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Semiologia Ginecologica- Freitas

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1. Rotinas em Ginecologia- Freitas
2. PARTE I- GINECOLOGIA GERAL
3. Consulta Ginecológica
Tem que ser algo natural, criando-se um ambiente confortável pra a paciente se abrir. Necessita-se de um olhar mais geral, almejando-se uma visão mais integral da paciente. O foco não deve estar somente sobre a doença, mas, sim, na prevenção de patologias e na orientação de saúde. 
- Anamnese
A consulta inicia pela identificação da paciente (nome, idade, estado civil, grau de instrução, naturalidade e procedência, profissão, telefones e endereços). Seguem-se, como no processo clássico de entrevista de saúde, a pesquisa da queixa principal e a evolução e o comportamento da patologia que traz a paciente ao consultório. Devem, entretanto, ser enfatizados os seguintes pontos:
· Revisão de sistemas: alterações no hábito intestinal (relacionadas à dor pélvica), alterações urinárias (infecções), dificuldade para dormir, apetite.
· Antecedentes mórbidos: doenças da infância (p. ex., rubéola), cirurgias prévias (cistos de ovário, histerectomia, ooforectomia, cesarianas, curetagens), obesidade, uso de álcool, cigarro, drogas ou outros medicamentos, tromboembolismo, hipertensão, diabete.
· Antecedentes familiares: história de câncer ginecológico (útero, ovário, endométrio) e câncer de mama (atenção à idade em que surgiu: pré ou pós-menopáusica), outras neoplasias (lembrar o câncer colorretal, pois requer realização mais precoce de testes de rastreamento, como toque retal, pesquisa de sangue oculto nas fezes, colonoscopia/ retossigmoidoscopia), diabete, hipertensão, tromboembolismo, patologias de tireoide, osteoporose ou fratura de ossos longos em idade avançada.
· Perfil psicossocial: condições de habitação, noções de higiene, nível socioeconômico e grau de instrução (também dos pais), situação familiar, animais em casa, hábitos de vida (exercícios atualmente e no passado, exposição ao sol, ingestão de laticínios – avaliação de risco de osteoporose).
- Antecedentes gineco-obstétricos
Centro da consulta
· Menarca, início das relações sexuais, menopausa; desenvolvimento puberal (menarca, telarca, pubarca), acne e hirsutismo, bem como velocidade de crescimento e obesidade, em comparação às colegas da mesma idade.
· Data da última menstruação (DUM), regularidade dos ciclos, número médio de dias (mínimo e máximo, quando ciclos irregulares), duração do mênstruo e quantidade de fluxo menstrual, sintomas perimenstruais (cólicas, sensação de inchaço, labilidade emocional, dor mamária, cefaleia, prurido ou secreção vaginal), ciclos anovulatórios, alterações no padrão menstrual, atrasos.
· Anticoncepção: qual o tipo, se já usou anticoncepcional hormonal (idade de início, por quanto tempo), quais os métodos já tentados e se os utilizou corretamente, nível de adaptação e satisfação com o método corrente, conhecimento de outros métodos.
· História obstétrica: número de gestações, partos por via baixa, cesarianas, abortos (espontâneos ou provocados); anormalidades detectadas no acompanhamento pré-natal, particularidades dos partos (fórceps, indução, etc.), indicações das cesarianas, peso dos recém-nascidos, tempo de amamentação; anticoncepção no puerpério, intervalo interpartal, infecções puerperais, ameaça de abortamento, partos prematuros; gestações ectópicas e molares.
· Fluxos genitais: tipo de corrimento, se com ou sem odor, coloração, prurido. Já é oportuno orientar quanto à normalidade e às características da leucorreia fisiológica e do muco cervical. Devem ser investigados sintomas no parceiro, úlceras genitais, prurido vulvar e em monte púbico, adenomegalias inguinais e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) tratadas previamente. O uso de jeans apertado, roupa íntima de material sintético, sabão em pó (não neutro) na lavagem das roupas e desodorante íntimo estão frequentemente relacionados a queixas de prurido vulvar.
· Vida sexual: atividade, satisfação, libido, orgasmo. Pesquisar anorgasmia, frigidez, dispareunia (profunda ou à penetração), posições menos dolorosas, vaginismo, sangramento pós-coital. Também se devem aferir os riscos de exposição a DSTs (uso de preservativo, número de parceiros sexuais). Esse é um assunto difícil de abordar na primeira consulta; muitas vezes tais questões afloram em encontros subsequentes, quando a confiança já foi conquistada. É aconselhável, no entanto, que se pergunte algo sobre essa área, para demonstrar interesse e possibilidade de discussão de assuntos desse foro.
