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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Epidemiologia .............................................................. 3 3. Etiologia ......................................................................... 4 4. Fisiopatologia .............................................................. 6 5. Classificação ................................................................ 7 6. Avaliação do paciente ............................................12 7. Manejo do paciente .................................................15 8. Drogas ..........................................................................18 9. Avaliação diagnóstica do paciente ...................21 Referências bibliográficas ........................................23 3CONVULSÕES 1. INTRODUÇÃO Certamente todos nós já ouvimos o termo “convulsão”, “crise convulsiva” ou “epilepsia”. Mas o que esses ter- mos significam? Sabemos que o nosso cérebro fun- ciona como uma rede elétrica, e o seu funcionamento depende da ativação ou inibição das principais células do cérebro: os neurônios. Os neurônios se comunicam por meio de sinapses e estão interconectados em diferen- tes circuitos que regulam as ativida- des funcionais do homem. As convulsões são manifestações clí- nicas neurológicas temporárias que resultam da hiper sincronização elé- trica das redes neuronais no córtex cerebral, de modo não funcional. Mas isso não é a mesma coisa que epi- lepsia? A resposta é… NÃO! A epilep- sia é um distúrbio cerebral caracteriza- do pela predisposição persistente do cérebro para gerar crises epilépticas e pelas consequências neurobiológi- cas, cognitivas, psicológicas e sociais desta condição. As crises epilépticas podem se manifestar com alterações da consciência ou eventos motores, sensitivos/sensoriais e autonômicos (por exemplo: suor excessivo, queda de pressão). Ou seja, a epilepsia pode ter crises convulsivas, mas nem toda convulsão pode ser diagnosticada como epilepsia. Por definição, é pre- ciso que tenha havido duas ou mais crises convulsivas espontâneas (em intervalo > 24h) para se estabelecer o diagnóstico de epilepsia. E a crise convulsiva? A crise convul- siva é um tipo especial de crise epi- léptica que se caracteriza por episó- dio de contração muscular excessiva ou anormal, usualmente bilateral, que pode ser sustentada ou interrompi- da. Já o estado de mal epiléptico é definido como uma crise prolongada ou múltiplas crises sem retorno com- pleto do nível de consciência, sendo caracterizado como uma emergência neurológica. Antigamente, a defini- ção de “crise prolongada” era uma cri- se que durasse mais que 30 minutos. No entanto, percebeu-se que lesões irreversíveis podem ocorrer em um tempo muito menor. Por isso, atual- mente consideramos uma crise com mais de 5 minutos de duração como prolongada. 2. EPIDEMIOLOGIA Certamente você conhece alguém que já apresentou uma crise epilép- tica. Isso ocorre porque o risco de se apresentar ao menos uma crise epi- léptica ao longo da vida é muito alto, sendo que quase 10% das pessoas sofrerão convulsões durante suas vi- das. A epilepsia é o terceiro principal contribuinte para o ranking mundial de doenças por distúrbios neuroló- gicos e afeta 65 milhões de pessoas em todo o mundo. De acordo com um estudo internacional de meta-análise, 4CONVULSÕES a prevalência de epilepsia é de 6,4 ca- sos por 1.000 pessoas e a incidência anual é de 67,8 casos por 100.000 pessoas por ano. A incidência de epilepsia tende a ser mais alta em faixas etárias mais jo- vens como, por exemplo, na primeira infância; e em grupos de idade mais avançada, principalmente em idades entre 50 e 60 anos, enquanto a pre- valência tende a ser menor em be- bês e crianças, aumenta no início da idade adulta e diminui com o avan- ço de idade. Não foram mostradas diferenças sexuais na incidência e prevalência de acordo com revisões sistemáticas sobre o tema, embora alguns estudos tenham demonstrado preponderância masculina, possivel- mente devido subnotificação de mu- lheres, particularmente nas regiões onde uma mulher com epilepsia seria marginalizada. A epilepsia pode ser letal devido aos efeitos diretos das convulsões (por exemplo, morte súbita inesperada em epilepsia, status epilético, afogamen- to, acidentes de automóvel, quedas e queimaduras) ou devido aos efeitos indiretos das convulsões (por exem- plo, pneumonia aspirativa, suicídio, efeitos adversos, efeitos de drogas psiquiátricas). 3. ETIOLOGIA Já entendemos o que é epilepsia, mas quais são suas causas? As crises epilépticas podem ser causadas por qualquer distúrbio na condução de impulsos nervosos no sistema nervo- so central. Isso inclui tanto causas es- truturais como não estruturais, como infecção, doenças autoimunes, dis- túrbios hidroeletrolíticos, hormonais e causas genéticas. A divisão da etio- logia das crises epilépticas pode ain- da ser baseada em alterações primá- rias, que não estão relacionadas a um evento predisponente, ou por causas secundárias, que têm como origem alguma alteração basal, como trau- ma, doença, intoxicações, transtornos metabólicos e tumores cerebrais. Como exemplo, podemos observar o seguinte caso: SF, masculino, 39 anos, é admitido no pronto atendimento por história de crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas há 3 horas. Paciente é trazido por familiar com relato de 3 episódios de crises convulsivas nas últimas 3 horas, com duração