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literatura_portuguesa_e_luso_africana_moderna_e_contemporanea (1)

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O objetivo deste livro é estabelecer os parâmetros primordiais da transição 
da literatura portuguesa da fase modernista para o período contemporâneo, 
bem como apresentar os princípios norteadores da construção identitária 
da literatura africana de língua portuguesa, mais especificamente de 
Cabo-Verde, Angola e Moçambique. Assim, as experiências poéticas e 
ficcionais das tendências mais recentes da literatura portuguesa e 
luso-africana serão a base do discurso estético e crítico desta obra.
Código Logístico
57203
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-6395-6
9 788538 763956
Literatura portuguesa 
e luso-africana:
moderna e 
contemporânea
IESDE BRASIL S/A
2018
Jurema Oliveira
Todos os direitos reservados.
IESDE BRASIL S/A. 
Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 
Batel – Curitiba – PR 
0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO 
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
O47L Oliveira, Jurema
Literatura portuguesa e luso-africana : moderna e contem-
porânea / Jurema Oliveira. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE 
Brasil, 2018. 
138 p. : il.
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-6395-6
1. Literatura portuguesa - História e crítica. 2. Literatura 
africana - História e crítica. 3. Gêneros literários. I. Título.
18-51615
CDD: 809
CDU: 82.09
© 2018 – IESDE BRASIL S/A. 
É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor 
dos direitos autorais.
Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A.
Imagem da capa: SOUZA-CARDOSO, Amadeo de. Trou de la serrure parto da viola bon ménage fraise 
avant-garde. c. 1916. Óleo sobre tela: color: 70 x 58 cm. Museu Nacional de Arte Contemporânea (Museu 
do Chiado), MNAC, Lisboa, Portugal.
Jurema Oliveira
Pós-doutora em Letras pela Universidade Federal Fluminense (FAPERJ/UFF). Doutora em 
Letras pela UFF. Mestre em Literatura Portuguesa pela Universidade Federal do Rio de Janeiro 
(UFRJ). Especialista em Literatura Portuguesa pela UFRJ. Graduada em Letras pela UFRJ.
Sumário
Apresentação 9
1 Gêneros literários e tradição oral 11
1.1 A figura do narrador 13
1.2 A moderna literatura africana 14
1.4 Angolanidade, moçambicanidade, cabo-verdianidade e são-tomensidade 16
2 Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários 21
2.1 A narrativa de Sophia de Mello Breyner Andresen 21
2.2 A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen 23
3 Claridade e Certeza 31
3.1 Pressupostos teóricos da revista Claridade 32
3.2 Pressupostos teóricos da revista Certeza 35
3.3 A renovação e a ampliação com Claridade 36
3.4 Os poetas e prosadores pós-Claridade e Certeza 36
4 A poesia africana na contemporaneidade 41
4.1 A poesia de Arlindo Barbeitos 43
4.2 A poesia de José Luís Mendonça 44
4.3 A poesia de Ruy Duarte de Carvalho 45
4.4 A poesia de Eduardo White 46
4.5 A poesia de Luís Carlos Patraquim 47
5 Agostinho Neto e a modernidade literária em Angola 51
5.1 A poesia denunciatória 52
5.2 Mensagem: espaço de resistência 54
5.3 A formação do romance angolano 56
5.4 Os anos de luta libertária no discurso literário 57
6 José Craveirinha e a moçambicanidade 61
6.1 Características da poesia de José Craveirinha 61
6.2 A musicalidade da poética moçambicana 64
6.3 A reinvenção vocabular 66
6.4 Uma estética da oratória 67
7 O musseque como matriz: a narrativa de José Luandino Vieira 71
7.1 Musseque: um espaço marginalizado 71
7.2 Bairros periféricos: cenário de violência 72
7.3 O real diário como base discursiva 73
7.4 A formação matricial africana 73
7.5 A força das mulheres do musseque 75
7.6 A história literária e a construção identitária angolana 76
8 O mosteiro e o discurso contemporâneo 79
8.1 A casa das Teixeiras ou a casa de Avis 80
8.2 Uma casa em construção 80
8.3 Belchior: a voz da reescritura narrativa 83
8.4 O duplo loucura–sanidade 85
8.5 Perda identitária 86
9 A costa dos murmúrios: uma autoanálise do destino português 89
9.1 Revolução dos Cravos 90
9.2 Uma crítica à colonização 90
9.3 Um conceito de romance 91
9.4 O discurso do outro 94
10 José Saramago: história, ficção e identidade 99
10.1 O memorial em Saramago 100
10.2 Reescrevendo a história 101
10.3 As incertezas da contemporaneidade 102
10.4 A escrita de um novo tempo 103
10.5 Fernando Pessoa segundo Saramago 105
11 Mia Couto e a narrativa contemporânea moçambicana 111
11.1 A narrativa pós-colonial 111
11.2 Conceituando o conto a partir de Cada homem é uma raça 112
11.3 O hibridismo literário 114
11.4 Um discurso reinventado 115
12 O romance em Angola: ficção e história em Agualusa 121
12.1 Narrativa pós-colonial 122
12.2 A conjura: a crônica como caminho 123
12.3 Nação crioula: um passeio pelo século XIX 125
12.4 Estação das chuvas: um tempo de expurgar a dor 126
12.5 O vendedor de passados e suas histórias 128
Gabarito 133
Apresentação
O objetivo deste livro é estabelecer os parâmetros primordiais da transição da literatura 
portuguesa da fase modernista para o período contemporâneo, bem como apresentar os princípios 
norteadores da construção identitária da literatura africana de língua portuguesa. Assim, as expe-
riências poéticas e ficcionais das tendências mais recentes da literatura portuguesa e africana serão 
a base do discurso estético e crítico deste livro.
O primeiro capítulo, trata da questão dos “gêneros literários e tradição oral”. Aspecto, inclu-
sive, que influenciou as gerações de poetas e escritores portugueses do século XX. No segundo ca-
pítulo, com o intuito de explorar características inerentes à poesia e prosa de cunho testemunhal e 
memorialista, estuda-se “Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários”. Os elementos oriundos 
da tradição oral se fazem presente em toda produção literária dessa escritora, já que em entrevista 
concedida a Eduardo Prado Coelho para a Revista n. 6 do ICALP (Instituto de Cultura e Língua 
Portuguesa) Sophia de Mello Breyner faz a seguinte afirmação: “comecei a contar histórias para 
meus filhos a partir de fatos e lugares da minha infância (sobretudo lugares)”.
No terceiro capítulo, intitulado “Claridade e Certeza”, procura-se traçar os parâmetros 
sustentadores da literatura de Cabo Verde, já que esse país apresenta características bastante diver-
sificadas por ser um arquipélago. Dessa forma, em sua formação inicial, contou com a participação 
de africanos de diversas regiões, logo, em Cabo Verde nasce de uma miscigenação necessária ao de-
senvolvimento da colonização portuguesa naquela parte do continente africano. Diante disso, para 
dar continuidade às análises críticas acerca da poesia, desenvolve-se o quarto capítulo, enfatizando 
a temática “a poesia africana na contemporaneidade”.
Seguindo uma linha paradigmática, o quinto capítulo foi dedicado ao mentor da nação an-
golana, Agostinho Neto – poeta e primeiro presidente da República Democrática de Angola – bem 
como à modernidade da literatura em Angola, desde os seus primeiros passos para a promoção da 
luta libertária até a atualidade. Com o intuito de fechar o ciclo poesia, constrói-se o sexto capítulo 
sobre o poeta fundador da estética de valorização da cultura de Moçambique. Assim, sob o título 
“José Craveirinha e a moçambicanidade”, procura-se estabelecer os conceitos de africanidade, a 
musicalidade como marca específica da poética de Moçambique e a reinvenção vocabular do poeta 
da Mafalala, José Craveirinha.
Os capítulos subsequentes serão dedicados à prosa de autores que valorizam o espaço fic-
cional de Angola, como Luandino Vieira, o cenário português, como Agustina Bessa-Luís, que 
estabelece um diálogo entre a Revolução dos Cravos e a história dos feitos portugueses. Nessa 
dinâmica discursiva, destaca-se também Lídia Jorge, autora de A Costa dos Murmúrios, romance 
que denuncia a relação violenta entre o colonizador e o colonizado. Nesse processo de traçar os 
perfisde uma literatura contemporânea de África de língua portuguesa e de Portugal não se pode 
deixar de estudar José Saramago, um autor que, desde a sua primeira obra, redimensiona a ideia de 
história, ficção e identidade para estabelecer a dinâmica do pensamento da contemporaneidade.
10 Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea
Assim, se Portugal tem um Saramago que se consagrou como ficcionista que recorre à 
História para recontá-la de forma inovadora, Moçambique tem um Mia Couto, um autor capaz 
de articular tradição oral com aspectos oriundos da cultura portuguesa para criar uma prosa 
poética híbrida. No capítulo final, intitulado O romance em Angola: ficção e história em Agualusa, 
explora-se, entre outras questões, a narrativa pós-colonial que desconfia daquele discurso sacra-
lizado pela urgência histórica.
1
Gêneros literários e tradição oral
O momento em que se verifica o início de uma regularidade na atividade literária e cultural na 
África (nos moldes ocidentais) está intimamente ligado à implantação e ao desenvolvimento do ensino 
privado ou sancionado pelo Governo da Metrópole.
As primeiras iniciativas governamentais relacionadas com a educação na África datam de 
1740, mas só a partir da segunda metade do século XIX foram tomadas as medidas cabíveis para 
desenvolver o ensino em Cabo Verde, primeira colônia portuguesa a ser beneficiada pelo projeto 
de “instrução pública no ultramar”.
Nos documentos oficiais (boletins) de Cabo Verde, verificam-se algumas das providências 
acerca da instrução pública ultramarina, como: “escolas principais, materiais de ensino, provi-
mento, vencimentos, jubilação e aposentadoria dos professores, criação dos conselhos inspetores 
de instrução primária, sua composição e deveres” (FERREIRA, 1987, p. 9). Cabe ressaltar que 
o prelo1 foi instalado nas colônias portuguesas nas seguintes datas: Cabo Verde, 1842; Angola, 
1845; Moçambique, 1854; São Tomé e Príncipe, 1857; Guiné-Bissau, 1879.
