia, e que seria derivação ou estaria interligado ao sistema representativo, reflexo do ativismo político observado em países da Europa Ocidental e da América do Norte. José Afonso da Silva nos diz que “o princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo”.37 Seria esse um formato que residisse em um sistema representativo, mas que trouxesse consigo elementos de democracia direta, que Silva cita como exemplos: A lei de iniciativa popular, onde o povo apresenta projetos de lei ao legislativo, preenchidos alguns requisitos como número mínimo de eleitores signatários do projeto; o referendo, que baseia-se na situação onde projetos de lei já aprovados pelo legislativo devem ser submetidos à apreciação popular e dependem dessa aprovação para posterior promulgação; o plebiscito, que se assemelha ao referendo, com a distinção de que a consulta popular é feita anteriormente à elaboração do diploma normativo; e a ação popular, tema dessa monografia, que tem por finalidade fazer cessar atos lesivos ao patrimônio público, com todas as nuances já analisadas. A explanação abreviada dos instrumentos acima tem o propósito apenas de demonstrar que o Brasil possui mecanismos que possibilitam a participação efetiva dos cidadãos nas políticas públicas. Veremos a seguir a adesão do povo à utilização da ação popular para consecução dessa participação, que é o verdadeiro objetivo dessa monografia. 35RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 63. 36 A Ação Popular como instrumento de participação política, p. 64. 37SILVA, José Afonso da. Op. cit.., p. 143. 3 ENTRAVES À EFETIVIDADE DA AÇÃO POPULAR Nos capítulos anteriores, discorremos a respeito da ação popular e da democracia. Vimos, então, que a ação popular figura entre os mecanismos de participação política previstos na Constituição de 1988. Teoricamente esse instrumento tem muito a auxiliar na fiscalização do poder público, por parte da população, mas na prática será que isso tem ocorrido de forma satisfatória? É o que veremos a seguir. Destarte pode-se dizer que a ação popular é uma ferramenta que provoca o poder judiciário para resolução de conflitos ou danos gerados nos/pelos poderes legislativo e executivo. Justamente daí surge um dos percalços para alcance dos objetivos do instituto. O sistema judiciário brasileiro, devido à crescente demanda que sofre, bem como o número reduzido de servidores, acumula um número dantesco de processos em julgamento. Isso acarreta,sem que necessariamente alguém dê causa, a uma morosidade muito além das expectativas quase urgentes da população na solução de seus anseios políticos. A confiança no poder judiciário também tem reduzido com o passar do tempo, quer pela morosidade, quer pela insatisfação por parte do público geral com as decisões pronunciadas. Essa descrença também contribui para o afastamento da população dos instrumentos populares de controle. Para fins de exemplificação, em pesquisa38 elaborada pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), é exposto o Índice de Confiança na Justiça do Brasil (ICJBrasil), onde no primeiro semestre de 2017 foi verificado que, dos entrevistados, apenas 24% acreditam que o Poder Judiciário é capaz 38O relatório mencionado pode ser acessado através do site <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/19034/Relatorio-ICJBrasil_1_sem_2017.pdf?sequence=1 &isAllowed=y>. Acessado em 26 jul. 2018. de atender a população em suas demandas, e a maior queixa está relacionada à demora na solução dos processos. Também o magistrado Roberto Caldas, expõe a constatação de que: Ao se tratar da ação popular, jamais se pode perder de vista que seu desempenho, como via de controle social, tem uma forte trava, qual seja, a do acesso à Justiça, ou seja, a de se ter que ingressar no nosso historicamente moroso Poder Judiciário [...]39 Este seria um dos motivos que dificultam a adesão popular ao instrumento constitucional. No entanto verifica-se também o seu uso como meio de manobra política. O possível abuso no exercício do direito de ação popular é alvo da preocupação de diversos juristas desde a primeira regulamentação constitucional em 1934. Assevera, RAMOS, que: A idéia de abuso de direito, presente em diversos ramos da Ciência Jurídica, é a do exercício de um direito, visando a resultado diverso da finalidade para a qual foi reconhecido pela ordem jurídica. Obviamente também o direito de ação popular pode ser deturpado em seu exercício, de modo a dele se valer o cidadão inescrupuloso, não com vista aos nobres fins a que se destina, mas com intuitos