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VARIABILIDADE E VIÉS prof. crispim INTRODUÇÃO As dificuldades na interpretação de resultados de testes de pacientes individuais são ampliadas quando são estudados grupos de pacientes. A avaliação da origem das variabilidades nos resultados de testes e dos erros na pesquisa médica é importante para a aplicação adequada dos resultados das pesquisas na prática clínica. A variabilidade das medidas pode ser aleatória ou sistemática. O esquema abaixo demonstra estas diferenças: Os tiros nos dois primeiros alvos encontram-se em volta do centro, mas, no primeiro alvo, eles estão menos espalhados e têm menos variabilidade ou mais precisão. No segundo alvo, podemos considerar que houve um erro aleatório. Nos dois últimos alvos, os tiros estão igualmente concentrados, mas, no último, o conjunto de tiros está fora do centro. Isto ocorreria se, por exemplo, a alça de mira da arma estivesse descalibrada. A precisão é comparável, mas, no último alvo, os tiros estão sistematicamente fora do centro, ou enviesados. Os tiros no terceiro alvo, ao contrário, possuem acurácia ou validade. É importante considerar a acurácia e precisão de quaisquer medidas feitas na situação clínica. Na medicina clínica e na pesquisa médica, a variabilidade pode ocorrer em vários níveis diferentes, principalmente no nível individual e no populacional. Em cada nível, a variabilidade inerente ao método de medida é importante VARIABILIDADE Variabilidade a nível individual A primeira preocupação relacionada à variabilidade deve ser com o verdadeiro valor das características de uma pessoa ao longo do tempo. Podemos citar como fontes de variabilidade: ❖ Características individuais: ● Variação diurna. ● Alterações relacionadas a fatores como idade, dieta e exercícios. ● Fatores ambientais como estação do ano e temperatura. ❖ Características da medida: ● Calibração deficiente do instrumento de medida. ● Falta intrínseca de precisão do instrumento. ● Leitura ou registro incorretos da informação do instrumento pelo técnico. A origem das variações, assim, pode ser o indivíduo sob avaliação, o instrumento utilizado para realizar a medida, o técnico tomando a medida ou a pessoa que interpreta o resultado. A variação pode ocorrer por causa de mudanças ocorridas no indivíduo ao longo do tempo. Estas mudanças podem ocorrer a cada minuto (p.ex., freqüência cardíaca), ao longo do dia (p.ex., temperatura corporal) ou ao longo da vida (p.ex., peso ou altura). Quando a variação intrínseca ao indivíduo é grande, uma única medida pode não representar adequadamente a verdadeira situação do indivíduo. Repetindo um exame, o médico pode obter uma melhor compreensão do verdadeiro valor e de sua variabilidade. Este processo pode também dar ao médico pistas a respeito da variabilidade ou erro devidos à técnica de mensuração. Variações em avaliações populacionais Assim como existem variações entre indivíduos, também existe variabilidade nas populações, a qual pode ser considerada como o efeito cumulativo da variabilidade individual. Desde que as populações são constituídas por diferentes indivíduos, com diferentes constituições genéticas e sujeitos a diferentes influências ambientais, elas freqüentemente apresentam mais variações do que aquelas encontradas entre os indivíduos. Os médicos precisam conhecer as dimensões da variabilidade populacional para decidir o que é “normal” e “anormal”. Variabilidade em pesquisas Quando os investigadores realizam estudos, eles geralmente não podem estudar a população inteira. Eles avaliam grupos ou amostras da população. Este procedimento gera uma nova fonte de variabilidade, a variabilidade amostral, a qual é importante na pesquisa médica. Para evitar variabilidades grandes nas amostras, evitando-se que elas sejam muito diferentes da realidade populacional ou que levem a uma conclusão incorreta em um estudo, é importante realizar pesquisas com uma amostra grande, evitando assim que o acaso prevaleça. Geralmente, quanto maior a amostra, mais precisa é a estimativa do efeito e menores as diferenças detectáveis entre os grupos. Em estudos com amostras muito grandes, pequenas diferenças entre grupos podem ser consideradas estatisticamente significantes, mas ter pouco significado biológico ou clínico. VALIDADE O conceito de validade está relacionado ao grau de acerto na conclusão de uma medida ou estudo. Uma medida ou estudo pode levar a uma conclusão incorreta (inválida) por causa dos efeitos do viés. A variabilidade observada com o viés é sistemática (não-aleatória) e distorce o efeito estimado. No modelo dos alvos, a quantidade de viés pode ser determinada pelo grau com o qual os tiros se afastam do centro no último alvo. Infelizmente, na pesquisa médica, o valor real (centro do alvo) pode ser desconhecido, ou pode não existir um padrão-ouro para comparação. Conseqüentemente, o grau de viés é, na maioria das vezes, difícil de determinar. Há dois tipos diferentes de validade: interna e externa. Validade interna A validade interna refere-se a quanto os resultados de uma investigação refletem, com acurácia, a verdadeira situação da população em estudo. Se os resultados não são válidos na população do estudo, existe pouca razão para se suspeitar que tais resultados se apliquem