A instalação do prelo em Angola abre espaço para a publicação de Espontaneidades da 
Minha Alma (1849), de José da Silva Maia Ferreira, primeira obra de língua portuguesa impres-
sa na África, mas não a primeira produção literária de autor africano. Segundo Manuel Ferreira, 
Tratado breve dos reinos (ou rios) da Guiné, de autoria do caboverdiano André Álvares de Almada, 
foi escrito em 1594.
A produção literária nos países africanos divide-se em duas fases: a da literatura colonial e 
a das literaturas africanas. A primeira exalta o homem europeu como herói mítico, desbravador 
das terras inóspitas, portador de uma cultura superior. A segunda constitui-se inversamente, pois 
nela o mundo africano passa a ser narrado por outra ótica. O negro é privilegiado e tratado com 
solidariedade no espaço material e linguístico do texto, embora não sejam excluídas as persona-
gens europeias (de características negativas ou positivas). É o africano que normalmente preenche 
os apelos da enunciação e é ele quase exclusivamente, enquanto personagem ficcional ou poético, 
o sujeito do enunciado.
Os cuidados e os esmeros do sujeito enunciador são os de organicamente mol-
dar o enunciado com os ingredientes significativos e representativos da especi-
ficidade africana. Se colocados lado a lado dois textos, um de literatura colonial 
e outro de literatura africana, é como se procedêssemos a uma justaposição de 
brusco contraste. (FERREIRA, 1987, p. 13-14)
Diante disso, pode-se dizer que o universo literário e cultural dos naturais da terra, nas litera-
turas africanas, é valorizado e explorado significativamente, pois, quando os autores negam a legiti-
midade do colonialismo no discurso literário, fazem da revelação e valorização do mundo africano 
1 Imprensa oficial ligada à administração da colônia.
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea12
a raiz primordial tanto na ficção quanto na poesia, que, inicialmente, foram registradas em jornais 
ou folhetins.
As literaturas africanas de língua portuguesa, do ponto de vista linguístico, contam com 
numerosos termos, expressões, provérbios oriundos das línguas faladas nos vários grupos étnicos 
em Angola e Moçambique, enquanto em Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau se usam 
duas línguas: a portuguesa e a crioula.
Cabe ressaltar que o crioulo falado em Cabo Verde é muito similar ao da Guiné-Bissau, 
e denominado crioulo pelo povo da terra; já em São Tomé e Príncipe era e é chamado de forro 
– denominação dada tanto à língua quanto aos naturais da terra – por ser usado primeiramente 
pelas camadas mais pobres, e iletradas, já que a língua portuguesa era falada apenas pela burguesia 
mestiça ou negra que lá se formava. Após a independência, o crioulo adquiriu autonomia e passou 
a ser valorizado e falado em todas as camadas sociais das ex-colônias cabo-verdiana, guineense e 
são-tomense.
Em 1846, um ano após a instalação do prelo em Angola, publicaram-se no Boletim Oficial 
dessa colônia alguns textos literários. Por volta de 1874, verifica-se o aparecimento da Imprensa livre 
angolana, publicação de registros de experiências literárias e artigos, e cujo mérito era levantar a 
bandeira da democracia republicana almejada pelos intelectuais africanos e portugueses engajados 
na busca de uma imprensa propagadora das realidades africanas.
Os estilos narrativos mais produtivos foram a crônica e o panfleto, este de caráter doutri-
nário e político. Outro gênero literário valorizado nessa fase foi o folhetim, que agradava tanto 
aos africanos como aos portugueses. Eram publicados na colônia e algumas vezes reeditados 
na metrópole:
Africanos, portugueses e brasileiros publicavam nos espaços comuns dos 
almanaques, boletins, jornais, revistas e folhetos. Não tinham surgido ainda as 
designações de literatura angolana, moçambicana ou são-tomense com cará-
ter de sistema nacional, mas a escrita já deixara de ser espaço de europeidade 
absoluta para se tornar contaminação relativa de línguas. De facto, poetas 
portugueses, e angolanos intercalavam no texto em português, mais extenso, 
frases, diálogos, versos, lexemas em língua banta, quase que exclusivamente o 
quimbundo. A integração é perfeita, na coerência do sentido e da sonoridade 
e na coesão dos segmentos e dos ritmos. (LARANJEIRA, 1992, p. 11-12)
Sendo assim, o trabalho literário aproxima os intelectuais que buscavam um caminho para 
fazer circular seus textos ficcionais, poéticos e de cunho político-ideológico. Destaca-se nesse estágio 
de despertar cultural Alfredo Troni – escritor, jornalista e advogado –, precursor da prosa moderna 
angolana, com a criação de Nga Mutúri, bem como Pedro Félix Machado, também jornalista, que cul-
tivou a prosa de ficção, publicando em folhetim na Gazeta de Portugal a primeira edição do romance 
Scenas d’África, reeditado em 1882.
No final do século XIX, floresceram nas colônias africanas de língua portuguesa várias asso-
ciações recreativas, grêmios literários, diversos jornais, alguns de curta duração, mas geradores de 
motivação criadora bastante significativa. Cabo Verde, por exemplo, viu nascer em Praia,
Gêneros literários e tradição oral 13
[...] desde 1858 treze associações recreativas e culturais, como a Sociedade de 
Gabinete de Literatura (1860) e a Associação Literária Grêmio Cabo-verdiano 
(1880). Assinala, ainda, que por essa altura, se cria a imprensa de Angola e 
Moçambique e que aí se dá um notável surto de jornalismo. Aparecem os pri-
meiros periódicos, como A Aurora (1856), A civilização da África Portuguesa 
(1866), O Eco de Angola (1881), O futuro de Angola (1882), O farol do povo 
(1883), O serão (1886), O arauto africano (1889), Ensaios literários (1891), 
Luz e crença (1902-1903). (SANTILLI, 1985, p. 10)
Vê-se, portanto, que surgiram muitos jornais entre o final do século XIX e início do XX, e, 
apesar da maior parte ter tido curta duração, até o final do século XIX enumeraram-se 46 deles, 
os quais contaram com a participação de europeus e africanos.
Damesma forma como ocorreu em Angola e Cabo Verde, a imprensa moçambicana é ins-
talada em 1854, quando nasce o Boletim Oficial. No entanto, é no século XX que a imprensa se 
estabelece com maior autonomia.
1.1 A figura do narrador
De acordo com Barry (2000), durante séculos, antes que o fio da escrita, internamente e por 
todos os lados, costurasse o mundo negro a si mesmo, os griôs2 – por meio da voz e dos gestos – 
foram os demiurgos3 que construíram esse mundo, e suas únicas testemunhas.
O griô tinha dupla função: romper o silêncio do esquecimento, usando a voz acompanhada 
de ritmos, e exaltar a vitória da tradição que sobreviveu aos impactos das guerras. Os gêneros lite-
rários africanos descendem dessa matriz rica em ritmos que só o poder da oralidade pode captar. 
A tradição oral guarda a história acumulada pelos povos ágrafos, que transmitem oralmente seus 
conhecimentos de geração a geração. Nessas comunidades, o ancião é o narrador por excelência, 
aquele personagem capaz de irrigar a memória coletiva de forma prazerosa e festiva.
O papel do griô é manter viva a chama que alimenta a existência de toda uma coletividade. 
Nesse sentido, o ritual de transmissão de conhecimento exige que haja entre o contador e o ouvinte 
uma perfeita harmonia, um equilíbrio que garanta a sobrevivência do passado no presente. Essa 
cumplicidade entre o velho e o novo mantém viva a consciência africana de resistência ao domínio 
branco-europeu. No dizer de Laura Cavalcante Padilha (1995, p. 47),
O ancião liga o novo ao velho, estabelecendo as pontes necessárias para que a 
ordem se mantenha e os destinos se cumpram [...], tentando preservar os pilares 
de sustentação da identidade [africana], antes, durante e depois do advento do 
fato colonial.
Na figura do narrador, concentra-se a ligação mais profunda entre a fonte de conhecimen-
tos, as experiências vividas e a textura do narrado. Conhecedor das tradições e costumes do grupo 
2 Guardião das tradições orais nas sociedades ágrafas, sem escrita. BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da 
história regional. Rio de Janeiro: UCAM, 2000, p. 5.
3 O artesão divino ou o princípio organizador do universo que, sem criar de fato a realidade, modela e organiza a ma-
téria caótica preexistente através da imitação de modelos eternos e perfeitos (HOUAISS, 2009).
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea14
a que pertence, o contador de histórias mantém acesa a chama da oralidade, num “jogo gozoso ar-
mado entre o narrador e seu ouvinte, vive-se a vida que não teme a morte” (PADILHA, 1995, p. 65).
O vasto conhecimento da comunidade autóctone constitui uma rede de cumplicidades en-
tre as cinco literaturas de língua portuguesa. Para manter vivo o sistema de vasos comunicantes, 
a produção literária africana precisa ser irrigada constantemente com as experiências individuais 
e coletivas, raiz primordial da arte milenar do contar e ouvir estórias. Nesse sistema cultural, o ato 
de narrar adquire um status mágico, ritualístico, um ato de iniciação ao universo da africanidade. 
Diante disso, pode-se dizer que a palavra tem força e quem a detém passa a ser respeitado pelo 
papel que desempenha no grupo:
Assim, [...], nas antigas comunidades, um mesmo velho que se sentava ao sol, 
para tecer seu luando e/ou fumar seu secular cachimbo de água, no conselho 
dos anciãos se transformava em um ser luminoso e iluminado de cuja palavra 
dependia o próprio destino dos homens e do grupo. (PADILHA, 1995, p. 16)
A dimensão histórica do narrador/contador, como se verifica na citação anterior, corporifica 
um sistema de valores estéticos que constitui a base da poética e da dicção africana em língua 
portuguesa. A voz conduz metaforicamente os fatos, e é “por ela que o contador de estórias libera 
a força do seu imaginário e a do seu grupo, fazendo do processo de recepção um ato coletivo” 
(PADILHA, 1995, p. 15).