menores, puramente pessoais. Os adversários do instituto aproveitam-se disso para acusá-lo de emperrar a Administração, principalmente pelo medo que provoca no governante honesto, porém tíbio, de que venha a ser acusado de alguma irregularidade na gestão da coisa pública.40 Ademais, inúmeras críticas vêm sendo feitas à vetusta regulamentação da ação popular, que conforme exposto, data de 1965, estando impossibilitada de acompanhar as inúmeras mudanças fáticas e normativas até os dias atuais. Um ponto que pode ser abordado como crítico quando da aplicação dessa ferramenta é a possibilidade de o pleito do autor ser considerado temerário, e eventualmente, como litigância de má-fé. Para essa situação a Lei n. 4.717/65, prevê em seu artigo 39CALDAS. Roberto C. S. G..Direito de ação popular: requisitos especiais, eficiência, eficácia, efetividade e controle social. Acessado em 26 jul. 2017. 40 A Ação Popular com Instrumento de Participação Política, p. 230. Por último e também comentado por alguns juristas está a utilização de critérios cada vez mais rígidos e restritivos para admissão da ação popular por parte do poder judiciário. Obviamente que esse aumento de rigor está ligado à banalização do instrumento, mas ao mesmo tempo esse critério também acaba por diminuir o campo de alcance da legitimidade ativa para propositura da ação. Na opinião de Caldas: A cidadania, hoje, há de ser vista como participativa,ou seja, em um sentido que permita e facilite uma intensa participação popular na vida pública, principalmente em exercício ao chamado controle social.Dessa maneira, deve-se afastar qualquer interpretação que vise a amesquinhar ou pôr obstáculos às vias de controle social, dentre as quais se evidencia a ação popular, garantia constitucional posta ao dispor do cidadão para defesa da res publica. O processo, de conseguinte,tem que ser encarado como um instrumento de realização da justiça social, e não um fim em si mesmo.41 Pelo exposto, notamos a necessidade de aprimoramento na forma como o instrumento constitucional da ação popular é tratado, para fins de otimizar sua utilização por parte da população e dos interessados, garantindo que o mesmo seja alçado ao posto eu merece, de remédio constitucional capaz, não de esgotar, mas de fazer diminuir os desmandes e injustiças cometidos contra o patrimônio público que não recebem a reprimenda esperada do judiciário. Tal otimização também seria um forte meio de recuperação da escassa confiança da população nas instituições do Estado. Em 1991, RAMOS escreveu: No que diz respeito, especificamente, ao Brasil, o despertar da sociedade para o instituo da ação popular, já consagrado constitucionalmente, transformando-o em autêntica instituição, teria o efeito de, paulatinamente, ampliar os níveis de participação política, não só por meio deste instrumento, tornando mais real o princípio da soberania popular formalmente declarado. Para isso contribuiria positivamente a extensão da legitimidade para agir a partidos políticos e a determinados grupos de pressão, no tocante a matérias específicas em que sua intervenção se justifique, adequando a participação política à visão de que a pessoa humana e, portanto, o cidadão está inserido em uma tessitura social complexa e extremamente gregária, atuando, no que tange a reivindicações de porte, por intermédio de grupos associativos.42 41 CALDAS, R. C. S. G.., Op. cit., p. 3. 42 RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 258. No entanto 27 anos depois, a nosso ver, essa adaptação ainda está longe de acontecer. As últimas alterações na Lei da Ação Popular aconteceram em 1.977 e o que se verifica, até mesmo pela pesquisa da FGV apresentada é um conflito de sentimentos, representado por uma parcela da população que se diz descrente da democracia como a conhecemos em detrimento de alguns indivíduos e instituições que se utilizam de meios e mecanismos constitucionalmente estabelecidos para questionamento político-social. 