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Panorama histórico do direito ocidental II: Medievo

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FERNANDA CAUS PRADO 
 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
PANORAMA HISTÓRICO DO DIREITO OCIDENTAL II: MEDIEVO 
 
A Ordem Jurídica Medieval 
Segundo os marcos tradicionais da história 
política, o medievo é compreendido entre 
476 e 1492. Dentro do direito, um ponto 
crucial dentro desse período é a criação da 
faculdade de direito em Bolonha, em 1088. 
Em termos jurídicos, a divisão entre 
medievo e modernidade (em 1492) é de 
relevância secundária. 
É difícil atribuirmos a esse período chamar 
as organizações políticas de Estado, no 
sentido entendido na atualidade, pois o 
que temos na Idade Média, especialmente 
a partir da desintegração do mundo 
romano e da "feudalização" da Europa, é 
uma miríade de novas organizações 
políticas, econômicas e jurídicas, muitas 
delas sintetizadas no feudo; ou seja, 
existem várias organizações sociais com 
características muito diferentes. No mundo 
medieval, num primeiro momento feudal e 
mesmo depois do primeiro renascimento, 
é composto por múltiplas organizações 
sociais que expressam muito autonomia 
umas em relações as outras. 
Nesse sentido, o medievo se distingue do 
período moderno, caracterizado pela 
soberania política. Cada Estado é uma 
ilha, autônomo e capaz de sobreviver e 
manter relações sem dependência de 
outros Estados. Por exemplo, o direito do 
Estado brasileiro se basta 
independentemente do direito de outro 
país. Já na Idade Média, os direitos 
produzidos nas várias esferas (feudos, 
corporações de ofício, Igreja, sociedades 
políticas), apesar de possuírem grau de 
autonomia são interdependentes. 
Duas características são relevantes, no 
modo de pensamento da política, direito e 
sociedade durante a idade média: 
"sociedade de sociedades" e 
"insularidade" do Estado. 
Se por um lado não existe Estado, uma 
organização política complexa, por outro 
lado não existe o indivíduo como 
conhecemos hoje, um sujeito autônomo, 
capaz de realizar determinado conjunto de 
relações políticas e jurídicas que lhes dão 
autonomia, cada um por si só. 
Ao colocarmos que a Idade Média é uma 
sociedade de sociedades, apontamos que 
as pessoas, ao contrário do mundo 
moderno, as pessoas possuem "valores 
diferentes". É cada uma das sociedades 
que coloca o valor da pessoa. Sua 
participação na sociedade depende de sua 
posição. Por exemplo: na sociedade 
clerical, um simples fiel não pode falar 
verdades religiosas, mas o Papa pode. 
O direito feudal (relações jurídicas que se 
dão envolta do feudo) é apenas um tipo de 
direito presente na Alta Idade Média. 
Caracteriza-se pelo vínculo com a terra, as 
relações regidas não são de pessoa para 
pessoa, mas sim entre as pessoas e a 
terra. Contudo, também encontramos 
traços do direito romano, direito canônico, 
etc. 
 