1.2 A moderna literatura africana
A dinâmica da discursividade, advinda da oralidade, constrói a base do que Inocência Mata 
chama de cumplicidade entre as cinco literaturas de língua portuguesa. Sendo a matriz a mesma, 
guardadas as devidas proporções,
[...] os autores textualizaram temas específicos, actualizaram sentires e saberes 
diferentes segundo a imagem da nação a construir, a partir de signos, símbolos, 
motivos e formas – daí resultando um reconhecimento das individualidades 
nacionais [...]. Individualidades nacionais formuladas, literariamente, em ango-
lanidade, cabo-verdianidade, moçambicanidade e são-tomensidade, embora com 
diferença de cronologia. (MATA, 2001, p. 18)
A moderna literatura africana pertence a uma rede de cumplicidade, como bem define 
Inocência Mata. Rede essa cuja matriz primeira é a tradição, fonte que durante décadas vem 
alimentando as narrativas africanas. Nesse sentido, os escritores e os poetas estabelecem um pacto 
com suas origens e, convocando outras memórias, seguem o percurso dos contadores ancestrais. 
O espaço matricial é recuperado em vários níveis, o destaque, no entanto, é para a discursividade 
oralizada e a materialização de tal discurso, quando o autor “sangra o português” – língua padrão 
do texto – (PADILHA, 1995 p. 77) com o quimbundo, quicongo e outras línguas que representam 
o lugar da africanidade numa construção que busca estabelecer um diálogo com o leitor. Logo, no 
poema que destacamos aqui podemos perceber uma musicalidade típica da fala:
autóctones: 
originários da 
região onde são 
encontrados.
quicongo: 
nome de línguas 
locais faladas em 
Angola.
Gêneros literários e tradição oral 15
Picada de marimbondo
Junto da mandioqueira
Perto do muro de dobe
Vi surgir um marimbondo
Vinha zunindo!
cazuza!
Vinha zunindo!
Cazuza
Era uma tarde em janeiro
tinha flores nas acácias
tinha abelhas nos jardins
e vento nas casuarinas,
quando vi o marimbondo
vinha voando e zunindo
vinha zunindo e voando!
Cazuza!
Marimbondo
foi branco quem inventou...
(LARA, 2004, p. 78)
O hibridismo matricial – as recordações do autor e da comunidade a que ele pertence 
– presente nos textos de autores como Assis Junior, Agostinho Neto e Manuel Rui, de Angola; 
Manuel Lopes e Baltasar Lopes, de Cabo Verde; Francisco José Tenreiro, de São Tomé e Príncipe; 
José Craveirinha, de Moçambique; Abdulai Sila e Odete Semedo, da Guiné-Bissau e outros, 
constituem um paradigma do processo de formação da literatura africana de língua portuguesa. 
Cabe ressaltar, no entanto, que existe nesse processo uma diferença cronológica.
A africanidade reclamada pelos autores já citados e por outros garante a sobrevivência 
daquelas marcas típicas da oralidade resistentes ao bombardeio sofrido com a chegada do outro, 
o invasor, que tentou silenciar a palavra, considerada pelos ancestrais como uma força vital 
capaz de dar vida a um texto que é ao mesmo tempo uma “narrativa da nação”, como bem define 
Manuel Rui (1987, p. 308) em seu ensaio:
Quando chegaste mais velhos contavam estórias. Tudo estava no seu lugar. 
A água. O som. A luz. Na nossa harmonia. O texto oral. E só era texto não 
apenas pela fala, mas porque havia árvores, parrelas sobre o crepitar de braços 
da floresta. E era texto porque havia gesto. Texto porque havia dança. Texto 
porque havia ritual. Texto falado, ouvido, visto.
Nesse cenário equilibrado, teorizado por Manuel Rui, a força que emana da palavra, 
matriz de todo o conhecimento envolto na cadeia da tradição, faz circular as várias formas de 
expressões literárias como “os mitos, contos, adivinhações, provérbios e enigmas” (SOW, 1977, 
p. 26). Essa prática narrativa é um exercício de sabedoria compartilhado, já que existe entre o 
contador e seus ouvintes uma interação capaz de criar a necessária cumplicidade para reiterar 
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea16
a ideia de que “é preciso ser, na força da diferença, preservando-se, com isso, o vasto manancial 
do saber autóctone” (PADILHA, 1995, p. 15).
A arte de narrar dos mais velhos – os mitos, as lendas,os provérbios e as estórias em geral –, 
só é recuperada pela ficção, poesia ou teatro por meio de mecanismos, isto é, técnicas de recriação, 
geradoras da reflexão sobre o próprio ato de narrar, poetizar e encenar. Tal encenação, presente 
em todas as formas de expressões artísticas africanas, constitui a estética fundadora das modernas 
literaturas africanas de língua portuguesa, como bem define Pathé Diagne (1977, p. 139):
A narrativa oral tradicional do contador e do griot negro-africano utiliza uma 
técnica de caracterização e um modo de dramatização que se articulou sobre 
uma estrutura frequentemente simples. Os acontecimentos enxertam-se aí so-
bre uma intriga linear. A riqueza das peripécias cria uma tensão permanente. 
O romance moderno, parece, paradoxalmente, embrenhar-se hoje nesta via, 
que se julgaria simplista depois de Joyce.
Nessa linha teórica, destaca-se aqui, mais uma vez, a visão de Laura Cavalcante Padilha acer-
ca da oralidade recriada, para reafirmar a herança matricial que funda “o encontro da magia da voz 
com a letra” (PADILHA, 1995, p. 14).
1.4 Angolanidade, moçambicanidade, cabo-verdianidade 
e são-tomensidade
No encontro provedor da renovação literária africana, diferentes fontes – culturas – serão 
reinterpretadas pelos escritores e poetas dos países africanos de língua portuguesa. A oralidade 
constitui a marca da tradição e é convocada pelos escritores para o registro das experiências literá-
rias e culturais nos cinco países africanos de língua portuguesa. Esse registro pode ser percebido na 
poética de Agostinho Neto, um membro da Geração “Vamos descobrir Angola”. Assim, com o 
intuito de denunciar e despertar o sonho libertário do homem angolano, Agostinho Neto escreve 
Sagrada Esperança (1974) que, de acordo com Maria Soares Fonseca (2018),
[...] delineia uma proposta poética que recupera dados importantes do proces-
so de conscientização encaminhado pelos intelectuais e escritores angolanos. 
A poesia de combate de feição pragmática recorre por vezes à intenção mais 
descritiva e compõe quadros em que o dia a dia dos angolanos toma o lugar das 
intenções pedagógicas tão comuns à poesia de desalienação.
Dessa forma, se a poesia conta com a presença de Agostinho, figura emblemática da história 
de Angola, o romance – gênero singular no resgate das tradições – foi inaugurado por António Assis 
Júnior, com o livro O Segredo da Morta (1934), primeira obra do gênero na literatura angolana. 
Segundo Rita Chaves (1999, p. 21), desde a publicação dessa narrativa:
A trajetória do romance em Angola vem deixando nítida a vontade de seus au-
tores de, [por meio] da literatura, colocar em prática um projeto de investigação 
sobre as realidades que compõem o país. Potencializando a sua capacidade de 
analisar com certa dose de objetividade a matéria artisticamente transfigurada, 
o romance, naquele sistema literário, aproveita-se do senso de historicidade que 
também o define como gênero para oferecer ao leitor um instigante painel das 
múltiplas faces que particularizam o país.
Gêneros literários e tradição oral 17
Nesse cenário de múltiplas visões da história ficcionalizada, encontram-se vários seguido-
res de António Assis Júnior: Oscar Ribas, José Luandino Vieira, Pepetela, José Eduardo Agualusa, 
entre outros. Cabe ressaltar, no entanto, que a oralidade valorizada por Luandino Vieira advém 
dos “contos tradicionais, os missossos, narrativa tradicional de ficção, incluindo personagens hu-
manos, animais e/ou monstros” (MACÊDO, 2002, p. 62).
Guardadas as devidas proporções, a literatura de Moçambique tende a trilhar um caminho 
semelhante para estabelecer o paradigma de sua poética e, posteriormente, de sua prosa. A primeira 
obra de cunho moçambicano foi o conto escrito por João Dias intitulado “Godido e outros contos” 
(1952), mas o nome de destaque na formação da poética de Moçambique foi José Craveirinha, que, 
no final dos anos 1940, intensifica sua produção literária e é considerado um dos precursores da 
moçambicanidade. Como as demais literaturas africanas de língua portuguesa, esta se forma também 
num espaço híbrido, repleto de referências culturais oriundas de diversas fontes.
As origens das discursividades africanas provêm de oralidades distintas, mas apesar disso, 
a moderna literatura africana apresenta uma história semelhante pelo papel que desempenhou na 
construção identitária de cada ex-colônia. No dizer de Inocência Mata (2001, p. 17),
[...] a literatura funcionou também, por razões diversas, como subsidiária da 
luta anticolonial, conjugando-se numa frente de exortação cultural, o discur-
so literário africano foi decorrente desse percurso histórico comum: daí os 
paralelismos e até as identificações temáticas, estilísticas e ideológicas entre 
esses sistemas.
Num percurso semelhante encontra-se a literatura de Cabo Verde. Nela, o processo de ca-
racterização dos gêneros literários ocorre a partir da publicação da revista Claridade (1936), marco 
fundacional da cabo-verdianidade. Nessa revista, lançou-se “Bia” – capítulo inicial do romance 
Chiquinho, de Baltasar Lopes, só publicado na íntegra em 1947 e que é, de acordo com Manuel 
Ferreira, o marco inaugural da narrativa de Cabo Verde, uma abertura para a pesquisa literária que 
busca a reinvenção da escrita, organizada a partir de signos, expressões ou formas sintáticas em 
crioulo, tendo em vista o bilinguismo do país.
A evolução de São Tomé e Príncipe ocorre, em vários aspectos, paralelamente à de Cabo 
Verde. A obra fundamental da construção discursiva são-tomense foi Ilha de São Tomé (1961), 
de Francisco José Tenreiro, poeta expressivo da literatura de São Tomé e Príncipe. Essa ex-colônia, 
como Cabo Verde, também é bilíngue, logo, a busca identitária desse povo, como dos demais 
membros da comunidade lusófona na África, se dá em meio a um universo híbrido, composto 
por mais de uma matriz fundacional, já que nesse cenário miscigenado a cultura é transmitida 
por meio da língua portuguesa ou crioula. Esse painel dos gêneros literários dos países de língua 
portuguesa conclui-se com Guiné-Bissau, país bilíngue como Cabo Verde e São Tomé e Príncipe, 
mas com um diferencial em termos de produção literária. Na Guiné-Bissau, o despertar para a 
valorização do país e de uma reescrita das tradições só se efetiva “em pleno período da luta ar-
mada ou então já no período pós-libertação nacional” (FERREIRA, 1987, p. 105).