4 ANÁLISE DE CASO CONCRETO Para análise nessa monografia escolhemos a ação popular de número 0048339-11.2004.8.26.0564, que tramita na Primeira Vara Cível da Comarca de São Bernardo do Campo, São Paulo. A ação mencionada foi interposta por estudantes da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo para impugnar a promulgação da lei municipal número 5.364, de 16 de dezembro de 2004, ato por eles considerado lesivo ao patrimônio da faculdade. Figuravam no polo ativo da demanda estudantes da faculdade e no polo passivo, inicialmente, o Município, o Prefeito à época, Sr. William Dib, a autarquia municipal e diversos vereadores da cidade. A lei n. 5.364/04transferia à municipalidade toda disponibilidade financeira da autarquia para execução de projetos aprovados pela faculdade em conjunto com o Município. Ocorre, porém que os autores alegaram na exordial que a transferência dos valoresacarretaria a supressão da autonomia da entidade educacional, vez que todas as aplicações e investimentos necessários à manutenção e ao aprimoramento dos serviços por ela prestados deveriam – a partir da promulgação da lei – passar pelo crivo do poder municipal, em total descumprimento à lei geradora da autarquia e, principalmente, ao que preceitua o texto Constitucional. O prefeito arguiu em sede de contestação que o pedido não merecia prosperar em virtude de se tratar de contrato firmado entre a autarquia e a municipalidade. Informou também que os autores não haviam especificado qual era o ato lesivo ao patrimônio da entidade e que não estava evidente o dano em sim para a faculdade. Os vereadores alegavam ilegitimidade passiva, ao passo que a lei já havia sido sancionada e os valores transferidos. Foram então excluídos do polo passivo da ação o prefeito, os vereadores e a autarquia municipal, vez que a Magistrada entendeu que, após a transferência dos valores estes nada mais tinham com o que arcar no processo, que não se tratava de reparação de danos, como segue: Primeiramente, reconheço a ilegitimidade passiva do Prefeito Municipal, dos Vereadores e da Faculdade para integrarem o pólo passivo da demanda. Como bem observou o Ministério Público, os autores buscam tão somente o óbice à transferência do patrimônio da faculdade ou, caso já tenha sido concretizada, a devolução do montante. Ora, o numerário foi transferido aos cofres do Município, de sorte que apenas este tem a possibilidade de reverter o ato, com a devolução da quantia transferida. Os demais requeridos não têm o poder para fazê-lo, de sorte que não se justifica sua inclusão no processo. (TJ-SP Sentença Processo 0048339-11.2004.8.26.0564, da 1ª Vara Cível de São Bernardo do Campo,Juíza: FABIANA FEHER RECASENS VARGAS, Data de Julgamento: 09/03/2007, Data de Publicação:13/03/2007). Reconheceu também que, apesar de não se evidenciarem danos efetivos ao patrimônio, o mero choque com matéria Constitucional tornava a lei municipal inconstitucional e impraticável, ora vejamos: Entretanto, ainda que a transferência dos recursos da faculdade tenha sido feito com tal finalidade, houve inconstitucional ingerência pelo Município na autonomia financeira da faculdade, que necessitará de aprovação e da burocracia para implementar qualquer atividade acadêmica ou de infraestrutura, eis que terá que solicitar numerário para o Município, eis que não possui qualquer outro recurso. De acordo com o art. 37, parágrafo 8º, da Constituição Federal, “a autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade”. Não há, portanto, qualquer possibilidade de redução da autonomia, como fez a Lei Municipal nº 5.364/04, ao reduzir a zero os recursos exclusivos da faculdade. (TJ-SP Sentença Processo 0048339-11.2004.8.26.0564, da 1ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, Juíza: FABIANA FEHER RECASENS VARGAS, Data de Julgamento: 09/03/2007, Data de Publicação:13/03/2007). Por fim, condenou o município a devolver os valores transferidos com as devidas correções, senão vejamos: Em relação ao Município de São Bernardo do Campo, julgo PROCEDENTE A AÇÃO, extinguindo o feito com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil, condenando o réu a restituir aos cofres da autarquia todo o valor retirado, com os rendimentos equiparados aos que a faculdade obtinha com sua aplicação. (TJ-SP Sentença Processo 0048339-11.2004.8.26.0564, da 1ª Vara Cível de São Bernardo do Campo, Juíza: FABIANA FEHER RECASENS VARGAS, Data de Julgamento: 09/03/2007, Data de Publicação:13/03/2007). Os autores alcançaram seu objetivo quando da propositura da ação popular, que era a proteção do patrimônio da entidade educativa, com a devolução dos valores transferidos pela municipalidade. Cabe ressaltar que o caso ocorreu em uma Faculdade de Direito do município de São Bernardo do Campo, onde aqueles que ali freqüentam estão em direito contato com a lei, e têm, via de regra, uma noção mais ampla e prática do mundo jurídico. Essa não é a realidade de grande parte da população brasileira que não tem um mínimo de conhecimento quanto aos seus direitos, quanto mais à forma correta para exigir que sejam respeitados. Fica registrado o caso acima analisado como