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TCC - Ação Popular - Francisca Flavia de Sousa Lourenco

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FRANCISCA FLAVIA DE SOUSA LOURENÇO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A AÇÃO POPULAR COMO MECANISMO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
FACULDADE ANHANGUERA DE SÃO BERNARDO DO CAMPO (FDSBC), 
SÃO BERNARDO DO CAMPO, 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Ação Popular Como Mecanismo Da Democracia Participativa 
 
 
 
 
 
 
Trabalho de Conclusão de Curso 
(Monografia) apresentado à Banca 
Examinadora da Faculdade 
Anhanguera de São Bernardo do 
Campo, como exigência parcial para 
obtenção do grau de Bacharel em 
Direito sob orientação da 
Professor-Orientador. Tiago Alves 
Pessoa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Bernardo do Campo/SP 
 
 
Francisca Flavia de Sousa Lourenco 
Setembro/2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aprovado em _____/_____/____ 
 
 
 
 
 
 
 
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RESUMO 
 
A ação popular é instrumento constitucional que apareceu pela primeira vez no 
ordenamento pátrio na Constituição de 1934. Desde então é realizada uma verdadeira 
tentativa de adequar sua interpretação à intenção do constituinte com a realidade 
enfrentada pela população. Nesse trabalho, a ideia é justamente dissecar o instituto da ação 
popular, trazer à discussão o que é democracia e como ela é atualmente exercida no Brasil 
e, por fim, demonstrar como o remédio constitucional pode ser o balizador, ou melhor, o 
estandarte da participação política na República do Brasil. O primeiro capítulo traz 
justamente essa análise detalhada da ação popular, na qual são demonstrados os seus 
pressupostos para ajuizamento, descritos e explicados através da doutrina constitucional e 
da jurisprudência. No segundo, buscamos trazer breves explicações, por se tratar de tema 
deveras extenso, acerca da democracia e alguns tipos identificados pela doutrina. No 
terceiro, um paralelo entre ação popular e democracia, demonstrando como pode esse 
mecanismo ser uma ferramenta de alcance dos objetivos políticos do povo brasileiro e as 
barreiras e impedimentos encontrados quando dessa pretensão. Por fim, no quarto capítulo, 
a análise de um caso concreto, processo que tramita na cidade de São Bernardo do Campo 
e que nos permitiu examinar, no caso prático, os elementos abordados nos capítulos 
anteriores. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO 5 
 
1 AÇÃO POPULAR 6 
1.1 CONCEITO DE AÇÃO POPULAR 6 
1.2 ESPÉCIES 7 
1.3 LEGITIMIDADE ATIVA 9 
1.4 LEGITIMIDADE PASSIVA 10 
1.5 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO POPULAR 11 
1.6 OBJETO DA AÇÃO POPULAR 12 
1.7 O BINÔMIO LESIVIDADE / ILEGALIDADE 13 
1.8 COMPETÊNCIA E SENTENÇA NA AÇÃO POPULAR 15 
 
2 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 18 
2.1 CONCEITO HISTÓRICO DE DEMOCRACIA 18 
2.2 TIPOS DE DEMOCRACIA 21 
2.2.1 A DEMOCRACIA DIRETA 22 
2.2.2 A DEMOCRACIA INDIRETA OU REPRESENTATIVA 23 
2.2.2.1 CRISE DO MODELO REPRESENTATIVO 24 
2.2.3 A DEMOCRACIA SEMIDIRETA OU PARTICIPATIVA 26 
 
3 ENTRAVES À EFETIVADE DA AÇÃO POPULAR 28 
 
4 ANÁLISE DE CASO CONCRETO 32 
 
CONCLUSÃO 36 
 
BIBLIOGRAFIA 38 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Em uma democracia representativa, o povo sempre há de esperar de seus 
representantes que, quando eleitos, busquem ao máximo cumprir com tudo o que haviam 
prometido no período eleitoral. Mais do que isso, que ajam dentro da legalidade e da 
moralidade esperada de seus líderes. Pode ocorrer, no entanto, que ambas as situações não 
se efetive. A primeira, quando o representante descumpre o prometido, deixando seus 
representados à deriva e com verdadeira sensação de impotência política. A segunda, 
talvez até mais grave, quando esse político realiza ato que fere preceito legal ou mesmo a 
moralidade esperada de quem ocupa qualquer cargo na administração pública. 
O constituinte, buscando garantir à população mecanismos de participação mais 
incisiva na política do Estado, manteve na Constituição de 88, instrumento de controle já 
conhecido no ordenamento pátrio, a ação popular. Dentre outros remédios constitucionais, 
a ação popular busca garantir que aquele que identifica ato lesivo contra o patrimônio 
público possa acionar o poder judiciário a fim de anular o ato, remetendo a situação ao 
status quo ante​, ou seja, ao estado em que as coisas se encontravam antes do ato lesivo. 
Nessa monografia, buscamos evidenciar os elementos que caracterizam a ação 
popular e que são tidos pela doutrina e pela jurisprudência como essenciais à sua 
propositura. Abordamos também algumas características da democracia e as características 
de exercício do poder pelo povo. 
Um assunto que permite inúmeras abordagens em virtude da dimensão continental 
de nosso País, suas peculiaridades regionais, a diferente interpretação do Poder Judiciário 
acerca de um mesmo assunto, em decorrência dessas mesmas peculiaridades, mas que 
procuramos explicar de forma abrangente, simples e didática. 
 
 
 
 
1. AÇÃO POPULAR 
 
O instituto jurídico da Ação Popular não pode ser considerado uma novidade 
trazida pela Constituição Federal de 1988. De fato esse instrumento foi recebido pelo 
ordenamento Pátrio pela primeira vez na Constituição de 1934, com características 
semelhantes às atuais. Tem importante papel na defesa dos direitos coletivos, conforme 
veremos a seguir e hoje figura no Artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal de 
1988, com regulamentação pela Lei n. 4.717, de 29 de junho de 1965. 
Ocorre que, sob alguns aspectos que pudermos observar e que serão abordados nas 
seções seguintes, a Ação Popular não confere garantia de intervenção por parte dos 
cidadãos, como se pretendia. Características como a necessidade da contratação de um 
advogado para postular em juízo, bem como a possibilidade de se condenado ao 
pagamento do décuplo do valor da causa, comprovada a litigância de má-fé, acabam por 
inibir a ação do cidadão comum, já bastante descrente do poder judiciário de forma geral, 
como demonstrado no terceiro capítulo deste trabalho. 
Para uma análise mais detalhada da Ação Popular, abordaremos separadamente 
conceito; espécies; legitimidade ativa e passiva; o papel do Ministério Público na ação 
popular; o objeto do referido instrumento constitucional; o binômio lesividade/ilegalidade 
e a quem compete julgar a ação popular e quais os tipos possíveis de sentença nessa ação. 
 
1.1 CONCEITO DE AÇÃO POPULAR 
 
A fim de conceituarmos o instrumento da ação popular, façamos uma breve 
exposição do artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal Brasileira atual: 
 
 
 
LXXII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a 
anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, 
à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e 
cultural, ficando o autor, salvo se comprovada má-fé, isento de custas judiciais e 
do ônus da sucumbência; 
 
Nas palavras de José Afonso da Silva: “Trata-se de um remédio constitucional 
pelo qual qualquer cidadão fica investido de legitimidade para o exercício de um poder de 
natureza essencialmente política [...]”.​1 Faz-se necessário ressaltar, porém, que ainda que 
se diga que qualquer cidadão teria legitimidade para exercer esse poder, veremos adiante, 
ao abordar a legitimidadeativa para propor ação popular, que existem algumas limitações 
que podem levar esse mesmo cidadão a renunciar esse direito. 
Já a ideia de remédio explica justamente a natureza do mecanismo que é a de 
sanar, resolver questão onde existe lesividade aos bens jurídicos expostos. Quais sejam o 
patrimônio público ou de entidade de que participa o Estado; a moralidade administrativa; 
o meio ambiente e o patrimônio histórico e cultural. 
O objetivo da propositura de ação popular seria o de fazer cessar ato lesivo a 
direito coletivo, indo além da pessoa do impetrante. Provoca o poder judiciário a atuar para 
conter ato político/administrativo que fira os bens acima elencados. É nitidamente um 
instrumento que foi concebido para frear e conter a arbitrariedade ou a irresponsabilidade 
no poder público. 
 