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea18
Dicas de estudo
Leitura do livro intitulado Para quando a África?: entrevista com René Holenstein. Nesse li-
vro, um dos maiores pensadores africanos de todos os tempos faz revelações esclarecedoras acerca 
de política, história, literatura, economia e várias outras áreas do conhecimento.
Assistir ao filme: Palavra Encantada (2009). A diretora Helena Solberg construiu o fil-
me com base em 18 entrevistas feitas com músicos, poetas, compositores e pensadores que 
ofereceram suas ideias e opiniões sobre a trajetória da música popular brasileira nas últimas 
seis décadas. São artistas e criadores, cada um com um processo individual muito especial. 
Eles revelaram suas descobertas na literatura escrita e oral, que eventualmente foram fonte de 
inspiração em seu processo criativo.
Atividades
1. Defina com suas palavras a ideia de rede de cumplicidade na moderna literatura africana. 
2. Os gêneros literários africanos originaram-se de qual matriz? Como Boubacar Barry define 
o perfil dessa origem?
3. Quem são os expoentes na poesia e no romance angolano?
Referências
BARRY, Boubacar. Senegâmbia: o desafio da história regional. Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes 
(UCAM), 2000.
CHAVES, Rita de Cássia Natal. A formação do romance angolano: entre intenções e gestos. São Paulo: Via 
Atlântica, 1999.
FERREIRA, Manuel. Literaturas africanas de expressão portuguesa. São Paulo: Ática, 1987.
FONSECA, Maria Soares. Poesia em tempos sombrios: o projeto literário de sagrada esperança. Disponívelem: <https://www.ueangola.com/criticas-e-ensaios/item/267-poesia-em-tempo-sombrios-o-projeto-liter% 
C3%A1rio-de-sagrada-esperan%C3%A7a>. Acesso em: 25 jun. 2018.
HOUAISS, A. Dicionário eletrônico Houaiss. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. 1 CD-ROM. 
LARA FILHO, Ernesto. In: Obra poética. Luanda: Edições Maianga, 2004.
LARANJEIRA, Pires. De letra em riste: identidade, autonomia e outras questões na literatura de Angola, 
Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe. Porto: Afrontamento, 1992.
MACÊDO, Tania. Angola e Brasil: estudos comparados. São Paulo: Arte e Ciência, 2002.
MATA, Inocência. Literatura Angolana: silêncios de uma voz inquieta. Lisboa: Mar Além, 2001.
NETO, Agostinho. Sagrada esperança. Luanda: Edições Maianga, 2004.
PADILHA, Laura Cavalcante. Entre voz e letra: o lugar da ancestralidade na ficção angolana do século XX. 
Niterói: EDUFF, 1995.
Gêneros literários e tradição oral 19
PATHÉ, Diagne. Renascimento e Problemas Culturais em África. In: SOW, Alpha; BALOGUN, Ola; Aguessy, 
HONORAT; PATHÉ, Diagne. Introdução à Cultura Africana. Lisboa, Edições 70, 1977.
RUI, Manuel. Eu e outro: o invasor ou em poucas três linhas uma maneira de pensar o texto. In: Sonha ma-
mana África. São Paulo: Epopeia, 1987.
SANTILLI, Maria Aparecida. Estórias africanas: história e antologia. São Paulo: Ática, 1985.
SOW, Alpha I. In: Introdução à cultura africana. Lisboa: Edições 70, 1977.
2
Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários
Mar, 
Metade da minha alma é feita de maresia 
(“Atlântico”. ANDRESEN, 2004, p. 272)
Quando eu morrer voltarei para buscar 
Os instantes que não vivi junto do mar 
(“Inscrição”. ANDRESEN, 2004, p. 140) 
A produção literária de Sophia de Mello Breyner é bastante extensa. Destacam-se: Poesia 
(1944), Dia do mar (1947), Coral (1950), No tempo dividido (1954), Mar novo (1958), Livro sexto 
(1962), Dual (1972), Nome das coisas (1977), Musa (1994). Para crianças, ela publicou: O rapaz 
de bronze (1956), A menina do mar e a fada Oriana (1958), Noite de natal (1960), O cavaleiro da 
Dinamarca (1964), A floresta (1968) e Árvore (1985).
De acordo com Maria Alzira Seixo, o prestígio de Sophia de Mello Breyner como contista 
há muito se encontra definido de modo preciso (1986, p. 233). Seguindo essa linha de raciocínio, 
podemos afirmar, ainda com Seixo, que a obra A Menina do mar é um dos grandes textos infantis da 
literatura portuguesa do século XX. O universo poético de Sophia é povoado por imagens marítimas.
2.1 A narrativa de Sophia de Mello Breyner Andresen
Percorrendo a sua obra, quer poética ou ficcional, encontramos sempre presentes os quatro 
elementos primordiais do universo: a terra (jardim, flor e árvore), a água (rio, fonte, mar), o ar 
(vento e brisa). Esses três elementos são transformados pela ação do fogo (luz e sol), metaforizados 
em imagens que guardam uma densidade, mas também uma leveza presente no processo de: 
“Transferir o quadro o muro a brisa/ A flor o copo o brilho da madeira/ E a fria e virgem liquidez 
da água/ Para o mundo do poema limpo e rigoroso” (ANDRESEN, 2004, p. 134).
Em Histórias da terra e do mar, Sophia leva a sua personagem a um baú repleto de histórias 
fantásticas. Nesse processo, a autora cumpre um ritual de visitação ao passado. Segundo Maria 
Alzira Seixo, o motivo casa é central em todos os contos: a casa como corpo físico, vivenciado pelas 
pessoas, mas autonomizado como centro propulsor de uma radicação do humano (1986, p. 234), 
logo, a casa é o coração da vida, tanto efetiva quanto sonhada.
Em A menina do mar, a casa é ampla e repleta de mistérios que despertam a curiosidade 
infantil de várias gerações, como bem define a própria autora em entrevista concedida a Eduardo 
Prado Coelho para a Revista n. 6 do ICALP (Instituto de Cultura e Língua Portuguesa):
[...] comecei a contar histórias para meus filhos a partir de fatos e lugares da 
minha infância (sobretudo lugares). Por isso a primeira que apareceu se chama 
“A menina do mar”. Era uma história que a minha mãe me tinha contado quando 
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea22
eu era pequena, mas era uma história incompleta. A minha mãe tinha me dito 
que havia uma menina muito pequena que vivia nas rochas e como a coisa que 
eu mais adorava na vida era tomar banho de mar, essa menina tornou-se para 
mim o símbolo da felicidade máxima, porque vivia com as algas, os peixes... 
Então eu comecei a contar a história a partir disso. Depois os meus filhos ajuda-
vam; primeiro porque não me deixavam parar e segundo porque perguntavam: 
‘E o peixe que é que fazia? E o caranguejo?’. Essa história foi contada oralmente 
numa tarde. Quando a escrevi, tentei mantê-la como a tinha contado.
Nessa dinâmica discursiva, a escritora dialoga com a sua tradição literária e redimensiona 
dialogicamente a atividade poética, pois “as personagens [...] começam a representar diferentes 
‘vozes’ não unificadas por uma única verdade englobante de ordem ideológica (a filosofia do autor) 
ou de ordem psicológica (a personalidade do autor)” (MOISÉS, 1993, p. 58). Assim com um ce-
nário povoado por mil e uma espécies que compõem a fauna real e imaginada pela autora, o texto 
A menina do mar reatualiza a ideia do “Era uma vez”, marca recorrente nas narrativas infantis que 
buscam manter o princípio norteador do conto de fadas.
Essa abertura textual dá à narrativa fantástica a credibilidade, pois a remove de épocas e lu-
gares familiares para o mundo do imaginário, alimentando os sonhos dos ouvintes ou leitores em 
momentos distintos. A menina do mar apresenta uma característica literária bastante produtiva, 
é uma obra aberta, no sentido pensado por Umberto Eco. Dessa forma,
A literatura, mais que qualquer texto, exige a participação do leitor, exige que 
ele se comova com a leitura, ao mesmo tempo em que o remete a outras obras, 
histórias, a outros autores. Nessa rede de significações que se estende, a arte 
passa de mera comunicação previsível para o plano das expressões diversas. 
A perspectiva unívoca do processo de comunicação é resgatada de sua versão 
uniformizadora, conformadora, pelo reconhecimento de que ela se dá entre 
dois sujeitos falantes em que o ‘tu’ se transforma permanentemente em ‘eu’ 
[logo] a linguagem só é possível porque cada locutor é sujeito. A voz que res-
ponde repõe, isto é, não pode ser apenas a voz que reproduz e devolve em eco 
o mesmo. (YUNES; PONDÉ, 1988, p. 48-49) 
2.1.1 Análise das narrativas de Sophia de Mello Breyner Andresen
Em A Fada Oriana, Sophia valoriza os elementos tradicionais do conto de fadas. Com uma 
temática que sinaliza a dicotomia bem-mal. A Fada Oriana apresenta seres fantásticos, dotados de 
poderes tanto para o bem como para o mal, logo, as más ações são castigadas e as boas recompen-
sadas. A personagem central tem a função de cuidar dos seres da floresta, mas após ver seu rosto 
refletido no riacho, apaixona-se pela própria imagem, assim como ocorreu com Narciso, deixando 
de lado as suas funções. A partir desse momento, ela perde seus poderes, mas de acordo com a tra-
dição do conto de fadas, recupera seus poderes e suas funções após refletir e reconhecer seus erros.
O espaço e as personagens da história O rapaz de bronze pontuam mais uma vez o caminho 
trilhado por Sophia do ponto de vista temático: o jardim e as flores. As flores são as personagens 
principais que ganham vida e se comportam como as pessoas durante a noite. Assim, depois de 
Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários 23
observarem um baile, resolvem fazer uma festa na Clareira dos Plátanos1. Como podemos observar 
nesta passagem: “– Olá! – disse o Rapaz de Bronze quando viu aparecer o Gladíolo – que vens fazer 
a este lugar solitário? – Preciso de te pedir um favor. Quero que me dê licença para que eu organize 
uma festa: uma festa aqui no jardim, uma festa de flores igual às festas dos homens” (ANDRESEN, 
1977, p.18-19).
