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Autogestão e Práticas Organizacionais Horizontalizadas- Amplificando Sinais

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1 
Autogestão e Práticas Organizacionais Horizontalizadas: Amplificando Sinais 
 
Autoria: Maria Ceci Araujo Misoczky, Joysinett Moraes da Silva, Rafael Kruter Flores 
 
Resumo 
O tema da autogestão e da auto-organização tem sido consistentemente marginal(izado) no 
campo dos estudos organizacionais em decorrência das dificuldades para ver arranjos 
organizacionais diferentes daqueles que são produzidos e continuamente produzem a teoria 
hegemônica. Este artigo dá continuidade a uma tradição de trabalho acadêmico e ativismo, 
considerando vertentes tradicionais sobre o tema da auto-organização e da autogestão - o 
anarquismo libertário e os princípios do cooperativismo. Refletindo sobre fenômenos do 
nosso tempo no contexto da América Latina, realiza-se uma sistematização desses registros, 
destacando, ao longo do texto, idéias e práticas que marcam cada um deles. No encerramento, 
essas idéias e práticas são organizadas à moda de um tipo ideal de inspiração Weberiana. 
Assim, se pretende contribuir para a sociologia das ausências indicando a existência de 
práticas decretadas como não-existentes pelo conhecimento dominante, e para a sociologia 
das emergências, amplificando sinais de práticas organizacionais alternativas ao 
hierarquismo. 
 
Introdução 
O tema da autogestão e da auto-organização tem sido consistentemente 
marginal(izado) no campo dos estudos organizacionais. Disciplinados e dóceis à tirania do 
visível (BLAUG, 1999), temos muitas dificuldades para ver arranjos organizacionais 
diferentes daqueles que são produzidos e continuamente produzem a teoria hegemônica. 
Obcecados com o hierarquismo, somos incapazes de reconhecer práticas organizacionais 
existentes na prática, mas às margens de nosso arcabouço teórico. Trata-se, segundo Blaug 
(1999, p.34), de uma “recorrente falha perceptiva e cognitiva”. Para esse autor, a natureza 
desta falha reside em uma “ilusão institucionalizada de surpreendente estabilidade”: uma 
interpretação bastante particular do conceito de organização. 
O hierarquismo defende que para o sucesso, no mundo, da ação de conjuntos de 
pessoas, é indispensável uma hierarquia de comando, controle centralizado e a 
institucionalização de papéis de perícia e liderança. […] Ele inclui modos de 
coordenação da ação mais afim com estruturas burocráticas, já que se baseia na 
divisão do trabalho, na sistematização de tarefas e na imunização das elites 
decisórias contra aqueles que são definidos como carentes de perícia. Finalmente, o 
hierarquismo adota a razão instrumental em sua orientação para o sucesso, ganhos 
da complexidade estrutural e substituição sistemática do julgamento discursivo e da 
argumentação deliberativa por regras escritas imparciais, formalizadas e 
procedimentais. 
Ao adotarmos esse modo de ver produzimos ativamente a não existência de práticas 
organizacionais distintas. Nesse sentido, a revelação de um objeto que era anteriormente 
invisível se torna um ato de aprendizagem. Para tanto, a adoção da sociologia das ausências 
pode ser um caminho fecundo. 
Segundo a sociologia das ausências, a investigação tem como objetivo explicar que o 
que não existe é ativamente produzido como não existente. O não existente é ativamente 
produzido sempre que certa entidade ou fenômeno é desqualificado e tornado invisível, 
incompreensível, ou irreversivelmente descartável. Santos (2003, p.5) descreve cinco lógicas 
ou modos de produção da não existência: 
1) A monocultura e o rigor do conhecimento – consiste em tornar a ciência moderna e a 
alta cultura o único critério para a verdade e a qualidade estética, respectivamente. 
2) A monocultura do tempo linear - significado e direção têm sido simbolizados de 
modos diferentes ao longo dos últimos séculos (progresso, modernização, 
desenvolvimento, globalização), produzindo a não existência ao descrever como 
 