1.2 ESPÉCIES 
 
Com o intuito de facilitar seu estudo e entendimento, a ação popular recebeu da 
doutrina classificação de acordo com a natureza jurídica da pretensão. De acordo com 
Pedro Lenza, “presentes os requisitos legais [...], é possível a concessão de liminar, 
1 ​Curso de Direito Constitucional Positivo​, p. 466. 
 
 
podendo a ação popular ser tanto ​preventiva​, visando evitar atos lesivos, como 
repressiva​, buscando o ressarcimento do dano [...]” ​2​. A terminologia é inclusive repetida 
na jurisprudência, como vemos: 
 
AÇÃO POPULAR PREVENTIVA. CONTRATO DE FINANCIAMENTO 
PÚBLICO COM SUSPEITA DE SUPERFATURAMENTO. SENTENÇA DE 
PARCIAL PROCEDÊNCIA DO PEDIDO (REMESSA OFICIAL DADA POR 
INTERPOSTA). PRELIMINARES (CARÊNCIA DE AÇÃO E OFENSA AO 
PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA) AFASTADAS. DECISÃO DE MÉRITO 
COERENTE COM O CONTEXTO PROBATÓRIO DOS AUTOS. SENTENÇA 
DE PARCIAL PROCEDÊNCIA MANTIDA. RECURSO VOLUNTÁRIO 
DESPROVIDO. 1. Ação Popular Preventiva motivada pelo financiamento 
aprovado no âmbito do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
(INCRA), no valor de R$ 3.940.000,00, em favor da Cooperativa de 
Comercialização e Prestação de Serviços dos Assentados de Reforma Agrária do 
Pontal Ltda (COCAMP), ligada ao Movimento dos Sem Terra (MST), para 
aquisição de uma fecularia e de dez caminhões, sob suspeita de 
superfaturamento. 2. Constatado que a fecularia, além de possuir dívidas fiscais, 
era alvo de duas execuções movidas pelo Banco do Estado de São Paulo S/A 
(BANESPA), hoje sucedido pelo Banco Santander (Brasil) S/A, perante a Justiça 
Estadual, onde teve os bens móveis e imóveis penhorados. Ou seja, eventual 
alienação dos bens penhorados configuraria fraude à execução, nos termos do 
artigo 593 do Código de Processo Civil. 3. A lesividade e a ilegalidade do ato 
administrativo impugnado estão estampadas nos autos, não havendo que se 
cogitar da carência de ação. Ademais, a Ação Popular, modernamente, é tida 
como instrumento de defesa da moralidade administrativa, o que se coaduna com 
perfeição à situação relatada, envolvendo a possível malversação de recursos 
públicos na ordem de R$ 3.940.000,00. Precedentes do C. STJ (AgRg no REsp 
1378477/SC, Segunda Turma, Relator Ministro MAURO CAMPBELL 
MARQUES, julgado em 11/3/2014, DJe 17/3/2014; AgRg na SLS 1.353/PI, 
CORTE ESPECIAL, Relator Ministro ARI PARGENDLER, julgado em 
12/5/2011, DJe 17/8/2011). 4. Afastada a alegação de ofensa ao princípio da 
congruência. Consta na inicial pedido subsidiário de declaração de invalidação 
dos atos impugnados, o que condiz com a sentença exarada em primeiro grau de 
jurisdição, baseada na evolução dos fatos e consequentes implicações jurídicas 
(STJ - REsp 814.710/MS, Primeira Turma, Relator Ministro TEORI ALBINO 
ZAVASCKI, julgado em 21/11/2006, DJ 1/2/2007). Ademais, a situação fática 
subjacente foi-se alterando ao longo do processo, de modo que a sentença foi 
proferida conforme a regra do art. 462 do CPC. 5. No mérito: é correta a 
conclusão de que a ameaça de dano ao patrimônio público se evidencia mais pela 
precária situação financeira da fecularia (amplamente sucateada) do que pelo 
superfaturamento, deduzido a partir do cotejo das informações carreadas aos 
autos. Notória insolvência da empresa que se pretendia adquirir com recursos 
públicos, envolvida em múltiplas execuções; prévia arrematação por terceiro do 
terreno da sede da firma; penhora sobre os bens móveis e pendências judiciais e 
fiscais existentes; sucateamento da empresa: tudo desaconselhando o 
financiamento com verbas públicas pretendido pela apelante. 6. Sentença de 
parcial procedência mantida. Recurso voluntário e remessa oficial desprovidos. 
(TRF-3 - AC: 1203547 SP 1203547-30.1997.4.03.6112, Relator: 
DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de 
Julgamento: 25/09/2014, SEXTA TURMA). 
 
2LENZA, Pedro. ​Direito Constitucional Esquematizado​, p. 1279. 
 
 
No entanto, outra forma de classificação, mais ligada à natureza do bem jurídico a 
ser protegido é trazida por Elival da Silva Ramos, que explica: 
 
Assim, há ações populares ditas penais, posto que por meio delas se pretende a 
imposição de pena, em face da prática de crime; há ações populares eleitorais, 
em que se examina a regularidade de algum ato de natureza eleitoral e, 
finalmente, ações populares civis ou administrativas, mediante as quais se busca 
a defesa do patrimônio público (em sentido amplo e não apenas econômico) ou 
simplesmente a legalidade dos procedimentos administrativos.​3 
 
Essa delimitação ajudará na definição da competência para interposição e 
julgamento da ação popular, como veremos mais à frente. 
 
1.3 LEGITIMIDADE ATIVA 
 
O inciso LXXIII, do artigo 5º da CF/88 traz em seu teor que “qualquer cidadão é 
parte legítima para propor ação popular”. É preciso porém trazer à luz o conceito jurídico 
de cidadão. 
Mendes e Branco ensinam, de forma bastante abrangente que a ação popular “[...] 
somente pode ser proposta pelo cidadão, aqui entendido como aquele que não apresente 
pendências no que concerne às obrigações cívicas, militares e eleitorais que, por lei, sejam 
exigíveis [...]”​4 
Essa exigência ultrapassa o exposto na Lei n. 4.717/65, em seu artigo 1º, §3º que 
nos mostra que “a prova da cidadania, para ingresso em juízo, será feita com o título 
eleitoral, ou com documento que a ele corresponda”. 
Aqueles que não comprovem esse requisito mínimo não estariam aptos a pedir a 
tutela jurisdicional nos moldes e através da ação popular. 
Ainda no entendimento de Alexandre de Moraes: 
3 RAMOS, Elival da Silva. ​A Ação Popular como Instrumento de Participação Política​, p. 115. 
4MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. ​Curso de Direito Constitucional​, p. 394. 
 
 
 
A legitimação do cidadão é ampla, tendo o direito de ajuizar a ação popular, 
mesmo que o litígio se verifique em comarca onde ele não possua domicílio 
eleitoral, sendo irrelevante que o cidadão pertença, ou não, à comunidade a que 
diga respeito o litígio, pois esse pressuposto não está na lei e nem se assenta em 
razoáveis fundamentos​5​. 
 
Dessa forma, não podem ingressar como autores os estrangeiros, os brasileiros 
que não gozem de seus direitos políticos e nem mesmo as pessoas jurídicas; essa última, 
inclusive, com a vedação do Supremo Tribunal Federal (STF),através da súmula 365​6​. 
Dentro do assunto legitimidade ativa é de grande importância frisar que para 
propositura de ação popular, a pessoa interessada precisa necessariamente contratar um 
advogado para postular em juízo. Não fazendo parte do estrito rol de exceções do Código 
de Processo Civil que isenta a parte de postular através de um advogado, o que se aplica na 
Ação Popular é a regra do diploma processual. Ainda que em um primeiro momento esse 
fato não pareça um impedimento por si só, queremos expor questões que, diante de uma 
ótica popular, podem embaraçar a utilização da ferramenta constitucional. 
 
1.4 LEGITIMIDADE PASSIVA 
 
Expostos os requisitos para legitimação do proponente da ação popular, falaremos 
agora das exigências legais para figuração no polo passivo do instrumento constitucional. 
Na realidade o rol de agentes ou instituições que podem compor o processo como 
demandados é bem amplo e não possui restrição. Uma vez que a ação popular existe para 
cessar ou evitar a implementação de ato lesivo ao patrimônio público e ao meio ambiente, 
basta que esses bens sejam lesadas ou sofram ameaça de lesão para que os autores dessa 
lesividade possam responder ao pleito. 
5MORAES, Alexandre de. ​Direito Constitucional​, 2003. 
6“Pessoa jurídica não tem legitimidade para propor ação popular”. 
 
