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www.esab.edu.br O Índio e a história do BrasilCURSO DE PEDAGOGIA O Índio e a história do Brasil Vila Velha (ES) 2016 Escola Superior Aberta do Brasil Diretor Geral Nildo Ferreira Diretora Acadêmica Ignêz Martins Pimenta Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Ignêz Martins Pimenta Coordenadora do Curso de Administração EAD Giuliana Bronzoni Liberato Coordenador do Curso de Pedagogia EAD Custodio Jovencio Coordenador do Curso de Sistemas de Informação EAD David Gomes Barboza Produção do Material Didático-Pedagógico Escola Superior Aberta do Brasil Design Educacional Bruno Franco Design Gráfico Bruno Franco Diagramação Bruno Franco Equipe Acadêmica da ESAB Coordenadores dos Cursos Docentes dos Cursos Copyright © Todos os direitos desta obra são da Escola Superior Aberta do Brasil. www.esab.edu.br Av. Santa Leopoldina, nº 840 Coqueiral de Itaparica - Vila Velha, ES CEP 29102-040 Apresentação Caro/a estudante, Seja bem-vindo(a) à disciplina “Os indígenas e a História do Brasil”. Ao longo destas 15 unidades, apresentaremos dados e análises a respeito da diver- sidade dos povos indígenas que habitaram o território invadido e colonizado pelos portugueses. Trazemos para a nossa discussão perspectivas da história e da questão indígena, em geral pouco estudada no nosso processo de educação escolar. Os dados, informações e reflexões apresentam-se embasados em pesquisas realiza- das por estudiosos de diversos campos e instituições no Brasil e em outros países. A perspectiva do estudo considera a interdisciplinaridade ao compreender que os conteúdos devem dialogar com diferentes áreas de conhecimentos e, portanto, busca apoiar os conteúdos especialmente nos campos disciplinares da história, geografia, antropologia e educação. O estudo inicia com o objetivo de situar o/a estudante no debate que ocorreu no Brasil do século XVIII a respeito dos indígenas e sobre suas influências no novo povo em formação neste território. Apresentaremos um breve panorama das referências historiográficas sobre os povos indígenas no território brasileiro e uma leitura e compreensão de diversos aspectos da formação da história e da colonização do Bra- sil. Trata-se de conhecimentos que envolveram um conjunto de fatores e dimensões sociais, culturais, políticas, econômicas que não devem ser desconsiderados. Esperamos, com isso, introduzir e localizar o/a estudante no debate sobre a cons- tituição da nação brasileira e na questão indígena, considerada um “problema” a ser resolvido no país, qual seja: se deveriam pacificar, integrar ou dizimar os povos nativos que subsistiram e resistiram à invasão de seus territórios originários. Pros- seguimos com uma abordagem do processo colonizador por meio dos aldeamen- tos, catequese e educação, realizado pelas ordens religiosas missionárias da Igreja Católica Romana, avançamos para as resistências e movimentações dos nativos, disponibilizando informações e análise que demonstram a persistência da política de dizimação ou submissão dos povos indígenas em diferentes períodos da história até os dias atuais. Assim, pretendemos colocar em relevo aspectos pouco visibilizados para que os cur- sistas elaborem uma perspectiva mais ampla e complexa da história e da questão indígena no Brasil e dos seus desafios nos dias atuais. Objetivo Para não fazermos generalizações e simplificações, precisamos cautela sobre a história que conhecemos sobre esses povos. Por isso é necessário compreender a complexidade da história e da permanência indígena em território brasileiro, o que requer um estudo mais pormenorizado do processo de colonização, resistência e dizimação dos povos e línguas indígenas, o que buscamos apresentar no estudo ora apresentado. Habilidades e competências • Compreender aspectos da história do Brasil que concorreram para a invisibilidade dos povos indígenas na historiografia. • Compreender a perspectiva integracionista presente nas políticas indigenistas. • Perceber a capacidade de mobilização e articulação dos povos indígenas. • Aprofundar novas perspectivas da história indígena no Brasil e sua implicação para a história atual. Ementa Estudo de aspectos da colonização e da formação da história e da nação brasileira, ainda pouco visibilizados em nossos currículos educacionais. Propomos uma leitura das narrativas que constituíram a história da colonização para endossar ou para reformular o que aprendemos da versão historiográfica hegemônica. Sumário 1. OS INDÍGENAS E AS NARRATIVAS DA HISTÓRIA ................................................................7 2. OS INDÍGENAS E AS NARRATIVAS DA HISTÓRIA – INDÍGENAS E NOMINAÇÕES ................11 3. COLONIZAÇÃO E ALDEAMENTOS .....................................................................................15 4. O DOMÍNIO DA LÍNGUA .................................................................................................18 5. ALDEAMENTOS, EDUCAÇÃO E DESTRIBALIZAÇÃO ...........................................................22 6. POLÍTICAS INDÍGENISTAS ...............................................................................................27 7. CULTURAS INDÍGENAS E COSMOVISÕES .........................................................................30 8. ALIANÇA, ORGANIZAÇÃO E MOVIMENTAÇÃO INDÍGENA .................................................34 9. ESTADO E POLÍTICAS INDIGENISTAS: “E, SE NÃO HÁ ÍNDIOS, TAMPOUCO HÁ DIREITOS” ...38 10. PERSISTÊNCIA INTEGRACIONISTA E ASSIMILACIONISTA DO INDIGENISMO DE ESTADO: SPI E FUNAI ............................................................................................................................43 11. RECRUDECIMENTO DA POLÍTICA INDIGENISTA ................................................................48 12. ETNOGÊNESE INDÍGENA .................................................................................................52 13. MOVIMENTO INDÍGENA, INDIGENISMO AMBIENTAL E ÁREAS DE CONFLITOS ...................55 14. EDUCAÇÃO INDÍGENA ....................................................................................................61 15. DESAFIOS INDÍGENAS PARA UMA EDUCAÇÃO ESCOLAR ..................................................65 Glossário ..............................................................................................................................70 Referências ..........................................................................................................................73 www.esab.edu.br 7 1 Os indígenas e as narrativas da História Objetivo Compreender que o surgimento da jovem nação brasileira exigiu que estudiosos buscassem definir uma feição para o “povo brasileiro” e ainda compreender a história como uma construção que serviu aos interesses conjunturais, o que explica, de certa forma, a ausência do protagonismo indígena. Entre 1854 e 1857, Varnahagen escreveu A História Geral do Brazil (dois volumes) confirmando a partir da pesquisa documental colonial uma história e uma narrativa da nação brasileira. A História Geral de Francisco Adolfo de Varnhagen menosprezava os conflitos e o papel dos indígenas e atribuía aos portugueses o papel civilizador. Imagem do memorial orgânico escrito por Varnahagen e publicado na Europa Fonte: http://doc.brazilia.jor.br/Historia/Varnhagen.shtml Nesse período, e posteriormente, os historiadores que escreveram pouco diferiram da concepção de história que valoriza, especialmente, o teor documental. Trata-se de uma fase em que se primou por realizações de pesquisas minuciosas que suprissem as lacunas dos primeiros registros dos cronistas e viajantes. www.esab.edu.br 8 Os debates que se estabeleceram do final do século XVIII até o século XIX são reveladores das ações do governo em relação aos povos indígenas. Na verdade, a pergunta central em discussão era relativa ao procedimento a seguir com os nativos, se deveriam ser brandos ou violentos em relação a