 2 
atrasado e retrógrado tudo que é assimétrico face ao que é declarado como progressista 
e moderno. 
3) A classificação social – consiste em distribuir populações em termos de uma 
monocultura que naturaliza hierarquias, produzindo a não existência como uma forma 
de inferioridade. 
4) A lógica da escala dominante que leva à monocultura do universal e do global, ou seja, 
a escala adotada como primordial determina a irrelevância de todas as outras escalas 
possíveis, o não existente é, então, produzido sob a forma do particular, do local, do 
nacional. 
5) A lógica da produtividade – reside na monocultura do critério da produtividade e 
eficiência capitalista, que ao ser aplicada ao trabalho produz populações descartáveis 
por desqualificação profissional, falta de habilidades, e até por preguiça. 
A produção dessas ausências resulta na perda da experiência social dos cinco não 
existentes: o ignorante, o residual, o inferior, o local e o não produtivo. Como uma reação, a 
sociologia das ausências proclama uma ampla versão de realismo que inclui tornar visíveis 
realidades tornadas ausentes pelo silêncio, supressão, e marginalização – realidades que são 
ativamente produzidas como não existentes. Esta sociologia demanda imaginação 
epistemológica e democrática; desejo e capacidade de perceber, identificar e amplificar os 
sinais de experiências alternativas de construção de futuros possíveis, de tendências e 
latências que são ativamente ignoradas pelo conhecimento e racionalidades hegemônicos 
(SANTOS, 2003). 
Baseado em Ernst Bloch (1995) e em seu conceito de ‘não ainda’ como uma categoria 
que expressa o que existe como mera tendência, como o modo pelo qual o futuro está inscrito 
no presente, Santos (2003, p. 9) desenvolve uma proposta de pesquisa sobre as alternativas 
que estão contidas no horizonte das práticas concretas. “Ela consiste em realizar um 
alargamento simbólico do conhecimento, práticas e agentes, de modo a identificar tendências 
do futuro (do não ainda) nas quais é possível intervir de modo a maximizar a probabilidade da 
esperança face à possibilidade da frustração”. 
Para tanto, precisamos tanto criticar a tradição quanto afirmar novas possibilidades 
e/ou caminhos pouco ou nada explorados nos estudos organizacionais. Este é, precisamente, o 
objetivo deste artigo. 
Os temas da autogestão e da auto-organização já estiveram presentes em nosso campo 
disciplinar. De modo algum estamos nos referindo às técnicas de gestão da força de trabalho 
no padrão da acumulação flexível – células de produção, times de trabalho, grupos semi-
autônomos e que tais. Sobre esses, concordamos com análises como a de Antunes (2002, p. 
52), que as considera como uma forma de “participação manipuladora que preserva, na sua 
essência, as condições de trabalho alienado e estranhado”. Estamos nos referindo aos esforços 
empreendidos principalmente por Maurício Tragtenberg e Fernando Prestes Motta, na 
transição da década de 70 para a de 80. A despeito do interesse do tema por pesquisadores da 
área, Prestes Motta (1981, p. 9) afirmou: 
Nos últimos anos, um grande número de estudiosos das organizações, nos mais 
variados países, tem escolhido a autogestão como objeto de estudo e pesquisa. Em 
países como a França, esse tipo de estudo tem uma longa tradição, mas mesmo 
assim os incontáveis artigos que vêm sendo publicados revelam uma volta, mais ou 
menos recente, ao tema. Na Iugoslávia, onde está implantado um sistema 
autogestionário específico e discutível, quanto à sua natureza, o material é 
abundante. 
Esta produção está fortemente influenciada pelo contexto das experiências de auto-
gestão desenvolvidas, naquele período, em organizações produtivas européias. Em Venosa 
(1987, p.122), por exemplo, são trazidas experiências realizadas em países do leste europeu, 
como a Polônia e a Iugoslávia. Sobre este último caso, o autor menciona que sua discussão “é 
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 3 
importante, ao menos para colocar em suspenso a crença de que as organizações 
hierarquizadas são um pré-requisito para a eficiência empresarial”. 
Prestes Motta (1981) parte desse fenômeno doqual era contemporâneo, mas recorre às 
formulações de Proudhon para refletir sobre o tema da autogestão, buscando entender tanto a 
natureza autoritária da organização burocrática moderna, quanto a proposta autogestionária 
em sua origem, pois “a característica fundamental da administração burocrática é a 
heterogestão e sua única alternativa radical é a autogestão” (PRESTES MOTTA, 1981, p. 10). 
Prestes Motta (1981, p. 141) explora, também, o conceito de homem coletivo: “um fenômeno 
tão certo quanto a personalidade do homem indivíduo”. 
É desta concepção do ser em geral, e em particular do eu humano, que eu creio 
possível provar a realidade positiva e, até certo ponto, demonstrar as idéias (as leis) 
do eu social ou do grupo humano, e de constatar e manifestar, acima e fora de nossa 
existência individual, a individualidade do homem superior coletivo (PROUDHON 
Apud PRESTES MOTTA, 1981, p. 141). 
O homem coletivo de Proudhon difere do homo economicus, e de todos os conceitos 
de homem que se seguiram na evolução das teorias organizacionais, pelo predomínio da 
solidariedade sobre o egoísmo. 
Tragtenberg (1987, p. 31), por sua vez, pressupõe que a auto-organização ou 
“autogestão não constitui nenhum imperativo ideológico; ela tem sua legitimidade na medida 
em que surge da reivindicação do movimento real” (TRAGTENBERG, 1987, p. 31), pois para 
autogerir alguma coisa, segundo ele, é preciso começar autogerindo a própria luta: se os 
sujeitos sociais são capazes de organizar, de modo autônomo e coletivo, diretamente a própria 
luta, então serão capazes também de organizar a produção e a mudança social. A luta, de 
acordo com Tragtenberg (1987), é o embrião do que virá, é o exercício da organização; é o 
começo da viabilização prática do estabelecimento de relações sociais coletivistas. 
Tendo essa postura ativista e politicamente comprometida, Tragtenberg (1987) analisa 
criticamente a ‘co-gestão’ adotada na Alemanha Federal, os Conselhos de Estabelecimentos - 
formados por trabalhadores de acordo com suas unidades de produção. A co-gestão, segundo 
o autor, comporta co-decisão: uma decisão só pode ser tomada por concordância das partes; se 
houver representação desigual, pela maioria dos membros que compõem esse órgão, ou seja, 
as duas partes têm o mesmo direito (TRAGTENBERG, 2005, p. 55). Nessa perspectiva, 
conclui que o Conselho “parece corresponder ao desejo dos assalariados em constituir um 
meio válido de interlocução com o chefe da empresa” (TRAGTENBERG, 2005, p. 75). 
Discute, também, organizações cooperativas na Europa ocidental: na Espanha, na década de 
50; na Itália e na França, na década de 70. 
Havia, por parte destes autores, uma preocupação com a exploração de experiências 
concretas como meio para formulações teóricas que apoiassem a prática dos trabalhadores de 
seu tempo. Desde então, a presença de trabalhos sobre auto-organização é praticamente 
inexistente em nosso meio acadêmico; o que não significa, obviamente que estes processos 
não estejam ocorrendo. 
Portanto, este artigo se propõe a continuar essa tradição de trabalho acadêmico e 
ativismo, trazendo formulações da história e experiências contemporâneas que poderão 
contribuir para a retomada dessa temática entre nós. Assim como nossos autores de 
inspiração, neste artigo consideramos vertentes tradicionais sobre o tema da auto-organização 
e da autogestão: o anarquismo libertário e os princípios do cooperativismo. Consideramos, 
também, fenômenos do nosso tempo, focando no contexto da América Latina. Nos próximos 
itens faremos, então, uma sistematização desses registros, destacando, ao longo do texto, 
idéias e práticas que marcam cada um deles. No encerramento do artigo, essas idéias e 
práticas são organizadas à moda de um tipo ideal de inspiração Weberiana. Assim, 
pretendemos contribuir para a sociologia das ausências indicando a existência de práticas 
decretadas como não-existentes pelo conhecimento dominante, e para a sociologia das 
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 4 
emergências, amplificando sinais de práticas organizacionais alternativas ao hierarquismo. 
Como foi salientado por Weber (1999), não se pode perder de vista o caráter fluído das 
relações na realidade social. Portanto, a sistematização apresentada no último item não tem 
caráter de modelo, não tem qualquer intenção prescritiva, trata-se meramente de uma 
indicação de algumas possibilidades de ver mundos organizacionais possíveis e existentes 
entre nós. 
 