 
Na Lei 4.717/65, em seu artigo 1º, §2º temos que: 
 
Art. 6º A ação será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as 
entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou 
administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o 
ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra 
os beneficiários diretos do mesmo. 
 
É este também o sentido da jurisprudência: 
 
AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO POPULAR - LEGITIMIDADE 
PASSIVA - ABRANGENTE - APLICAÇÃO DO ARTIGO 6º DA LEI Nº 
4.717/65 - RECURSO PROVIDO. Os administradores que houverem autorizado, 
aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado possuem legitimidade para 
compor o pólo passivo da ação popular, que possui caráter abrangente. Aplicação 
do artigo 6º, da Lei nº 4.717/65. Recurso a que se dá provimento. 
(TJ-MG 107200501979070011 MG 1.0720.05.019790-7/001(1), Relator: 
KILDARE CARVALHO, Data de Julgamento: 12/04/2007, Data de Publicação: 
09/05/2007). 
 
Resta demonstrado que muito mais criteriosa é a verificação da legitimidade da 
parte autora da ação popular, ao passo que para responder podem ser chamados todos 
aqueles que geraram o dano a patrimônio público ou concorreram para tal. 
 
1.5 O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA AÇÃO POPULAR 
 
Destarte o Ministério Público atuará como fiscal da lei, acompanhando e 
garantindo que o processo siga seu curso de dever. Senão vejamos o texto do artigo 6º, §4º 
da Lei 4.717/65: 
 
§ 4º O Ministério Público acompanhará a ação, cabendo-lhe apressar a produção 
da prova e promover a responsabilidade, civil ou criminal, dos que nela 
incidirem, sendo-lhe vedado, em qualquer hipótese, assumir a defesa do ato 
impugnado ou dos seus autores. 
 
Pode acontecer, porém de o autor da ação desistir de prosseguir no processo ou 
dar causa à sua extinção sem resolução do mérito. Não havendo interesse de outro cidadão 
 
 
em prosseguir com a lide, poderá o Ministério tomar lugar no pólo ativo da ação, de acordo 
com o artigo 9º​7​ da Lei supramencionada. 
 
1.6 OBJETO DA AÇÃO POPULAR 
 
Ensina Bulosque “O objeto da ação popular é a impugnação de atos lesivos e 
ilegais [...]”​8​ praticados contra os elencados no artigo 1º da Lei 4.717/65, como vemos: 
 
Art. 1º Qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a 
declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio da União, do Distrito 
Federal, dos Estados, dos Municípios, de entidades autárquicas, de sociedades de 
economia mista (Constituição, art. 141, § 38), de sociedades mútuas de seguro 
nas quais a União represente os segurados ausentes, de empresas públicas, de 
serviços sociais autônomos, de instituições ou fundações para cuja criação ou 
custeio o tesouro público haja concorrido ou concorra com mais de cinquenta por 
cento do patrimônio ou da receita ânua, de empresas incorporadas ao patrimônio 
da União, do Distrito Federal, dos Estados e dos Municípios, e de quaisquer 
pessoas jurídicas ou entidades subvencionadas pelos cofres públicos. 
 
Assevera ainda, Lenza, que “Busca-se a proteção da res publica, ou, utilizando 
uma nomenclatura mais atualizada, tem por escopo a proteção dos interesses difusos”.​9 
Por fim, a didática explicação de Alexandre de Moraes (2003, p. 146), de que: 
 
O objeto da ação popular é o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao 
patrimônio público, sem contudo configurar-se a ​ultimaratio​, ou seja, não se 
exige o esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção 
ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para seu 
ajuizamento. 
 
Ainda para ressaltar o caráter de lesividade ou potencial lesividade a interesse 
coletivo, temos caso em que a Ação Popular foi extinta sem resolução do mérito, por 
7Artigo 9º - ​Se o autor desistir da ação ou der motivo à absolvição da instância, serão publicados editais nos prazos e 
condições previstos no art. 7º, inciso II, ficando assegurado a qualquer cidadão, bem como ao representante do Ministério 
Público, dentro do prazo de 90 (noventa) dias da última publicação feita, promover o prosseguimento da ação. 
8BULOS, Uadi Lamego. ​Curso de Direito Constitucional​, p. 803. 
9LENZA, Pedro. Op. Cit., p. 1275. 
 
 
descumprir exatamente esse preceito, verificando-se o intuito de proteger direito individual 
da parte autora: 
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO 
POPULAR. INÉPCIA DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM 
RESOLUÇÃO DE MÉRITO. SENTENÇA MANTIDA. 1. Nos termos do art. 5º, 
LXXIII, da CF/88, qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular 
que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado 
participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio 
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas 
judiciais e do ônus da sucumbência. 2. No caso dos autos, a demanda foi 
motivada pela alegação de nulidade de concessão de benefício previdenciário, 
com sentença transitada em julgado, restando caracterizado tão somente interesse 
particular da parte autora, inventariante do espólio deixado por seu genitor, ao 
discutir benefício pensão por morte concedido à ex-companheira do de cujus. 3. 
Considerando a inexistência de ato lesivo ao patrimônio público e que a ação 
popular não é o meio adequado para amparar direitos individuais próprios, 
irrefutável a sentença extintiva do feito sem resolução do mérito. 4. Remessa 
oficial não conhecida. Apelação desprovida. 
 
É nesse diapasão que concluímos que a ação popular, como dito no início, pretende 
garantir o direito do cidadão comum de atuar para exercer o controle da legalidade dentro 
da Administração Pública. 
 
1.7 O BINÔMIO LESIVIDADE / ILEGALIDADE 
 
Ao abordar a questão do objeto da ação popular, verifica-se que muitos autoresclassificam os atos ​lesivos e ilegais ​como alvos do remédio constitucional, porém o 
segundo item não é mencionado na Constituição Federal e nem mesmo na Lei 4.717/65 
que regulamenta o instituto. 
Ocorre que difícil se faz a distinção entre ato lesivo e ato ilegal, por 
considerarmos que não haveria risco ao Patrimônio Público, em sentido amplo, se os atos 
dos administradores se pautassem sempre na legalidade. 
 
 
Alexandre de Moraes​10 ensina que para ajuizamento da ação popular, um dos 
pressupostos seria o requisito objetiva para tal, definido pelo autor como a “[...] natureza 
do ato ou da omissão do Poder Público a ser impugnado, que deve ser, obrigatoriamente 
lesivo ao patrimônio público, seja por ilegalidade, seja por imoralidade. [...]”. Entendemos 
que aqui a ilegalidade surgiria como espécie onde lesividade é gênero. 
Michel Temer entende que: 
 
A doutrina e a jurisprudência têm enfrentado o problema de saber se basta a 
lesividade para autorizar a demanda popular ou se é indispensável a configuração 
da legalidade. 
A questão pode ser solucionada pela compreensão de que é impossível a 
existência de um ato lesivo, mas “legal”. É que a lesividade traz em si a 
ilegalidade.​11 
 
Já para Mancuso, “[...] dispensável é o requisito da ilegalidade, eis que a ofensa à 
moralidade por si permite o desfazimento do ato pela ação popular. Resta, então, como 
requisito, apenas a lesividade, mas não, necessariamente, de cunho patrimonial [...]”.​12 
Outro que admite que a lesividade é fundamento suficiente para propositura da 
ação é José Afonso da Silva, ao explicar que “na medida em que a Constituição amplia o 
âmbito da ação popular, a tendência é a de erigir a lesão, em si, à condição de motivo 
autônomo de nulidade do ato”.​13 
Podemos entender que caberá ao julgador da ação determinar se lesão por si só ou 
o risco de lesão ao patrimônio público será suficiente para propositura da ação ou se deverá 
esse ato lesivo ser contrário a determinação legal preexistente. Parece-nos que a tendência 
é realmente de que o conceito de lesividade torne-se cada vez mais abrangente. 
 
 
10MORAES. Op. cit., p. 146. 
11 TEMER, Michel. ​Elementos de Direito Constitucional​, p. 208. 
12MANCUSO, Rodolfo de Camargo. ​Ação Popular​, 2015, p. 100. 
13SILVA, J. A.​ apud. LENZA, Op. cit., p. 1276. 
 