A narrativa A árvore conta a história de uma árvore milenar numa pequena ilha doJapão, 
porém esse símbolo da vida cresceu demasiado e cobriu parte da ilha, logo metade da ilha ficava na 
sombra constantemente e o sol já não aquecia as casas. A população se reuniu em um conselho e 
decidiu cortar a árvore. Vários objetos foram construídos com sua madeira, mas o principal objeto 
foi uma barca, que funcionava como transporte para diversos produtos.
Nesse cenário fantástico, o personagem principal simboliza múltiplos aspectos. Como bem de-
fine Eliade, a imagem da árvore não foi escolhida unicamente para simbolizar o cosmos, mas também 
para exprimir a vida, a juventude, a imortalidade, a sapiência (2001, p. 124). Nesse sentido, podemos 
dizer que o ritmo da natureza metaforizado na imagem da árvore estabelece um diálogo entre a vida 
e a morte, o claro e o escuro, o mar e a terra para manter o equilíbrio da casa que abriga os sonhos.
De acordo com Seixo (1986, p. 236):
Entre as águas e a casa se encontra o vago campo onde o ser desenvolve o alado 
percurso da sua perdição ou encontro, arremessado tantas vezes do objeto ao 
devaneio; é neste terreno que privilegiadamente se situa a capacidade quase 
mágica de ficcionar que encontramos em Sophia de Mello Breyner Andresen, 
marcada por uma intensa claridade de narração que a noite, como tema e sím-
bolo, vem por vezes turvar como poder de irrupção inesperada, mas inevitável, 
natural e também humana, que só o sono ou o sonho mascara.
A obra O cavaleiro da Dinamarca é ambientada num cenário medieval e, como nas diversas 
narrativas de Sophia, a temática casa está presente. O texto conta a história de um cavaleiro que um 
dia decidiu sair da sua casa na Dinamarca com o intuito de conhecer a Terra Santa, onde pretendia 
passar um Natal na gruta, local do nascimento de Cristo. Nessa narrativa, a personagem percorre 
lugares símbolos da cultura da humanidade: Palestina, Itália, com as suas cidades de Florença e 
Veneza; Flandres e Antuérpia. Nesse caminho de busca pelo conhecimento, o cavaleiro ouve histó-
rias sobre personagens importantes da arte, da literatura e da história de Portugal.
2.2 A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen
Ampliando nossas reflexões acerca da temática casa, procuraremos detectar na poesia de 
Sophia de Mello Breyner a imagem poética que abriga “a antiga casa”. Dessa forma, no poema Casa 
encontra-se a seguinte imagem:
1 De acordo com o Dicionário Houaiss (2009), os plátanos pertencem a uma família de “árvore[s] (Platanus orientalis) 
com casca que absorve elementos atmosféricos poluentes e se renova constantemente, folhas palmatilobadas e flores 
esverdeadas [...] nativa do Sudoeste da Europa ao Norte do Irã, e cultivada como ornamental”.
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea24
A antiga casa que os ventos rodearam
Com suas noites de espanto e de prodígio
Onde os anjos vermelhos batalharam
A antiga casa de inverno em cujos vidros
Os ramos nus e negros se cruzaram
Sob o íman dum céu lunar e frio
Permanece presente como um reino
E atravessa meus sonhos como um rio
(ANDRESEN, 2004, p. 172)
No espaço poético, a imagem, a singularidade da experiência passada “permanece presente 
como um reino / E atravessa meus sonhos como um rio” para redimensionar o “tempo de areia 
fina”. Como bem define Benjamin (1992, p. 224), a verdadeira imagem do passado perpassa, veloz, 
e só se deixa fixar como imagem que relampeja irreversivelmente, momento em que é reconhecida 
como um reflexo, pois “A casa está na tarde/ Actual mas nos espelhos/ Há o brilho de um tempo 
antigo/ Que se debate emerge balbucia” (“Portas da vila”. ANDRESEN, 2004, p. 174).
Diante disso, pode-se dizer que o poema tem com a experiência suscetível uma ligação sen-
sível, que coloca a língua no limiar da sensação, quando o sujeito poético constata que “a noite 
reúne a casa e o seu silêncio/ Desde o alicerce desde o fundamento/ Até a flor imóvel/ Apenas se 
ouve bater o relógio do tempo” (“A noite e a casa”. ANDRESEN, 2004, p. 168).
Segundo Alain Badiou, “o poema seria, como o sofista, um não pensamento que se apresenta 
no poder de linguagem de um pensamento possível” (2002, p. 32); no entanto, se houver um con-
ceito do poema, ou seja, se o poema for um conceito em si mesmo, esse conceito é inseparável do 
sensível, é um conceito que não pode ser diferenciado ou isolado dos limites da língua.
Desse ponto de vista, “o poema é um pensamento impensável [...] um pensamento que pre-
cisamente só existe na medida em que é pensável” (BADIOU, 2002, p. 32), como figuração de um 
tempo em que:
Dia
Meu rosto se mistura com o dia
Nuvens telhados ramagens e Dezembro
Apaixonada estou dentro do tempo
Que me abriga com canto e com imagens
Tão abrigada estou dentro da hora
Que nem lamento já a tarde antiga
Tudo se torna presente e se demora
Será que o dia me pede que eu o diga?
(ANDRESEN, 2004, p. 142)
Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários 25
2.2.1 Análise de poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen
O poema autodefine-se como pensamento. Ele não se efetiva, enquanto pensamento disposto 
no cerne da língua, mas é a completude das intervenções produzidas nela que leva esse pensamento 
a se pensar. O termo luz – marca recorrente na poética de Sophia – constitui-se num relampejo 
que ilumina as palavras para deixar mais legível o sentido do discurso fragmentado, repleto de 
ausências expostas na cena poética absorvida.
Ausência
Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua.
(ANDRESEN, 2004, p. 107)
A intensidade das imagens poéticas evocadas em Sophia é um mecanismo de meios 
dispostos com um significado preciso, um motivo para o poema estabelecer imageticamente 
a apresentação sensível na configuração de um pensamento, que transita entre a ausência e 
a presença, a retração e a atração, casas antigas e casas ainda por construir. Como podemos 
verificar no poema “Casa branca”:
Casa branca em frente ao mar enorme,
Com o teu jardim de areia e flores marinhas
E o teu silêncio intacto em que dorme
O milagre das coisas que eram minhas.
A ti eu voltarei após o incerto
Calor de tantos gestos recebidos
Passados os tumultos e o deserto
Beijados os fantasmas, percorridos
Os murmúrios da terra indefinida.
Em ti renascerei num mundo meu
E a redenção virá nas tuas linhas
Onde nenhuma coisa se perdeu
Do milagre das coisas que eram minhas.
(ANDRESEN, 2004, p. 34)
Segundo Badiou (2002), o poema moderno é menos a forma sensível da ideia e bem mais 
o sensível que se apresenta como nostalgia subsistente e impotente da ideia poética. No poema 
“As pessoas sensíveis”, Sophia mistura os sentidos, as sensações humanas, com imagens ligadas ao 
campo do sagrado por um viés só compreendido no discurso poético:
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea26
As pessoas sensíveis não são capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhas
O dinheiro cheira a podre e cheira
À roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque não tinham outra
O dinheiro cheira a podre e cheira
A roupa
Que depois do suor não foi lavada
Porque não tinham outra
“Ganharás o pão com o suor do teu rosto”
Assim nos foi imposto
E não:
“Com o suor dos outros ganharás o pão”
Ó vendilhões do templo
Ó construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveito
Perdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
(ANDRESEN, 2004, p. 151)
Sendo assim, por intermédio da manifestação de movimentos contraditórios “as pessoas 
sensíveis” não são capazes de agir de acordo com o mandamento inicial, mas criam novas formas 
para obter os bens necessários. O poema atravessa com uma força imanente o que a imagem sen-
sível capta. Não nos apresenta uma ideia mimética do mundo visível, mas sugestiva de um mundo 
transcendente em que o sujeito poético pede ao Senhor que perdoe os “vendilhões do templo”.
A poesia de Sophia de Mello Breyner torna-se verdade múltipla ancorando-se paraalém dos 
limites da língua. Na leitura do texto intitulado O poema, observam-se os ecos da memória. Assim, 
pode-se visualizar também o canto da desilusão, de as experiências empíricas adquirirem signifi-
cados na junção dos termos ligados à natureza para efetivar o encontro entre o mundo sensível, 
que pode ser percebido pelos sentidos, e aquele intemporal, transcendental, e só reconhecível pelo 
pensamento poético, porque:
O poema me levará no tempo
Quando eu já não for eu
E passarei sozinha
Entre as mãos de quem lê
O poema alguém o dirá
Às searas
Sua passagem se confundirá
Com o rumor do mar com o passar do vento
Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários 27
O poema habitará
O espaço mais concreto e mais atento
No ar claro nas tardes transparentes
Suas sílabas redondas
(Ó antigas ó longas
Eternas tardes lisas)
Mesmo que eu morra o poema encontrará
Uma praia onde quebrar as suas ondas
E entre quatro paredes densas
De funda e devorada solidão
Alguém seu próprio ser confundirá
Com o poema no tempo
(ANDRESEN, 2004, p. 135)
A escrita de Sophia nasce numa época de mudanças expressivas em Portugal e no mundo. 
Os movimentos de lutas libertárias contra o fascismo em Portugal, o nazismo em várias partes da 
Europa e, em especial, contra o colonialismo na África são impulsionados com o auxílio de escri-
tores que emprestam sua palavra para valorizar o direito à vida e à liberdade de expressão tão cara 
numa época de profunda solidão. Trilhando um caminho muito particular, Sophia integra essa 
legião de autores que acreditaram na possibilidade de “O poema [habitar] /O espaço mais concreto 
e mais atento”. A poética de Sophia estabelece uma nova proposição do pensamento literário portu-
guês. Nesse sentido, ela cria um novo meio para o uso poético da língua, e não somente um prazer 
intenso visível no presente textual. Emprega no seu discurso um conjunto de símbolos e alegorias 
que fazem lembrar Fernando Pessoa, poeta que foi para ela uma referência.