a outras populações. A validade interna é definida pelos limites do próprio estudo. Assim, um estudo é internamente válido se ele fornece uma estimativa verdadeira do efeito, dados os limites da população estudada. Medidas que podem ser usadas para melhorar a validade interna incluem a restrição do tipo de indivíduos e do ambiente em que o estudo é realizado. Estas medidas diminuem o impacto de fatores estranhos à questão de interesse. Validade externa Um resultado obtido em um ambiente altamente controlado, entretanto, pode não ser aplicável a situações mais gerais. Validade externa refere-se a quanto os resultados de um estudo são aplicáveis a outras populações. A validade externa levanta o questionamento: estes resultados se aplicam a outros pacientes, tais como aqueles mais velhos, mais doentes ou menos privilegiados economicamente do que os indivíduos do estudo? A validade externa é particularmente útil para os médicos que precisam decidir se o resultado da pesquisa é aplicável à sua prática clínica. A determinação de quanto os resultados de um estudo podem ser generalizados envolve um julgamento que deve considerar os seguintes quesitos: - O tipo de indivíduos incluídos na investigação. -O tipo de pacientes vistos pelo médico. - Se existem diferenças entre a população de estudo e outras populações. VIÉS Viés é um erro sistemático em um estudo que leva a distorção dos resultados. O viés é um obstáculo para a validade e pode ocorrer em qualquer tipo de estudo, mas é mais encontrado em estudos observacionais. Isto acontece porque a falta de aleatorização aumenta a chance de que os grupos de estudo tenham diferenças relacionadas a características importantes. O viés é freqüentemente dividido em diferentes categorias, baseadas em como ele entra no estudo. A classificação mais comum compreende 3 categorias: - Viés de seleção. - Viés de informação. - Variáveis de confusão (ou confundimento). Embora estas categorias se sobreponham, esta classificação é útil porque nos fornece uma abordagem sistemática para avaliar o viés. Deve ser ressaltado que, com exceção das variáveis de confusão que podem ser quantificadas, a avaliação do viés é subjetiva e envolve um julgamento relativo à sua presença, ao seu direcionamento e à potencial magnitude de seu efeito sobre os resultados. Mesmo que a magnitude do viés não possa ser quantificada, freqüentemente sua influência sobre os resultados de um estudo pode ser deduzida. É importante discernir se um possível viés pode fazer uma associação parecer mais forte ou mais fraca. Viés de seleção Frequentemente, os indivíduos são selecionados da maneira mais conveniente para o investigador. O processo de seleção por si só, portanto, pode aumentar ou diminuir a chance de detecção de uma relação entre exposição e doença. Fatores de seleção podem conduzir a resultados enviesados em diferentes momentos ao longo do estudo. Alguns aspectos da seleção dos indivíduos levam primariamente a problemas com a generalização (extrapolação) dos resultados (validade externa). Os indivíduos precisam concordar em participar, o que causa um dos problemas mais comuns. Os voluntários de um estudo podem diferir daqueles que não são voluntários em várias características, como idade, etnia, situação econômica, nível de educação e gênero. Além do mais, os voluntários podem ser mais saudáveis do que aqueles que se recusaram. Ex.: A alocação de participantes para uma pesquisa sobre níveis de colesterol na população a partir de instituições de saúde pode levar a conclusões distorcidas do estudo. Outros aspectos do processo de seleção podem diminuir a validade interna. Em um ensaio clínico ou em um estudo coorte, a perda amostral durante o seguimento é potencialmente a maior causa de viés de seleção. Uma vez incluídos, os indivíduos podem decidir abandonar o estudo. Certos indivíduos têm maior probabilidade de abandonar do que outros. Além do mais, no decorrer de um estudo, alguns indivíduos podem falecer por razões diferentes daquelas diretamente relacionadas à investigação. O viés de seleção tem importância especial em estudos caso-controle, nos quais o investigador tem que selecionar os dois grupos em uma situação em que a exposição já ocorreu. Por exemplo, é preciso decidir se devem ser usados casos existentes (prevalentes) por ocasião do estudo, sem considerar a duração da doença, ou se devem ser incluídos apenas casos recém-diagnosticados (incidentes). Se o fator de risco sob estudo for também um fator de prognóstico, o uso de casos prevalentes pode levar a uma conclusão enviesada. Viés de informação O viés de informação pode ocorrer quando existe inacurácia na medida. Esta situação é bem exemplificada em estudos epidemiológicos que envolvem exposição dicotômica e doença, como nos estudos sobre colesterol elevado e infarto agudo do miocárdio. Os indivíduos são classificados de acordo com a presença ou não de colesterol elevado e de acordo com a presença ou não de infarto agudo do miocárdio. O investigador pode ou não estar correto no seu critério de classificação, resultando ou não em determinações falso-positivas e falso-negativas. Se os erros na classificação da exposição ou condição de doença forem independentes dos níveis de outras variáveis, o viés é chamado de não-diferencial. Vieses