eles, se deveriam exterminaros considerados “bravos”, para “desinfetar os sertões - uma solução em geral propícia aos colonos - ou se cumpria civilizá-los e incluí-los na sociedade política”. (Carneiro da Cunha, 2002, p.134). Tratava-se de uma solução defendida por estadistas e que pretendia a incorporação dos indígenas como mão de obra. O esforço mobilizado para uma escrita da história do Brasil teve como objetivo principal compor uma versão para o nascimento e a origem da nação e do povo brasileiro, e assim inserir o Brasil na história das grandes nações. Entretanto, não seria possível escrever uma história que ignorasse a população nativa e, assim, as narrativas incorporam ao debate, especialmente, informações contidas nos registros coloniais de cronistas, viajantes e missionários que apresentavam qualquer indício da organização social dos povos indígenas. Nesse aspecto, de modo geral, persistiram as narrativas de exaltação aos tupis em detrimento dos chamados “tapuia”, exaltando-se os seus descendentes, como o fez Gonçalves de Magalhães. Ao descrever os tupis guaranis pretendia-se o contraponto aos tamoios, justificando- se que os primeiros não viviam perambulando pelos sertões, errantes, sem tabas ou aldeias, como os “terríveis / Feroces aimorés raça tapuia.” Portanto, tentava-se estabelecer um discurso sobre quem eram os nossos antepassados indígenas, a partir de uma diferenciação de quem eram os “bons” e os “maus” selvagens. Varnhagen, ao menosprezar a influência indígena na história, recusou a vertente indianista da literatura do século XIX, expressão do romantismo no Brasil que idealizou, especialmente, o tupi, como digno para figurar na história como mito da fundação nacional, em contraponto aos “tapuias”. Essa vertente literária foi chamada por ele, pejorativamente, de “caboclismo”. Em todo caso, persistiram as representações coloniais sobre a terra brasilis, a “terra dos homens nus”, do “bom” e do “mau” selvagem” (respectivamente, tupi guarani e tapuia). www.esab.edu.br 9 As fontes documentais coloniais usadas para a composição de uma história do Brasil foram diversas, e dentre elas destacamos o “Tratado descritivo do Brasil de 1587”, que apresenta informações da primeira década da colonização, pelo cronista quinhentista Gabriel Soares de Sousa, senhor de engenho que viveu na Bahia. Nele, encontram-se informações etnográficas importantes sobre os povos por ele chamados de “nações vizinhas da Bahia”, com citações também aos “Tupinaé, Aimorés, Amoipira, Ubirajara, etc.” (Prefácio à edição do Tratado, 1938). Encontram-se, especialmente, informações detalhadas sobre aspectos diversos da cultura Tupinambá, assim como informações a respeito dos conflitos dos portugueses com grupos indígenas do litoral. Pêro de Magalhães de Gândavo escreveu a História da Província de Santa Cruz a que Vulgarmente Chamamos Brasil, publicado em 1576, na qual descreveu as riquezas naturais e produtos da terra, ao longo de toda a costa. O autor registrou ainda a presença jesuítica e um mosteiro de padres da Companhia na capitania do Espirito Santo. Outro escrito do século XVII, concluída em 1627, por Frei Vicente do Salvador, procurou tecer uma narrativa para o Brasil. Por ser o primeiro autor nascido no Brasil (em Matuim, proximidades de Salvador), foi considerado o pai da História brasileira e um dos primeiros a destacar o mito da serra das esmeraldas, apontando assim, a riqueza geológica que existiria na capitania do Espírito Santo onde se encontrariam essas pedras. Varnhagen, o Visconde de Porto Seguro, foi encarregado oficialmente da escrita do que seria a primeira história do Brasil. Ao fazê-lo, trouxe para o centro do debate a discussão da etimologia, e com ela a crítica às nominações dos grupos indígenas que, segundo ele, deveriam ser colocadas em discussão pela “falta de esclarecimento” que havia sobre o assunto. Primeiramente os estudiosos da escola alemã chamaram a atenção para as nominações aplicadas aos indígenas, e entre eles Steinem, Ehrenreich e o naturalista Von Martius (Angyone Costa, 1938). Ao recolherem informações, concluíram, “no campo das nominações impera a maior confusão, a ponto de não mais conseguirem distinguir uma tribo da outra”. (p.159). www.esab.edu.br 10 É necessário, ainda, intensificar pesquisas para identificar e preservar os sítios arqueológicos, os locais onde existem vestígios de ocupação humana, como vestígios de fogueiras, restos de cerâmicas, pinturas rupestres, esqueletos humanos, aldeias e habitações, entre outros. Trata- se de estudos fundamentais para recolocar as narrativas construídas a partir dos registros feitos pelos viajantes e cronistas, e mesmo para constituir uma narrativa da história indígena no Brasil. Dessa forma, seria possível reescrever uma história, pois a história e a vida desses povos antes da chegada de Cabral, continua motivo de polêmica. E nesse caso, necessário uma arqueologia não apenas da coleta de objetos isolados, mas em relação com os vestígios contemporâneos, o que auxiliaria a reconhecer as estruturas arqueológicas e arriscar uma interpretação da vida quotidiana desses povos e os conflitos que ocorreram. www.esab.edu.br 11 2 Os indígenas e as narrativas da História – Indígenas e nominações Objetivo Compreender a complexidade da presença indígena no território brasileiro e alertar para a cautela em generalizações e simplificações. Atentar para a necessidade de revisitar as narrativas da história, seja para endossar ou para reformular o que foi escrito. Os Tupi-Guaranis são historicamente reconhecidos como o povo mais importante do litoral (Costa, 1938), considerados os responsáveis pelo domínio de toda a costa brasileira caracterizada como um grande continum tupi-guarani. Populações não Tupi, denominadas Tapuias foram expulsas do litoral no bojo das suas conquistas, excetuando-se alguns grupos de Goitacá, Aimoré, Tremembé, que permaneceram aqui e ali na costa brasileira. (Fausto, 2002). Povo “dominador por excelência”, os tupis guaranis impuseram às tribos que combatiam o uso da sua língua, assim como o portugues dos primeiros séculos da conquista que aprendeu a falar e fazer uso da língua nativa. (Costa, 1938). Fonte: https://historiaestvitae.wordpress.com/2014/08/17/os-tupi-guaranis-resumo/ Portugueses, espanhóis, franceses e holandeses, ao chegarem, encontraram uma multiplicidade de povos, culturas e línguas e, aos poucos, para mais eficiente controle do território, identificaram um grande conjunto cultural que denominaram Tupi-guarani. Carlos Fausto www.esab.edu.br 12 (2002) analisou dados dessas populações disponibilizados em registros de cronistas, viajantes e etnógrafos e apresentou um “mapa” descritivo dos habitantes dos territórios dominados, imaginado da seguinte forma: [...] de sul para norte, teríamos os Carijó (Guarani) entre Lagoa dos Patos e Cananéia; os Tupiniquins daí até Bertioga – incluindo o planalto paulista; os Tupinambá (também chamados nessa região, Tamoio) do norte de São Paulo até Cabo Frio, dominando inclusive o vale do Paraíba; os Termimino, em áreas da baia de Guanabara. Entre o Espírito Santo e o sul da Bahia aparecem novamente os Tupiniquins; mais ao norte os Tupinambá, que dominam o recôncavo baiano e se estendem daí até a foz do São Francisco – em cujo sertão vivem os Tupinaé. Daí até a Paraíba [...] os Kaeté e os numerosos Potiguar [...] até o Ceará (FAUSTO, 2002, p. 383). Mapa da distribuição dos das comunidades indígenas no Brasil. Fonte: http://images.slideplayer.com.br/25/8526307/slides/slide_2.jpg São frágeis os conhecimentos referentes às populações que habitavam o território brasileiro, especialmente se indagando pelo significado dos nomes a elas atribuídos na história. Fausto considera que as informações dos cronistas e viajantes são insuficientes e, muitas vezes, contraditórias, para fecharmos debate sobre esse assunto. (FAUSTO, 2002, p. 385). www.esab.edu.br 13 Ao estudar a etimologia dovocábulo Tupi