1 As tradições do socialismo libertário e do cooperativismo 
O ato de organizar, para os socialistas libertários, os anarquistas, deve estar 
desvinculado de estruturas ou autoridades hierárquicas, pois essas são consideradas as fontes 
que regem as principais instituições de todas as sociedades. De acordo com Faure (1981, p. 
58), esse é o ponto que distingue o pensamento anarquista acerca da organização: “a negação 
do princípio da autoridade nas organizações sociais e o ódio a tudo que origina instituições 
baseadas neste princípio”. Organizações constituídas na forma de hierarquias e que 
concentram poder no topo da estrutura piramidal, tais como corporações, burocracias 
governamentais, exércitos, partidos políticos, organizações religiosas, universidades etc., 
mostram como as relações resultantes desse processo afetam negativamente os indivíduos, sua 
sociedade, e sua cultura (PROJETO PERIFERIA, 2006). 
Os indivíduos são livres para se associar como julgarem mais conveniente, sendo os 
coletivos regidos por assembléias de todos os membros, embora os assuntos puramente 
administrativos possam ser geridos por comitês eleitos pelos membros da assembléia. Tais 
comitês seriam formados por delegados, peritos se necessário, mas com mandatos temporários 
e revogáveis a qualquer tempo. Na organização hospitalar, por exemplo, seria respeitada a 
perícia do médico, porém o planejamento e as atividades que dizem respeito à organização 
como um todo seriam elaborados pelo coletivo. 
Isto é, o processo organizativo da proposta anarquista é constituído a partir de baixo, 
pois é do coletivo que partem as decisões. Esse organizar, ao contrário do que se dissemina 
sobre o anarquismo enquanto desordem, confusão e caos, implica na constituição de práticas 
organizacionais estipuladas a partir do trabalho em grupo e sob a coordenação do próprio 
grupo. Tragtenberg (1987, p. 27) traduz bem os socialistas libertários ao afirmar que a 
concepção de uma sociedade que é capaz de se autogerir tem como fundamento a 
autoconsciência do ser humano, a compreensão do ambiente que o rodeia e a si próprio, o que 
implica no abandono e na rejeição de todos os mitos e formas de falsa consciência: culto a 
chefes carismáticos, nacionalismos, patriarcalismos, fé na racionalidade da hierarquia. 
Malatesta (1927) salienta que uma organização anarquista deve ser estabelecida sobre 
a plena autonomia, plena independência e, conseqüentemente, plena responsabilidade dos 
indivíduos e dos grupos. Deve haver livre acordo entre aqueles que crêem ser útil unir-se para 
cooperar em um trabalho comum; há que existir dever moral de manter os engajamentos 
assumidos e nada fazer que esteja em contradição com o programa aceito (MALATESTA, 
1927). Sobre essas bases, adaptam-se as práticas e os instrumentos aptos a dar vida à 
organização. Assim, quando necessário, ainda que sofrendo pela utilização de corpos 
representativos e de todas as suas imperfeições, a organização estaria isenta de todo 
autoritarismo porque não impõem aos outros suas próprias deliberações. O que os anarquistas 
rejeitam, portanto, não é a organização, é o hierarquismo, o estabelecimento de um grupo 
particular cuja função seria organizar as outras pessoas. Malatesta (1927) assinala que a 
organização outra coisa não é senão a condição natural, necessária, da vida social, um fato 
inelutável que se impõe a todos, tanto na sociedade humana em geral quanto em todo grupo 
de pessoas que tenhaum objetivo comum a alcançar. A questão, como salienta o autor, está 
em como organizar. 
Bárbara Bastos
 
 5 
Acerca da organização pensada pelos socialistas libertários, as seguintes características 
se destacam: livre associação; descentralização; ausência de autoridades hierárquicas ou 
estruturas rígidas predefinidas; assembléia geral como instância de tomada de decisão não-
rotineira; assuntos administrativos rotineiros geridos por comitês eleitos em assembléia; 
comitês compostos por delegados, peritos temporários e revogáveis, se necessário; autonomia; 
responsabilidade individual e coletiva. 
O cooperativismo faz, historicamente, parte das tentativas de auto-organização dos 
trabalhadores. A cooperativa, de produção ou de serviços, é uma sociedade voluntária de 
pessoas que tem como finalidade atender as necessidades dos seus associados, sem visar 
lucros (PRESTES MOTTA e PEREIRA, 1980). 
As cooperativas têm se configurado, ao longo do tempo, enquanto experiências que 
refletem um determinado contexto histórico dos trabalhadores e, por vezes, respondem, 
mesmo, à necessidade de reprodução do capital sob determinados contextos. A maioria dos 
princípios cooperativistas são oriundos da Sociedade dos Probos de Rochdale, reconhecida 
como a primeira cooperativa moderna, criada em 1844, na Inglaterra, no bairro de Rochdale-
Manchester, por 28 operários (27 homens e uma mulher) que, em sua maioria, eram tecelões. 
De acordo com Rique (2000), os fundadores dessa cooperativa viram no associativismo uma 
forma de contornar, por meio da compra e venda comum de mercadorias, os efeitos danosos 
do capitalismo sobre suas condições de vida. Para tanto, reuniram capital e alugaram um 
armazém para estocar produtos que, adquiridos em grande quantidade, poderiam ser 
comprados a preços mais baratos (RIQUE, 2000, p. 4). 
Como salienta a autora, os motivos para a criação de Rochdale não eram novidade. O 
novo foi quando tentaram encontrar uma solução para a questão “O que fazer com a sobra?”. 
A resposta veio na elaboração de um estatuto cujos princípios isolados também não eram 
novos, mas que no conjunto eram revolucionários, pois propunha a um só tempo: controle 
democrático; um sócio, um voto; adesão aberta de novos membros com as mesmas condições 
de igualdade dos antigos; juros limitados ou fixados sobre o capital subscrito; distribuição de 
parte do excedente proporcional às compras; vendas à vista, sem crediário, para evitar 
endividamento; vendas só de produtos puros, não adulterados; neutralidade político-religiosa 
de modo que todos que tivessem interesse ou necessidade de participar da cooperativa 
pudessem; não era preciso ser um trabalhador da cooperativa para se tornar seu membro; e 
não era necessário ser membro da cooperativa para trabalhar na mesma. 
Tragtenberg (2004) afirmava que um dos principais problemas associados às 
cooperativas é sua tendência de se tornar uma empresa convencional, explorando a mão-de-
obra assalariada, se não houver uma base ideológica forte. Historicamente, a falta dessa base 
ideológica tem conduzido à degeneração das cooperativas, seja por transformarem-se em 
empresas convencionais ou porque fecham devido a conflitos internos. Segundo Tragtenberg 
(2004), isto ocorre porque, embora a proposta da cooperativa seja coletivista, não pressupõe 
transformações na estrutura econômica da sociedade. Assim, à medida que os trabalhadores-
membros optam por aumentar o valor de cotas através da contratação de assalariados, ao invés 
de diluir o patrimônio pela admissão de novos membros, a cooperativa gradualmente perde as 
características que a distinguiam de uma empresa tradicional, com fins exclusivamente 
lucrativos (TRAGTENBERG, 2004). 
Acerca das possíveis contribuições dos princípios do cooperativismo, algumas 
características podem ser destacadas: trabalho organizado sob a responsabilidade técnica de 
representantes eleitos pelos próprios pares em cada área da organização; constituição de 
grupos de trabalho; reuniões para prestar conta das tarefas e definir novas atividades; 
Assembléia Geral, como órgão deliberativo máximo; gestão realizada somente por pessoas da 
própria organização que recebem a atribuição revogável a qualquer tempo da Assembléia 
Geral; cada pessoa, um voto; os mandatos para todas as atividades são revogáveis a qualquer 
Bárbara Bastos
 
 6 
tempo; os deveres são assumidos como responsabilidades individuais e coletivas e deve ser 
prestadas contas ao coletivo; respeito à perícia. 
 