A memória das coisas e dos espaços em Sophia constitui-se numa teorização acerca da arte 
e do real, como podemos perceber na passagem retirada do seu discurso durante a entrega do 
Grande Prêmio de Poesia atribuído ao Livro Sexto:
A coisa mais antiga de que me lembro é dum quarto em frente do mar dentro 
do qual estava, poisada em cima duma mesa, uma maçã enorme e vermelha. 
Do brilho do mar e do vermelho da maçã erguia-se uma felicidade irrecusável, 
nua e inteira. Não era nada de fantástico, não era nada de imaginário: era a 
própria presença do real que eu descobria. Mais tarde a obra de outros artistas 
veio confirmar a objetividade do meu próprio olhar. Em Homero reconheci essa 
felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas. E também a re-
conheci, intensa, atenta e acesa na pintura de Amadeo de Souza-Cardoso. Dizer 
que a obra de arte faz parte da cultura é uma coisa um pouco escolar e artificial. 
A obra de arte faz parte do real e é destino, realização, salvação e vida.
Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre 
um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica 
preso. E se a minha poesia, tendo partido do ar, do mar e da luz, evoluiu sempre 
dentro dessa busca atenta. Quem procura uma relação justa com a pedra, com 
a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o 
anima, a procurar uma relação justa com o homem. Aquele que vê o espantoso 
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea28
esplendor do mundo é logicamente levado a ver o espantoso sofrimento do 
mundo. Aquele que vê o fenômeno quer ver todo o fenômeno. É apenas uma 
questão de atenção, de sequência e de rigor. (“A coisa mais antiga de que me 
lembro”. ANDRESEN, 2004, p. 155)
O poeta reconstitui fatos, fazendo uso da dupla utilização de lembrar, torna possível o des-
locamento entre lembrar o vivido e lembrar vozes ou imagens alheias, distantes no tempo. Sendo 
assim, em um processo não habitual, isto é, subjetivo, Sophia lembra em termos de experiências 
fatos experimentados pelo sujeito, mas também pelos sujeitos coletivamente. A poética da “pós-
-memória da geração seguinte àquela que sofreu, ou protagonizou os acontecimentos” (SARLO, 
2007, p. 91), constitui uma vibração na poesia de Sophia:
Sinto os mortos no frio das violetas
E nesse grande vago que há na lua.
A terra fatalmente é um fantasma,
Ela que toda a morte em si embala.
Sei que canto à beira de um silêncio,
Sei que bailo em redor da suspensão,
E possuo em redor da impossessão.
Sei que passo em redor dos mortos mudos
E sei que trago em mim a minha morte.
Mas perdi o meu ser em tantos seres,
Tantas vezes morri a minha vida,
Tantas vezes beijei os meus fantasmas,
Tantas vezes não soube dos meus atos,
Que a morte será simples como ir
Do interior da casa para a rua.
(ANDRESEN, 2004, p. 45)
A perspectiva diferencial da pós-memória para a memória-lembrança – vivida pelo sujeito 
que narra poeticamente suas experiências – é que aquela inevitavelmente vem mediada pelas lem-
branças alheias das vidas dos sujeitos e de seu entorno imediato. Nesse sentido, o sujeito poético 
traça a geografia das coisas, dos espaços, da cidade, porque “a memória é redundante: repete os 
símbolos para que a cidade comece a existir” (CALVINO, 1990, p. 23). Como podemos perceber 
no poema a seguir:
Há cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampadas em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.
Há cidades acesas cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.
Sophia de Mello Breyner e os mistérios literários 29
E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.
(ANDRESEN, 2004, p. 44)
Nos seus textos há um apelo aos sentidos, logo, o sujeito poético valoriza as sensações visuais, 
táteis, olfativas e auditivas para estabelecer a relação com uma realidade criada por meio das pala-
vras. Sophia utiliza com frequência termos cheios de valor mágico que configuram cenários ligados 
ao mar, à casa, à praia, à noite e aos valores associados a esses termos – mistério, sonho, justiça, vida 
e morte – bem como as figuras mais recorrentes em sua produção literária: fadas, deuses e animais. 
Nesse sentido, a literatura surge como o único espaço capaz acolher “todo o milagre, toda a maravi-
lha [...] /As flores, as manhãs, o vento, o mar” (ANDRESEN, 2004, p. 61).
Dicas de estudo
A revista Metamorfoses apresenta um artigo sobre a obra poética de Sophia e um ensaio feito 
por ela acerca da poética de Cecília Meireles: Revista Metamorfoses, n. 1. Lisboa: Edições Cosmos 
e Cátedra Jorge de Sena, 2000.
O site da Porto Editora apresenta a biografia da autora, bem como suas obras publicadas. 
Disponível em: <https://www.portoeditora.pt/autor/sophia-de-mello-breyner-andresen>. Acesso 
em: 18 jul. 2018.
Atividades
1. Quais são as características básicas da poesia e da prosa de Sophia de Mello Breyner Andresen? 
2. De que maneira Sophia de Mello Breyner Andresen estabelece um diálogo com as tradições? 
3. A temática casa é recorrente na poética de Sophia de Mello Breyner Andresen, de que forma 
o tema se apresenta e que tipo de casas estão presentes na sua poesia?
Referências
ANDRESEN, Sophia de Mello Breyner. In: Revista Metamorfoses, n. 1. Lisboa: Edições Cosmos e Cátedra 
Jorge de Sena, 2000.
_______. A árvore. Porto: Figueirinhas, 1985.
_______. O rapaz de bronze. Lisboa: Moraes Editores, 1977.
_______. Poemas escolhidos. ARÊAS, Vilma (Org.). São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
BADIOU, Alain. Pequeno manual de inestética. São Paulo: Estação Liberdade, 2002.
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea30
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 4. ed. São 
Paulo: Brasiliense, 1992.
CALVINO, Ítalo. As cidades invisíveis. 2. ed.São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
MOISÉS, Leyla Perrone. Texto, crítica, escritura. 2. ed. São Paulo: Ática, 1993.
OLIVEIRA, Jurema. No limite entre a memória e a história: a poesia. Luanda: União dos Escritores Angolanos 
/ UEA, 2009.
SARLO, Beatriz. Tempo passado: cultura da memória e guinada subjetiva. São Paulo: Companhia das Letras; 
Belo Horizonte: UFMG, 2007.
SEIXO, Maria Alzira. A palavra do romance: ensaios de genealogia e análise. Lisboa: Livros Horizonte, 1986.
YUNES, Eliana; PONDÉ, Glória. Leitura e leituras da Literatura Infantil. São Paulo: FTD, 1988.
3
Claridade e Certeza
De acordo com Manuel Ferreira, Cabo Verde conheceu no final do século XIX, no plano 
literário e cultural, um desenvolvimento significativo, mas como o grupo mais atuante era de 
descendentes de portugueses, esses foram buscar um Portugal o espaço mais promissor para suas 
carreiras intelectuais. A experiência lisboeta abriu espaço para a formação de muitos escritores 
cabo-verdianos, desenraizados da terra natal, mas produtores de obras de prestígio na história 
literária de Cabo Verde. Destacam-se “António Gertrudes Pusich (1875-1924) e Henrique de 
Vasconcelos (1875-1924) – Flores Cinzentas (poesia, 1893), A Mentira Vital (contos, 1895) –, 
ambos com vasta obra publicada” (FERREIRA, 1987, p. 25).
Assim, como Angola e Moçambique, Cabo Verde também contou com o impulso dos jornais 
para dinamizar sua criação ficcional e poética. Seu primeiro periódico de destaque foi o Almanach 
Luso-Africano (1894 e 1899), que registrou colaborações literárias tanto em português como em 
crioulo, língua usada pelo idealizador do almanaque, o cônego António Manuel Teixeira.
Ao contrário de Angola e Moçambique, Cabo Verde não viu florescer uma literatura 
colonial nos moldes tradicionais. A partir da segunda metade do século XIX, a colônia adquire 
feição própria, pois a posse da terra ia sendo pouco a pouco transferida para as mãos de uma 
burguesia cabo-verdiana mestiça, fosse branca ou negra. Nesse processo, não ocorre ali uma 
relação tradicional visível nas demais colônias, isto é, colonizado versus colonizador, mas sim 
explorado versus explorador, semelhante àquela presente no sistema capitalista, guardadas as 
devidas proporções, já que não podemos negar a especificidade colonial estabelecida entre o poder 
político e as comunidades.
Ainda de acordo com Manuel Ferreira, uma narrativa que explicita a dinâmica diferen-
ciada nas relações sociais e de poder em Cabo Verde é a obra O Escravo (1856), de José Evaristo 
de Almeida:
Uma das virtudes desse texto está em que a quase totalidade das personagens 
são cabo-verdianas (negros, mestiços, mulatos). E o espaço é o da escravidão, 
abrindo-se a nós hoje para a compreensão de um mundo longínquo no tempo, 
a permitir uma perspectiva social diacrônica de largo alcance. Assim, e em ter-
mos da escrita, ficamos a saber, ao vivo, que havia senhores de escravos entre os 
próprios africanos: pelo menos, mulatos. (FERREIRA, 1987, p. 25)
O escravo aparece no cenário cabo-verdiano como exemplo de um projeto literário que se 
formava no século XIX e começo do século XX. Outras produções foram escritas nesse período, 
como: Amores de uma Crioula (1911) e Vinte Anos Depois (1911) de António de Arteaga (século 
XIX – XX); Bosquejos d’um Passeio ao interior da Ilha de S. Thiago (1912), 11 contos singelos – Nhô 
José Pedro ou Scenas da Ilha Brava” (FERREIRA, 1987, p. 27), entre outros. Esses autores tiveram 
seus textos publicados em A voz de Cabo Verde (1911 – 1919), periódico importante na divulgação 
da literatura cabo-verdiana.
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea32
A voz de Cabo Verde acolheu os intelectuais mais importantes daquela época. O século XX 
viu nascer um projeto nacional cabo-verdiano, que foi bem representado pela geração de Claridade 
(1936), de Certeza (1944) e do Suplemento cultural (1958), sendo esse último o marco para se con-
solidar definitivamente o projeto literário cabo-verdiano:
O projeto da geração da Claridade opera a transgressão, o deslocamento da 
visão europeia para uma visão cabo-verdiana. Daí o rompimento com os mo-
delos temáticos europeus e uma radical consciência regional. O ideário da 
Certeza enriquece a tomada de posição da Claridade pela introdução de uma 
visão dialética dada pelo marxismo. (FERREIRA, 1987, p. 56)
Segundo Benjamin Abdala Junior (2003), a história da literatura de Cabo Verde divide-se em 
duas fases: antes e depois de Claridade (1936-1960). O percurso dessa revista está ligado aos aspec-
tos de ordem política, social, histórica e literária. Na década de 1930, os escritores cabo-verdianos 
começam a questionar qual seria de fato a identidade da literatura produzida por eles.