· Sintomas climatéricos: fogachos, atrofia urogenital (dispareunia, secura vaginal, perda de urina), perda de libido, alterações cutâneas. Devem ser avaliados fatores de risco para osteoporose, doenças cardiovasculares, presença
· Queixas mamárias: nódulos palpáveis, mastalgia (e padrão – se perimenstrual ou não), derrame papilar (se espontâneo ou somente à expressão intencional, além de sua característica – sanguinolento, amarelado e espesso, água-de-rocha). Fumo, idade na primeira gravidez a termo e número de gestações, uso de anticoncepção hormonal, idade na menopausa e antecedentes familiares são fatores epidemiológicos importantes a serem investigados.
· Queixas urinárias: incontinência urinária (de esforço, de urgência ou mista), sensação de prolapso genital (“peso” ou “bola” na vagina, dificuldade na evacuação), infecções respiratórias de repetição, hábito miccional.
· Tratamentos ginecológicos prévios, como cirurgias, cauterizações de colo e vulva, himenotomia e uso de cremes vaginais. Importante questionar sobre o último exame citopatológico (CP) de colo e seu resultado.
Ao final da anamnese, é importante deixar à paciente um espaço para que resolva algumas dúvidas persistentes, revelar motivos ocultos para a consulta com o ginecologista ou liberar ansiedades. Perguntas abertas são aconselháveis, como: “Alguma outra dúvida?”, “Alguma coisa a mais que você acha importante me dizer, mas que ainda não perguntei?” ou “e como vai a sua vida?”.
- Exame físico
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O exame físico deve ser completo, como em qualquer avaliação clínica eletiva. Especial atenção deve-se prestar ao abdome (cicatrizes, ascite, irritação peritoneal), pressão arterial, peso, altura, impressão geral (estado geral, deambulação e postura, estado nutricional, autocuidado).
Ainda, fazem parte da consulta ginecológica: 
Exame de mamas
Inicia-se com a paciente sentada, colo desnudo, braços ao longo do corpo (inspeção estática); em seguida, observam-se as mamas enquanto a paciente ergue os braços acima da cabeça, depois com as mãos na cintura e fazendo uma contratura contra esta (inspeção dinâmica). Essa parte do exame é relevante para se detectarem retrações e abaulamentos, simetria entre as mamas, tumorações evidentes, secreção papilar espontânea e anormalidades nos mamilos.
Ainda com a paciente sentada, procede-se à palpação das cadeias de linfonodos mais propensas a serem atingidas por um tumor. Palpam-se as regiões supraclavicular e cervical e, então, a cadeia axilar bilateralmente, procurando deixar o braço da paciente relaxado, geralmente apoiando seu membro superior no ombro e braço do examinador.
Prossegue-se com a palpação de cada mama. A paciente fica em decúbito dorsal, e o examinador deve ficar do lado da mama a ser examinada. O exame compreende dois momentos, ora com a mão espalmada e dedos juntos, realizando uma exploração completa da mama, ora com as polpas digitais para avaliar detalhes. Além de nódulos e massas, devem-se avaliar a presença de sinais inflamatórios, alterações na vascularização superficial e edema da pele da mama (peau d’orange). A expressão mamilar só é necessária quando há queixa de derrame papilar espontâneo.
O autoconhecimento das mamas (autoexame) só é adquirido após a repetição mensal por 5 a 6 meses – depois desse período de treinamento, a mulher deve encontrar sempre os mesmos achados, e qualquer mudança precisa ser motivo de consulta. O período do exame, para mulheres na menacme, deve ser na semana seguinte à menstruação e, para mulheres na menopausa, todos os meses no mesmo dia (sugere-se o dia que correspondeao seu nascimento). O exame deve iniciar já ao acordar (ao se espreguiçar); sabe-se que o banho é um bom momento, porém, a palpação ideal é na posição deitada. Muitas mulheres relatam que ficam ansiosas porque encontram nodulações (tecido fibroglandular). Deve-se enfatizar que sempre serão encontradas as mesmas nodulações, e só a repetição vai deixar a mulher tranquila. No caso de aumento da nodularidade, endurecimento ou inchaço, é preciso que ela procure o seu médico e relate a mudança.