2 Práticas organizacionais horizontalizadas no contexto da América Latina 
Um fenômeno recente no contexto Latino-Americano é o das fábricas recuperadas 
na Argentina. Essas organizações representam, talvez, um dos resultados mais imediatos da 
luta por parte dos trabalhadores para conservar seus empregos pois, via de regra, são ocupadas 
por ex-empregados somente empresas em situação falimentar e dentro do contexto específico 
da crise econômico-social que teve seu auge no final de 2001 (FAJN, 2004; FAJN e REBÓN, 
2005; LIMA, 2006). 
Na maior parte dos casos, as empresas recuperadas são pequenas e médias e 
abarcam diversos ramos de atividade, com forte presença da indústria. Os 
trabalhadores compreendidos nessas experiências não passam de alguns milhares em 
todo o país (Argentina), o que levou alguns observadores a subestimar sua 
importância em função desse critério quantitativo. Mas, sem dúvida, essas empresas 
desencadearam um grande movimento de solidariedade: convocaram estudantes, 
artistas, técnicos e profissionais, estabeleceram colaboração com organizaçoes 
sindicais, outras empresas recuperadas, movimentos de desempregados, produtores 
rurais para realizar intercâmbios de produtos e matérias primas, e realizaram uma 
intensa propaganda em torno da importância de não se isolar, não baixar os braços e 
buscar recuperar o valor da associação e do espírito de luta. (CAMPIONE e 
RAJLAND, 2006, p. 321) 
Como subsídio para refletir sobre práticas organizacionais por parte dos trabalhadores, 
essas experiências têm mostrado valiosas potencialidades, uma vez que as pessoas têm 
buscado, elas mesmas, dar respostas concretas aos seus próprios problemas, tornando-se 
protagonistas das próprias lutas e, desse modo, fortalecendo sua capacidade de organização, 
formando parte do que pode vir a ser um processo amplo de organização popular e de 
construção de poder (FAJN, 2004; FAJN e REBÓN, 2005; PARRA, 2005). 
Essas experiências geram práticas organizacionais cujo ponto central é a 
descentralização das tomadas de decisão, a polivalência de funções e o desaparecimento de 
hierarquias salariais, rompendo com a propriedade privada e avançando na direção de uma 
tentativa de propriedade coletiva dos meios de produção (PARRA, 2005). 
A reconstrução do espaço organizacional a partir de uma perspectiva autogestionária 
tem o efeito de desestruturar as relações capital-trabalho que são hierarquizadas ao 
extremo através de relações de obediência e submissão. [...] Essa desestruturação 
parece favorecer uma reapropriação coletiva dos saberes da gestão, assim como a 
emergência de processos democráticos de tomada de decisão no interior da empresa. 
De fato, em todas as empresas recuperadas é comum a adoção de práticas 
assembleiárias para a tomada de decisão. (FAJN, 2004, p. 5) 
Fajn (2004, p. 6) assinala que a nova cartografia do poder organizacional é 
determinada pela dinâmica das ações coletivas e essas devem começar no processo de 
reapropriação coletiva das capacidades e recursos para conduzir os destinos da empresa. Essas 
capacidades, segundo o autor, estão vinculadas ao saber fazer da gestão, aos conhecimentos 
políticos, organizacionais, produtivos, técnicos, contábeis, comerciais e outros, requeridos 
para administrá-la. “O desenvolvimento de tais recursos deve ser um movimento em 
permanente ampliação e, o que é fundamental, a reapropriação deve ser de caráter coletivo, 
evitando a emergência de ‘manchas’ burocráticas que se apoderemde tais capacidades”. 
Quando as empresas são pequenas ou médias, os trabalhadores, normalmente, têm as 
relações horizontais mais facilitadas porque as reuniões podem ser mais freqüentes e são 
possíveis as interações diretas, cara a cara, entre todos os seus membros da empresa; quando a 
organização apresenta altos graus de complexidade e diversidade de processos produtivos, os 
processos de horizontalidade são mais lentos e, via de regra, é utilizada a Assembléia Geral, 
com datas pré-definidas, de modo a obter a participação de todos; a implementação de 
 
 7 
processos decisórios de caráter coletivo acontecem sob formas de delegação: são eleitos 
representantes que controlam as dinâmicas organizacionais rotineiras (FAJN, 2004; FAJN e 
REBÓN, 2005; PARRA, 2005). As normas são criadas através de decisão coletiva para firmar 
regras de conduta e evitar que os sócios-trabalhadores acreditem que tudo é possível no 
âmbito organizacional (NOVAES, 2007). 
Ackerley (2007, p. 4), acerca das práticas organizacionais nas empresas recuperadas 
argentinas, afirma que as Assembléias só se consolidam enquanto instâncias de uma prática 
organizacional horizontal quando, de fato, todos têm direito à palavra. “Quem fala, de que 
fala, que conseqüências são produzidas quando todos podem falar, são perguntas que podem 
ser equiparadas a: quem tem o poder, poder de quê, que conseqüências são produzidas quando 
todos têm o poder?” 
O motivo da Assembléia pode ser diverso: um problema com um fornecedor, a falha 
de uma máquina, o problema de um trabalhador, uma mudança específica, uma 
entrega antecipada etc. Necessariamente todos devem comparecer à Assembléia 
respeitando a cadeia de produção, [...] pois não se pode deter instantaneamente as 
máquinas para participar da Assembléia, então, deve-se esperar o final do processo e 
depois iniciar a Assembléia. (ACKERLEY, 2007, p. 7) 
Na Assembléia todos falam, embora um ou dois trabalhadores, eleitos previamente, 
coordenem e distribuam os diálogos. A comunicação, segundo Ackerley (2007), vai se 
tornando mais horizontal à medida que são dissolvidos os mecanismos de poder, mas para 
tanto, aqueles que não estão acostumados a falar, a dar sua opinião e, portanto, não sabem 
comunicar uma idéia, tanto quanto aqueles que não sabem escutar “um outro que é seu igual”, 
devem aprender com a prática e com a ajuda dos outros. A relação cara a cara induz a uma 
auto-organização no pensamento que é incomparável a qualquer outra forma de comunicação” 
e facilita a auto-organização dos próprios assembleístas. 
Há que se salientar, também, que não existe um padrão de organização para as 
empresas recuperadas. O que é observado é a tendência à adoção de práticas horizontalizadas 
por parte dessas organizações. Na maior fábrica recuperada da Argentina, a Zanon, também é 
adotada a Assembléia Geral como órgão máximo para a tomada de decisão. Todavia, ao 
contrário de algumas outras empresas recuperadas, que preferem adotar um regime de horário 
mais flexível, a Assembléia da Zanon estabeleceu como norma que todos devem chegar 15 
minutos antes e sair 15 minutos depois do horário de trabalho estabelecido para que os 
trabalhadores possam entrar em contato com as novidades do dia, bem como conversar sobre 
o que se passou ao longo do turno de trabalho (LAVACA, 2004). Já o tempo destinado ao 
almoço é estipulado por cada um, bem como as paradas para o mate e as conversas. O que é 
esperado é que cada um se responsabilize por suas atividades, sem a necessidade de controle 
(LAVACA, 2004). 
Algumas práticas organizacionais que caracterizam as empresas recuperadas podem 
ser destacadas, tais como: gestão coletiva; reapropriação coletiva dos saberes da gestão; 
desenvolvimento de saberes coletivos na gestão; processos democráticos de tomada de 
decisão; práticas assembleiárias para a tomada de decisão; práticas organizacionais coletivas; 
constituição de instâncias deliberativas; delegações para execução das decisões tomadas pelo 
coletivo; decisão coletiva para firmar regras de conduta; definição de propostas comuns e a 
utilização da tomada de decisão através do consenso; garantia do direito à palavra para todos; 
responsabilidade individual e coletiva, uma vez que as decisões envolvem a todos e as 
conseqüências ou resultados positivos ou negativos vão recair sobre todos igualmente; 
responsabilidade pela execução das próprias atividades sem a necessidade de controle; 
definição de uma nova cartografia do poder organizacional definida pela dinâmica das ações 
coletivas e pela construção do poder desde baixo. 
Entende-se, portanto, que no âmbito das organizações horizontais, o sentido da ação 
não está somente no resultado, mas na própria ação em sua peculiaridade, produzindo um 
 