não-diferenciais podem ocorrer em um estudo caso-controle se a memória relativa à exposição for independente da condição de doença. Um exemplo de viés não-diferencial é, algumas vezes, chamado de viés de inaceitabilidade. Os indivíduos podem responder à questão a respeito da exposição de uma forma socialmente aceitável, mas algumas vezes não acurada, tendo ou não a doença sob estudo. Considere-se um estudo caso-controle sobre infarto agudo do miocárdio no qual a exposição de interesse seja a ingestão de alimentos ricos em gorduras saturadas. Independentemente da condição de doença, os respondedores podem sub-notificar a ingestão de gorduras saturadas porque eles acham que alimentos pobres em gorduras são mais aceitáveis para o investigador. Na maioria das situações, quando o viés não-diferencial ocorre, ele obscurece as diferenças entre os grupos sob estudo, tornando mais difícil para o investigador detectar uma associação entre exposição e doença. Isto é freqüentemente chamado de viés direcionado para a hipótese de nulidade ou direcionado para a ausência de associação. O viés diferencial ocorre quando o desvio de uma variável depende da situação da outra. Em um estudo caso-controle, este tipo de viés ocorreria se a informação sobre a exposição dependesse da condição de doença. Se um indivíduo com infarto agudo do miocárdio tiver maior probabilidade de superestimar o nível de ingestão de gordura na dieta do que um controle, então um resultado enviesado irá ocorrer. Em tal situação, o viés levaria a uma relação superestimada entre ingestão de gordura alimentar e infarto agudo do miocárdio. Dois tipos comuns de viés de informação diferencial são chamados de viés de lembrança e viés do entrevistador. O viés de lembrança resulta da capacidade diferencial dos indivíduos de se lembrarem de atividades e exposições prévias. Pacientes que têm uma doença grave podem procurar em sua memória por uma exposição, na tentativa de explicar ou entender porque adquiriram a doença. Os controles, que não têm a doença, podem ter menor probabilidade de se recordarem de uma exposição que, para eles, não tem significado ou importância. O viés do entrevistador resulta do fato de que os resultados da coleta de informações sobre exposição emestudos caso-controle são influenciados pela abordagem dos entrevistadores. Se eles estão cientes da hipótese da pesquisa, intencionalmente ou não irão influenciar as respostas. Eles podem insistir mais nas respostas dos casos do que nas dos controles. Se uma exposição alimentar está sendo examinada, os entrevistadores podem perguntar especificamente sobre determinados itens da dieta. Os entrevistadores podem, também, dar aos indivíduos pistas sutis, por tom de voz ou linguagem corporal, que sugiram a preferência por determinadas respostas. Por isto, é preferível “cegar” os entrevistadores em relação à hipótese da pesquisa. Em um estudo caso-controle, entretanto, pode ser difícil “cegar” os entrevistadores em relação à condição de doença dos casos e controles. Entretanto, se os entrevistadores não estiverem cientes da exposição de interesse principal, os vieses podem ser minimizados. Variáveis de confusão As variáveis de confusão são aquelas cujo efeito mistura-se ao da exposição e à doença de interesse. Uma variável de confusão pode ser exemplificada pelo seguinte modelo hipotético: Vamos supor que os investigadores realizem um estudo caso-controle sobre a associação entre altos níveis de colesterol sérico e infarto do miocárdio. A partir dos resultados de outros estudos, os pesquisadores sabem que o risco de infarto do miocárdio está associado com obesidade, e que os níveis de colesterol total também se correlacionam com obesidade, assim: Ao analisar os pacientes com infarto do miocárdio e os controle, realmente percebe-se que o grupo de pacientes infartados têm maior porcentagem de pessoas com elevados níveis de colesterol, indicando que pode haver uma relação. No entanto, quando separa-se os grupos em obesos e não-obesos, há uma mudança no quadro: observa-se que nos dois grupos controle (obesos sem infarto e não obesos sem infarto) há maior prevalência de pessoas com alto nível de colesterol do que nos pacientes com IAM (obesos infartados e não-obesos infartados). Para uma variável, no caso a obesidade, ser considerada de confusão, ela precisa satisfazer duas condições: - Associação com a doença de interesse na ausência de exposição. - Associação com a exposição, mas não como resultado de estar exposto. Como pode ser avaliado pela análise dos resultados, a variável de confusão difere dos vieses de informação e de seleção. A presença da variável de confusão é demonstrada por uma mudança na força de associação entre a exposição e a variável de interesse quando a nova variável é considerada. O efeito da variável de confusão pode ocorrer em diferentes graus em diferentes estudos. Existem dois métodos disponíveis para lidar com as variáveis de confusão. O primeiro é considerá-las no “desenho” do estudo, pareando-as nos grupos ou restringindo a amostra a níveis limitados das mesmas. O outro método consiste em avaliar as variáveis de confusão na etapa de análise dos dados, por estratificação ou pela utilização de técnicas de análise multivariada, como a regressão logística múltipla.