para estabelecer a relação desses povos, a composição e os significados de alguns etnômios atribuídos aos grupos Tupi, Varnhagen (1877) chegou à conclusão de que ‘Ypi’ quer dizer “princípio de geração”; e “com a letra T anteposta [T’y’pi’] o faz reflexivo a si próprio”, vindo a significar “os da primitiva geração”. Assim, concluiu que os grupos denominados Tupis eram “puritanos procedentes da raça invasora” do litoral. (p.17). Nos documentos antigos, ele diz que “tantas vezes apareceram as mesmas gentes appellidadas por nomes tão differentes, que mais de um escriptor tem sido induzido em anomalias e despropósitos[...].” (1877, p. 17). Em relação aos povos, concluiu também que eles foram nominados com alcunhas de “ódio” ou de “distinção”. Por exemplo, os nomes “Maracayás” (Gato bravos) e “Nhengaíba” (Más-línguas) seriam alcunhas de ódio, ao passo que Tamoyos (Avós) e Mbeguás (Pacíficos) seriam de respeito e consideração. Ainda como exemplo de alcunhas de distinção temos Ubira-járas ou Caceteiros, ou “os que manejavam paus”; Taba-járas ou “Aldeados”; Guatós ou “Navegadores”; Guiata-cá ou “Corredores”; de Ca-iapó ou “Salteadores dos matos”; Juru-uma ou “Bocas negras” (por motivo dos lábios pintados de preto); Tremembés ou “Vagabundos”, tratamento este recebido dos habitantes de aldeias, ou seja, dos “Tabajaras”. (p. 18). O nome Puri é, na verdade, uma designação pejorativa, recebida por esse povo de seus vizinhos, os Coroados, que por sua vez foram assim chamados pelos portugueses por causa do corte de cabelos que usavam, que apresentava uma tonsura circular na cabeça, como os frades franciscanos. Pesquisadores contemporâneos consideram a etimologia pouco esclarecedora para uma história dos indígenas e argumentam que os vocábulos classificadores de alteridade, a exemplo de tobajara, “os do outro lado”, como sugere a etimologia mais provável do termo, acabaram tornando-se nome de “nação” (P. 384). Outro vocábulo, tapuia, tornou-se “denominação de um povo”, o que traduzido livremente seria o equivalente a “bárbaros” ou “inimigos”. Os Tupi chamavam de “Tapuy tinga” os Europeus que não eram seus aliados: ou seja, “Tapuyas brancos”, “bárbaro branco”. (VARNHAGEN, 1877, p. 21). www.esab.edu.br 14 No século XIX, o futuro dos indígenas no Brasil era considerado fadado ao desaparecimento e se afirmou que no passado desses povos não havia história, “só etnologia”. (1978, p. 30). Ao prognosticar o seu desaparecimento, declararam, “Não há dúvida: o americano está prestes a desaparecer. Outros povos viverão quando aqueles infelizes do Novo Mundo já dormirem o sono eterno” (MARTIUS, 1982, p. 70). O prognóstico não se confirmou e em pleno século XXI centenas de povos indígenas sobreviveram e resistiram à barbárie que se instalou contra eles com a invasão colonizadora, e reivindicam os seus direitos. Os estudos das nominações servem, segundo Fausto (2002, p.387), para confirmar os limites das conclusões a respeito do assunto, e também como alerta para não desconsiderar a própria perspectiva que os cronistas tinham quando escreveram sobre esses povos, já que optaram por dar maior ênfase à unidade de costumes e língua do que as suas diferenças. Trata-se, também, de compreender como se constituiu uma história da nação em relação aos indígenas a ponto de quase apagarem-se da memória os vínculos entre povos indígenas e “povo brasileiro”. www.esab.edu.br 15 3 Colonização e aldeamentos Objetivo Compreender a colonização como um projeto que articulou deferentes agentes, tais como a Coroa portuguesa, comerciantes e donatários e a Igreja Católica Romana, na figura da Companhia de Jesus, e de outras Ordens religiosas. Perceber a complexa rede de relações tecidas para explorar a mão de obra indígenas e a riqueza do território, valendo-se do apoio da Coroa portuguesa e do domínio sobre as populações nativas. Os estudos sobre os habitantes históricos do litoral do Brasil dos primeiros contatos são obras com relatos de cronistas, missionários, viajantes e estudiosos vindos de diferentes partes do mundo. Ao esboçarem seus registros e narrativas, apresentaram sua percepção comum de credos e posições políticas, advindas dos sistemas socioculturais que lhes são próprios, e nas quais a civilização era concebida com uma determinada ordem estabelecida no mundo. Imagem da missão da Ordem Jesuítica no Ceará Fonte: http://cearaemfotos.blogspot.com.br/2011/07/missao-da-ordem-dos-jesuitas-no-ceara.html www.esab.edu.br 16 Do projeto colonizador, fizeram parte a Coroa Portuguesa e a igreja Católica Romana, que enviaram seus missionários para o “novo mundo” para ajudar a implantar a nova ordem aos nativos. Não por acaso o padre Manoel da Nóbrega, da companhia de Jesus, estava presente na armada de Tomé de Souza quando este desembarcou na Baía de Todos os Santos, em 29 de março de 1549. Tomé de Souza veio como primeiro governador geral do Brasil, e Nóbrega para organizar o trabalho missionário na Bahia, em Ilhéus, Porto Seguro, São Vicente e, mais tarde, Pernambuco e Espírito Santo. Os irmãos e padres da Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola, um ex-militar, também conhecidos como soldados de Cristo, ostentavam o nome “Companhia” não pelo fato de serem uma empresa comercial, evidentemente, pois tratava-se de um projeto político no perído em que a igreja Católica Romana se empenhava em combater o movimento da Reforma Protestante que se espalhava rapidamente na Europa, e foi com esse objetivo que nasceu a Companhia de Jesus. Ao vir para as novas terras, a ordem recebeu apoio especial da Coroa Portuguesa para que promovesse a catequização da população nativa. Esse, provavelmente, foi um dos fatores que levou colonos ao descontentamento com a autoridade dos padres nas vilas e sobre o destino dos indígenas. Não tardou que surgissem as oposições ao trabalho dos irmãos e padres da Companhia, como foi o caso do cronista e Senhor de engenho Gabriel Soares de Sousa, um dos integrantes o grupo de colonos descontentes e opositores à atuação dos padres [na Baía]. Para justificar a sua posição argumentavam contra a utilização dos indígenas como mão de obra escrava, acusando os jesuítas de cupidez pelo modo como haviam organizado o seu funcionamento econômico. Desde o início da colonização os jesuítas constituíram uma complexa rede de relações entre a Coroa portuguesa, colonos e donatários, predominando as narrativas sobre as ações dos jesuítas, com destaque para o grande complexo político econômico que criaram, em uma estrutura que abarcava negócios que envolveriam desde aldeamentos para catequização dos nativos, fazendas, produção de algodão, gado, alimentos, escolas e colégios para crianças indígenas e de colonos. O espaço ocupado com destaque pelos jesuítas teve o consentimento www.esab.edu.br 17 do poder central, e foi apropriado pela Companhia em suas políticas religiosas para fins de controle e domínio estratégico do território colonizado e dos povos indígenas. Embora os jesuítas tenham exercido papel decisivo na colonização e na catequese dos indígenas no Brasil, outras Ordens religiosas, pouco destacadas, como a dos Franciscanos, dos Mercedários, entre outros, tiveram atuação importante de norte a sul do território brasileiro, atuando com diferentes povos indígenas, organizando ações missionárias e colonizadoras, muitas vezes em concorrência umas com as outras, mostrando-se uma importante rede de poder no processo colonizador. www.esab.edu.br 18 4 O domínio da língua Objetivo Reconhecer o papel colonizador e civilizador exercido pelos jesuítas, por meio da religião e do domínio da língua, enquanto elemento articulador das etnias indígenas e os grupos que se estabeleceram na colônia. O critério linguístico foi usado para classificar, identificar e diferenciar os grupos falantes do mesmo idioma, classificando-os como pertencentes a um mesmo povo. Desde os jesuítas, foram identificadas eclassificadas muitas línguas indígenas, e ao estabelecerem