de cerca de 2 minutos, sem liberação esfincte- riana, que cederam espontaneamen- te, com recuperação total da consci- ência entre as crises. Paciente nega episódios anteriores de crises con- vulsivas. Familiar afirma que pacien- te realizou uma cirurgia para retirada de tumor hipofisário há 1 mês, sem complicações. Nega outras doenças e uso de medicamentos. Nega alergias. Nega etilismo ou tabagismo. Ao exa- me físico, paciente encontra-se sono- lento, com Glasgow 14 (O3;V5;M6), 5CONVULSÕES pupilas isocóricas e fotorreagentes, sem rigidez de nuca e déficits focais. Sem demais alterações em outros sistemas. Ao receber esse paciente na emer- gência o que você faria? Podemos dar o diagnóstico de epilepsia para esse paciente? A resposta é NÃO! O ponto primordial na avaliação de um pacien- te que apresenta convulsões é procu- rar causas que podem ser reversíveis antes de supor o diagnóstico de epi- lepsia. Vários diagnósticos diferen- ciais devem ser excluídos previamen- te. Diante do quadro clínico do nosso paciente, é prudente solicitar exames laboratoriais (hemograma, eletrólitos, função renal, glicemia) e uma TC de crânio para identificar possível causa estrutural das crises. Ao checar os exames solicitados, você notou uma alteração nos níveis séricos de sódio (117 mEq/L - Ref: 135 a 145 mEq/L). Será que isso jus- tificaria as convulsões? SIM! Apesar de ser necessário avaliar a evolução do paciente e outros exa- mes, em especial o exame de ima- gem, a hiponatremia poderia justificar as manifestações clínicas convulsi- vas. Isso ocorre devido ao desequilí- brio iônico em células cerebrais, o que pode alterar o limiar de excitabilidade do cérebro, favorecendo convulsões. Esse caso clínico pode exemplificar como diversos fatores podem afetar a atividade neuronal, levando a con- vulsões. No caso do nosso pacien- te, seria necessário ainda investigar a causa da hiponatremia, mas isso é assunto para outra apostila… São diversas as condições que cur- sam com convulsões recorrentes, sendo algumas das principais exem- plificadas na tabela abaixo de acordo com a idade do paciente: Período neonatal e lactância Traumatismo ou anoxia ao nascimento, distúrbios metabólicos, malformações congê- nitas e espasmos do lactente Infância Convulsões febris, espasmos do lactente, anoxia perinatal ou traumatismo no parto e causas idiopáticas Adolescência Idiopática, traumatismo Início da vida adulta Idiopática, traumatismo, uso ou abstinênciade drogas ou álcool, neoplasia Meia-idade Neoplasia, uso ou abstinência de álcool ou droga, doença vascular, traumatismo Senilidade Doença vascular, neoplasia, traumatismo, doença degenerativa Fonte: Campbell WW, Pridgeon RP. Practical Primer of Clinical Neurology. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 2002. 6CONVULSÕES 4. FISIOPATOLOGIA Já vimos que o funcionamento cere- bral tem uma base elétrica. O cérebro humano é organizado em circuitos neuronais que formam vias molecu- lares de excitação ou inibição. A au- sência de atividade elétrica cerebral, por exemplo, é um dos critérios de morte cerebral. Então, enquanto há funcionamento do cérebro, há ati- vidade elétrica cerebral. Revisando brevemente, devemos nos lembrar de que cada neurônio produz a sua própria eletricidade à medida que o contínuo fluxo de íons carregados eletricamente através da membrana neuronal produz potenciais elétricos. O sódio, o cálcio e o potássio são íons carregados positivamente, enquan- to o cloreto é o principal íon negativo (ânion). Desse fluxo iônico através da membrana neuronal, produzem-se potenciais elétricos - os potenciais de membrana. Esses potenciais, que de- pendem da quantidade de cada tipo de íon que passa pela membrana, são mantidos por uma série de sistemas moleculares localizados na membra- na celular. Esses sistemas basica- mente envolvem a bomba de sódio/ potássio e o controle da abertura dos canais iônicos. Assim, sistemas mole- culares governados por genes espe- cíficos controlam o fluxo iônico e, com isso, a eletricidade neuronal. Ou seja, qualquer fator que interfira com o po- tencial de excitabilidade dos neurô- nios pode causar convulsões. As crises epilépticas podem ser ad- quiridas ou genéticas. Modelos ob- servados em ratos observaram que convulsões podem ser geradas por aumento da excitação na transmis- são sináptica e por picos de cálcio nos principais neurônios corticais excita- tórios, que utilizam o glutamato como neurotransmissor. Além disso, altera- ções celulares incluem mudanças fe- notípicas e funcionais nos neurônios, células da glia e vasos sanguíneos, as quais podem levar à desregulação da barreira hematoencefálica. Com o dano à barreira hematoencefálica, macrófagos circulantes extravasam para o parênquima cerebral, contri- buindo para a inflamação e perda de células neuronais. Além disso, altera- ções epigenéticas, juntamente com vias moleculares associadas, contri- buem para modificações no canal iô- nico e no receptores neuronais que controlam o limiar de excitabilidade. Essas alterações diminuem o limiar convulsivo, contribuindo assim para o início e progressão da epilepsia. Apesar de muitas vezes a causa da epilepsia ser desconhecida, convul- sões podem ser o resultado de quase qualquer insulto que perturbe a fun- ção cerebral. Esses insultos incluem, por exemplo, após acidente vascular cerebral ou trauma cerebral, doenças infecciosas - como neurocisticercose - , doenças auto-imunes e mutações genéticas. Até o