 
1.8 COMPETÊNCIA E SENTENÇA NA AÇÃO POPULAR 
 
A competência para conhecimento e julgamento da ação popular estará 
intrinsecamente ligada à origem do ato impugnado. 
À luz do que diz MORAES (2003): 
 
Importante ressaltar que seguindo uma tradição de nosso direito constitucional, 
não há previsão na Constituição de 1988, de competência originária do Supremo 
Tribunal Federal, para o processo e julgamento de ações populares, mesmo que 
propostas em face do Congresso Nacional, de Ministros de Estado ou do próprio 
Presidente da República, ou das demais autoridades que, em mandado de 
segurança, estão sob sua jurisdição.​14 
 
Também a respeito, BULOS: 
 
[...] a competência para processar e julgar ação popular, contra ato de qualquer 
autoridade, é do juiz de primeiro grau de jurisdição, algo que está fora da esfera 
de atribuições originárias do Supremo Tribunal Federal. Assim, a Lei Maior de 
1988, acolhendo a tradição implantada desde o Texto de 1934, não incluiu, nos 
rígidos limites fixados em ​numerusclausus em seu art. 102, I, a competência para 
o Pretório Excelso processar e julgar ações populares. O mesmo se diga quanto 
ao Superior Tribunal de Justiça e ao Tribunal Superior Eleitoral, que também não 
possuem competência originária (CF, art. 105, I; Código Eleitoral, arts. 22 e 
23).​15 
 
Não se aplicaria o foro especial por prerrogativa de função, popularmente 
conhecido como foro privilegiado, nas ações populares. 
Nesse mesmo sentido, tornando praticamente unânime o ponto, está o 
entendimento do Supremo Tribunal Federal: 
 
O STF – por ausência de previsão constitucional – não dispõe de competência 
originária para processar e julgar ação popular promovida contra qualquer órgão 
ou autoridade da República, mesmo que o ato cuja invalidação se pleiteie tenha 
emanado do presidente da República, das Mesas da Câmara dos Deputados ou do 
Senado Federal, ou, ainda, de qualquer dos tribunais superiores da União. (...) Os 
atos de conteúdo jurisdicional – precisamente por não se revestirem de caráter 
administrativo – estão excluídos do âmbito de incidência da ação popular, 
14 MORAES, Alexandre de. Op. Cit., 
15 BULOS, Uadi Lamego. Op. Cit., p. 807. 
 
 
notadamente porque se acham sujeitos a um sistema específico de impugnação, 
quer por via recursal, quer mediante utilização de ação rescisória. 
(Pet 2.018 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 22-8-2000, 2ª T, DJ de 16-2-2001.)​16 
 
Sendo assim, deveria o impetrante observar qual autoridade proferiu o ato lesivo 
ou gerador de risco ao patrimônio para que pudesse, por associação, determinar o órgão 
jurisdicional competente para conhecer e julgar o processo popular. 
Quanto à sentença na ação popular, via de regra, valerá o disposto no artigo 18​17​, 
da Lei 4.717/65, que diz que os efeitos ​erga omnes​, que equivale a dizer, de forma bastante 
simples, que a sentença abrange a todos os envolvidos. Esse efeito valerá tanto para a ação 
que julgue procedente o pedido do autor, quanto àquela em que esse mesmo pedido é 
considerado improcedente. Ora, pois, se a sentença julga que o autor não tem razão ao 
reputar nulo ou anulável o ato potencialmente lesivo ao patrimônio público, é o mesmo que 
declarar a validade desse mesmo ato, observada a exceção que o artigo mencionado faz 
com relação à improcedência por deficiência de provas, onde a lei autoriza que outra 
pessoa ingresse ação contra o mesmo ato. Aqui, o legislador parece ter entendido que a 
deficiência de provas seria a ausência de pressuposto material capaz de permitir que outra 
pessoa intente outra ação com a mesma finalidade e com a chance de sanar os vícios do 
processo anterior. 
Seriam, então, espécies de sentença na ação popular aquelas em que há 
julgamento do mérito​, que define por dar ou negar provimento ao pedido do autor. A 
sentença procedente anula os atos impugnados e condena o réu a promover o mencionado 
status quo ante​, que seria fazer retornar a situação dos envolvidos tal qual estava antes da 
implantação do ato lesivo. 
16 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 
17 Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada 
improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, 
valendo-se de nova prova. 
 
 
 
 
 
Outra possibilidade é a de o juiz extinguir o processo de ação popular ​sem 
resolução do mérito​, onde o judiciário não decide a respeito do fato concreto, por 
entender que naquela lide específica faltam pressupostos processuais que impedem a 
continuação do feito. É o que ocorre, por exemplo, quando a parte autora não reúne os 
pressupostos subjetivos que lhe conferem a legitimidade ativa já explicada, ou quando severifica a litigância manifestamente temerária, abordada no artigo 13​18 da Lei n. 4.717/65. 
Diz o referido artigo que poderá ser condenado ao pagamento do décuplo do valor da 
causa, aquele que utilizar-se de má-fé no intento processual. Ao nosso ver essa 
possibilidade tem mais a prejudicar a utilização do instrumento do que a garantir o seu mau 
uso. Mesmo porque na referida lei não tem caracterizado objetivamente o que seriam sinais 
claros de má-fé por parte do autor popular. Por uma questão de divergência ideológica, 
qualquer um pode ser acusado – e modernamente isto é cada vez mais notado – de 
utilizar-se de má-fé. Em virtude da subjetividade deste item e da grande monta da 
condenação, cremos que este critério não deveria existir. 
 
 
 
 
 
18 Art. 13. A ​sentença que, apreciando o fundamento de direito do pedido, julgar a lide manifestamente temerária, 
condenará o autor ao pagamento do décuplo das custas. 
 
 
 
2 DEMOCRACIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA 
 
No capítulo anterior, demonstramos como a ação popular é ferramenta de exercício 
da cidadania e da democracia. A partir do momento em que o cidadão pode pleitear e 
interferir na gestão pública, temos uma pura manifestação de cuidado com a ​res publica​, 
ou seja, a coisa pública, o patrimônio abstrato e coletivo de um povo. Povo, que na lição de 
Dallari, com bastante estudo, pode ser definido como: 
 
[...] o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem 
para constituir o Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter 
permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do 
poder soberano.​19 
 
Analisamos o conceito de povo para definirmos a questão principal dessa seção, a 
democracia. 
 
2.1 CONCEITO HISTÓRICO DE DEMOCRACIA 
 
Diferentes são as fontes para consulta do significado da palavra democracia. 
Ocorre, porém que no caso dessa monografia, não bastaria apenas a análise etimológica do 
vocábulo para explicação de sua relação com a aplicação e utilização do instrumento da 
Ação Popular. Por isso recorremos alguns autores, sejam juristas ou cientistas políticos, a 
fim de extrairmos de cada um desses, os conceitos aplicáveis ao conteúdo defendido neste 
trabalho. 
Segundo Norberto Bobbio, é possível abordar o conceito de democracia a partir 
das noções de instrumentos e finalidade, ao que o ilustre autor chama de Democracia 
Formal e Democracia Substancial, como veremos a seguir: 
19 DALLARI, Dalmo de Abreu. ​Elementos de Teoria Geral do Estado​, p. 39. 
 
 
Para evitar a confusão entre dois significados tão diversos do mesmo termo 
prevaleceu o uso de especificar o conceito genérico de Democracia como um 
atributo qualificante e, assim, se chama de "formal" a primeira e de "substancial" 
a segunda. Chama-se formal à primeira porque é caracterizada pelos chamados 
"comportamentos universais" (​universali procedurali​)​, ​mediante o emprego dos 
quais podem ser tomadas decisões de conteúdo diverso (como mostra a 
co-presença de regimes liberais e democráticos ao lado dos regimes socialistas e 
democráticos). Chama-se substancial à segunda porque faz referência 
prevalentemente a certos conteúdos inspirados em ideais característicos da 
tradição do pensamento democrático, com relevo para o igualitarismo. Segundo 
uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o 
povo, a democracia formal é mais um Governo do povo; a substancial é mais um 
Governo para o povo. Como a democracia formal pode favorecer uma minoria 
restrita de detentores do poder econômico e portanto não ser um poder para o 
povo, embora seja um Governo do povo, assim uma ditadura política pode 
favorecer em períodos de transformação revolucionária, quando não existem 
condições para o exercício de uma Democracia formal, a classe mais numerosa 
dos cidadãos, e ser, portanto, um Governo para o povo, embora não seja um 
Governo do povo.​20 
 