relações entre elas, identificando seus elementos históricos, estabelecerem seu grau de parentesco. Quando são identificadas as semelhanças entre as línguas, elas são localizadas dentro de uma mesma “família linguística”. As famílias que mostram algumas afinidades são reunidas num grupo ou tronco linguístico comum. Assim, uma família linguística agrupa línguas diferentes, mas aparentadas, porque considera-se que estas têm uma origem comum. (Freire, 2009, p. 13-14). No caso do território brasileiro, quatro grandes grupos linguísticos marcaram a diferenciação básica, são eles: tupi, jê, aruaque e caraíba, subdivididas em várias famílias. A família tupi, ou tupi-guarani, compreendia mais de uma centena de línguas, faladas em áreas que pertencem atualmente ao Brasil e a alguns países hispano-americanos. Por várias razões, considerou-se os Tupi-Guarani povos dominantes que impuseram às tribos que combatiam o uso da sua língua, e segundo alguns estudiosos (Costa, 1938), fizeram o mesmo com o europeu, o português dos primeiros séculos da conquista, influenciando decisivamente no seu linguajar. Costa justifica o fato por que ao longo do primeiro século os colonos portugueses foram “compelidos a adotar a língua geral, como se chamava o linguajar praticado, indiferentemente, por índios e reinóis no litoral” (p.187). A sua língua, Abaneênga ou Tupi-antigo, por oposição ao Neêngatú, ou Tupi-moderno (dos jesuítas), por muito tempo foi conhecida como “língua geral”. (p.161). www.esab.edu.br 19 Com predominância sobre as demais línguas e, posteriormente, com o processo inicial da colonização, o Tupi foi paulatinamente substituído por uma língua, que recebeu a denominação ‘Neêngatú’. Trata-se de uma língua a partir do tupi antigo para facilitar a ação dos jesuítas no serviço da missão catequética e civilizadora, que se estendeu nos primeiros séculos pelos habitantes da colônia. Os jesuítas usaram a língua indígena para fins de catequese e conversão do “gentil”, e tiveram como objetivo central expressar o pensamento e a cultura europeia-cristã, em língua nativa. Alguns estudiosos defendem que uma primeira geração de jesuítas fez o controle da língua por meio de “gramáticas, dicionários e catecismos”. (Chamorro 2009, p.81). Em relação aos estudos das línguas indígenas, destacou-se o padre José de Anchieta, nascido nas Ilhas Canárias (1533), filho de pai basco e mãe judia convertida ao cristianismo. Anchieta tornou-se jesuíta aos dezenove anos, em Coimbra, e logo embarcou como missionário ao Brasil. Percorreu o litoral de São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, angariando diferenciado conhecimento das línguas indígenas faladas nesses lugares. Escreveu, entre outros escritos, “Arte da Gramática da Língua Mais falada na Costa do Brasil (1595).” (Chamorro, 2009, p.112). A primeira gramática pedagógica sobre uma língua indígena falada no Brasil e de mais fácil utilização para os educadores catequistas da época, todavia, foi escrita pelo jesuíta Luís Figueira, “A Arte da Língua Brasílica” (1698). Na região litorânea de São Paulo, viviam também os Maromomi que por sua vez receberam diversos nomes, entre eles Guarulhos, possivelmente por influência dos aldeamentos fluminenses. No século XIV, eles teriam sido expulsos do litoral pela onda tupi e foram viver nas serras da Mantiqueira onde havia abundância de pinhão e sapucaia, muito apreciadas por eles, conforme Prezia. (2009, p. 92-93). Em 1599, o padre Rodrigues escreveu uma carta onde dizia que havia “muita variedade de língua” nessa parte do litoral (LEITE, HCJB 8, 395, in Conversão dos cativos, p.92-93). Conforme ele, os Maromomi ou Guarulhos, não eram como os Tupi, e não praticavam a antropofagia. O padre Manuel Viegas que recebeu e cuidou deles no aldeamento, escreveu, “Essa gente é muito boa, amigável e tem boa inclinação”. (Carta do Padre Geral Aquaviva, in. Conversão dos cativos, p. 94). www.esab.edu.br 20 Sobre a língua, confrontando-se as poucas palavras que restaram que era pertencente a família linguista puri. (PREZIA, 2000, p 179). O padre que se dedicou a esse grupo, Manuel Viegas, foi um menino órfão que veio de Portugal acompanhando os jesuítas para o Brasil e mais tarde foi ordenado na Bahia. Em 1567, foi para São Vicente (RJ) onde tomou contato com os Maromomi e se tornou um ardoroso defensor do ensino das línguas indígenas nas casas de formação jesuítas. Nessa língua, traduziu o catecismo tupi, além de elaborar com o padre Anchieta uma gramática. Em uma de suas cartas ao P. Geral Aquaviva (21/3/1585) ele faz uma longa consideração sobre a necessidade do aprendizado da língua indígena, da qual segue um fragmento: ”[...]Manda a todos que são missionários que aprendam e saibam a língua da terra, e, a nenhum consente que se ordene de ordens sacra [...] sem que primeiro saibam aprendam porque muitos poucos a queriam aprender e saber, e dar-se a ela[...]”; Ele reclamava de que os missionários preferiam pregar aos brancos, na língua deles e esqueciam de pregam aos indígenas em sua língua. (Prezia, 2009, p. 97). Saint-Hilaire, em suas viagens pela província do Espírito Santo observou a respeito do aldeamento Reis Magos em seus registros: “para cá vem os noviços para aprender a língua dos indígenas”. (p. 66). Ainda em seus registros se pode ler que, os irmãos e os padres não aceitavam que os portugueses entrassem na aldeia sem sua permissão, o que na verdade tratava-se de uma interdição por leis do próprio D. Pedro II. Também eles proibiam aos nativos “falarem em outra língua que não a própria” (p. 66). Em 1720 ocorreu uma sublevação nesse aldeamento porque, conforme ele escreve, os índios aldeados estavam cansados das “regras severas” dos padres e “foram levar suas queixas ao Governador da Bahia e este obrigou os jesuítas a dar-lhes mais liberdade” (p.60). Ao estudarem e sistematizarem as línguas indígenas para aproximar seus missionários dos nativos com os quais mantinham contatos, os jesuítas exerceram um importante papel na colonização do Brasil. Como homens da Igreja acreditavam no papel civilizador e, provavelmente, na cristianização enquanto elemento articulador das variadas etnias e grupos que se estabeleciam na colônia. www.esab.edu.br 21 Saiba mais Leia o texto “AS FONTES HISTÓRICAS PRE CABRALINAS” de Andre Prous no link: http:// oridesmjr.blogspot.com.br/2013/09/as-fontes-da- historia-pre-cabralina.html http://oridesmjr.blogspot.com.br/2013/09/as-fontes-da-historia-pre-cabralina.html http://oridesmjr.blogspot.com.br/2013/09/as-fontes-da-historia-pre-cabralina.html http://oridesmjr.blogspot.com.br/2013/09/as-fontes-da-historia-pre-cabralina.html www.esab.edu.br 22 5 Aldeamentos, educação e destribalização Objetivo Reconhecer a ação missionária, aliada à catequese e à educação nos aldeamentos e colégios jesuíticos como fundamentais no processo de colonização. Embora os grupos indígenas apresentassem diferentes níveis de nomadismo, esse modo de vida os tornava menos permeáveis a mudanças desejadas e implementadas pelas Ordens religiosas. Sem a catequese e a educação, eles não poderiam imprimir as mudanças nos planos moral, religioso e econômico que pretendiam como necessários para instaurar a nova ordem colonial e nesse sentido o modo de vida indígena entrou em confronto com o sistema de trabalho adotado pelos missionários, criando tensões nos aldeamentos. Os missionários jesuítas compreenderam que a infância era o período mais propício à catequese, uma vez que as crianças indígenas, ainda estariam a salvo de certas práticas e valores culturais de seus pais, valores esses considerados pelos missionários nocivos à vida cristã dos futuros discípulos. Segundo eles relatam em suas cartas, os pais entregavam “de boa vontade os filhos para serem ensinados”, o que era providencial para os missionários, pois sucederiam a seus pais, e poderiam “constituirum povo agradável a Cristo”. (Leite, 1954, vol. II, p. 106). Serafim Leite (tomo II, p 42) argumentou sobre a necessidade de aldeamentos por causa do nomadismo dos indígenas que dificultava encontrá-los novamente nos redutos quando retornavam tempos depois: “[...] Quantas vezes, com o nomadismo intermitente dos Índios, ao voltarem os Padres a uma povoação, que deixaram animada, pouco antes, em lugar dela achavam cinza!!”