 8 
outro sentido e uma outra valorização dos meios. Isto é, a própria prática organizacional 
definida para a consecução dos objetivos estabelecidos seria, também, a razão de ser da 
organização social, seu leitmotiv, cuja centralidade está no coletivo da organização. 
Um sentido prático da legitimidade produzida no coletivo é identificado por Ramirez 
(2004; 2006), quando trata das práticas organizacionais adotadas pelo povo alteño (El Alto - 
Bolívia) no levante indígena-popular, em 2003, conhecido como a “Guerra do Gás”. 
Segundo o autor, as práticas organizacionais do povo alteño se fundamentaram nos saberes 
coletivos que permitiram a organização de toda a cidade em comitês de vigília, grupos de 
controle e segurança. “Cada membro de família era parte da estrutura de organização e 
mobilização social”. Uns cuidavam das casas enquanto outros protestavam nas ruas da cidade 
de La Paz. Alguns cozinhavam enquanto outros levavam mate e ervas medicinais aos feridos. 
“Se teceu uma complexa solidariedade coletiva não vista desde a fundação da cidade. Por isso 
foi uma multidão que assumiu corpo político que teve a capacidade de traspassar facilmente 
as fronteiras do poder constituído” (RAMIREZ, 2006, p. 281). 
Sob essas condições se fizeram legítimos os micro-governos dos bairros. Primeiro 
pela contundência de sua ação e organização coletiva e, segundo, por ser a referência 
de segurança da vida social nos bairros. Essa legitimidade significava que havia uma 
aceitação total de seus membros a esta forma de organização dos bairros. Ademais, 
era o único referente da defesa da vida. [...] Cada milímetro da cidade estava coberta 
por essas organizações. […] Nenhum ladrão se atrevia abertamente a roubar ou 
entrar nas casas. Se o fizesse, eram as próprias pessoas do bairro, das organizações, 
que se encarregavam dele. (RAMIREZ, 2006, p. 278- 281) 
Construir poder a partir de baixo significa, então, uma concepção e uma lógica de 
formação que articula todos os envolvidos no processo. A expressão “a partir de baixo”, de 
acordo com Rauber (2002), não alude a uma localização espacial, embora indique um 
posicionamento político-social a partir de onde se produz a construção do poder, colocando 
em um lugar central, protagonista, a participação “dos que estão abaixo”. Não implica, 
também, a negação de construções realizadas em âmbitos que podem ser chamados “de cima” 
porque os que podem, aos olhos de um desavisado que não compreende a lógica 
organizacional em questão, parecer que estão acima, na realidade, ali estão como executores 
nomeados pelos que estão abaixo. 
Vecchio (2007), estudando as práticas organizacionais da Tribo de Atuadores Ói 
Nóis Aqui Traveiz, de Porto Alegre, assinala como uma das bases da criação desse Grupo de 
Teatro a crença na capacidade dos indivíduos de se articular e transformar seu meio e, a partir 
dessa base, orientar as suas práticas organizacionais. De acordo com Vecchio (2007), cada 
atuador - como se auto-intitulam os integrantes desse Grupo de Teatro - recém integrado ao 
grupo ou já experiente, pode intervir, decidir e fazer parte de qualquer uma das atividades 
dentro do Grupo. Essa prática, segundo o autor, dilui as funções especializadas, umavez que 
no andamento das ações do Grupo, cada sujeito se envolve com a atividade para a qual se 
sente apto e para isso também conta com a colaboração sensível e atenta dos atuadores mais 
experientes. 
A função desses últimos, como ressalta o autor, no momento da escolha de que ‘papel’ 
ou função vai desenvolver o novo participante do Grupo, é perceber aptidões e estimular 
interesses, mas a decisão do que vai fazer e com o que vai se envolver parte do próprio 
sujeito, desde que seja respaldado pelo coletivo. Desse modo, segundo Vecchio (2007), a 
partir das escolhas de cada pessoa são distribuídos os encargos e com eles as 
responsabilidades inerentes. A fim de manter a coesão do Grupo, a distribuição dos trabalhos, 
inevitavelmente, passa pela apreciação coletiva. Nesse caso, segundo o autor, o que é 
percebido é que a distribuição dos encargos não é necessariamente uniforme, o que significa 
que, em função das habilidades, disponibilidade de tempo e interesses, alguns podem se 
envolver mais que outros, mas essa é uma decisão individual que precisa ser apoiada pelo 
 