Exame pélvico: posicionamento
O ideal é a posição de litotomia em mesa ginecológica: decúbito dorsal, nádegas junto à borda da mesa de exame, com coxas e joelhos fletidos, descansando os pés ou a fossa poplítea nos estribos (perneiras). É importante que a paciente esteja despida e, de preferência, coberta com um avental de abertura posterior e um lençol para cobrir parcialmente o abdome e os membros inferiores.
Além da posição descrita, pode-se utilizar a posição de Sims, que permitem a realização do toque em uma gestante em trabalho de parto e a visualização da vulva, mas exigem maior manipulação. Quando não se dispõe de mesa ginecológica adequada, pode-se colocar a paciente em decúbito dorsal, deve-se solicitar que deixe os calcanhares próximos e que afaste bastante os joelhos.
Exame da vulva e do períneo
Basicamente realizado somente com a inspeção. Observam-se a distribuição e as características dos pelos, o trofismo vulvar, as lacerações no períneo, a secreção exteriorizada, os condilomas e outras lesões cutâneas (erosões, ulcerações, discromias), a presença ou ausência de hímen, o tamanho dos pequenos lábios e o clitóris. Na região anal, procura-se por plicomas, hemorroidas, fissuras ou prolapsos. Quando há áreas suspeitas na vulva pode-se utilizar o teste de Collins, para marcação de local para biópsia. 
O vestíbulo e o introito vaginal devem ser avaliados também sob esforço (manobra de Valsalva), para verificar se ocorre descida da mucosa vaginal para próximo do vestíbulo, ou mesmo além dele (exteriorização). Com dois dedos introduzidos na entrada da vagina, solicita-se o esforço, e se observa que parte da vagina prolapsa: parede anterior (cistocele), uretra (uretrocele), parede posterior (retocele) ou colo uterino/útero (prolapso uterino), ou mesmo a cúpula vaginal, nas histerectomizadas (elitrocele). Na presença de retocele, é importante realizar o toque retal e vaginal unidigital simultaneamente, para avaliar a presença ou não de alça intestinal entre o reto e a vagina (enterocele), e o quanto de tecido é interposto entre eles. Palpando-se o vestíbulo e solicitando que a paciente contraia o ânus, avalia- se quanta força exercem os músculos perineais e os elevadores do ânus; quando há rotura perineal ou diástase desses músculos, sente-se pressão mínima ou nula sobre os dedos, geralmente associada a uma menor quantidade de tecido entre a vagina e o reto.
Exame especular
Introduz-se o espéculo bivalve na vagina em sentido longitudinal-oblíquo (para desviar da uretra), afastando os pequenos lábios e imprimindo delicadamente um trajeto direcionado posteriormente, ao mesmo tempo em que se gira o instrumento para o sentido transversal. Sempre se deve avisar a paciente de que se está introduzindo o espéculo, preveni-la quanto ao desconforto e tranquilizá-la em relação à dor. É aconselhável tocar com a ponta do espéculo no vestíbulo antes de introduzi-lo, para a paciente sentir a temperatura e o material do instrumento. Não se deve utilizar lubrificante, pois confunde a avaliação de secreções.
Após introduzido e aberto, procura-se individualizar o colo uterino e avaliar pregueamento e trofismo da mucosa vaginal, secreções, lesões da mucosa, septações vaginais, condilomas, pólipos, cistos de retenção e ectopia. Após a coleta de secreção vaginal para o exame a fresco, devem-se limpar as secreções que ficam à frente do colo (pode-se utilizar soro), e só depois proceder à aplicação de ácido acético (concentrações podem variar de 1 a 5%). Aguardam-se alguns minutos (2-4 min), e se realiza novamente a inspeção do colo uterino, à procura de lesões que foram realçadas pelo produto (mais brancas e brilhantes, ou leucoacéticas).
Depois, aplica-se a solução de lugol para o teste de Schiller: se o colo se cora de forma uniforme, escura, o teste é considerado normal (“iodo positivo” ou “Schiller negativo”); se, ao contrário, há áreas que não se coram, o teste é considerado alterado (“iodo negativo” ou “Schiller positivo”). Cabe ressaltar que somente a área de mucosa escamosa deve ficar corada.