. Algumas razões levaram os missionários a organizarem os aldeamentos, um local onde os diferentes grupos “descidos” dos sertões (interior) eram localizados, foram justificados: “Se os Padres se contentassem com percorrer as aldeias indígenas, além dos www.esab.edu.br 23 possíveis riscos, tirariam precário fruto. O que ensinavam um mês, por falta de exercício e de exemplo, estiolaria no outro”. Entretanto, a sedentarização forçada dos indígenas não significava ou era garantia, por si só, da sua conversão, ou civilização, como queriam os padres. Eles compreenderam que se fazia necessário incidir sobre as práticas indígenas, por meio de “ações educativas e pedagógicas” e estratégias para acabar com o canibalismo, onde fosse praticado, e todas as práticas que contrariassem a moral cristã. Para isso, algumas medidas foram tomadas, entre elas o aldeamento e a internação dos meninos índios nas escolas que eles fundaram. O padre Manoel da Nóbrega, na carta de 08 de maio de 1558, descreveu ao provincial da Ordem alguns objetivos dessas medidas: A lei, que lhes hão de dar, é defender-lhes [de] comer carne humana e guerrear sem licença do Governador; fazer-lhes ter uma só mulher, vestirem-se, pois tem muito algodão, ao menos depois de cristãos, tirando-lhes os feiticeiros, mantê-los em justiça entre si e para com os cristãos; fazê-los viver quietos sem se mudarem para outra parte, se não for para entre cristãos; tendo terras repartidas que lhes bastem e com estes Padres da Companhia para os doutrinarem. (Leite, 1940, p. 79. Novas Cartas Jesuíticas: de Nóbrega a Vieira). O próprio Anchieta recomendava que as crianças fossem afastadas dos adultos indígenas, já que para eles significavam uma influência perniciosa para os jovens que, segundo lhes parecia, “cerravam os ouvidos para não ouvir a palavra da salvação e converter-se ao verdadeiro culto de Deus”. Para cumprimento do projeto catequético-educativo, os jesuítas desenvolveram uma estrutura que, observada em seu conjunto, encontrava-se disposta sobre dois planos fundamentais: o das escolas de ler, escrever e contar, direcionadas às crianças pequenas; e os colégios, voltados à instrução superior dos adolescentes. As crianças enviadas para as escolas deviam seguir uma rotina estabelecida, preenchendo todas as horas livres, com tempos demarcados para ladainhas, rezas, missas, doutrinas, aulas de ler e escrever, cantos e festas religiosas, ocupando manhã e tarde das crianças. www.esab.edu.br 24 A catequese dos indígenas no Brasil Fonte: http://apostoladosagradoscoracoes.angelfire.com/index75.html Serafim Leite (1945), a partir das Cartas, apresenta uma versão cordata e de convivência pacífica entre indígenas e padres jesuítas no aldeamento Reritiba (atual Anchieta/ES). Cita as situações de doenças e recrutamento de Índios enviados em expedições públicas para “construção de fortalezas, ou combate de inimigos” como o que, eventualmente, vinham quebrantar os “trabalhos agrícolas e regozijos familiares ou coletivos” por ocasião de festas. (p.146). Dessa versão, depreende-se um cenário de “história pacífica e feliz” no aldeamento. No entanto, diversos registros dão conta de que a inserção da cultura nativa não era algo pacífico, e os padres organizavam para que os próprios índios fizessem as suas roças e produzissem mais alimentos para que, se necessário, eles ajudassem os portugueses que sempre estavam à espreita e organizando caçadas para aprisionar indígenas para os trabalhos nas fazendas. A expulsão dos jesuítas das colônias portuguesas favoreceu a repartição dos índios entre os moradores, sendo liberada a submissão a trabalhos forçados nas fazendas, nas entradas para o sertão e como carregadores de carga para aprisionar outros índios. O historiador John Monteiro fez um inventário do trabalho indígena nas fazendas de São Paulo e identificou 50 guarulhos, entre homens mulheres e crianças, e 641 Guaranis foram computados. Possivelmente, foram muito mais numerosos, já que nem sempre eram feitos os registros. www.esab.edu.br 25 Nesse período da colonização, a vida do índio era muito curta – entre seis e nove anos – pois muitos morriam de gripe, peste, varíola, e outras doenças de origem europeia para as quais quase não possuíam imunidade: “Se serviam deles como fazem dos índios da Guine, dizia o Padre Vieira, e lhes dão uma espiga de ração por dia.” (A conversão dos cativos. 2009, p. 104). Em 1759, quando o primeiro-ministro de Portugal Sebastião José de Carvalho, o Marques de Pombal, ordenou a expulsão dos jesuítas de todas as colônias portuguesas, havia dois séculos de sua permanência em terras brasilis. E durante esse tempo a Ordem religiosa contabilizava 36 missões, 25 residências e 17 colégios e seminários por todo o território brasileiro. Saiba mais Leia o texto sobre a ocupação dos Tupi Guarani, extraído do livro “O Brasil antes dos brasileiros” de Andre Prous: http://www.esab.edu.br/wp- content/uploads/a_ocupacao_dos_tupiguarani. pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/a_ocupacao_dos_tupiguarani.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/a_ocupacao_dos_tupiguarani.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/a_ocupacao_dos_tupiguarani.pdf www.esab.edu.br 26 Resumo Na década de 1530 as primeiras medidas para povoamento do litoral foram tomadas pelos europeus e foi a Coroa portuguesa que tomou a dianteira e dividiu as terras habitadas pelos índios em grandes lotes, repartindo-os entre portugueses cristãos (Capitanias Hereditárias). Os conflitos se intensificam a partir dessa medida e foram registrados desde o ponto de vistas do interesse dos colonizadores, sendo que são esses os conteúdos especialmente estudados na disciplina História, em nossas escolas. A colonização implicou na ação de diferentes agentes, como donatários, sesmeiros, missionários e expos uma complexa rede de relações envolvendo projetos que exploravam e disputavam a mão de obra indígena (e negra), assim como a riqueza do território. Para dominar e organizar a população nativa alguns desses agentes contaram com o apoio e financiamento da Coroa portuguesa, como a Ordem jesuítica, considerado importante elemento colonizador e civilizador pela ação missionária, por meio do domínio da língua, religião e da catequese, auxiliando a submissão da população nativa ao regime de trabalho imposto nos primeiros séculos da Colônia. A criação da nação brasileira exigiu que desaparecessem a diversidade de povos nativos e africanos, e que abrissem mão da diversidade de línguas que coexistiam no cenário da então jovem nação que surgia transfigurada em população de caboclos, mestiços, pardos ou brancos. A diversidade era um problema para o projeto de nação e, portanto, era necessário homogeneizar/higienizar povos e culturas, reduzindo-os a uma única língua, a portuguesa; uma única história, a da conquista; um único povo, resultando no que chamamos nação brasileira. www.esab.edu.br 27 6 Políticas indigenistas Objetivo Reconhecer a relação entre legislação colonial, a perda da terra e a exploração da mão de obra indígena; Compreender a colonização como processo associado à transformação dos indígenas em “trabalhadores” nacionais e, dessa forma, integrados, e subsumidos em meio a população local. Em 1755, foi decretada a Lei de liberdade que proibia a escravização dos índios e estabelecia a nova política do Diretório dos Índios que tratava, especialmente, da expansão da fé cristã e do evangelho, a civilização dos índios, o aumento da agricultura, a introduçãodo comércio e o “bem comum dos vassalos”. O “autogoverno” dos índios foi considerado um sistema que