momento, mais de 7CONVULSÕES 500 genes associados à epilepsia fo- ram identificados. A localização cerebral do foco convul- sivo também pode explicar a mani- festação clínica da convulsão. O início das crises pode ser focal, quando a atividade neuronal anormal surgir em uma ou mais regiões cerebrais locali- zadas ou no hemisfério; generalizado, quando a atividade neuronal anor- mal começa em uma ampla distribui- ção nos dois hemisférios; ou de início desconhecido, se as informações clí- nicas e dados laboratoriais não con- seguem identificar se o início é focal ou generalizado. É importante lembrar que a manifes- tação clínica de uma crise epiléptica depende de qual ou em quais regiões corticais a atividade elétrica neuro- nal aumentou de forma súbita e ex- cessiva. Além disso, como cada re- gião conecta-se com muitas outras, a expressão clínica das crises poderá espelhar o fenômeno da propaga- ção das crises, que podem iniciar-se em uma região e espalhar-se para outras com as quais estão conecta- das. Esse percurso da atividade elé- trica excessiva (atividade epiléptica) define como será a crise. Também é importante lembrar que como o au- mento excessivo da atividade elétri- ca cerebral pode ocorrer em qualquer região cerebral (dependendo de onde foi o insulto, ou onde está a doen- ça que altera os neurônios) e como todas as regiões cerebrais estão extensamente interconectadas umas com as outras, a quantidade de tipos de crises epilépticas é muito grande, sendo a sua classificação importante para delimitar as principais manifes- tações clínicas. 5. CLASSIFICAÇÃO De acordo com a Classificação In- ternacional das Crises Epilépticas de 1981, as convulsões podem ser divi- didas em três grandes grupos basea- do nas suas manifestações clínicas e transmissão do hiperestímulo no sis- tema nervoso central: as parciais ou focais, as crises generalizadas e as não classificáveis. • Convulsões generalizadas • Convulsões focais • Não classificáveis Crises generalizadas: São aquelas em que as primeiras ma- nifestações clínicas indicam o envol- vimento inicial de ambos os hemisfé- rios cerebrais e apresentam alteração do nível de consciência. Tônico-clônicas As crises tônico-clônicas são as mais conhecidas pela população em ge- ral. São ataques disperceptivos ca- racterizados por alternância da con- tração e relaxamento muscular. Tem 8CONVULSÕES duas fases principais: a fase tônica e a fase clônica. A fase tônica consiste na contração tônica de todos os mús- culos dos membros durante 10 a 30 segundos, produzindo inicialmente uma flexão e depois uma extensão, em especial das costas e do pescoço. A contração dos músculos mastiga- tórios pode causar um traumatismo da língua. O paciente cai e pode se lesionar. Já a fase clônica consiste no relaxa- mento muscular, produzindo mo- vimentos simétricos dos membros, que persistem por 30 a 60 segundos ou mais. Com o passar do tempo, os abalos musculares se tornam menos frequentes, até que todo o movimento cessa e os músculos se tornam fláci- dos. O relaxamento esfincteriano ou a contração do músculo detrusor pode produzir incontinência urinária. Após o período da convulsão propria- mente dito, o paciente pode apresen- tar um período de recuperação que é chamado período pós-ictal (do latim íctus - ataque súbito, golpe, panca- da). Quando o paciente volta à cons- ciência, existe confusão pós-ictal e, frequentemente, cefaleia. A orienta- ção plena costuma demorar 10 a 30 minutos. Atônicas As crises epilépticas do tipo atô- nicas consistem em um tipo espe- cífico de crises generalizadas que caracteristicamente estão relaciona- das a um dos casos mais graves de epilepsias sintomáticas. São crises que envolvem uma perda global do tônus muscular, frequente- mente levando o paciente a quedas ao solo. Do ponto de vista anátomo- -funcional, envolvem uma súbita hi- perexcitabilidade difusa do córtex ce- rebral que se propaga para estruturas do tronco cerebral que controlam o tônus muscular. A manifestação clíni- ca dessas crises consiste em quedas súbitas e imediatas ao solo, sem ne- nhum aviso, o que provoca, com fre- quência, lesões corporais. Essas cri- ses são mais comuns em distúrbios do desenvolvimento, como a síndro- me de Lennox-Gastaut. Ausência - também chamado de pequeno mal. As crises de ausência se caracteri- zam por perda de consciência breve (por 5 a 10 segundos), sem perda do tônus postural. Manifestações moto- ras sutis, como piscamento ocular ou leve rotação da cabeça, são comuns. A orientação plena ocorre imediata- mente após a crise cessar, sendo que muitas vezes ninguém próximo ao paciente percebe a crise, por isso a maior dificuldade em detectar essas crises. O quadro clássico desse tipo de crise é de uma criança que tem um compro- metimento do desempenho escolar e 9CONVULSÕES das interações sociais, que pode ser considerada erroneamente como de- ficiente mental, antesque o diagnós- tico de pequeno mal seja feito. Podem ocorrer até várias centenas de crises ao dia. As crises são classicamente induzidas pela hiperventilação. Na maioria dos pacientes com inteli- gência normal e atividade no eletro- encefalograma (EEG) de fundo nor- mal, as crises de ausência ocorrem somente na infância; em outros ca- sos, no entanto, as crises continuam na vida adulta, isoladamente ou em associação com outros tipos de crises. Mioclonais São caracterizadas por contrações súbitas, rápidas, semelhantes a um choque, que podem estar localizadas em