 Ordenamento Alto-Medieval 
No mundo alto-medieval a dimensão do 
ius, do status libertatis, a posição que o 
sujeito goza que permite o uso do ius 
civilis, deixa de existir. Existe apenas o 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
ordenamento tal qual ele está colocado, 
deixando de se valer da sofisticação do 
direito romano. A ideia do directum está 
muito mais presente do que a ideia do ius. 
A dimensão da lei, da jurisprudência e do 
direito, tal qual era conhecida no mundo 
romano, é perdida. O mundo medieval é o 
mundo muito calcado na factualidade, nas 
situações concretas, especialmente nas 
relações econômicas concretas do mundo 
feudal. Mais do que a autoridade de um 
jurisconsulto, de um texto, ou de um poder 
político, vale a autoridade de quem detém 
as possibilidades de produção de 
alimentos. 
O direito passa a ser muito mais calcado 
nos costumes, do que propriamente nas 
decisões e assembleias políticas. Para 
além dos costumes, temos eventualmente 
as decisões das assembleias de anciões, 
comumente chamadas de foros. O 
costume é quem impera. 
A justiça praticada é centrada na 
comunidade, não em aparatos 
sofisticados, como vimos na figura dos 
pretores; o modelo de justiça é 
comunitário. 
A religião católica recebe oficialidade no 
reino dos francos; esses reinos 
anteriormente eram bárbaros (pagãos). 
Ocorre uma aliança entre o poder espiritual 
da Igreja e o poder temporal da política: 
aqui surge a ideia do Sacro Império 
Romano-Germânico. A ideia de república 
Cristiana traduz a cristianização da 
Europa, logo, existe uma identidade 
comum religiosa e um dever comum de 
proteção à fé. 
Existem três modelos de direito: divino 
(está na Bíblia), natural (parte da ideia 
daquilo que a natureza apresenta, 
natureza vista com os olhos de Deus) e 
dos homens (não é humano, nem civil no 
contexto atual). 
O direito dos homens serve para adaptar o 
direito divino a realidade. Por exemplo, a 
ordem franciscana se baseia na pobreza 
extrema. Isso entra em conflito com o 
papado, que possuía muitos bens. Isso é 
resolvido da seguinte forma: as normas 
estabelecerão que os franciscanos não 
podem ter bens, mas a Igreja pode ter 
bens. Apesar de não serem 
independentes, os franciscanos podem ter 
regras próprias. Outro exemplo é o 
divórcio: o casamento, apesar de 
considerado indissolúvel na lei divina, na 
lei dos homens pode ser considerado 
inexistente. 
A lex é um mandamento da razão; uma 
regra racional. As soluções são analisadas 
caso a caso; existe o arbitrium. Os termos 
são mantidos em latim para não serem 
traduzidas ao pé da letra, fazendo com que 
sejam, erroneamente, relacionados aos 
termos contemporâneos. 
O que é o costume? 
O costume é um hábito reiterado, que uma 
vez repetido ao longo do tempo passa a 
ser visto por uma sociedade como uma 
norma. É mais que um hábito, pois é uma 
ação continuamente repetida do mesmo 
modo e isso lhe dá o fundamento de sua 
força. 
Quanto mais estável esse hábito for ao 
longo do tempo, melhor será considerado 
para fins de entendê-lo como direito. As 
pessoas sentem-se vinculadas aos 
costumes. Exemplo: na sociedade 
medieval, o duelo é o modo de resolver um 
conflito. 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
O conteúdo do costume é bastante aberto 
e muito localizado (varia conforme as 
regiões). Os costumes vão se construindo 
pelo acúmulo uns sobre os outros; quanto 
mais um costume é repetido, mais ele se 
mantém como direito, entretanto novos 
costumes vão se colocando sobrepostos. 
 
O direito consuetudinário 
À medida que as sociedades alto-
medievais se tornam mais complexas, 
essas autoridades políticas começam a 
recolher os costumes locais e editar uma 
série de normas que buscam, de algum 
modo, identificar os costumes da região. O 
papel político não é criar o direito, mas sim 
salvaguardar o direito já existente. 
 Exemplo: Lei Sálica; possui a cláusula de 
sucessão (quem detém o patrimônio 
quando alguém morre), que coloca que 
quem herdará o patrimônio é apenas o 
filho primogênito homem. Com base nessa 
cláusula, na França, estabelece-se que 
mulheres não podem assumir o trono - 
como a mulher não herda patrimônio, não 
herdará o direito ao trono. 
 