A análise da secreção vaginal é importante para o diagnóstico de vulvovaginites. Em nosso serviço, sempre se realiza o exame a fresco: coleta-se a secreção vaginal com a extremidade arredondada da espátula de Ayre e se espalha o material sobre duas gotas colocadas nas extremidades de uma lâmina previamente preparada – uma com KOH a 10% e outra com soro fisiológico. A lâmina, depois do teste do odor amínico (whiff test: cheira-se a lâmina para detectar odor semelhante a peixe, indicativo de vaginose bacteriana), é levada ao microscópio para análise.
A outra extremidade da espátula de Ayre (em rabo-de-peixe) é utilizada para coleta de raspado cervical para CP de colo (ou exame preventivo do câncer de colo). A parte maior da espátula deve ser colocada no orifício cervical e depois girada em 360°, para coletar células de toda a circunferência da zona de transição.
O objetivo é destacar células da junção escamocolunar (JEC), isto é, a área em que a mucosa escamosa e a glandular se encontram, pois essa é a sede da maioria das alterações celulares neoplásicas e pré-neoplásicas.
O Instituto Nacional de Câncer do Brasil (INCA) recomenda oferecer rastreamento organizado para mulheres de 25 a 60 anos por meio do CP de colo. Mulheres com vida sexual ativa, independentemente da faixa etária, devem realizar o teste. Segundo o INCA, a periodicidade do rastreamento deve ser anual, podendo ocorrer a cada 3 anos após dois exames normais consecutivos com intervalo de 1 ano. Mulheres em grupos de risco (HIV-positivo ou imunodeprimidas) devem realizá-lo anualmente.
Toque vaginal
O toque é realizado após enluvar a mão, com um ou dois dedos lubrificados (médio e indicador), introduzidos no canal vaginal, tentando avançar no sentido posterior, com pressão uniforme para trás. Para introduzir o(s) dedo(s), afastam-se os grandes e os pequenos lábios com o polegar e o dedo mínimo. Às vezes, é necessário orientar a paciente a relaxar o assoalho pélvico, pedindo-lhe que faça um breve esforço para baixo ou tossindo, o que facilita a penetração. Os dedos devem explorar a musculatura pélvica, as paredes vaginais, a cérvice, o fundo-de-saco anterior e posterior. A outra mão é colocada sobre o baixo ventre, e as mãos são comprimidas delicadamente uma contra a outra, com o objetivo de apreender o útero e explorar sua forma, o tamanho, o posicionamento, a consistência, a sensibilidade e a mobilidade. A retroversão do útero pode prejudicar a avaliação, especialmente do tamanho.
No exame bimanual, o ovário direito costuma ser palpável na mulher não obesa, e o ovário esquerdo é dificultado pelo cólon. Trompas e ligamentos redondos são palpáveis quase somente quando estão aumentados de volume, por inflamação ou infiltração. Procuram-se detectar também nódulos e tumorações no fundo-de-saco de Douglas, os quais podem significar endometriose e desencadear tenesmo ou dor quando tocados.
Toque retal
Não costuma ser realizado de rotina, mas não se deve dispensá-lo quando existem sintomas intestinais, suspeita de endometriose profunda ou de neoplasia ou sangramento retal.
Métodos complementares
Atualmente, a maioria dos guidelines e protocolos utilizados em pesquisas e o Ministério da Saúde indicam o exame colposcópico em caso de alterações ou dúvidas na inspeção (lesão leucoacética, teste de Schiller positivo) ou no CP de colo.
Além da colposcopia, a ultrassonografia e a histeroscopia são métodos cada vez mais difundidos e utilizados no dia a dia do consultório ginecológico, paraprosseguimento da investigação de várias queixas e sintomas ginecológicos (sangramento uterino anormal, dor pélvica, anovulação, amenorreia etc.).
Situações especiais
O exame da paciente virgem é mais difícil, pois a avaliação da pelve é prejudicada. O toque retal é indicado por alguns, mas pode ser dispensado quando for possível substituí-lo pela ultrassonografia. À paciente que nunca teve relações sexuais, é importante deixar claro, desde o início, que provavelmente não será realizado exame especular ou toque vaginal, para diminuir a ansiedade. A coleta de CP, quando indicada, pode ser feita com pipeta, swab ou com a ajuda de espéculo de virgem.
No caso das pré-adolescentes e das crianças, no entanto, deve-se recomendar que um familiar da paciente (geralmente a mãe) acompanhe a consulta e o exame físico, para deixá-la mais segura e colaborativa

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