 9 
coletivo. Todavia, o coletivo necessita que as responsabilidades assumidas sejam efetivadas 
para a própria manutenção do Grupo. Isso é trabalhado no próprio Grupo rotineiramente. 
Da elaboração do texto à construção do cenário, da confecção dos figurinos à 
interpretação dos personagens, não há hierarquia de funções, nem papéis 
especializados. As figuras do ator, diretor, produtor e cenógrafo estão presentes na 
dinâmica do conjunto, mas não são identificadas como personalidades. E da mesma 
forma, o gerenciamento do espaço físico e a divulgação dos seus projetos são feitos 
coletivamente. (ALENCAR apud VECCHIO, 2007, p. 61) 
Misoczky, Flores e Böhm (2008), chamam atenção para as organizações de 
resistência contra a instalação de plantas de celulose, na América do Sul. Na cidade de 
Gualeguaychú, Argentina, por exemplo, uma cidade diretamente afetada pela implantação 
das atividades industriais da Botnia, instalada no país vizinho, Uruguai, os habitantes, cerca 
de 85 mil, resistem através da adoção de práticas organizacionais que podem ser identificadas 
pela sua horizontalidade, no espaço da Assembléia Ambiental Cidadã de Gualeguaychú. Os 
autores constataram, in loco, seu funcionamento ao visitá-la, inclusive para que pudessem 
filmar a reunião assembleiária, primeiro fizeram uma solicitação que foi votada por todos os 
que estavam presentes. “Este episódio mostrou que, literalmente, cada pequeno detalhe é 
votado em uma tentativa de ter o suporte amplo e popular para tudo que está sendo decidido 
dentro e fora da Assembléia” (MISOCZKY, FLORES e BÖHM, 2008, p. 7). As decisões são 
tomadas por consenso, e se não for possível, a grande maioria precisa concordar com a ação. 
Isso é de fundamental importância para assegurar a unidade da Assembléia, já que “nada é 
mais destrutivo em qualquer luta organizada do que uma Assembléia que não é unificada e 
permite a formação de frações”. 
A horizontalidade permite a participação de todos. Isso também significa que a 
Assembléia é um espaço totalmente aberto que pretende representar todas as pessoas 
de Gualeguaychú. Qualquer pessoa pode entrar na Assembléia e qualquer um pode 
trazer uma proposta para a Assembléia. Todas as decisões precisam ser votadas, e 
ninguém pode bloquear qualquer decisão. Em Gualeguaychú tudo é votado. 
(MISOCZKY, FLORES e BÖHM, 2008, p. 7) 
Os autores salientam que “horizontalidade também significa que ninguém pode falar 
em nome da Assembléia”. Embora, é claro, nem tudo seja realizado por todos. Assim, a 
Assembléia elege comitês para trabalhar com questões específicas como finanças, 
comunicação, transporte etc.; bem como possui um secretário permanente que resolve as 
questões do dia-a-dia; advogados e outros profissionais voluntários. “Mas todas essas pessoas 
não podem representar a Assembléia. Elas simplesmente executam os desejos da Assembléia” 
(MISOCZKY, FLORES e BÖHM, 2008, p. 7). 
A Associação das Mães da Praça de Maio, um movimento que surgiu na Argentina, 
em 1977, quando as Mães deixaram de reivindicar individualmente informações acerca dos 
filhos ‘desaparecidos’ e passaram a protagonizar, juntas e sem intermediários, suas próprias 
reivindicações, interpelando diretamente o Estado, utiliza a Assembléia Geral como instância 
máxima para a tomada de decisões. Na Assembléia é realizado o exercício da direção de todos 
os assuntos por todas. Naquele âmbito, as Mães tomam as decisões por consenso; discutem 
durante horas acerca de um tema e se aparecer no meio da Assembléia qualquer outro assunto, 
também se permitem falar. “Deixamo-nos falar de tudo e se passam horas e quando 
terminamos, seguimos com a reunião” (BONAFINI apud GORINI, 2006, p. 128). Depois que 
tomam uma decisão, distribuem as tarefas entre si através do uso da delegação autorizada. 
Quando agem, o fazem autorizadas pelo grupo. A Associação tem como Presidente Hebe de 
Bonafini auxiliada por duas Conselheiras, Mercedes de Meroño e Evel de Petrini, todas eleitas 
por consenso para o exercício dos cargos. Desse modo, agem em nome do coletivo que 
representam e, portanto, somente concretizam as decisões tomadas por ele através da 
delegação autorizada, o que significa que todo poder delegado a elas para o exercício do cargo 
 
 10 
pode ser revogado pela Associação das Mães da Praça de Maio a qualquer tempo (SILVA, 
2008). 
No que diz respeito à Assembléia Geral, como já afirmado, esse é o órgão deliberativo 
máximo da organização horizontal e, portanto, composto por todos os seus membros. No 
espaço dessa Assembléia todos podem emitir suas opiniões, escutar e avaliar os argumentos 
dos demais para que a melhor decisão seja tomada por consenso, isto é, de modo que todo o 
grupo coomparta a decisão. Isso significa que todas as pessoas precisam compartilhar as 
informações necessárias para a discussão de determinado tema. Essa prática viabiliza que 
todos se posicionem na tomada de decisão. Albert (2000, p. 3) ressalta que as informações 
relevantes para as decisões têm duas origens: “o conhecimento do caráter da decisão, seu 
contexto e suas implicações mais prováveis; e o conhecimento de como se sente cada pessoa 
sobre essas implicações e concretamente como valorizam as diferentes opções”. 
Segundo o autor, o primeiro tipo de conhecimento é, em média, muito especializado, 
mas o segundo é sempre diversificado, uma vez que cada pessoa é a única que pode definir as 
próprias valorizações e escolhas, bem como seus motivos. Desse modo, no que tange ao 
conhecimento especializado sobre as implicações das decisões tomadas, essas podem ser 
disseminadas de forma que todos os participantes possam avaliar a situação e formar sua 
própria opinião com tempo suficiente para expressá-la na Assembléia. O especialista no 
assunto em pauta deve falar para todos os membros da comunidade organizacional e esses, 
por sua vez, devem escutar. Porém, no momento concreto da tomada de decisão, o voto do 
especialista vale tanto quanto o de qualquer outro. Isso posto que, se cada pessoa tiver direito 
a um voto, mas não tiver as informações sobre as opções possíveis, o voto se converteria em 
farsa (ALBERT, 2000). 
Rey (2004) questiona se é necessário que estejam todos os membros da organização 
presentes na Assembléia Geral, e se é necessário que participem ativamente para que 
determinada decisão seja legítima? Também pergunta se, em alguns casos, basta notificar 
quem não estava na Assembléia da decisão tomada? Se há Assembléia, quem está habilitado 
para definir o momento e o lugar em que ela vai acontecer? As pessoas devem participar das 
decisões ou é um direito que a pessoa pode optar por exercer ou não? Aquele que não vai à 
Assembléia pode delegar seu voto a um representante ou esse é intransferível? As pessoas 
devem influenciar nas decisões na proporção em que são afetadas por elas? O que legitima 
uma decisão tomada no âmbito da Assembléia: o espaço assembleárioou o número de 
participantes e quem decide isso? 
Trata-se de indagar, como salienta Fernández (2007), como certas configurações 
coletivas criam condições de possibilidade para instalar outras modalidades de agir, de 
imaginar, de se vincular. Se um dos objetivos das organizações que adotam práticas 
horizontalizadas é a própria participação dos sujeitos, uma vez que essas têm como método e 
objetivo que as práticas organizacionais sejam definidas por todos os seus membros, 
consideradas sua autonomia e responsabilidades individuais e coletivas, essas são decisões 
que deveriam ser tomadas pelo próprio coletivo, visto que não há uma organização igual a 
outra. Somente a vontade de participar ativamente não é suficiente, uma vez que a 
participação ativa depende de uma pluralidade de circunstâncias, tais como participar 
pessoalmente e disponibilidade de tempo. 
Nos processos autogestionários as interações apresentam particularidades 
específicas; ao não se estabelecer a diferenciação entre representantes e 
representados, a potência de imaginar, de inventar e de fazer não cai nas mãos de 
poucos. Não só se produz uma potência coletiva, como cada um pode ter o registro 
da mesma. [...] Quando um coletivo constitui uma máquina de horizontalidade 
autogerida e atua na lógica da multiplicidade, suas capacidades de invenção e de 
ação podem ir muito mais além do que seus integrantes poderiam ter calculado. 
(FERNÁNDEZ, 2007, p. 2) 
 