visava, em primeiro lugar, garantir os interesses do Estado, e a transformação dos indígenas, por meio do trabalho prestado nas vilas e lugares aos particulares, a si mesmos e às suas famílias. A carta régia de 1798 extinguiu a Lei do Diretório dos Índios para o Pará (da década de 1750), inaugurou um período bastante atípico na história dos índios e do indigenismo nas capitanias do Grão Pará e Maranhão, pois os indígenas pertencentes às vilas e povoados ficaram legalmente liberados de qualquer tutela sobre suas pessoas, acentuando- se um processo de individuação dos índios aldeados, segundo análise de alguns estudiosos. A partir da extinção, foram nomeados juízes de órfãos que passaram a cuidar dos interesses e contratos dos “índios civilizados”, considerados inaptos para cuidar de seus interesses. Com a extinção do Diretório, a legislação indígena experimentou um vazio só quebrado com o Regulamento das Missões de Catequese e Civilização dos índios” (1845). A aprovação do Regulamento na verdade renovou os objetivos do Diretório dos Índios que, em sua origem, afirmava a intenção da “completa assimilação dos índios”. Buscou-se com essa nova orientação estabelecer diretrizes mais gerais, administrativas, para o governo dos índios aldeados, conforme Carneiro da Cunha. (2012,p. 65). Em relação à política, permitiu para os índios www.esab.edu.br 28 o arrendamento e aforamento das terras, a reunião e remoção de aldeias indígenas e, se após 12 anos de cultivo e “bom comportamento”, poderiam receber as terras trabalhadas. A ênfase foi posta na mistura dos indígenas com os demais habitantes das vilas e povoados, na migração dos colonos para as regiões tradicionalmente habitadas pelos indígenas, e nos deslocamentos forçados, assim como nas tentativas de proibição do uso das línguas indígenas e do nheengatu, a chamada “língua geral”. (Amoroso, M. 2014). Desde 1823, os aldeamentos começam a ser organizados às próprias expensas dos particulares que, ao assumirem o compromisso de “pacificá- los”, tornando-os trabalhadores, eram homenageados com títulos beneméritos. Temos assim um estado que se manteve “zeloso” para que os índios, de alguma forma, fossem “recrutados para os trabalhos públicos e particulares”, como rezava o Regulamento das Missões, para que pudessem ser inseridos na sociedade colonial, por meio do trabalho. A partir de então, o que se assistiu foram determinações de presidentes de províncias, autorizando concessões de sesmarias e “rateamento” das matas com claro objetivos, com forme Relatório do presidente da província do Espírito Santo: “Rateiem-se as matas para se lhes tirarem os coutos, e que isolados [os índios] busquem os recursos entre nós, e se amoldem aos nossos costumes”, conforme o (Accioli de Vasconcellos ao visconde de São Leopoldo Vitória, 4/8/1826, in Naud, 1971:298). Trata-se de uma política que mantém os objetivos do projeto pombalina em uma contínua tentativa de assimilar física e socialmente os indígenas ao resto da população para assim constituir uma população brasileira, e viabilizar a nação. (Carneiro da Cunha, 2002, p.142). Ou seja, procurou-se garantir os interesses do Estado, e a transformação dos indígenas em “trabalhadores” para as vilas e para os particulares. E dessa forma, considerados integrados, deveriam manter a si mesmos e as suas famílias, conforme preconizava o sistema colonial. Com a revogação do Diretório Pombalino, em 1798, inaugurou-se o último período da história das aldeias do Rio de Janeiro. A mesma carta régia que tornou nulo o Diretório emancipou os índios aldeados, “equiparando-os” aos outros habitantes do Brasil. Porém, os índios www.esab.edu.br 29 continuavam sendo considerados incapazes de administrar seus bens, incluindo as terras das aldeias, fiando todo o patrimônio indígena sob custódia do estado. A princípio, foram ouvidores da Comarca que administram as terras. A partir de 1893, os juízes de órfãos passaram a exercer provisoriamente essa função, até 1845, quando o regulamento das missões criou o Diretório de Índios. [...]. Nessa mesma época, foi registrada a invasão de aproximadamente 1.500 intrusos, que se apossaram dos terrenos dos índios, deixando mais de 400 deles dispersos pelas terras de suas próprias aldeias, usurpada pela população local. (Feire. J.R. Bessa. Aldeamentos no Rio de janeiro. Saiba mais Leia o texto “O endurecimento da política indigenista” no link: http://www.esab.edu.br/wp- content/uploads/CAPITULO_INDIGENA_Pages_ from_Relatorio_Final_CNV_Volume_II.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/CAPITULO_INDIGENA_Pages_from_Relatorio_Final_CNV_Volume_II.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/CAPITULO_INDIGENA_Pages_from_Relatorio_Final_CNV_Volume_II.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/CAPITULO_INDIGENA_Pages_from_Relatorio_Final_CNV_Volume_II.pdf www.esab.edu.br 30 7 Culturas indígenas e cosmovisões Objetivo Compreender conhecimentos próprios e peculiares, como língua, tecnologia, economia e modo de se relacionar com a natureza fundamentadas em crenças, mitos que sempre se transformam e ressignificam frente a novos contextos. O modo como se relacionar com a natureza e com o viver cotidiano constitui a cultura de um povo, sendo também na prática cotidiana e nos fenômenos da vida e da morte que as simbologias relativas ao mundo religioso se revelam em todos os povos e lugares. Todos os povos apresentam uma cosmovisão, e em particular uma representação do mundo, que muitas vezes se manifesta como crença e como mito. Trata-se de um modo de saber fundamentado na percepção e na experiência e compreensão de um coletivo, tornando-se um conjunto de valores, de ideias e opções de modo de vida pelas quais uma pessoa e uma coletividade se afirmam. Máscara Ritual de Povos Indígenas do Alto Rio Negro. Cortesia da FEP. Foto: Fernanda Kaingáng www.esab.edu.br 31 Entretanto, quando aqui chegaram, pareceu aos portugueses que os indígenas seriam facilmente convertidos à fé cristã. Essa opinião foi manifestada diversas vezes, desde os primeiros contatos. Pero Vaz de Caminha, o escrivão da armada de Cabral, na sua famosa carta escreveu: “Parece-me gente de tal inocência que se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem nenhuma crença”. (RIBEIRO, 2001, p. 42). A maioria das versões que aprendemos das culturas indígenas foram a partir da visão dos conquistadores, sedimentadas nos concílios e no contexto de discussão da legitimidade da catequese. Um bom exemplo do que discutiam sobre os nativos encontra-se no padre Manuel da Nóbrega, que também observou que eles “eram como papel em branco, podendo-se escrever o que se quiser nele, porque não possui qualquer religião anterior”, e complementou com a célebre sentença: os Tupinambás não têm fé, nem lei, nem rei”. Com esta afirmativa, inúmeras vezes repetidas, os colonizadores explicitavam o olhar sobre os habitantes da terra que vieram colonizar e catequizar. As associações que buscavam fazer a respeito de religião, legislação e governo, a partir de suas experiências, refletiam os três aspectos considerados os pilares da sociedade europeia, e que eles não conseguiram identificar nas sociedades indígenas, daí a conhecida máxima: Nem fé, nem lei, nem rei. No aspecto religioso, a questão se torna mais complexa, por conta da compreensão reinante dos agentes colonizadores que entendiam que os povos deviam ter um só deus e crenças comuns. Era necessário que ao iniciar a colonização, os indígenas fossem catequizados na religião cristã da Igreja Católica Romana. Em uma de suas correspondências, o padre Anchieta anunciou: “É muito fácil explicar para eles o que é Deus Pai e o que é Deus Filho, em Tupinambá”. Tempos depois voltou atrás, e escreveu que não havia conseguido (embora fosse um estudioso dalíngua tupi). Os jesuítas pensaram que na Índia seria muito mais difícil converter a população, porque lá eles possuíam sacerdotes “pelos quais eram capazes de