Do trecho acima podemos concluir que não foi esgotada a conceituação do termo, 
porém o mesmo autor enuncia na mesma obra: 
Os dois tipos de regime são democráticos segundo o significado de Democracia 
escolhido pelo defensor e não é democrático segundo o significado escolhido 
pelo adversário. O único ponto sobre o qual uns e outros poderiam convir é que a 
Democracia perfeita — que até agora não foi realizada em nenhuma parte do 
mundo, sendo utópica, portanto — deveria ser simultaneamente formal e 
substancial.​21 
 
Vemos que a definição de democracia pode variar dependendo das características 
culturais e ideológicas de quem a define. Ainda assim, mesmo diante de nobre lição, 
buscamos aquela capaz de fornecer maior quantidade de elementos a serem utilizados na 
demonstração da necessidade da utilização do instrumento da Ação Popular e, 
posteriormente, sua ineficácia. Daí a necessidade de buscarmos na doutrina jurídica, o que 
melhor definiria o que é democracia. 
Apesar de sua enorme importância, faremos uma breve análise da Democracia 
Ateniense, por se tratar de uma das mais lembradas e estudadas manifestações originárias 
da democracia. Apesar de o conceito de poder que emana do povo ou poder que se origina 
20 ​Dicionário de Política​, p. 338. 
21 BOBBIO, Norberto. Op. Cit., p. 329. 
 
 
do povo, ocorre que à época, justamente o conceito de povo e de cidadão era bastante 
distante do conceito atual, o que nos permite uma comparação ideológica e conceitual 
bastante limitada com a Idade Antiga. Como bem diz DALLARI (1998) em sua obra: 
Haverá alguma relação entre a ideia moderna de democracia e aquela que se 
encontra na Grécia antiga? A resposta é afirmativa, no que se respeita à noção de 
governo do povo, havendo, entretanto, uma divergência fundamental quanto à 
noção do povo que deveria governar.​22 
 
Dallari se refere a Aristóteles, que em sua obra “Política” define quem seriam os 
cidadãos legítimos para exercício do direito de governar ou de escolher seus governantes. 
Diz o filósofo grego que “a virtude política, que é a sabedoria para mandar e obedecer, só 
pertence àqueles que não têm necessidade de trabalhar para viver [...]”.​23 
Embora seja considerado um ótimo modelo de democracia pelo senso comum, 
percebe-se que o modelo grego, embora detentor de nobres ideais, era bastante restritivo se 
o compararmos com a sociedade moderna. O peso que carregava um estrangeiro ou um 
escravo àquela época, por estar totalmente à margem das regras da sociedade “legítima”, 
era algo inimaginável nos dias atuais, nos quais as Constituições da maioria das Nações 
pelo mundo são pautadas ou seguem um mínimo de respeito à dignidade humana, dando 
guarida tanto para os nacionais quanto para estrangeiros quase da mesma maneira. 
Uma outra explanação, não muito aprofundada, podemos fazer a respeito da 
ferramenta da democracia ao fim da Idade Moderna, época marcada pelo fortalecimento do 
absolutismo. Na Europa, a classe dos burgueses alcançara grande evolução econômica e 
industrial. No entanto, não exerciam poder político, em virtude do poder absoluto do Rei, 
que à época gozava de forteapoio da Igreja, uma das instituições mais poderosas de todos 
os tempos. Essa limitação acabou por gerar, ao longo do tempo, grandes revoltas e 
protestos por parte da classe comerciante. O fervilhar de ideais de libertação culminou, no 
22 DALLARI, Dalmo de Abreu. Op. cit., p. 54. 
23ARISTÓTELES, apud DALLARI, Dalmo de Abreu. ibid., p. 54. 
 
 
fim do século 18, com a Revolução Francesa e a destituição do poder das mãos do 
monarca. 
O advento da revolução mencionada fez eclodir em diversos outros países o 
surgimento de grupos idealistas, e o fortalecimento daqueles que já existiam. Em pouco 
tempo os ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade tornaram-se base forte para a 
implementação de uma forma de governo em que, nas palavras de Elival da Silva Ramos, 
“o Estado é mero instrumento de realização da pessoa humana, assegurando-lhe liberdade 
e igualdade [...].​24 
Em uma análise mais atual, José Afonso da Silva explica que “podemos, assim, 
admitir que a democracia é um processo de convivência social em que o poder emana do 
povo, há de ser exercido, direta ou indiretamente, pelo povo e em proveito do povo”.​25 
Diante das diversas definições apresentadas, uma conclusão ao menos nos parece 
possível apresentar. A de que em uma democracia haverá sempre a necessidade de se 
demonstrar ao menos um grau mínimo de busca e esforço, por parte de um certo 
representante de um coletivo de pessoas, em alcançar algo que se define como bom e ideal 
para esse grupo. 
 
2.2 ​TIPOS DE DEMOCRACIA 
 
Vê-se das tentativas de definição que o conceito de democracia é variável 
de acordo com a época, a cultura de uma sociedade e também a ótica de quem analisa esse 
conceito. A ideia desse trabalho não é, porém, de liquidar essa questão, e sim trazer à 
análise os diversos pontos encontrados na literatura jurídica a respeito. 
24 RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 16. 
25 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 128. 
 
 
No ordenamento jurídico pátrio, mais precisamente na Constituição Federal, no 
artigo 1º, parágrafo único, o constituinte trouxe o ideal à tona de que “todo o poder emana 
do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta 
Constituição.” 
Continuando nessa investigação, propomos a subdivisão do termo em três subtópicos, que 
são a democracia direta, a democracia indireta e a democracia semidireta ou mista. 
 
2.2.1 ​A Democracia Direta 
 
Os primeiros relatos de democracia direta nos remetem à Grécia Antiga, mais 
precisamente a Atenas, onde os cidadãos​26 reuniam-se nas ágoras, que eram como grandes 
auditórios, para decidir o futuro da cidade, a elaboração de leis e tudo o que estivesse 
ligado à administração local. É evidente que o número reduzido de cidadãos permitia esse 
tipo de manifestação. Como o número de escravos era extremamente grande, os cidadãos 
não tinham que se preocupar com atividades laborais e tinha tempo e disposição suficientes 
para pensar a cidade. 
Não é difícil de aceitar que o exercício direto da democracia, nos moldes 
atenienses, hoje seria inviável. Seria realmente impossível de se escutar a opinião de todos 
os cidadãos de uma nação. Ocorre que a população mundial cresceu em número e, 
também, com a evolução dos critérios para habilitação ao voto tornaram-se muito mais 
abrangentes quase que em todos os países e em comparação com a Idade Antiga. 
Apesar da atual impraticabilidade desse formato, não se pode negar que toda a 
base da manifestação democrática e do pensamento democrático tiveram seu desabrochar 
na Grécia antiga, com os ideais de Aristóteles​27​ e Platão​28​. 
26Aqui nos referimos ao conceito supramencionado de Aristóteles na obra ‘A Política’, onde os cidadãos eram apenas os 
homens, com mais de 21 anos, atenienses e filhos de pais atenienses. 
 
 
 
 
 
2.2.2 ​A Democracia Indireta ou Representativa 
 
A democracia indireta ocorre quando os cidadãos elegem pessoas que os 
representarão e administrarão a coisa pública em seu lugar. É conferido um verdadeiro 
mandato ao representante na ocasião de sua escolha. Teoricamente esse mecanismo 
propicia a escolha de alguém que se dedicará totalmente à consecução dos objetivos da 
maioria que o elegeu. Além de ser uma forma viável de administração pública nos tempos 
modernos, ela também propicia a escolha de alguém que tende a estar habilitado 
tecnicamente para o exercício do cargo e comprometido com os ideais coletivos. 
Existem, segundo Bernard Manin, dois momentos que descrevem o sistema 
representativo. Seriam eles: 
 
[...] Em um primeiro ponto de vista – do mandato –, as eleições servem para 
selecionar boas políticas ou políticos que sustentam determinadas políticas. Os 
partidos ou os candidatos fazem propostas políticas durante a campanha e 
explicam como essas propostas poderiam afetar o bem-estar dos cidadãos, os 
quais elegem as propostas que querem que sejam implementadas e os políticos 
que se encarregarão de praticá-las[...] 
[...] Em um segundo ponto de vista – da prestação de contas –, as eleições 
servem para manter o governo responsável pelos resultados de suas ações 
passadas. Por anteciparem o julgamento dos eleitores, os governantes são 
induzidos a escolher políticas, julgando que serão bem avaliadas pelos cidadãos 
no momento da próxima eleição [...]​29 
Segundo José Afonso da Silva, a democracia representativa: 
 
É aquela na qual o povo, fonte primária do poder, não podendo dirigir os 
negócios do Estado diretamente, em face da extensão territorial, da densidade 
demográfica e da complexidade dos problemas sociais, outorga as funções de 
governo aos seus representantes, que elege periodicamente.​30 
27 Cf. ARISTÓTELES. ​A Política. 
28 Cf. PLATÃO. ​A República. 
29MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam e STOKES, Susan C..​ Eleições e representação.​ Lua Nova​ [online]. 2006, 
n.67, pp.105-138. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/%0D/ln/n67/a05n67.pdf>. Acesso em 24 jul. 2018. 
30 SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 138. 
 