 11 
Bourdieu (2004, p. 41) reflete sobre como uma organização coletiva pode se 
comunicar internamente, com outras organizações e/ou a sociedade sem comprometer sua 
essência coletiva, 
em contraste com o grito, protesto ou discurso individual, o discurso do porta-voz é 
um discurso autorizado que deve a sua autoridade ao fato que a pessoa que o 
pronuncia obtém sua autoridade do grupo que o autoriza a falar em seu nome. 
Quando o porta-voz fala, é um grupo que fala através dele; um grupo que existe 
enquanto tal, através daquele discurso que pronunciou o porta-voz. O porta-voz é 
uma solução para o problema tipicamente Durkheimiano da existência do grupo 
além dos obstáculos biológicos relativos aos limites temporais e espaciais inerentes 
à corporeidade dos indivíduos. Uma das funções do porta-voz e dos atos de 
manifestação é divulgar o grupo que o autoriza. Um porta-voz autorizado pode 
acionar a força da qual deriva a sua autoridade convocando o grupo a se mobilizar e, 
efetivamente o mobilizando, levando-o, então, a manifestar-se (quando for 
importante a manifestação massiva). A delegação autorizada é aquela que é capaz de 
mobilizar o grupo que a autoriza, e, portanto, capaz de manifestar o grupo tanto para 
si mesmo (através do suporte à manutenção de sua moral e crença) quanto para os 
outros. 
Albert (2000) ainda assinala que cada pessoa ou grupo envolvido em uma decisão, 
além de ter os meios organizativos para conhecer e expressar seus desejos, assim como os 
meios para avaliá-los de forma sensata, deveria ter a opção de abster-se quando considerar 
plausível. A autonomia, em termos concretos de organização e gestão dos assuntos, de acordo 
com Rey (2004, p. 9), “nomeia a possibilidade de expressão sem condicionamentos, sem 
ataduras, sem restrições, de atuar por vontade própria e de pensar sem limites. Evoca o campo 
da liberdade”. Isso significa, também, a possibilidade de não participar ativamente de todas as 
assembléias. Albert (2000) acredita que se todos tivessem uma influência na tomada de 
decisão proporcional ao grau em que lhes afetam as conseqüências dessas, algumas dessas 
respostas seriam obtidas mais facilmente. 
Quanto à responsabilidade, todos os deveres assumidos individual ou coletivamente 
para com a organização devem ser cumpridos conforme as decisões previamente 
compartilhadas na Assembléia Geral. São reconhecidos os direitos de independência, opinião 
livre, liberdade individual e iniciativa de cada membro, mas também é requerido que eles 
assumam deveres organizacionais fixos, assim como são exigidas a execução das decisões 
compartilhadas (MHAKNO et al, 1926). Isto é, a responsabilidade de cada sujeito é condição 
sine qua non para a sobrevivência da organização a longo prazo. 
A responsabilidade é a obrigação de responder pelos próprios atos ou de alguém ou 
de algo que nos foi confiado. [...] A responsabilidade tem dois aspectos: individual e 
coletivo. A responsabilidade individual obriga a pessoa a responder por seus atos 
ante o coletivo e este enquanto tal responde ao indivíduo. A responsabilidade 
coletiva obriga não só responder pelos próprios atos, mas também pelos atos alheios, 
quando se trata de atos deliberados, aceitos e decididos livremente por um grupo de 
indivíduos associados para realizar uma tarefa comum. [...] Não há oposição entre a 
responsabilidade coletiva e individual. Ambas se completam e se ampliam sob o 
ponto de vista social (CUBEROS, 2001). 
Há que se compreender que as decisões, enquanto não são convertidas em tal, a 
princípio, não são obrigatórias, pois são apenas proposições submetidas e discutidas entre 
todos os interessados; elas só se tornam obrigatórias e executáveis para aqueles que as 
aceitam, e só até o ponto em que as aceitam. 
É o coletivo de uma organização que assume sua direção e administração através do 
meio organizativo usualmente denominado de Assembléia Geral. Assim, pressupõe-se que a 
decisão de todos os assuntos esteja nas mãos de todos e de cada um, de maneira direta, sem 
qualquer intermediário, com exceção dos assuntos rotineiros, pois como afirma Rey (2004, p. 
38), “a experiência histórica ensina que sem organização e sem um suporte mínimo para 
sustentar o trabalho de um coletivo, os impulsos para a ação terminam se diluindo”. 
 
 12 
Esse tipo de administração, como já tratou Weber (1999), significa a possibilidade do 
exercício da direção dos assuntos comuns por todos, minimizando a extensão do poder de 
mando: as funções administrativas poderiam ser assumidas em um sistema de turnos; seriam 
conferidas mediante eleição direta; os períodos de exercício seriam curtos, os cargos poderiam 
ser revogáveis a qualquer tempo; as decisões não rotineiras seriam tomadas em assembléia 
por todos os membros da associação, e deixadas com os funcionários somente a execução das 
decisões e a administração dos assuntos correntes. Entretanto, segundo Weber (1999), esse 
processo só seria possível em organizações de pequeno porte e geograficamente próximas. No 
entanto, como já comentado, as organizações criadas e ativadas em torno da “Guerra do Gás” 
chegaram a congregar mais de 800 mil pessoas, ou seja, cada “cada milímetro da cidade” 
estava conectado, como afirmou Ramirez (2006); e a Assembléia Cidadã Ambiental de 
Gualeguaychú é a instância de auto-organização de cerca de 85.000 pessoas – em ambos os 
casos, isso não impediu a utilização de práticas horizontalizadas. Ao contrário, seu ‘poder’ 
organizativo vem, justamente, nas práticas organizacionais horizontais. 
O que é percebido, portanto, é que as decisões são coletivas e, como a execução das 
decisões tomadas pelo coletivo não podem ser realizadas por todos, é, então, utilizado o 
recurso da delegação autorizada. Isso significa que quem executa determinada atividade o faz 
executando os desejos do coletivo, com um mandato temporário e revogável a qualquer tempo 
por esse mesmo coletivo. Desse modo, as atividades delegadas têm caráter essencial, e a 
responsabilidade individual e coletiva dos delegados para com a realização das atividades é 
exigida para o funcionamento da organização. Assim, a pessoa ou o grupo investido de 
autoridade pelo coletivo, quando exige o cumprimento de determinada tarefa, o faz em nome 
do coletivo organizacional e, ao fazê-lo, ao mesmo tempo, está obedecendo a esse coletivo. 
Isso significa, para a prática organizacional horizontalizada, o conjunto das seguintes 
características: o órgão máximo deliberativo é a Assembléia Geral e esta é composta por 
todos os membros daorganização; as decisões não rotineiras são tomadas somente em 
Assembléia Geral; a execução das decisões e a administração dos assuntos correntes são 
deixadas com os membros da organização que foram eleitos para tanto; a Assembléia Geral 
constitui e destitui, a qualquer tempo, os sujeitos ou órgãos empossados como representantes 
do coletivo organizacional; qualquer decisão tomada pelos delegados ou comitês pode ser 
revogada a qualquer tempo pela Assembléia Geral; qualquer regra ou regulamento só pode ser 
legitimado no âmbito da Assembléia Geral; aquele ou aqueles nomeados como representantes, 
ao mesmo tempo em que coordenam as atividades em nome do coletivo, são coordenados por 
esse; quem obedece aos delegados ou comitês, às regras e regulamentos, só o faz como 
membro da organização e, ao mesmo tempo, como definidor de tais regras e regulamentos 
que determinam, também, os delegados e comitês; as práticas organizacionais devem ser 
formalizadas e do conhecimento de todos; o acesso igualitário às informações e aos demais 
recursos necessários ao grupo devem ser mantidos para que cada sujeito possa, de fato, 
participar das decisões; a organização é patrimônio coletivo de todos os seus membros. 
 