alguns músculos de uma ou mais extremidades, podendo apresentar uma distribuição mais generalizada. Epilepsia mioclônica juvenil é a cau- sa mais comum, geralmente iniciando na adolescência. Crises focais ou parciais São aquelas que se originam em redes neuronais limitadas a um hemisfério cerebral, as quais podem ser restritas ou distribuídas de forma mais ampla. É importante lembrar que esse tipo de crise pode evoluir para crises secun- dariamente generalizadas. Crises fo- cais podem se originar em estruturas subcorticais e, em alguns casos, há mais do que uma rede neuronal epi- leptogênica envolvida e, portanto, mais do que um tipo de crise epilép- tica, mas cada tipo de crise individual tem um local de início consistente. Antigamente, as crises parciais eram subdivididas em relação ao compro- metimento da consciência em crises parciais simples, quando há preser- vação da consciência, e crises par- ciais complexas, quando há compro- metimento da mesma. No entanto, em 2017, essa classificação foi con- siderada inapropriada por não ser um consenso entre os pesquisadores e estudiosos, sendo substituída pelos termos “perceptiva” e “dispercepti- va”. É importante ter em mente que “percepção” preservada significa que a pessoa está consciente de si e do ambiente durante uma crise, mesmo que imóvel. 1. Parcial perceptiva Crises parciais perceptivas (antigas crises parciais simples) podem resul- tar em fenômenos motores, senso- riais ou autônomos, dependendo da região cortical afetada. Por exemplo, movimentos clônicos de um único grupo muscular da face, de um mem- bro ou da faringe podem ocorrer e podem ser autolimitados; podem ser recorrentes ou contínuos; ou podem se disseminar para envolver regiões 10CONVULSÕES contíguas do córtex motor (marcha jacksoniana). Os sintomas autônomos podem con- sistir de palidez, ruborização, sudo- rese, piloereção, dilatação pupilar, vômito, borborismos ou sialorreia. Os sintomas psíquicos incluem distor- ções da memória como, por exem- plo, o déjà vu, que é a sensação de que uma nova experiência é familiar; processos de pensamento forçados ou processos de pensamento elabo- rados; déficits cognitivos; distúrbios afetivos como, por exemplo, medo, depressão e um sentimento inade- quado de prazer); e alucinações ou ilusões. No estado pós-ictal, um déficit neu- rológico focal como uma hemipare- sia (paralisia de Todd) pode persistir por 30 minutos a 36 horas, indicando uma lesão cerebral focal subjacente. 2. Parcial disperceptiva São crises parciais com algum prejuí- zo na consciência, responsividade ou memória. A descarga convulsiva ge- ralmente se origina no lobo temporal ou no lobo frontal medial, mas pode se originar em qualquer lugar. Os sin- tomas, em geral, são estereotipados. Os episódios podem começar com uma aura. SAIBA MAIS: Mas o que é Aura? A aura epiléptica é uma manifestação prodrômica de curta duração (90 a 120 segundos) da crise epiléptica . Ou seja, é um “anúncio” de que a crise epiléptica está por vir. A aura não consiste em apenas um sintoma específico e sim um conjunto de manifestações. Alguns exemplos são luzes brilhantes, movimentos rítmicos da face ou de algum membro, sensações epigástricas, medo, “jamais vu” (sensação subjetiva súbita de estranhamento em situações conhecidas do paciente) ou “déja vu” (sensação subjetiva súbita de familiaridade em situa- ções não conhecidas do paciente). Também podem ocorrer sintomas afetivos (medo), psíqui- cos e sensoriais (alucinações olfatórias). Esse tipo de crise se manifesta com alterações da consciência. O com- ponente motor é caracterizado pelos chamados “automatismos”. Automa- tismos são movimentos involuntários e coordenados. Em 75% dos pacien- tes, eles se manifestam como movi- mentos orobucolinguais. Outros mo- vimentos faciais, cervicais ou manuais são comuns. 11CONVULSÕES 01- Classificação operacional básica da ILAE (lnternational League Against Epilepsy) 2017 para os tipos de crises epilépticas. Fonte: Produção própria baseado em: Classificação Operacional dos Tipos de Crises Epilépticas pela International League Against Epilepsy: documento da posição da Comis- são da ILAE de Classificação e Terminologia SAIBA MAIS: A aura de êxtase do príncipe Michkin No romance “O idiota” de Dostoievski (1821-1881), o príncipe Michkin apresentou múltiplas crises epilépticas. Em algumas delas, o autor descreveu um tipo incomum de aura: um curto estado extático de felicidade absoluta, seguido de acentuada melancolia e profundo senti- mento de culpa. O conceito de aura extática surgiu a partir de meados do século XX, quando foi descoberta a epilepsia do lobo temporal. Desde então, vinculou-se a descrição feita por Dostoievsky da sensação prazerosa que antecedia as crises da epilepsia temporal. Os textos do autor russo contribuíram para a formulação do conceito de aura de prazer, o qual não foi devidamente acompanhado das necessárias demonstrações científicas de sua existência. Já imaginou ter uma aura de felicidade extrema? FLUXOGRAMA Classificação das crises convulsivas Início focal Início generalizado Início desconhecido Perceptivas / Disperceptivas • Motoras (Tônico-clônica) (outras motoras) • Não-motoras (ausência) • Motoras (Tônico-clônica) (outras motoras) • Não-motoras (parada comportamental) Início motor / Início não motor Focal / Evoluindo para tônico-clonica bilateral 12CONVULSÕES ESQUEMATIZAÇÃO DOS TIPOS DE CONVULSÃO. CONVULSÃO Parcial Generalizada Perceptiva Ausência