 
 
Um outro motivo para implementação de um modelo representativo, defendido 
pelos teóricos, seria o de que o representante seria capaz de absorver as necessidades da 
maioria e depurá-las, ou aprimorá-las.​31 
Em teoria, esse modelo parece-nos muito satisfatório quando à possibilidade de 
alcance do bem comum. Ocorre, porém, que estando sujeito ao compromisso assumido por 
um ser humano, as variáveis inerentes a toda relação humana são inúmeras e suscetíveis às 
mais diversas possibilidades. O modelo em si é aparentemente justo, porém deve ser 
aplicado simultaneamente a uma delicada preparação da sociedade que o exercerá. 
Na seção seguinte veremos características que acabam por depreciar o modelo 
representativo. 
 
2.2.2.1 Crise do Modelo Representativo 
 
Como dizíamos na seção anterior, o modelo de democracia representativa tem 
seus méritos e por impossibilidade da aplicação de outro modelo, é o que vigora em grande 
parte dos países democráticos do mundo. Abordando a questão do Brasil especificamente, 
é ainda mais notável a impossibilidade da aplicação da democracia direta. 
Se examinarmos melhor o sistema representativo, concluiremos que tambémtem 
seu ponto fraco justamente em sua característica principal: a de eleger um representante ou 
alguns representantes como administradores da vontade da maioria. Nesse sistema, e de 
acordo com a Constituição de 1988, não existe obrigação jurídica do representante para 
31 Cf. COSER, Ivo. Democracia representativa e democracia direta: revisitando dois modelos. ​Cadernos da Escola do 
Legislativo​, Belo Horizonte, v. 18, n. 30, jul./dez. 2016. Disponível em 
<https://www.al.sp.gov.br/alesp/biblioteca-digital/obra/?id=22213>. Acesso em 23 jul. 2018. 
 
 
 
com os representados, ou seja, o eleito age como bem quer depois da eleição. Ainda que 
uma postura desse tipo soe imoral, de ilegal ela nada possui. 
Analisando o modelo representativo de forma geral encontramos diversas críticas 
ao seu funcionamento, como explica Manin: 
 
[...] Nas eleições, partidos ou candidatos se apresentam para os eleitores, 
informam-nos sobre suas intenções sobre políticas públicas. Especificamente, 
eles dizem aos eleitores quais políticas serão adotadas, com qual propósito e com 
quais consequências. Uma vez eleitos, os candidatos vitoriosos escolhem as 
políticas, não necessariamente as mesmas que anunciaram [...]​32 
 
Parece claro que a quantidade de expectativa depositada pelo povo no 
representante é diretamente proporcional à parcela do controle direto sobre a coisa pública 
que esse mesmo povo concordou em delegar. Partindo dessa premissa, também nos parece 
verdadeiro admitir que maior seria a decepção e o desgosto experimentado pelo povo ao 
constatar que seu representante não é capaz ou não manifesta interesse em atender as 
demandas coletivas. 
Para Ivo Coser, um ponto negativo, ou uma desvantagem a ser mencionada a 
respeito do sistema representativo seria: 
 
[...] as democracias contemporâneas estariam passando por uma crise das 
instituições representativas. As instituições seriam vistas pelos cidadãos como 
controladas por lobbies e interesses dos próprios representantes, o que resultaria 
em instituições distantes dos anseios da população em geral [...]​33 
 
Esmiuçando o caráter representativo, ensina José Afonso da Silva: 
 
[...] Segundo a teoria da representação política [...] o representante não fica 
vinculado aos representados, por não se tratar de uma relação contratual; é ​geral, 
livre, irrevogável em princípio, e não comporta ratificação dos atos do 
mandatário. Diz-se geral, por que o eleito por uma circunscrição [...] não é 
representante só dela [...] mas de todas as pessoas que habitam o território 
nacional. É ​livre​, porque o representante não está vinculado aos seus eleitores 
32MANIN, Bernard; PRZEWORSKI, Adam e STOKES, Susan C..Op. cit., p. 
33COSER, Ivo. Op. cit., p. 
 
 
[...] É​irrevogável​, porque o eleito tem o direito de manter o mandato durante o 
tempo previsto para sua duração [...]​34 
 
Esmiuçando o conceito de democracia indireta, sob diversos aspectos percebemos 
o porquê de esse sistema ter se tornado questionável do ponto de vista da satisfação dos 
anseios do cidadão. O mesmo confere pequena participação efetiva do indivíduo na 
gerência e administração da coisa pública, ou até mesmo canais de fiscalização dos atos 
dos administradores do patrimônio público pouco divulgados, ou – o que parece pior – 
pouco eficazes. Daí resultará o nosso estudo para a próxima seção, acerca da democracia 
participativa. 
 
2.2.3 ​A Democracia Semidireta ou Participativa 
 
O sistema participativo deriva dos dois sistemas anteriores. Ou melhor, seria uma 
união de características do sistema direto, porém implantado em regime representativo. 
Teríamos aqui uma forma de ampliar a participação dos cidadãos na política do 
Estado. Um meio de se sentirem realmente responsáveis pelas alterações na administração 
da Nação e atuarem mais próximos dos governantes, ainda que em momentos específicos. 
No sistema explanado na seção anterior, a participação dos eleitores ficava limitada 
somente aos períodos de sufrágio. O reflexo disso é uma apatia com relação ao 
direcionamento das políticas públicas e uma verdadeira sensação de impotência quanto ao 
todo. 
Nas palavras de Elival da Silva Ramos: 
 
[...] consiste a Democracia Participativa em uma maneira nova de entender o 
sistema democrático em que participação política passa a ser vista como vital, 
34SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 141. 
 
 
posto que nela se contém a força criadora do sistema que lhe permite o evoluir 
contínuo [...].​35 
O próprio Ramos​36 defende que, por ora, o sistema democrático participativo não 
se configura um meio autônomo da democracia, e que seria derivação ou estaria interligado 
ao sistema representativo, reflexo do ativismo político observado em países da Europa 
Ocidental e da América do Norte. 
José Afonso da Silva nos diz que “o ​princípio participativo ​caracteriza-se pela 
participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo”.​37 
Seria esse um formato que residisse em um sistema representativo, mas que 
trouxesse consigo elementos de democracia direta, que Silva cita como exemplos: A lei de 
iniciativa popular​, onde o povo apresenta projetos de lei ao legislativo, preenchidos alguns 
requisitos como número mínimo de eleitores signatários do projeto; o ​referendo​, que 
baseia-se na situação onde projetos de lei já aprovados pelo legislativo devem ser 
submetidos à apreciação popular e dependem dessa aprovação para posterior promulgação; 
o ​plebiscito​, que se assemelha ao referendo, com a distinção de que a consulta popular é 
feita anteriormente à elaboração do diploma normativo; e a ​ação popular​, tema dessa 
monografia, que tem por finalidade fazer cessar atos lesivos ao patrimônio público, com 
todas as nuances já analisadas. 
A explanação abreviada dos instrumentos acima tem o propósito apenas de 
demonstrar que o Brasil possui mecanismos que possibilitam a participação efetiva dos 
cidadãos nas políticas públicas. Veremos a seguir a adesão do povo à utilização da ação 
popular para consecução dessa participação, que é o verdadeiro objetivo dessa monografia. 
 
 
35RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 63. 
36 A Ação Popular como instrumento de participação política, p. 64. 
37SILVA, José Afonso da. Op. cit.., p. 143. 
 