exemplo da funcionalidade da ação popular como meio de controle político por parte da população. Estudantes do curso, pessoas comuns, ingressaram com a ação contra o município e todos os envolvidos no ato lesivo ao patrimônio. Embora haja controvérsia quanto à lesão de fato, eis um exemplo da ampliação do conceito, abarcando também o dano em potencial, que ocorreria caso a situação definida pela lei municipal fosse mantida. Ainda assim percebe-se, como aludido no capítulo anterior, a demora na prolação da sentença condenatória, de três anos desde a propositura da ação. Muito embora aqueles já familiarizados com a justiça brasileira de uma maneira geral entendam que esse prazo entre interposição e sentença não seja exatamente tão longo, como instrumento popular não se pode aceitar que o povo espere tanto para ver a solução de suas demandas. Isso definitivamente desencoraja o cidadão comum a buscar o instrumento, e consequentemente o afasta da administração pública e da política nacional, criando um cenário propício à proliferação de sistemas criminosos de arbitrariedade e corrupção que geram graves danos de ordem social, política e econômica no Brasil. CONCLUSÃO Dentre todos os aspectos analisados, tanto sobre a ação popular quanto à democracia de uma forma geral, não se pode negar que o remédio constitucional tem seu valor e seus méritos como forma de a população participar da política de forma mais direta. Todo aquele que identificar ato lesivo ou potencialmente lesivo ao patrimônio público pode impetrar ação popular, ainda que seu interesse não seja, num primeiro momento, tão evidente. Via de regra, a regulamentação do mecanismo trazida pela lei n. 4.717/65 seria suficiente para garantir-lhe eficácia e eficiência, mas na realidade se verifica um distanciamento do que pareceu ser o verdadeiro sentimento do constituinte, ao manter a ação popular dentre os mecanismos de garantia dos direitos fundamentais, da realidade nacional. Ao buscar o cumprimento dos pressupostos para ajuizamento da ação popular, o poder judiciário realiza uma interpretação restritiva desses elementos, o que vimos, através da opinião de juristas com notável experimentação, ser exatamente o caminho oposto à ampliação da possibilidade de utilização da ação por maior parte de cidadãos. Isso, sem dúvida, torna o remédio constitucional impopular. Aliás, é principalmente nessa impopularidade que reside nossa crítica à ação popular. Diversos são os elementosem que nos baseamos para defender a ineficácia da ação. Desde a exigência de contratação de advogado para atender ao quesito da capacidade postulatória, à exigência da cidadania brasileira, nos moldes ora explicados – aspectos de cunho processual - como a impopularidade do poder judiciário diante da população em geral, evidenciada em pesquisa realizada pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, mencionada no capítulo 3 e a possibilidade da condenação no décuplo do valor da causa, em caso de litigância de má-fé, são características desse instituto que acabam por inibir sua utilização pelo cidadão, afastando-o da prática política ou limitando-o em sua atuação. Difícil seria propor solução infalível para a retomada de crença, por parte da população, nas instituições públicas. No entanto, estudos como os da mencionada fundação ou mesmo como essa singela monografia, merecem alcançar meios de divulgação popular para conscientizar o povo, real detentor do poder em nosso Estado, de suas possibilidades e responsabilidades. É evidente que a história de uma democracia participativa, no formato trazido pela Constituição de 1988, ainda é recente em nosso País e carece de estudo e experimentação tanto pelo mundo acadêmico, quanto pela população em geral, como forma de sanar questões maléficas e ineficazes. Não se pode pretender esgotar assunto de tamanha complexidade e extensão em um trabalho acadêmico, até mesmo porque seria necessária uma abordagem interdisciplinar a respeito do tema. O intuito desse trabalho foi o de expor a situação de que uma ferramenta como a ação popular é algo que reúne diversas características capazes de garantir uma melhor fiscalização dos atos dos administradores públicos, mas que merece maior atenção, pesquisa e estudo para que alcancemos, enquanto sociedade, os ideais preambulares de nossa Carta Magna. BIBLIOGRAFIA ARISTÓTELES. Política. Domínio Público. Extraído de página da internet. Disponível em <https://mega.nz/#F!88FVCbqK!Heay0BIZCI-A29hJjs0uLA>. Acessado em 26 jul. 2018. 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