Disperceptiva Mioclônica Com generalização secundária Tônico-clonica Tônica Atônica 6. AVALIAÇÃO DO PACIENTE Anamnese: A história clínica é a principal etapa para o manejo do paciente. O primeiro passo é caracterizar adequadamen- te o evento, procurando, sempre que possível, entrevistar testemunhas do ocorrido. A importância da história clínica se baseia principalmente na necessida- de de identificar 3 fatores: • Caracterizar a crise epiléptica • Identificar possíveis doenças ou condições que possam ter precipi- tado a crise convulsiva • Levantar suspeitas acerca de pos- síveis diagnósticos diferenciais Aspectos que são importantes na ca- racterização das crises epilépticas e podem auxiliar no diagnóstico são: • Amnésia retrógrada: O paciente não lembra do ocorrido. • Presença de aura (alterações de sensação, sudorese, eritema, afasia, dejavú e automatismos), 13CONVULSÕES principalmente em pacientes que já apresentaram crise com aura anteriormente. • Mordidas laterais na língua: conse- quência da força do músculo mas- seter contraído durante a convul- são. As mordidas são importantes para o diagnóstico diferencial com crises psicogênicas. • A liberação esfincteriana deve ser sempre questionada, sendo importante na diferenciação do tipo de crise, já que esse fenômeno está presente principalmente em crises tônico-clônicas que podem contar com relaxamento esfincteriano ou contração do músculo detrusor, le- vando à incontinência urinária. Nesse sentido, principais perguntas a serem feitas são: Qual o primeiro sinal ou sintoma (referido pelo paciente e/ou presenciado por testemunha)? Obs: o sinal ou sintoma clínico mais precoce é o que tem maior relevância para localizar a provável área cere- bral de origem da crise. Qual a sequência de eventos durante a crise ? (p. ex., primeiro houve interrupção do comportamento,seguida de movimentos mastigatórios ou mioclonias seguidas de perda de consciência e abalos generalizados?) Quanto tempo durou a crise? Obs: é muito comum que o tempo de recuperação seja incluído, sendo referido um tempo que não represen- ta apenas a crise, mas também o período pós-ictal agregado . Ficou sonolento após o término da crise? Em quanto tempo voltou ao normal? Houve afasia durante ou após a crise? Obs: a presença de afasia pode ajudar na lateralização do evento, uma vez que, em geral, a presença de afa- sia denota crises no hemisfério dominante. Quais as condições em que ocorreram eventos precipitantes? Em vigília ou durante o sono? Durante atividades físicas ou esforço? Teve privação de sono na noite anterior? Uso de álcool e/ou outras substâncias? Abstinência? Ambiente com estimulação luminosa intermitente? Durante refeição ou alguma outra atividade específica? Houve cefaleia súbita associada? Trauma craniano imediatamente antes do evento? Usou nova medicação por algum motivo médico ou houve alteração de dose de remédios em uso? (Alguns fatores podem ser precipitantes que reduzem o limiar convulsivo, como: doenças agudas ou trauma, uso de droga ou álcool, privação de sono, interações medicamentosas e não adesão ao tratamento ou altera- ção na dose do medicamento) O paciente já apresentou alguma crise epiléptica antes? Tabela 1. Adaptado de: Medicina de Emergência, 13a edição 2019 14CONVULSÕES E como vamos diferenciar essas condições da epilepsia? Principalmente por meio da história clínica e exame físico! Um fator essencial na diferenciação é o depoimento de alguma testemunha da suposta crise convulsiva, que pode descrever o aspecto clínico do acon- tecimento. É importante também co- nhecer o histórico médico do paciente e avaliar sua idade. Pacientes idosos com doenças do sistema cardiovas- cular, principalmente alguma altera- ção na condução elétrica do coração, podem apresentar síncopes que mui- tas vezes aparentam crises epilépti- cas. Em um paciente com infecção do sistema nervoso, outros achados de- vem ser procurados, como febre, re- baixamento do nível de consciência e presença de sinais focais não paroxís- ticos, diferentemente da crise epilépti- ca. A crise psicogênica não epiléptica deve sempre ser mantida em mente como um diagnóstico de exclusão. Avaliar o padrão da crise pode levan- tar suspeita de crises psicogênicas na presença de fatores como convulsões que duram mais de dois minutos, as crises terem um início gradual, um curso flutuante da gravidade da do- ença, o paciente parar de bater suas mãos no seu próprio rosto, entre ou- tros. Pacientes extremamente graves, em especial vítimas de traumas e com rebaixamento de consciência devem sempre ser submetidos a um exame de nervos cranianos buscando avaliar SE LIGA! Como diferenciar os movi- mentos tônico-clônicos da convulsão e os de pacientes psiquiátricos? Algumas características nos ajudam a diferenciar uma crise epiléptica de uma crise não-epiléptica psicogênica. São eles: início gradual, com pródromo vari- ável e prolongado (hiperventilação, ce- faleia), presença de evento emocional desencadeante, duração prolongada, posturas distônicas, rigidez da muscu- latura do tronco e opistótono, projeção pélvica, arqueamento do tronco, balan- ço bilateral da cabeça, não envolvimento da face durante a crise (como se o pa- ciente estivesse distante), ausência de sinais neurológicos anormais durante a crise ou no período pós-ictal imediato (o paciente mantém os reflexos), inten- sificação dos movimentos convulsivos quando se impõe alguma contenção, o paciente parece “lutar” contra a