 
3 ENTRAVES À EFETIVIDADE DA AÇÃO POPULAR 
 
Nos capítulos anteriores, discorremos a respeito da ação popular e da democracia. 
Vimos, então, que a ação popular figura entre os mecanismos de participação política 
previstos na Constituição de 1988. Teoricamente esse instrumento tem muito a auxiliar na 
fiscalização do poder público, por parte da população, mas na prática será que isso tem 
ocorrido de forma satisfatória? É o que veremos a seguir. 
Destarte pode-se dizer que a ação popular é uma ferramenta que provoca o poder 
judiciário para resolução de conflitos ou danos gerados nos/pelos poderes legislativo e 
executivo. Justamente daí surge um dos percalços para alcance dos objetivos do instituto. 
O sistema judiciário brasileiro, devido à crescente demanda que sofre, bem como 
o número reduzido de servidores, acumula um número dantesco de processos em 
julgamento. Isso acarreta,sem que necessariamente alguém dê causa, a uma morosidade 
muito além das expectativas quase urgentes da população na solução de seus anseios 
políticos. 
A confiança no poder judiciário também tem reduzido com o passar do tempo, 
quer pela morosidade, quer pela insatisfação por parte do público geral com as decisões 
pronunciadas. Essa descrença também contribui para o afastamento da população dos 
instrumentos populares de controle. Para fins de exemplificação, em pesquisa​38 elaborada 
pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), é exposto 
o Índice de Confiança na Justiça do Brasil (ICJBrasil), onde no primeiro semestre de 2017 
foi verificado que, dos entrevistados, apenas 24% acreditam que o Poder Judiciário é capaz 
38O relatório mencionado pode ser acessado através do site 
<http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/19034/Relatorio-ICJBrasil_1_sem_2017.pdf?sequence=1
&isAllowed=y>. Acessado em 26 jul. 2018. 
 
 
de atender a população em suas demandas, e a maior queixa está relacionada à demora na 
solução dos processos. 
Também o magistrado Roberto Caldas, expõe a constatação de que: 
 
Ao se tratar da ação popular, jamais se pode perder de vista que seu desempenho, 
como via de controle social, tem uma forte trava, qual seja, a do acesso à Justiça, 
ou seja, a de se ter que ingressar no nosso historicamente moroso Poder 
Judiciário [...]​39 
 
Este seria um dos motivos que dificultam a adesão popular ao instrumento 
constitucional. No entanto verifica-se também o seu uso como meio de manobra política. 
O possível abuso no exercício do direito de ação popular é alvo da preocupação de 
diversos juristas desde a primeira regulamentação constitucional em 1934. Assevera, 
RAMOS, que: 
 
A idéia de abuso de direito, presente em diversos ramos da Ciência Jurídica, é a 
do exercício de um direito, visando a resultado diverso da finalidade para a qual 
foi reconhecido pela ordem jurídica. 
Obviamente também o direito de ação popular pode ser deturpado em seu 
exercício, de modo a dele se valer o cidadão inescrupuloso, não com vista aos 
nobres fins a que se destina, mas com intuitos menores, puramente pessoais. 
Os adversários do instituto aproveitam-se disso para acusá-lo de emperrar a 
Administração, principalmente pelo medo que provoca no governante honesto, 
porém tíbio, de que venha a ser acusado de alguma irregularidade na gestão da 
coisa pública.​40 
 
 
Ademais, inúmeras críticas vêm sendo feitas à vetusta regulamentação da ação 
popular, que conforme exposto, data de 1965, estando impossibilitada de acompanhar as 
inúmeras mudanças fáticas e normativas até os dias atuais. 
Um ponto que pode ser abordado como crítico quando da aplicação dessa 
ferramenta é a possibilidade de o pleito do autor ser considerado temerário, e 
eventualmente, como litigância de má-fé. Para essa situação a Lei n. 4.717/65, prevê em 
seu artigo 
39CALDAS. Roberto C. S. G..​Direito de ação popular: requisitos especiais, eficiência, eficácia, efetividade e controle 
social.​ Acessado em 26 jul. 2017. 
40 A Ação Popular com Instrumento de Participação Política, p. 230. 
 
 
Por último e também comentado por alguns juristas está a utilização de 
critérios cada vez mais rígidos e restritivos para admissão da ação popular por parte do 
poder judiciário. Obviamente que esse aumento de rigor está ligado à banalização do 
instrumento, mas ao mesmo tempo esse critério também acaba por diminuir o campo de 
alcance da legitimidade ativa para propositura da ação. Na opinião de Caldas: 
 
A cidadania, hoje, há de ser vista como participativa,ou seja, em um sentido que 
permita e facilite uma intensa participação popular na vida pública, 
principalmente em exercício ao chamado controle social.Dessa maneira, deve-se 
afastar qualquer interpretação que vise a amesquinhar ou pôr obstáculos às vias 
de controle social, dentre as quais se evidencia a ação popular, garantia 
constitucional posta ao dispor do cidadão para defesa da ​res publica. ​O processo, 
de conseguinte,tem que ser encarado como um instrumento de realização da 
justiça social, e não um fim em si mesmo.​41 
 
Pelo exposto, notamos a necessidade de aprimoramento na forma como o 
instrumento constitucional da ação popular é tratado, para fins de otimizar sua utilização 
por parte da população e dos interessados, garantindo que o mesmo seja alçado ao posto eu 
merece, de remédio constitucional capaz, não de esgotar, mas de fazer diminuir os 
desmandes e injustiças cometidos contra o patrimônio público que não recebem a 
reprimenda esperada do judiciário. Tal otimização também seria um forte meio de 
recuperação da escassa confiança da população nas instituições do Estado. 
Em 1991, RAMOS escreveu: 
 
No que diz respeito, especificamente, ao Brasil, o despertar da sociedade para o 
instituo da ação popular, já consagrado constitucionalmente, transformando-o em 
autêntica instituição, teria o efeito de, paulatinamente, ampliar os níveis de 
participação política, não só por meio deste instrumento, tornando mais real o 
princípio da soberania popular formalmente declarado. Para isso contribuiria 
positivamente a extensão da legitimidade para agir a partidos políticos e a 
determinados grupos de pressão, no tocante a matérias específicas em que sua 
intervenção se justifique, adequando a participação política à visão de que a 
pessoa humana e, portanto, o cidadão está inserido em uma tessitura social 
complexa e extremamente gregária, atuando, no que tange a reivindicações de 
porte, por intermédio de grupos associativos.​42 
41 CALDAS, R. C. S. G.., Op. cit., p. 3. 
42 RAMOS, Elival da Silva. Op. cit., p. 258. 
 
 
 
 
No entanto 27 anos depois, a nosso ver, essa adaptação ainda está longe de 
acontecer. As últimas alterações na Lei da Ação Popular aconteceram em 1.977 e o que se 
verifica, até mesmo pela pesquisa da FGV apresentada é um conflito de sentimentos, 
representado por uma parcela da população que se diz descrente da democracia como a 
conhecemos em detrimento de alguns indivíduos e instituições que se utilizam de meios e 
mecanismos constitucionalmente estabelecidos para questionamento político-social. 
 
 
 
 
4 ANÁLISE DE CASO CONCRETO 
 
Para análise nessa monografia escolhemos a ação popular de número 
0048339-11.2004.8.26.0564, que tramita na Primeira Vara Cível da Comarca de São 
Bernardo do Campo, São Paulo. 
A ação mencionada foi interposta por estudantes da Faculdade de Direito de São 
Bernardo do Campo para impugnar a promulgação da lei municipal número 5.364, de 16 
de dezembro de 2004, ato por eles considerado lesivo ao patrimônio da faculdade. 
Figuravam no polo ativo da demanda estudantes da faculdade e no polo passivo, 
inicialmente, o Município, o Prefeito à época, Sr. William Dib, a autarquia municipal e 
diversos vereadores da cidade. 
A lei n. 5.364/04transferia à municipalidade toda disponibilidade financeira da 
autarquia para execução de projetos aprovados pela faculdade em conjunto com o 
Município. 
Ocorre, porém que os autores alegaram na exordial que a transferência dos valoresacarretaria a supressão da autonomia da entidade educacional, vez que todas as aplicações 
e investimentos necessários à manutenção e ao aprimoramento dos serviços por ela 
prestados deveriam – a partir da promulgação da lei – passar pelo crivo do poder 
municipal, em total descumprimento à lei geradora da autarquia e, principalmente, ao que 
preceitua o texto Constitucional. 
O prefeito arguiu em sede de contestação que o pedido não merecia prosperar em 
virtude de se tratar de contrato firmado entre a autarquia e a municipalidade. Informou 
também que os autores não haviam especificado qual era o ato lesivo ao patrimônio da 
entidade e que não estava evidente o dano em sim para a faculdade. 
 