Os modelos de justiça 
Cada comunidade terá a possibilidade de 
construir seu próprio modelo de justiça. 
Esses modelos de justiça, dadas as 
invasões bárbaras, terão uma 
ascendência germânica no proceder para 
resolver conflitos. Existirão menos 
momentos de juízo (influência romana), e 
mais momento de negociação (influência 
germânica). Uma vez inexistindo uma 
autoridade política com força suficiente de 
aplicar o direito, a própria comunidade se 
encarregava disso, por isso as formas de 
negociação, a exemplo do duelo, eram 
mais comuns. O que importava era a 
construção da paz social, muito mais do 
que descobrir a verdade. Os modelos de 
prova também não buscavam a verdade, 
apenas apontar a resistência do sujeito, 
por exemplo, aquele que tivesse sido 
acusado de roubar algo deveria colocar 
sua mão em água fervente, se a mão nãoqueimasse era porque o sujeito era 
inocente. De mesmo modo as 
testemunhas não apontavam se você era 
inocente, mas sim seu valor social. 
 
As características do direito na Alta 
Idade Média 
O poder político é incompleto e, em 
decorrência disso, o direito é autônomo da 
política. As relações do que é direito, de 
como o costume se torna direito, de como 
se aplica a justiça não necessariamente 
terão ligação com o poder político, o que 
torna o direito plural. Os vários corpos 
sociais tais como feudos, aldeias, abadias, 
terão regras muito diferentes entre si e 
naquele espaço social elas vinculam, ou 
seja, são válidas para determinado 
conjunto de pessoas. O poder político, 
sendo fraco, não impõe os acordos, o ato 
de dar a palavra impõe os acordos. 
Existia atividade legislativa, considerada 
modalidade de iura propria. Os reis, em 
suas legislações, falavam sobre os 
costumes já existentes. Muitas vezes, as 
leis eram usadas apenas para afirmar 
poder do rei, estando até mesmo em 
linguagens não utilizadas na comunidade. 
É após a Idade Média que o poder 
executivo, do Estado, dos reis entra em 
ascensão. As principais preocupações dos 
governantes estavam relacionadas 
apenas com o exército e a tributações 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
Se o direito é construído a partir do 
costume é também factual, portanto, 
concreto. Em contrapartida, o direito na 
atualidade é abstrato, parte de ideias. O 
direito é calcado na história, afinal quanto 
mais tempo um costume se mantém 
estável mais legitimidade ele possui. 
Em termos culturais, constata-se um certo 
declínio da cultura, no sentido de que o 
mundo se torna primitivo, ou naturalista. A 
natureza torna-se o centro de todas as 
coisas, a sobrevivência é a mais 
importante questão. As coisas estão em 
primeiro lugar, portanto um regime 
reicentrista. 
Os fatores fundamentais, ou fatos 
normativos, são a terra, o sangue e a 
duração. A terra, no sistema feudal, define 
suas relações. O sangue, sua linhagem, 
também determinará sua chance de 
ascensão social. E a duração, o tempo, 
que determina o imaginário em relação ao 
direito, em decorrência da baixa 
expectativa de vida. O indivíduo não é 
perfeito, ficando o ideal de perfeição para 
a comunidade. 
Uma figura importante, semelhante à do 
atual cartório, é o notário. O notário faz 
notas, ou seja, colocava os acordos em 
escrito. Não existe Estado na Idade Média, 
logo não era um funcionário público. As 
atividades profissionais existentes são 
reguladas pela lógica das corporações de 
oficio: alguém que tem conhecimento de 
uma atividade, passa ao aprendiz. 
O direito é pré estabelecido, um conjunto 
de atributos que já existem e que não 
mudam, e essa percepção da duração, 
imutabilidade, perfeição é que lhe dá sua 
força. 
 
Ordenamento Baixo-Medieval 
Em relação ao direito Alto-Medieval 
encontramos uma inversão, 
principalmente no sentido de que o direito 
da Alta Idade Média era baseado na 
prática, enquanto na Baixa Idade Média o 
direito passa a ser pensado a partir da obra 
de juristas cultos. Retorna a figura do 
jurista. Existem também características, 
provenientes do Ordenamento Alto-
Medieval, que prosseguirão durante a 
Baixa Idade Média. 
 