Tal identidade estava presa inicialmente às características regionais do arquipélago e aos va-
lores portugueses, mas vai evoluindo pouco a pouco para uma ruptura definitiva com a metrópole 
que os acolheu em períodos anteriores. Em seguida, essa identidade se inscreve num contexto de 
investigação em que os escritores envolvidos na produção discursiva buscam, acima de tudo, criar 
uma literatura de caráter nacional.
Os cabo-verdianos começavam a ver o arquipélago como um espaço carente de uma nar-
rativa de cunho nacional, capaz de acolher todas as vozes ali fixadas. Esses intelectuais passam 
a criar com os olhos fixos “no chão crioulo, próprio da mesclagem étnica e cultural de seu país” 
(ABDALA, 2003, p. 209).
3.1 Pressupostos teóricos da revista Claridade
Na visão de Manuel Ferreira (1989), a morte do discurso metropolitano se dá com o nasci-
mento de Claridade. A especificidade da literatura cabo-verdiana é a diferença, isto é, a oposição 
intrínseca que esta estabelece com as demais (a colonial, a africana e a brasileira). Os “claridosos” 
precisavam reinventar suas raízes, logo, o caminho primordial seria saber qual a origem da pátria 
imaginada. Primeiramente, tinham que se desvencilhar “da pátria imperial, da pátria externa”, para 
criar no vazio simbólico a imagem mítica da “cabo-verdianidade”.
José Lopes e Pedro Cardoso criam uma poética capaz de desempenhar um papel fundamental 
no estabelecimento da “nova cosmogonia”1, construída a partir da lenda e do mito. Ambos os autores, 
metaforicamente, reatualizam “a lenda da Atlântica” e fundam na poesia uma ideia de que a nação 
pode ter uma narrativa que a fundamente na sua cabo-verdianidade. Em Claridade essa temática tem 
um perfil mais realista e dinâmico, distinto daquele pautado pela corrente que antecedeu o nascimento 
1 A cosmogonia é um termo que refere-se a teorias sobre a origem do universo geralmente fundada em lendas ou em 
mitos e ligada a uma metafísica. Como não houve testemunhas, as teorias da formação do mundo assentam-se na fé 
(cosmogonias religiosas) ou no cálculo (cosmogonias astronômicas). DICIONÁRIOS DE FILOSOFIA. Cosmo, Cosmologia, 
Cosmogonia, Cosmovisão. Disponível em: <https://sites.google.com/view/sbgdicionariodefilosofia/cosmo-cosmologia-
cosmogonia-cosmovis%C3%A3o>. Acesso em: 18 jul. 2018.
Claridade e Certeza 33
da revista. Com ela nasce um novo projeto, o da “cabo-verdianidade”. O tempo, culturalmente, era 
outro, logo:
É verdade que alguns dos temas fundamentais dos “claridosos” haviam sido 
objetos de preocupação literária dos poetas do período anterior, que designa-
mos por cabo-verdianismo. Mas agora, com a Claridade, esses mesmos temas 
são tratados não de um ponto de vista realista, enquadrados no concreto social. 
Estamos, pois, em tempo cultural diferente, que permite a concretização de uma 
literatura marcada pelo ‘realismo crítico’, no conceito de Lukács. Não se trata, 
pois, como dizíamos de uma moda, de uma escola, mas de alguma coisa re-
transformada e transformadora, que possui, em si mesma, o germe do impulso 
dinâmico, conferindo a ela a categoria de movimento, e não apenas de escola, o 
que pressupõeuma nova visão do universo crioulo. (FERREIRA, 1987, p. 43-44)
As temáticas recebem, como afirma Ferreira, uma nova roupagem, consequentemente, 
um novo olhar do universo crioulo. A crioulidade, na proposta da revista Claridade, está intima-
mente ligada à experiência literária e cultural e aos valores de Cabo Verde:
Claridade iniciava-se com um testemunho vivo do respeito pelos valores cabo-
-verdianos, privilegiando, num lugar de destaque, a língua crioula, que durante 
anos de colonialismo foi objeto de repressão. Era, assim, um desafio à autorida-
de, assumindo como defesa das raízes mais profundas do povo. (LARANJEIRA, 
1995, p. 190)
Esse posicionamento desencadeia uma revolução discursiva, já que os “claridosos” estão 
voltados completamente para um empreendimento de construção identitária. Segundo Manuel 
Duarte, os “intelectuais do grupo Claridade, [...] empreenderam a tarefa coletiva e histórica de 
enraizar as letras cabo-verdianas (LARANJEIRA, 1995, p. 643).
3.1.1 Claridade
Inicialmente, Claridade apresenta o arcabouço dos principais norteadores da poética da cabo-
-verdianidade, tanto pelos propósitos estabelecidos pela revista como pelo conteúdo veiculado nos 
seus exemplares. Os colaboradores-fundadores foram Baltasar Lopes, Jorge Barbosa e Manuel Lopes. 
Os primeiros números são edificados entre março de 1930 e março de 1937. Além dos nomes já ci-
tados, destacam-se Pedro Corsino de Azevedo e José Osório de Oliveira. Este escrevia e divulgava a 
literatura cabo-verdiana entre portugueses e brasileiros.
Do ponto de vista político-ideológico, a intenção da revista era criar um ideário próprio para 
afastar definitivamente os escritores de Cabo Verde dos “cânones portugueses e [levá-los a] exprimir 
a voz coletiva do povo cabo-verdiano, naquilo que ele possui de mais autêntico” (LARANJEIRA, 
1995, p. 190).
A confirmação do distanciamento literário das obras canônicas de além-mar se dá logo no 
primeiro e segundo números de Claridade, em que os poemas de abertura estão escritos em crioulo. 
“No 1º número, ‘Lantuna & 2 motivos de finançom’, conjunto que faz parte dos cantares e batuque da 
Ilha de Santiago. No 2º número, uma morna de Xavier da Cruz (conhecido também como Beleza)” 
(LARANJEIRA, 1995, p. 190).
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea34
A revista apresentava traços puramente literários e publicava com maior frequência poemas, 
contos e artigos que definiam as características sociais de Cabo Verde. Diante disso, pode-se dizer que 
Claridade é o divisor de águas entre a produção de um discurso literário quase que exclusivamente 
preso ao discurso português, e uma outra bastante atenta à busca das raízes insulares, capaz de 
exprimir uma poética renovada, tendo como base os valores e motivações próprios da terra 
cabo-verdiana. De acordo, ainda, com Manuel Ferreira (1987, p. 43):
De todas as iniciativas, porém, nunca será demais colocar a tônica na Claridade, 
tão profunda e duradoura foi a transformação por ela operada na história e na 
evolução da vida literária e cultural do arquipélago. Os textos literários e culturais 
de Baltasar Lopes (‘Oswaldo Osório’), Manuel Lopes e Jorge Barbosa, a que vie-
ram juntar-se tantos outros, exprimem uma nova maneira de encarar a realidade 
cabo-verdiana e, consequentemente, uma nova maneira de exprimi-la linguistica-
mente, criando-se uma diferente e atualizada linguagem artística. Não se trata de 
uma escola, de uma moda. Trata-se de uma mudança total.
A dimensão literária estabelecida pela circulação de Claridade gera entre os intelectuais da 
época um produtivo questionamento acerca do que havia de novo no cenário literário, até então 
desconhecido deles. Em A aventura crioula (1985), Manuel Ferreira faz a seguinte afirmação: 
“Alguma coisa de insólito se desenrola no panorama das literaturas africanas de língua portuguesa, 
talvez sem que, de todo, os responsáveis de Claridade se dessem conta do salto qualitativo alcançado” 
(FERREIRA, 1985, p. 231).
Claridade constitui, então, na consolidação definitiva dos contornos de um siste-
ma literário nacional em Cabo Verde. Cabe ressaltar que essa revista surge em um período 
sócio-histórico-político-cultural repleto de conflitos em várias partes do mundo, gerados pe-
los reflexos da queda da bolsa em 1929, pelo nazismo e fascismo em voga na Europa e pelo 
advento da guerra civil espanhola. Paralelamente a esse contexto conturbado, surge no mundo 
um processo de conscientização gerador da corrente Negritude2, cujos mentores foram Aimé 
Césaire, Léopold Senghor e Leon Damas, além da criação de condições especiais em várias 
comunidades africanas.
Nesse cenário de consolidação literária, é preciso considerar que, se na poesia havia uma 
tradição, em decorrência das relações estabelecidas com os poetas portugueses – tradição esta 
abandonada em prol da nova expressão de envolvimento definitivo no contexto humano do arqui-
pélago –, em relação à narrativa o caminho seguido foi o do diálogo com os brasileiros. No dizer de 
Manuel Ferreira, “a aprendizagem literária desses autores foi, dominantemente, veiculada pelo texto 
em português e, como já dissemos, pelo texto brasileiro” (FERREIRA, 1987, p. 73).
2 Negritude (originariamente do francês Négritude ) foi o nome dado a uma corrente literária que agregou escritores 
negros francófonos. Este movimento tinha do ponto de vista ideológico, o objetivo de valorizar a cultura negra, libertar 
os negros africanos e todos aqueles afrodescendentes que viviam experiências de opressão resultantes de práticas 
colonialistas fora da África, ou seja, na diáspora.
Claridade e Certeza 35
3.2 Pressupostos teóricos da revista Certeza
O projeto iniciado com Claridade encontra eco na revista Certeza (1944):
O grupo de Certeza vem perfilhar o ponto de vista neorrealista. São, portan-
to, marxistas. Quando os componentes do grupo tomaram conhecimento de 
Claridade e logo a seguir da proposta dos neorrealistas portugueses, abando-
naram os possíveis liames com um passado ‘hesperitano’ e assumiram na ilha, 
em modos ideológicos, o drama coletivo em que se debatia a humanidade: 
a Segunda Guerra Mundial. (FERREIRA, 1987, p. 51-52)
A Segunda Guerra Mundial modifica por completo a visão de escritores e intelectuais en-
volvidos com um projeto poético-literário de cunho anticolonialista. Sendo assim, a juventude que 
formou a equipe de Certeza, na fase em que trilhavam seus primeiros passos na poesia e despertava 
seu interesse pela literatura e por problemáticas afins, apesar de terem informação sobre os três 
primeiros números de Claridade, não se interessaram ou leram mal sua mensagem tão importante 
para a história literária de Cabo Verde.