 
Os vereadores alegavam ilegitimidade passiva, ao passo que a lei já havia sido 
sancionada e os valores transferidos. 
Foram então excluídos do polo passivo da ação o prefeito, os vereadores e a 
autarquia municipal, vez que a Magistrada entendeu que, após a transferência dos valores 
estes nada mais tinham com o que arcar no processo, que não se tratava de reparação de 
danos, como segue: 
 
Primeiramente, reconheço a ilegitimidade passiva do Prefeito Municipal, dos 
Vereadores e da Faculdade para integrarem o pólo passivo da demanda. Como 
bem observou o Ministério Público, os autores buscam tão somente o óbice à 
transferência do patrimônio da faculdade ou, caso já tenha sido concretizada, a 
devolução do montante. Ora, o numerário foi transferido aos cofres do 
Município, de sorte que apenas este tem a possibilidade de reverter o ato, com a 
devolução da quantia transferida. Os demais requeridos não têm o poder para 
fazê-lo, de sorte que não se justifica sua inclusão no processo. 
(TJ-SP Sentença Processo 0048339-11.2004.8.26.0564, da 1ª Vara Cível de São 
Bernardo do Campo,Juíza: FABIANA FEHER RECASENS VARGAS, Data de 
Julgamento: 09/03/2007, Data de Publicação:13/03/2007). 
 
Reconheceu também que, apesar de não se evidenciarem danos efetivos ao 
patrimônio, o mero choque com matéria Constitucional tornava a lei municipal 
inconstitucional 
e impraticável, ora vejamos: 
 
Entretanto, ainda que a transferência dos recursos da faculdade tenha sido feito 
com tal finalidade, houve inconstitucional ingerência pelo Município na 
autonomia financeira da faculdade, que necessitará de aprovação e da burocracia 
para implementar qualquer atividade acadêmica ou de infraestrutura, eis que terá 
que solicitar numerário para o Município, eis que não possui qualquer outro 
recurso. 
De acordo com o art. 37, parágrafo 8º, da Constituição Federal, “a autonomia 
gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração 
direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus 
administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de 
desempenho para o órgão ou entidade”. Não há, portanto, qualquer possibilidade 
de redução da autonomia, como fez a Lei Municipal nº 5.364/04, ao reduzir a 
zero os recursos exclusivos da faculdade. 
(TJ-SP Sentença Processo 0048339-11.2004.8.26.0564, da 1ª Vara Cível de São 
Bernardo do Campo, Juíza: FABIANA FEHER RECASENS VARGAS, Data de 
Julgamento: 09/03/2007, Data de Publicação:13/03/2007). 
 
 
 
Por fim, condenou o município a devolver os valores transferidos com as devidas 
correções, senão vejamos: 
 
Em relação ao Município de São Bernardo do Campo, julgo PROCEDENTE A 
AÇÃO, extinguindo o feito com julgamento de mérito, nos termos do art. 269, I, 
do Código de Processo Civil, condenando o réu a restituir aos cofres da autarquia 
todo o valor retirado, com os rendimentos equiparados aos que a faculdade 
obtinha com sua aplicação. 
(TJ-SP Sentença Processo 0048339-11.2004.8.26.0564, da 1ª Vara Cível de São 
Bernardo do Campo, Juíza: FABIANA FEHER RECASENS VARGAS, Data de 
Julgamento: 09/03/2007, Data de Publicação:13/03/2007). 
 
Os autores alcançaram seu objetivo quando da propositura da ação popular, que 
era a proteção do patrimônio da entidade educativa, com a devolução dos valores 
transferidos pela municipalidade. Cabe ressaltar que o caso ocorreu em uma Faculdade de 
Direito do município de São Bernardo do Campo, onde aqueles que ali freqüentam estão 
em direito contato com a lei, e têm, via de regra, uma noção mais ampla e prática do 
mundo jurídico. Essa não é a realidade de grande parte da população brasileira que não tem 
um mínimo de conhecimento quanto aos seus direitos, quanto mais à forma correta para 
exigir que sejam respeitados. 
Fica registrado o caso acima analisado como exemplo da funcionalidade da ação 
popular como meio de controle político por parte da população. Estudantes do curso, 
pessoas comuns, ingressaram com a ação contra o município e todos os envolvidos no ato 
lesivo ao patrimônio. Embora haja controvérsia quanto à lesão de fato, eis um exemplo da 
ampliação do conceito, abarcando também o dano em potencial, que ocorreria caso a 
situação definida pela lei municipal fosse mantida. Ainda assim percebe-se, como aludido 
no capítulo anterior, a demora na prolação da sentença condenatória, de três anos desde a 
propositura da ação. 
Muito embora aqueles já familiarizados com a justiça brasileira de uma maneira 
geral entendam que esse prazo entre interposição e sentença não seja exatamente tão longo, 
 
 
como instrumento popular não se pode aceitar que o povo espere tanto para ver a solução 
de suas demandas. Isso definitivamente desencoraja o cidadão comum a buscar o 
instrumento, e consequentemente o afasta da administração pública e da política nacional, 
criando um cenário propício à proliferação de sistemas criminosos de arbitrariedade e 
corrupção que geram graves danos de ordem social, política e econômica no Brasil. 
 
 
 
CONCLUSÃO 
 
Dentre todos os aspectos analisados, tanto sobre a ação popular quanto à 
democracia de uma forma geral, não se pode negar que o remédio constitucional tem seu 
valor e seus méritos como forma de a população participar da política de forma mais direta. 
Todo aquele que identificar ato lesivo ou potencialmente lesivo ao patrimônio público 
pode impetrar ação popular, ainda que seu interesse não seja, num primeiro momento, tão 
evidente. 
Via de regra, a regulamentação do mecanismo trazida pela lei n. 4.717/65 seria 
suficiente para garantir-lhe eficácia e eficiência, mas na realidade se verifica um 
distanciamento do que pareceu ser o verdadeiro sentimento do constituinte, ao manter a 
ação popular dentre os mecanismos de garantia dos direitos fundamentais, da realidade 
nacional. Ao buscar o cumprimento dos pressupostos para ajuizamento da ação popular, o 
poder judiciário realiza uma interpretação restritiva desses elementos, o que vimos, através 
da opinião de juristas com notável experimentação, ser exatamente o caminho oposto à 
ampliação da possibilidade de utilização da ação por maior parte de cidadãos. Isso, sem 
dúvida, torna o remédio constitucional impopular. 
Aliás, é principalmente nessa impopularidade que reside nossa crítica à ação 
popular. Diversos são os elementosem que nos baseamos para defender a ineficácia da 
ação. Desde a exigência de contratação de advogado para atender ao quesito da capacidade 
postulatória, à exigência da cidadania brasileira, nos moldes ora explicados – aspectos de 
cunho processual - como a impopularidade do poder judiciário diante da população em 
geral, evidenciada em pesquisa realizada pela Faculdade de Direito da Fundação Getúlio 
Vargas de São Paulo, mencionada no capítulo 3 e a possibilidade da condenação no 
décuplo do valor da causa, em caso de litigância de má-fé, são características desse 
 
 
instituto que acabam por inibir sua utilização pelo cidadão, afastando-o da prática política 
ou limitando-o em sua atuação. 
Difícil seria propor solução infalível para a retomada de crença, por parte da 
população, nas instituições públicas. No entanto, estudos como os da mencionada fundação 
ou mesmo como essa singela monografia, merecem alcançar meios de divulgação popular 
para conscientizar o povo, real detentor do poder em nosso Estado, de suas possibilidades e 
responsabilidades. 
É evidente que a história de uma democracia participativa, no formato trazido pela 
Constituição de 1988, ainda é recente em nosso País e carece de estudo e experimentação 
tanto pelo mundo acadêmico, quanto pela população em geral, como forma de sanar 
questões maléficas e ineficazes. Não se pode pretender esgotar assunto de tamanha 
complexidade e extensão em um trabalho acadêmico, até mesmo porque seria necessária 
uma abordagem interdisciplinar a respeito do tema. O intuito desse trabalho foi o de expor 
a situação de que uma ferramenta como a ação popular é algo que reúne diversas 
características capazes de garantir uma melhor fiscalização dos atos dos administradores 
públicos, mas que merece maior atenção, pesquisa e estudo para que alcancemos, enquanto 
sociedade, os ideais preambulares de nossa Carta Magna. 
 
 
 
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