conten- ção, entre outros. Diagnósticos diferenciais: É importante, durante a avaliação, ter em mente outros diagnósticos dife- renciais de crises epilépticas. Os prin- cipais são: • Síncope • Infecções do SNC • Disritmia • Causas psicogênicas • Enxaqueca • Postura descerebrada • Reações distônicas à substâncias 15CONVULSÕES a função do tronco cerebral. A postu- ra descerebrada pode ser confundida com crises epilépticas, mas diferen- cia-se destas pelo prejuízo contínuo da consciência e pelo comprome- timento do tronco cerebral. É sem- pre importante questionar também medicações usadas pelos pacientes. Alguns fármacos podem causar rea- ções distônicas agudas, caracteriza- das por espasmos dos músculos da cabeça, pescoço, dorso e extremida- des. Estas reações surgem de forma aguda principalmente após doses excessivas dos medicamentos e são mais frequentes em jovens. 7. MANEJO DO PACIENTE A abordagem inicial do paciente deve seguir uma ordem de atendi- mento clínico, baseada no “ABC” da emergência. A: O atendimento inicial é focado nas vias aéreas (Airways). Inicialmente, a assistência ao paciente que apresen- ta-se com convulsões consiste em assegurar imediatamente que a via aérea do paciente esteja permeável. Na presença de qualquer sinal de al- teração de vias aéreas, deve-se es- tabelecer uma via aérea artificial, que pode ser temporária ou definitiva. O paciente deve ser posicionado em decúbito lateral para evitar a aspira- ção do conteúdo gástrico. B: Além da perviedade da via aérea, é importante observar se a oxigenação está efetiva (Breathing). Isso pode ser observado por meio do padrão respi- ratório, por isso é importante realizar inspeção, percussão, palpação e aus- culta, além da oximetria. É interessan- te disponibilizar máscara de oxigênio ou cateter nasal para melhorar a oxi- genação do paciente e aspirar vias aéreas se muito secretivas. C: Pacientes com história de crise convulsiva sempre devem ter seu sistema circulatório avaliado. Para essa avaliação, é necessário instalar um monitor cardíaco, de preferência incluindo um ECG, aferir pressão ar- terial, avaliar glicemia capilar, coletar exames laboratoriais iniciais e obter acesso venoso periférico. SAIBA MAIS: Mitos na convulsão: Lembre-se que apesar da crença popular de que durante uma crise convulsiva deve-se se- gurar os braços e a língua da pessoa, isso NÃO É VERDADE! A língua não enrola e o paciente não é capaz de engoli-la. Não se deve em hipótese alguma introduzir os dedos dentro da boca do paciente, pelo risco de lesões graves nos dedos. Durante uma crise, o ideal é colocar o paciente deitado com a cabeça de lado para facilitar a saída de possíveis secreções e evitar a aspiração de vômito. 16CONVULSÕES Os sinais vitais do paciente devem sempre ser avaliados, podendo indi- car a etiologia da convulsão: • Pressão arterial: exclui encefalopa- tia e choque • Temperatura: exclui hipertermia • Pulso: exclui arritmia cardíaca com risco à vida Os exames laboratoriais iniciais de- vem incluir: coleta de sangue venoso para avaliar glicemia, cálcio, eletró- litos, estudos de função hepática e renal, hemograma completo, taxa de hemossedimentação e toxicologia. Sabemos que as células cerebrais de- pendem primordialmente de glicose para manter suas atividades meta- bólicas funcionantes. Por isso, é sem- pre imprescindível solicitar a glicemia capilar do paciente. Em caso de gli- cemia capilar < 60 mg/dl lembre-se de administrar Dextrose 50 mL em solução a 50%, por via intravenosa. Muitas vezes, o paciente chega ao pronto-socorro após o término da cri- se, podendo estar ainda confuso ou totalmente recuperado. No entanto, se o paciente chega em crise, deve ser instituído tratamento de urgência. ESQUEMA 01: BASE DO TRATAMENTO DE CONVULSÕES Estabilizar Evitar lesão cerebral secundária Etiologia Tratar a causa Medicação Cessar crises Objetivos do tratamento das crises convulsivas. Fonte: Medicina de emergência 13a edição 2019 Terapia de 1ª linha: Todo paciente que for admitido na emergência com convulsões deve ter com tratamento de primeira linha, que inclui o uso de um benzodiazepínico. Os medicamentos anticonvulsivan- tes atuam pela potenciação inibitória (GABAérgica) ou pela inibição excita- tória (glutamatérgica) da transmissãosináptica no cérebro, em uma tenta- tiva de frear a ativação síncrona dos neurônios. Os benzodiazepínicos atuam principalmente estimulando a ação inibitória do GABA, aumentan- do o limiar convulsivo dos pacientes. 17CONVULSÕES é muito importante que o médico re- alize uma anamnese detalhada, não esquecendo das perguntas que mos- tramos na Tabela 1 deste capítulo. A anamnese deve esclarecer quanto ao tipo de crise, a presença de aura, o uso prévio de medicamentos ou dro- gas e se a crise foi precipitada por al- gum fato (exemplo: trauma, ilumina- ção, privação de sono, entre outros). Mas, e se mesmo após a administração de drogas, o paciente continuar convulsionando? Pacientes que permanecem com crises mesmo após 5 minutos devem ser ma- nejados como portadores do estado de mal epiléptico, uma verdadeira urgên- cia médica devido aos danos irreversí- veis que pode causar ao cérebro. Nes- se caso, se o paciente já tiver iniciado o tratamento com benzodiazepínicos e não tiver obtido sucesso no controle das convulsões, não existe consenso sobre qual medicação é a ideal, estan- do as seguintes drogas disponíveis: Terapia de 2ª linha: Fenitoína (IV) 50 mg/ mL: A fenitoína é um anticonvulsivante