Continuidades 
O papel do príncipe, aquele que detém o 
poder político, é também fazer direito, ser 
juiz, organizar os costumes; possui o poder 
de graça, ou seja, o poder de perdoar. O 
iurisdictio, isto é, dizer o direito, permanece 
dividido entre múltiplas organizações. A 
lex, com fundamento filosófico e político, 
fruto da razão, ainda poderá ser revisada a 
partir dos fatos concretos. Com o 
surgimento das cidades, essas criam seus 
próprios estatutos e recolhem seu próprio 
costume. Os notários, aqueles que faziam 
contratos, continuam atuando. A 
comunidade também segue sendo o 
elemento central. 
 
Mudanças 
O ius renasce, portanto, o direito volta ser 
pensado como status libertatis. O 
pertencimento a uma sociedade e o 
posicionamento na hierarquia social, 
concederão direitos. Os direitos locais vão 
passar a ser relidos, por meio de textos 
jurídicos sofisticados, como o Corpus Iuris 
Civilis, o Corpus Iuris Canonici e o 
utrumque ius (conjunto mundo temporal e 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
FERNANDA CAUS PRADO 
 
mundo espiritual, mundo imanente e 
mundo transcendente). Esse processo traz 
a ideia de segunda iurisprudentia, ou seja, 
uma segunda vida do direito romano. 
Mesmo que as normas voltem a ser 
pensadas de modo mais geral, vale 
ressaltar que as instituições ainda 
elaborarão suas normas particulares. 
 
O renascimento do ius 
Os textos romanos, que desenvolvem o 
direito como liberdade, são retomados. O 
direito passa a ler a sociedade e a dar-lhe 
uma ordem, por meio de uma ideia de 
"ciência". O direito romano chega para 
suprir lacunas do direito medieval, e de 
mesmo modo, o direito medieval também 
completa o direito romano. 
O grande documento que une o direito civil 
e direito canônico é o Decretum de 
Graciano, um livro escrito em 1140. O 
direito é dividido entre direito divino, direito 
natural e direito humano. 
O direito divino é estabelecido por Deus, 
os homens tem acesso a ele a partir da 
revelação, dada pela sagrada escritura. O 
direito natural, para os medievais, significa 
que em decorrência de o ser humano ter 
sido criado na imagem e semelhança de 
Deus, dotado de consciência, possui a 
razão que poderá estabelecer um ideal de 
justiça. O direito humano é o conjunto de 
regras criadas pelos homens a partir do 
cotidiano. 
O Corpus Iuris Civilis é uma tecnologia 
medieval. As universidades eram 
corporações. O estudo do direito romano 
foi feito de dois modos. Durante as aulas, 
o professor lia o Corpus Iuris e o 
interpretava; os alunos então faziam suas 
anotações, fazendo Glossas (texto no 
centro e anotações ao lado). As Glossas 
não apenas explicam, elas interpretavam, 
exprimiam, acrescentavam, estendiam. 
O outro modelo era o modelo de 
comentário. Seguia-se ainda a ordem do 
Corpus Iuris, mas comentava-se 
livremente, usando da dialética. Questões 
são propostas, hipóteses são levantas e 
posteriormente debatidas, de modo a 
encontrar a melhor resposta. 
O Ius Commune é o conjunto do direito 
feito entre os glossadores e 
comentadores; o direito comum, pensado 
pelos juristas nas universidades, havia 
uma universalidade do direito. 
As regras não possuem uma natureza 
específica; hoje existem métodos comuns 
para solucionar as antinomias (conflitos na 
lei), por exemplo, a lei federal está acima 
da estadual. O que valerá então, no 
contexto medieval, é a força do argumento. 
 
O que é a iura propria? 
 Iura própria significa direitos próprios. São 
determinados conjuntos de ações que 
continuam válidas ainda que o cotidiano do 
direito seja influenciado pelo Ius 
Commune. Um exemplo são os privilégios, 
como os produtores de sapatos terem o 
privilégio de que os habitantes da cidade 
comprem os sapatos apenas deles.

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