morrer” e na terra brasilis, acontecia o contrário, seria muito mais simples pela ausência de uma religião instituída. A partir dessas premissas, cometeram outros equívocos como, por exemplo, traduzir www.esab.edu.br 32 “tupã”, palavra tupinambá que significa trovão, como “Deus”. Com isso, concluíram que eles eram bárbaros e que adoravam o “trovão”, como se fosse um deus (não sabiam que “tupã” era a palavra tupi para “trovão”). Decorrente disso, então, o índio teria uma “alma selvagem, inconstante”, e que não havia firmeza no seu falar, pois “convencido de algo, hoje diz sim e amanhã não”. (A conversão do cativo). A mitologia Tupinambá, segundo Métraux (A religião dos Tupinambás, 1979), parece ter conhecido uma linhagem de heróis-civilizadores, que, pelo menos sob a forma descrita por Thevet, seria tal como “um astro sem fim nem princípio, que criou o céu e a terra, os pássaros, os animais” (p.2). O autor entende que “a definição trai, por si mesmo, a preocupação, por parte desse monge, em encontrar traços de uma antiga revelação, e semelhança ao deus cristão” (p.3). A diferença está em que esse deus, que ele chamou de Monan, e depois aparece como Mair Monan, não criou nem o mar e nem as chuvas. O oceano e os rios teriam sido formados posteriormente, após um incêndio e um dilúvio. A imortalidade atribuída por Thevet a Monan “é por sua própria conta, pois tal noção é estranha aos índios”, concluiu. (p.2-3). A ação civilizadora desse herói se manifesta, especialmente, pelo fato de ter sido ele quem ensinou práticas da cultura aos antepassados dos Tupinambás. Julgavam-no dotado de poderes, que lhes ensinou os costumes, como tonsura, depilação e o achatamento do nariz dos recém-nascidos. Ele teria desaconselhado a comer carne dos animais pesados ou lentos, recomendando, ao contrário, o uso da carne dos animais ligeiros, porque estes tornam os homens ágeis. A ação civilizadora teria-se manifestado por ter ele introduzido a agricultura entre os Tupinambás, trazendo-lhes todos os vegetais que serviam de base para a alimentação. De seus descendentes. (p.3). As culturas indígenas apresentam-se também por meios dos gestos, rituais, palavras, enredos e utilizam a dança e a música, associados aos elementos que lhe são próprios, como maracá, fumo, bebida, indumentárias, dentre outros. Quase sempre os períodos de festas e cerimônias são acompanhadas ou culminam com a partilha de alimento e bebida preparados para todos os participantes. São períodos também propícios ao aprendizado e a convivência com os vivos e os mortos. www.esab.edu.br 33 Cada povo possuía seus rituais religiosos próprios, porém era comum a vários povos acreditar nas forças da natureza e nos ancestrais. A noção de divindade como logos, como verbo, se apresenta na ideia de que a palavra possui uma experiência espiritual eminente, isto é, a palavra é por excelência o veículo do espírito. As próprias divindades seriam essencialmente seres da fala, e o xamanismo e a pajelança, essencialmente, cantos. Em algumas sociedades o canto apresenta forte conotação religiosa, e o seu cantar é exatamente fazer com que os deuses falem, como é o caso da sociedade guarani. Entretanto, não é possível encontrar em suas crenças algo identificável a dogmas ou ortodoxia, mas sim uma disponibilidade geral para ouvir e aprender tudo o que lhes parecer fazer algum sentido. Estudo complementar Acesse texto sobre “A representação da escola em um mito índigena”: http://www.esab.edu.br/wp- content/uploads/23877-76709-1-PB.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/23877-76709-1-PB.pdf http://www.esab.edu.br/wp-content/uploads/23877-76709-1-PB.pdf www.esab.edu.br 34 8 Aliança, organização e movimentação indígena Objetivo Compreender as movimentações e alianças indígenas estabelecidas em território invadido como resistência guerreira, fruto da articulação entre aldeias e povos. Fenômenos sociais que impactaram, simultaneamente, identidades indígenas e colonas. A tese de que os indígenas possuiriam uma organização de “Cacicados” foi questionada por autores que defendem a ideia de “unidades sociais” maiores do que os grupos indígenas locais. Fausto (2002) propõe que estas unidades possuiriam “uma estrutura tipo rede”, mais próximo ao que ele chama “um conjunto multicomunitário”, do que propriamente o que se convencionou chamar “cacicado”: Os grupos locais circunvizinhos, [...] não estavam sujeitos a uma autoridade comum, nem possuíam fronteiras rígidas: eram fruto de um processo histórico em andamento, onde se definiam e redefiniam constantemente as alianças”. (FAUSTO, 2002, p.384). O autor considera a probabilidade de não existir, propriamente, um centro, ou mesmo a ideia de uma “aldeia central”, ou de um “chefe supralocal”, (p. 389), mas sim que as aldeias, “unidas uma a outra, formavam um conjunto multicomunitário, capaz de se expandir e se contrair, conforme os jogos da aliança e da guerra (FAUSTO, 2002, p.384). Exemplo conhecido do jogo de alianças entre os indígenas foi a “Confederação dos Tamoios” (1560), uma aliança intertribal organizada para fazer resistência aos ataques dos portugueses e mestiços vicentinos que procuravam capturá-los para o serviço forçado nas primeiras plantações de cana-de-açúcar. Considera-se mais provável tratar-se de uma aliança intertribal, entre grupos Tupi e grupos Jê. O termo “tamoio” referente à aliança de povos indígenas que habitavam a costa dos atuais Estados de São Paulo (litoral norte) e Rio de Janeiro (Vale da Paraíba fluminense), não era identificador de um povo ou nação www.esab.edu.br 35 indígena específicos. O mais provável era tratar-se de um qualificativo dos que estavam à frente dessa aliança, relacionando-se aos que estavam mais tempo no litoral, os mais antigos, os mais velhos, os “avós”. Após dez anos de lutas e resistência indígenas contra a escravização, em 1570 foi promulgada a Lei contra o cativeiro indígena. Entretanto, a lei permitia que a escravização se efetivasse quando fosse alegada Guerra Justa contra os povos nativos, o que significava que poderia ser declarada guerra a um grupo considerado hostil, sejam porque atacavam os redutos dos colonos, seja porque eram acusados de práticas de poligamia ou de canibalismo. Ou seja, tratava-se de um instrumento de lei que envolvia diferentes visões e interesses sobre os indigenas, seja com a justificativa de mudar seus costumes e valores, ou para aprisioná-los e domesticá-los sob o jugo do trabalho. A aprovação do Diretório dos Índios, em 1755, do ponto de vista legal proibiu a escravidão indígena, estendido a toda América portuguesa, visando à integração do nativo à vida da Colônia. A invasão colonizadora e os conflitos, portanto, impuseram que as alianças e as estratégias fossem repensadas, exigindo novas articulações. E nesse sentido, os indígenas foram obrigados a aliarem-se a grupos inimigos, para não serem perseguidos e morrerem, ou fugirem para o interior. Ou seja, ou aceitavam pacificamente o discurso religioso que chegava através dos padres ou a aliança guerreira-militar inclusive com grupos estrangeiros ou seus inimigos indígenas tradicionais. Havia um contexto que os forçava a sempre de novo mudarem as opções, as resistências e alianças com o conquistador, uma movimentação que teve como consequências as guerras santas, e, por isso, o que estava em curso era uma resistência guerreira, conforme Prezia (2011). Movimentos culturais dos indígenas - Fonte: https://observatoriodaevangelizacao.files.wordpress. com/2015/04/b39e44c4397ca0acbfe53b16a8a7edf7_xl.jpg www.esab.edu.br 36 À medida que as expectativas dos nativos são colocadas na arena das disputas, tornam-se visíveis as fissuras nas narrativas colonizadoras e começam a surgir ideias divergentes da narrativa colonizadora,na qual predominam imagens de indígenas subalternos, sem propósitos e resistência estratégica, atendendo os interesses dos colonizadores europeus. Faz-se necessário compreender as alterações