que atua modulando os canais de só- dio nos neurônios, bloqueando a pro- pagação dos potenciais de ação e es- tabilizando as membranas neuronais. Dose: 20mg/Kg EV com velocidade máxima de infusão de 50 mg/min. O uso de benzodiazepínicos deve ser realizado inclusive em ambiente pré- -hospitalar para controle das crises. Os principais benzodiazepínicos utili- zados são o Diazepam e o Midazolam. SE LIGA! Diazepam IV e midazolam IM A principal diferença que pode orientar a escolha entre Midazolam e Diazepam é a via de administração. No atendimento pré-hospitalar, o uso de Midazolam tor- na-se uma alternativa diante da dificul- dade de obter acesso venoso periférico. Diazepam (IV) - ampola 5mg/mL: Dose inicial de 10 mg para adultos Dose de 0,15 a 0,2 mg/kg/dose para crianças ou pacientes com menor peso Infundir em 2-5 minutos. Pode repetir uma vez a mesma dose. Midazolam intramuscular (IM) 5 mg/ mL ou 1 mg/ mL: Se peso > 40 kg: Dose inicial de 10 mg Se peso 13-40 kg: Dose de 5 mg Não é indicado repetir a dose. Lorazepam (IV): Dose 0,1 mg/kg - Taxa máxima de 2 mg/min Departamento de emergência No departamento de emergência, é muito comum que as crises convul- sivas tenham cessado. Nesse caso, 18CONVULSÕES Se não obtiver resposta, a droga pode ser repetida em 10 minutos com dose de 5 mg/Kg. Fosfofenitoína (IV): 20 PE/Kg IM ou IV a 150 mg/minuto Obs: A taxa de infusão é medida em equivalentes de fenitoína sódica (si- gla PE em inglês). Ácido Valpróico (IV) 50 mg/ mL: O ácido valpróico é um anticonvulsi- vante que atua não só nos canais de sódio, mas também nos canais de cál- cio, diminuindo a liberação dos neuro- transmissores para a fenda sináptica e, assim, diminuindo a propagação do impulso nervoso. Dose: 20-40 mg/Kg EV em velocidade de 20 mg/ min (preferir em pacientes com hipotensão) Tratamento de terceira linha: Se o paciente persistir na crise con- vulsiva mesmo após o uso de medi- cações de segunda linha, devemos considerar a terapia de terceira linha, que consiste não apenas em medi- cações anticonvulsivantes, mas tam- bém em medidas sistêmicas. Nesta fase, existe risco potencial de lesão e plasticidade neuronal patológica, jus- tificando tratamento agressivo. É ne- cessário estabelecer uma via aérea ar- tificial no paciente, como a intubação orotraqueal, pelo risco de depressão respiratória causada por muitas me- dicações usadas nesta fase. 8. DROGAS Midazolam (IV) 5 mg/ mL ou 1 mg/ mL: A droga habitualmente recomendada como escolha inicial é o midazolam, por sua eficácia e segurança. Ataque: 0,2mg/Kg em bolus a 2mg/min a cada 5 minutos até máximo de 2mg/Kg Manutenção: 0,1mg/Kg/h até 5 mg/Kg/h, tentar isso por 45- 60 minutos Caso o midazolam não for suficiente, iniciar terapia com propofol. Propofol (IV) 10 mg/ mL ou 20 mg/ mL: O propofol é um anestésico de curta duração que atua como agonista de receptores do tipo GABA, levando a abertura de canais de íons cloreto, o que causa uma hiperpolarização neuro- nal. Seus efeitos GABAérgicos inibem a propagação do estímulo nervoso. Ataque: 1-2mg/Kg por 5 minutos repetindo até parar de convulsionar. Manutenção: manter a dose por 20-60min após parar de convulsionar e considerar dose máxima de 10-12 mg/Kg/h por até 48h. Fenobarbital (IV) - 200 mg/mL: Dose: 20mg/Kg a 50-100mg/min Se necessário, o fenobarbital pode ser repetido após 10 minutos com dose de 5-10 mg/Kg. 19CONVULSÕES Lembre-se de realizar a intubação do paciente, pois este medicamento pode causar depressão respiratória e hipotensão em doses mais elevadas. Tiamina (EV): Considerar administração de tiami- na parenteral se suspeita de etilismo, abstinência alcoólica ou desnutrição. Eletroencefalograma: Após instituído tratamento com drogas de infusão contínua, o ma- nejo deve ser todo guiado pelo Eletroencefalograma. O Eletroencefalograma (EEG) é um exa- me não invasivo que avalia a atividade elétrica do cérebro. O EEG é de extre- ma importância em casos refratários e naqueles que param de convulsionar, mas não restabelecem o nível de cons- ciência prévio. O EEG pode ser um tes- te confirmatório útil na distinção entre crise epiléptica e outras causas de per- da da consciência. No entanto, um EEG normal ou anormal inespecífico nunca exclui o diagnóstico de epilepsia. Se a convulsão cessou com alguma das medicações usadas, é essencial procurar avaliação da neurologia. Sempre é necessário manter o pacien- te em observação mesmo após o tér- mino da crise convulsiva para melhor avaliar. É comum que o paciente evo- lua com estado pós-ictal após a crise, com sonolência e/ou confusão men- tal prolongada. Quando o paciente apresenta alterações comportamen- tais ou relacionadas a cognição após a crise, devemos suspeitar de estado de mal epiléptico não convulsivo. Estado de mal epiléptico não convulsivo (EMENC): O EMENC é uma condição epiléptica, com duração superior a 30 minutos, em que existe atividade epileptifor- me contínua ou recorrente no eletro- encefalograma (EEG), em que não é observada atividade motora ou ela ocorre de maneira sutil. Clinicamente, há uma variedade de possibilidades, como alteração do comportamento e/ ou da cognição em relação ao basal do paciente (psicose, perseveração, ilusões/delírios, agitação, anorexia, ca- tatonia), variando de leve alteração do nível de consciência até o coma. Fre- quentemente, um paciente que inicia um quadro de EMENC pode evoluir com diminuição dos abalos moto- res mais proeminentes, passando a apresentar apenas manifestações discretas. Alguns sinais que surgem após um quadro de crise prolongada devem sempre levantar a suspeita de um possível EMENC, como aba- los motores sutis das extremidades, movimentos oculares estereotipados ou mesmo um estado confusional persistente, sendo obrigatória a reali- zação do EEG para confirmar ou des- cartar a suspeita. 