Como conclusão: sinais de práticas organizacionais alternativas ao hierarquismo 
Para a prática organizacional horizontal, que se baseia na construção do poder desde 
baixo, quem manda “manda obedecendo”. Segundo o Subcomandante Marcos (apud 
WALLERSTEIN, 2008, p. 3), do EZLN, isto significa “dirigir obedecendo às vozes e desejos 
dos liderados”. A vontade da maioria é o caminho no qual deve andar o passo do que manda. 
Se esse separa seu caminhar do que é a razão da maioria, deve trocar o coração [órgão sede da 
sabedoria] que manda por outro que o obedeça. Assim nasce o poder. “O que manda obedece 
se é verdadeiro, o que obedece manda pelo coração comum dos homens e mulheres 
verdadeiros”, de modo que ninguém receba nada dos que mandam mandando e que se 
 
 13 
imponha o bom caminho daquele que manda, mas manda obedecendo (SUBCOMANDANTE 
MARCOS apud DUSSEL, 2005, p. 47). 
A prática organizacional se manifesta, então, do modo como segue: 
I. Impera o princípio da igualdade de participação ou poder de decisão em Assembléia Geral: 
cada pessoa tem direito a um voto e esse independe de sua função na organização; as decisões 
sempre que possível são oriundas da construção do consenso. 
II. Rege o princípio da difusão das informações relevantes a todos com a maior freqüência 
possível para as respectivas deliberações através de uma rede formalizada; o que evita o 
acesso privilegiado a informações, bem como a dissimulação de relações de poder existentes. 
III. Rege o princípio da alocação de tarefas, funções e cargos, segundo critérios alter-
racionais: habilidade, interesse, desejo e responsabilidade. 
a) Após eleitos para a realização de determinada função, esta assume caráter de dever, pois o 
indivíduo assume um compromisso e uma responsabilidade frente ao coletivo. 
b) Quando a atividade for especializada e exigir instrução oficial na matéria, a competência é 
parte do critério de escola. 
IV. Rege o princípio da distribuição de autoridade através de escolha direta em Assembléia 
Geral para órgãos coordenadores das atividades organizacionais, ou seja, de funções 
administrativas que vão, rotineiramente, garantir o cumprimento regular e contínuo dos 
deveres e exercício dos direitos dos membros da organização. 
a) Cada função é regulamentada e tem seus limites estabelecidos em âmbito assembleiário. 
b) Aqueles cujas funções administrativas foram delegadas respondem por seu cumprimento 
perante a Assembléia Geral. 
c) As tarefas, dentro do possível, são rotativas, pois quanto mais cada um sabe sobre como a 
organização funciona, mais igualitário se torna o exercício do poder e maior é a eficácia 
política. 
V. Rege o princípio da autoridade máxima da Assembléia Geral, que pode constituir e 
destituir, a qualquer tempo, os seus representantes. 
VI. Rege o princípio da inseparabilidade entre os meios e o coletivo organizacional. Embora 
não exista apropriação do patrimônio da organização, tampouco dos cargos. 
VII. Rege o princípio da documentação dos processos administrativos, que são registrados e 
amplamente divulgados para o conhecimento de todos os membros. 
VIII. Rege o princípio da transparência dos processos organizacionais, que devem ser 
explícitos e formalizados para que todos tenham a compreensão dos motivos de suas 
existências, bem como das práticas estabelecidas para o seu cumprimento. 
Entre as categorias fundamentais que constituem as práticas organizacionais 
horizontais podem ser destacadas: Assembléia Geral como órgão deliberativo máximo; 
delegação autorizada para cargos temporários, revogáveis a qualquer tempo; regras 
determinados em Assembléia, isto é, pelo coletivo; igualdade de participação ou poder de 
decisão; tomada de decisão por consenso e em último caso por votação; compartilhamento das 
informações por todos; inseparabilidade entre os meios e o coletivo organizacional; 
documentação dos processos administrativos e sua ampla divulgação; instâncias explícitas de 
tomada de decisão. 
Há que se salientar que, caso exista a negação absoluta de instâncias para a tomada de 
decisão, de qualquer tipo de ‘liderança’, ainda que essa seja designada pelo coletivo 
organizacional, além da falta de definição clara das tarefas de cada pessoa, isso, 
provavelmente, se deve à inexistência de práticas organizacionais explícitas. Tal situação 
possibilita o espontaneísmo organizacional. Por um lado, pode ocorrer o surgimento de 
salvadores que resolvem tudo, dizem o que fazer, quando fazer, como fazer e, muitas vezes, 
também tentam realizar todas as tarefas; por outro, pode acontecer o contrário, ou seja, 
 
 14 
ninguém toma a situação nas mãos e a organização se dilui em discussões inorgânicas e 
improdutivas. 
É importante destacar, também, que a adoção de uma atitude de laissez-faire pode ser 
a dissimulação ou uma forma de mascarar relações de poder que existem em qualquer 
organização. Isto porque, se as regras sobre como as decisões são tomadas não são conhecidas 
por todos, então, o exercício do poder se realiza à revelia daqueles que o desconhecem. Essas 
práticas organizacionais não são consideradas horizontais, uma vez que para tanto, é preciso 
que todos os processos organizacionais sejam explícitos e não implícitos, que as regras de 
deliberação sejam conhecidas e, principalmente, compreendidas por todos. Isso não implica 
que a formalização destrua a concretização de práticas organizacionais horizontais, ao 
contrário, possibilita sua existência, uma vez que impede o surgimento de instâncias de 
tomada de decisão que não são conhecidas por todos os membros da organização. 
Em síntese, em práticas organizacionais horizontais as decisões e a execução das 
decisões são submetidas ao coletivo. As relações de poder são expressas através da 
participação direta de todos nas decisões e essas são concretizadas por meio de delegação 
autorizada. Assim, quando uma atividade é executada por alguns é o coletivo que a executa 
através daqueles que estão autorizados a executá-la. Logo, a responsabilidade pela decisão e 
execução é de todos, individual e coletivamente, pois o indivíduo presta contas ao coletivo e 
este ao indivíduo, havendo, por conseguinte, compartilhamento das responsabilidades. 
Usando as palavras de Dussel (2005, p. 47): “o poder reside na comunidade, que é soberana e 
última instância de toda representação”; o que exerce o poder o faz “obedecendo ao poder 
originário da comunidade e é um ‘servidor’, é o que manda obedecendo”; o poder da 
comunidade é exercido no exercício delegado do poder da autoridade obediente”. 
 
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