3.2.1 Certeza
As fontes inspiradoras de Certeza continuaram a ser José Lopes e Januário Leite. Os dois 
grandes nomes da poética cabo-verdiana, Jorge Barbosa, que escrevia em língua portuguesa, 
e Eugénio Tavares, que escrevia em crioulo, não receberam dos jovens de Certeza a devida atenção.
O distanciamento das temáticas ligadas à terra-mãe tem a ver com a solidariedade desse gru-
po com o drama generalizado de homens envoltos no desencontro de uma época repleta de pro-
messas, mas, também, carregada de desilusões causadas pela Segunda Guerra Mundial, que estava 
no auge naquela fase. O fato de os jovens tomarem partido do drama mundial abriu uma lacuna 
entre os ideais pensados por Claridade acerca dos problemas do Arquipélago e os novos parâme-
tros esboçados pelo grupo de Certeza. Se a primeira revista direcionou todos os esforços para criar 
uma narrativa nacional, a segunda lutava contra as formas sociais estabelecidas e estabilizantes e 
deixou de lado o amor à terra, os estudos das culturas locais e os contrastes sociais do arquipélago 
para promover em seu discurso uma solidariedade com os homens de outras terras.
Por outro lado, a falta de experiência dos jovens responsáveis por Certeza põe por terra 
toda uma preparação cultural construída pelo grupo de Claridade. Umdado importante de di-
ferenciação entre os dois grupos é que, politicamente, os membros de Certeza estavam tolhidos, 
sem estrutura, não dispunham de um órgão cultural capaz de aglutinar o grupo em torno de uma 
proposta mais consistente, de preocupação com os problemas literários e com a pesquisa acerca 
das realidades de Cabo Verde.
Certeza, apesar de representar um período ímpar na evolução da cultura e da literatura 
cabo-verdiana, teve curta existência, “sem garra para calar fundo no devir das letras do arquipé-
lago. Mas longe de poder ser ignorada e muito menos esquecida, dado que é com ela que se intro-
duz, em Cabo Verde, o discurso literário e cultural de índole marxista” (FERREIRA, 1985, p. 273).
Certeza não passou do número 2, já que a censura se encarregou de silenciar o grupo quan-
do iria sair o número 3. Nesse ínterim, Claridade também teve sua circulação prejudicada pela 
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea36
ausência de Baltasar Lopes da Silva, seu principal mentor. O estágio de reflexão literária foi silen-
ciado temporariamente, mas retomado em 1947 – nove anos depois da publicação do número 3 –, 
com o retorno de Baltasar Lopes ao arquipélago.
3.3 A renovação e a ampliação com Claridade
A renovação e a ampliação da abrangência de Claridade se deu com o lançamento dos nú-
meros 4 e 5 da revista:
Claridade alargava as suas margens e reconquistava o lugar de órgão aglutina-
dor verdadeiramente representativo da intelligentzia do arquipélago, feição que 
nunca mais viria a perder. E neste fecundo e soberbo empenhamento se furtava 
a tornar-se bandeira de um grupo para desempenhar o papel mais ambicioso de 
expressão total da cabo-verdianidade. (FERREIRA, 1985, p. 275)
Claridade circulou durante 10 anos entre ascensão, silêncio e renovação literária. Durante 
esse tempo, experimentou o auge e o amadurecimento do grupo com o lançamento do oitavo 
exemplar, que trazia um panorama local da poesia, ficção, etnografia, sociologia etc. Dos nomes 
acolhidos por Claridade vale lembrar também os de Teixeira de Sousa e Félix Monteiro, que pro-
duziram valiosos estudos acerca do homem cabo-verdiano e das estruturas sociais do arquipélago.
Além dos nomes já citados, o percurso poético cabo-verdiano – que nasce e renasce des-
de Claridade até Certeza – contou com a participação de novatos como Terêncio Anahory, Jorge 
Pedro, Obídio Martins, Onésimo Silveira e, na ficção, Virgílio Pires. Sendo Cabo Verde um país 
bilíngue, o número 8 de Claridade lança aquele que se tornou um grande poeta em crioulo, Sérgio 
Frusoni, bem como dois poetas de língua portuguesa, Corsino Fortes e Virgílio de Melo.
Nesse cenário literário em formação, o diálogo com autores brasileiros tornou-se significati-
vo. Em seu livro Angola e Brasil: literaturas comparadas (2002, p. 49), Tania Macêdo sinaliza a par-
ticipação de escritores africanos de língua portuguesa no grupo da revista Sul: “O que desejamos 
realçar com esse exemplo é que a revista Sul, ao abrir diálogo com as literaturas africanas em língua 
portuguesa, acabou também por ser, em face da situação dos países sob colonialismo, um espaço 
onde se guardaram momentos importantes da história de Angola, Moçambique e São Tomé”.
3.4 Os poetas e prosadores pós-Claridade e Certeza
Os caminhos trilhados pelos poetas e prosadores de Cabo Verde até o nascimento de Claridade 
eram bastante ambíguos. Tais características só se dissiparam completamente quando “o silêncio se 
abate na noturna ausência (a morte) do colonizador (o pai)” (FERREIRA, 1989, p. 189). O novo sopro 
de vida foi, sem dúvida, a revista Claridade (1936). No entanto, o complexo edipiano3 – que ainda 
vigorava em alguns textos – só desaparecerá por completo do cenário literário cabo-verdiano com a 
revista Certeza (1944). Certeza foi aglutinadora de jovens colaboradores apesar de sua curta existên-
cia, que encontraram um campo fértil já solidificado pela geração anterior, e para efeito de conclusão 
do percurso literário cabo-verdiano durante o Império Português na África, cabe aqui citar o papel 
3 “Relativo à ou próprio da interpretação psicanalítica da tragédia Édipo Rei (diz-se de conflito, triângulo, período, 
estrutura etc.); edípico” (HOUAISS, 2009).
Claridade e Certeza 37
de Suplemento cultural (1958), que enterra de vez o suposto pai (o colono) para elevar Cabo Verde ao 
lugar de nação – mátria e pátria – estabelecedora da ordem social e cultural.
Nesse sentido, a verdadeira literatura cabo-verdiana é aquela que resgata a cabo-verdianidade, 
isto é, a produção de textos que exprimem valorativamente o real do povo com várias vertentes 
político-ideológicas, mas o século XX viu nascer com Claridade um caminho que jamais retroce-
deu por completo. Em todos os movimentos de mudanças estruturais ocorrem retrocessos, mas 
avanços importantes também:
Os intelectuais e escritores, a partir de Claridade, [...], projetaram o seu esforço 
criador nos grandes segmentos que representavam ou simbolizavam a parte 
viva da sua pátria, ou seja, aquela que não adotava os critérios e os padrões que 
serviam o colonialismo; e assim, aberta ou implicitamente, condenaram tudo 
quanto viesse de fora desse projeto nacional. (FERREIRA, 1987, p. 33)
No final do colonialismo, o olhar de angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos, guineenses 
e são-tomenses se volta para o Brasil com a ideia de “forjar uma identidade cultural multiétnica e 
ao mesmo tempo unificada” (HAMILTON, 2003, p. 145), semelhante àquela imaginada por eles 
acerca do Estado brasileiro. Sendo assim, nos anos 1930, os intelectuais cabo-verdianos começam 
a construir a tese de uma sociedade crioula nos moldes da brasileira. Essa visão cabo-verdiana tem 
a ver com a história do povoamento do arquipélago. Os estudiosos dos sistemas coloniais conside-
ravam aquele pequeno país como um exemplo bem-sucedido do Atlântico Sul:
Na década de 1930, um núcleo de intelectuais e escritores cabo-verdianos re-
unia-se em torno de Claridade, uma revista de arte e letras lançadas em 1936. 
Na cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente, os poetas e ensaístas da geração 
de Claridade cultivam a ideia da compatibilidade entre o seu etos, ou seja, 
a sua imagem de si perante o mundo e aspectos salientes, e a seu ver atraentes, 
do luso-tropicalismo. (HAMILTON, 2003, p. 145)
O discurso intertextual presente na revista Claridade (1936) foi reforçado mais tarde por 
Jorge Barbosa, integrante do grupo de poetas ilustres que nela escreviam. Em seus poemas ocorre 
uma evocação ao Brasil como nação inspiradora dos avanços anticolonialistas e aos poetas que 
sabiam como ninguém onde cantavam os sabiás. Um outro integrante de Claridade que se inspirou 
nos brasileiros foi Osvaldo Alcântara, pseudônimo de Baltasar Lopes da Silva, poeta e romancista 
que teve a oportunidade de visitar o Brasil e o homenageia com um poema, escrito durante sua 
estada no Rio de Janeiro, intitulado “Saudade do Rio de Janeiro”.
Em 1951, o luso-tropicalista, como ficou conhecido entre os africanos da época, Gilberto 
Freyre visita Cabo Verde com o intuito de pesquisar sobre as “constantes portuguesas” em Cabo 
Verde e as semelhanças de seu povo com o Brasil. Conclui que nenhuma das duas hipóteses eram 
verdadeiras. Esse fato gerou em Baltasar Lopes uma grande decepção, mas não impediu que a visão 
sobre o Brasil em Cabo Verde fosse se ampliando.
Como bem salienta Manuel Ferreira, a importância da literatura brasileira na produção li-
terária angolana, moçambicana e cabo-verdiana é indispensável. Romancistas como Jorge Amado, 
Graciliano Ramos, José Lins do Rêgo, e poetas como Jorge de Lima, Carlos Drummond de Andrade 
e Manuel Bandeira muito contribuíram para a efetivação das trajetórias que se estabeleciam na 
Literatura portuguesa e luso-africana: moderna e contemporânea38
África portuguesa, conjuntamente ao projeto político-ideológico da construção do Estado-nação 
que cada comunidade buscava concretizar.
As redes de cumplicidades estabelecidas

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