20CONVULSÕES FLUXOGRAMA – EXEMPLO Paciente chega no pronto atendimento com história de crise convulsiva Fenitoína: 20mg/Kg EV com velocidade máxima de infusão de 50 mg/min Avaliação da neurologia Status epilepticus ≥5 min convulsionando ou ≥2 convulsões sem melhora entre elas ASSISTÊNCIA INICIAL • Manter o paciente em decúbito lateral • Checar permeabilidade de vias aéreas • Monitorização (oxímetro, PAMni, cardiografia) • Obter acesso periférico • Avaliação laboratorial • Se disponível, realizar EEG e ECG Midazolam 10mg IM se >40Kg 5mg IM se peso entre 13-40Kg Diazepam 0,2mg/Kg EV lento Rotina: 10mg (2mL) EV lento Avaliar glicemia capilar Dextrose 50mL de solução a 50% por via intravenosa Se <60mg por dL USO EVUSO IM Se não resolveu Se não resolveu TERAPIA SEGUNDA LINHA: Opções Ácido Valproico: 20-40mg/KgEV a 20mg/min Fosfofenitoína (IV): 20 PE/Kg IM ou IV a 150mg/minuto TERAPIA TERCEIRA LINHA: Resolvido SIM Observar o paciente Alterações comportamentais incomuns para estado pós- ictal? Realizar EEG NÃO Preparar IOT Midazolam: Ataque: 0,2mg/Kg em bolus a 2mg/min a cada 5min até máximo de 2mg/Kg Manutenção: 0,1mg/Kg/h até 5mg/Kg/h, tentar isso por 45- 60min Não funcionou? Propofol: Ataque: 1-2mg/Kg por 5min repetindo até parar de convulsionar. Manutenção: por 20-60min Não funcionou? Fenobarbital: 20mg/Kg a 50- 100mg/min Fluxograma manejo do paciente com crise convulsiva. Adaptado de Yellowbook, 2019. 21CONVULSÕES 9. AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA DO PACIENTE FLUXOGRAMA Paciente chega no pronto atendimento com história de crise convulsiva SIM Avaliar a história clínica Exame físico: Sinais focais, TCE, intoxicação Exames auxiliares: • Exames metabólicos: Glicose sérica, eletrólitos, função hepática • Drogas: Nível de álcool no sangue, triagem para abuso de drogas Avaliar fatores que indiquem convulsão Presença de aura História comprovada por testemunhas Ausência de sintomas que indiquem outros diagnósticos (palpitações, febre, tontura) Primeira convulsão? Caracterize a convulsão: Iníncio, aura, estado pós-ictal, parcial x generalizada Verifique o nível da medicação antiepiléptica sérica Avalie fatores que diminuem limiar convulsivo NÃO Paciente com história de déficit focal ou imunossupressão? Medicações adequadas? Realizar TC de crânio após estabilização SIM NÃO Solicitar TC de crânio ambulatorial Alta e acompanhamento ambulatorial SIM NÃO Reajuste de doses 22CONVULSÕES Diante de um paciente que chega no pronto atendimento com história de convulsão, devemos primeiramente buscar fatores na história clínica que reforcem o diagnóstico. Além das perguntas já descritas na tabela 1, devemos reforçar a anamnese ques- tionando sobre: • Presença de aura • História comprovada por testemunhas • Ausência de sintomas que indi- quem outros diagnósticos (palpita- ções, febre, tontura) Outro fator primordial é saber se é o primeiro episódio convulsivo do pa- ciente ou não. Diante de um pacien- te que nunca apresentou convulsão anterior, devemos sempre questionar sobre fatores desencadeantes, em especial alterações metabólicas, uso de drogas e medicamentos recentes. Além disso, um exame físico deta- lhado do paciente pode indicar diag- nósticos diferenciais, como infecções intracranianas, trauma recente, into- xicação ou mesmo apontar achados neurológicos que justifiquem a solici- tação de exames complementares. • Avaliar a história clínica • Exame físico: Sinais focais, TCE, intoxicação • Exames auxiliares: ◊ Exames metabólicos: Glico- se sérica, eletrólitos, função hepática ◊ Drogas: Nível de álcool no sangue, triagem para abuso de drogas Em pacientes que já apresentaram episódios prévios de convulsão, de- vemos, além de caracterizar a convul- são recente, buscar na história clínica fatores que podem ter precipitado a hiper sincronização elétrica das redes neuronais, como: • Privação de sono • Uso de álcool ou outras substâncias • Ambiente com estimulação lumi- nosa intermitente • História de trauma recente • Uso de nova medicação recente Se o paciente já faz uso de alguma medicação antiepiléptica, é possível medir seus níveis séricos para ava- liar a disponibilidade do fármaco no corpo. Diante de doses inadequa- das, é necessário fazer o ajuste da medicação. Pacientes com história de déficit fo- cal ou imunossupressão devem ser submetidos a um exame de imagem, sendo a Tomografia de crânio o exa- me de escolha no atendimento de emergência. 23CONVULSÕES REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SOUZA, Leonardo Cruz de. PRÍNCIPE LIEV NIKOLÁIEVITCH MÍCHKIN (“O IDIOTA”, FIÓ- DOR DOSTOEVSKY) E A SÍNDROME DE PERSONALIDADE INTERICTAL NA EPILEPSIA DO LOBO TEMPORAL. Arquivos Neuropsiquiatria. Belo Horizonte, p. 558-564. fev. 2004. VELASCO, Irineu Tadeu; BRANDÃO NETO, Rodrigo Antonio; SOUZA, Heraldo Possolo de; et al. Medicina de emergência: abordagem prática. [S.l: s.n.], 2019. GREENBERG, David A.. Neurologia clínica. 8. ed. São Paulo: Amgh, 2014. 490 p. OLIVEIRA, Clístenes Queiroz. YELLOWBOOK Fluxos e Condutas. 2. ed. Salvador: Sanar, 2019. 930 p. 24CONVULSÕES
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