das alianças locais com a chegada do colonizador em um território de conflitos históricos entre os grupos indígenas. Embora eles participassem no jogo de aliança global-local, contra ou a favor dos grupos invasores, os conflitos internos tornaram-se mais complexos, com novos aspectos a serem considerados. Alianças foram estabelecidas de modo a atender também os interesses específicos dos nativos em termos de ataque e de defesa, em tempos de guerra e em tempos de paz. Embora o processo de colonização tenha alterado efetivamente a movimentação no território indígena, compreendemos que os nativos desempenharam um papel criativo na elaboração de novas territorialidades, atribuindo novos sentidos às condições confrontadas. A nova situação causada pela permanência dos colonizadores no território indígena resultou, simultaneamente, na reelaboração de identidades dos indígenas e dos colonizadores. As estratégias e alianças de resistência na nova realidade ressignificaram identidades e culturas desde o início da colonização, não sendo, portanto, fenômenos contemporâneos. Dessa feita, desde os primeiros contatos entre indígenas e não indígenas não há margem para encontrar um “índio genuíno e puro” como muitos imaginam, pois ele sofreu a desindigenização e, simultaneamente, “indigenizou” os que aqui chegaram. As tendências operam em direções contrárias – “por um lado, em direção à homogeneização e, por outro, em direção a novas distinções”, conforme observa Lévi-Strauss (1978, p. 20). www.esab.edu.br 37 Para o olhar viajante procedente de outras territorialidades, foi fundamental impor inicialmente uma ordem que tornasse a nova realidade habitável e inteligível para eles. Portanto, conforme alerta Fausto (2002), são passíveis de revisão as nominações tomadas a partir de viajantes e cronistas que, por sua vez, tomaram por base de seus registros as línguas e as informações de grupos muitas vezes rivais. Nessa revisão, não se deve desconsiderar os interesses que atravessam a questão indígena no Brasil e na América Latina, que permanecem, ainda hoje, em conflito por se tratarem de interesses dos neocolonizadores locais-globais, que pretendem definir para os povos indígenas quem é quem, onde se pode viver, o que produzir, o que consumir e com quem devem se relacionar.(Schubert, AMP. 2011). www.esab.edu.br 38 9 Estado e políticas indigenistas: “E, se não há índios, tampouco há direitos” Objetivo Identificar o viés integracionista centrais nas políticas desenvolvidas pelos órgãos criados pelo Estado para proteção dos indígenas. O princípio dos direitos indígenas às suas terras, embora sistematicamente desrespeitado, encontra-se na lei desde a Carta Régia, de 30 de julho de 1609. O Alvará de 1º de abril de 1680 afirma que os índios são “primários e naturais senhores” de suas terras, e que “nenhum outro título, nem sequer a concessão de sesmarias, poderá valer nas terras indígenas”, conforme Carneiro da Cunha (2012, p. 127). Entretanto, importante compreender que no período Colonial as terras não eram uma questão central, interessando muito menos que a mão de obra indígena. Somente em meados do século XIX, o foco de interesse se inverteu e os títulos sobre terras passaram a interessar, ainda assim o princípio legal firmado no Alvará de 1680 prevaleceu. Então, para burlá- lo, passou-se a invocar um recurso utilizado até os dias atuais: a negação da identidade indígena, o que equivale dizer que, se não são índios, tampouco há direitos. Na contramão dos interesses a Constituição de 1934, assim como todas as constituições subsequentes, consagraram o direito à posse das terras indígenas como direito inalienável: A Constituição de 1934 e todas as Constituições subsequentes mantiveram e desenvolveram esses direitos, e a Constituição de 1988 deu-lhe sua expressão mais detalhada. A Constituição não trata da tutela, que é um dispositivo enxertado no Código Civil de 1916 (...) acrescentado para garantir a proteção especial dos indígenas. (CUNHA, 2012, p. 127, 128). www.esab.edu.br 39 Para regular os detalhes dos direitos indígenas, destaca-se o Estatuto do índio, legislação ordinária de 1973. Dada as formulações da Constituição Federal de 1988 faz-se necessário mudanças nesse Estatuto, e no congresso nacional tramitam há anos propostas de lei nesse sentido. A luta pela delimitação de terras e a reafirmação das identidades étnicas indígenas são recorrentes e acontecem em todas as regiões do Brasil. Trata-se de uma questão que deixou de estar quase que exclusivamente atrelada à mão de obra, a partir do século XIX, passou a relacionar-se, principalmente, à questão de terras. A luta se prolonga até nossos dias e em consequência do processo de expropriação, quando os colonizadores invadiram as regiões litorâneas (século XVI) em uma ação violenta de conquistas, expandindo-se aos sertões (interiores), especialmente no século XVIII e início do XIX. (Apolinário. p. 247-248). O discurso que acompanhou as mudanças na legislação e nas regulamentações indigenistas foi o da integração e da assimilação, e serviu para legitimar, nos campos jurídico e teórico, a usurpação das terras indígenas, sob o pretexto da perda da identidade desses povos. No relatório da Comissão da Verdade (2015), os relatores indagam pelo significado dessa integração. Eles admitem tratar-se de um conceito, juridicamente, não preciso – como tampouco era o de “segurança nacional” na ditadura militar brasileira. Essa imprecisão, em termos jurídicos, foi sempre usada pelo Estado para “legitimar a arbitrariedade e as graves violações de direitos humanos”. Uma imprecisão também em termos teóricos, e por isso mesmo trata- se de noções que foram substituídas, por se tratar de noções imprecisas, “integração”, “aculturação” e “assimilação”, passaram a ser substituídas na contemporaneidade pelos conceitos mais elaborados de “genocídio” e “etnocídio”, em particular nas etnografias que surgiram a partir dos anos 70 em diante, quando as novas mobilizações e organizações políticas dos índios obrigaram os pesquisadores a efetuar uma guinada narrativa em favor de noções como “etnogênese”, “etnodesenvolvimento” e “reelaboração cultural”. Isso quer dizer, para os antropólogos os índios já não estariam mais desaparecendo e se aculturando diante das políticas indigenistas ou da ausência delas, mas sim resistindo a elas e se reinventando culturalmente a partir delas. www.esab.edu.br 40 Ao considerar os índios incapazes de cuidar dos seus bens, o Estado assumiu esse papel, especialmente sobre as terras e seus arrendamentos, uma prática que continua disseminada até os dias atuais. Em diferentes regiões do Brasil, pode-se confirmar essa política, adotada nos diferentes períodos político-econômicos da construção da República Brasileira, quando as condições de sobrevivência desses povos que ficarm sob risco, por causa dos intrusamentos de suas terras pelos empreendimentos que causam danos ao meio ambiente e uma complexa alteração no meio social. A derrubada das matas, intensificadas na década de sessenta com exploração para diversos fins, representou a completa desestruturação da economia, uma vez que inviabilizou fontes e práticas de subsistência imemoriais desses povos. Práticas tradicionais diversificadas como a caça, a coleta de mariscos, a retirada de matéria-prima para a fabricação de utensílios, a coleta de frutos e plantas medicinais deixou a vida definitivamente comprometida para alguns povos. Assim, foram provocadas crises de sociabilidades, na tentativa de fragilizar, e até mesmo destruir os laços de reciprocidade, forçando-se um reordenamento territorial. Os grupos indígenas, vendo-se obrigados a buscar sobrevivência fora da área de sua tradicional movimentação,deveriam submeter-se às regras estabelecidas pela sociedade não índia, o que gerava crises de diferentes ordens entre eles e suas comunidades. Os empreendimentos nos territórios indígenas continuaram a aproveitar-se dessa mão de obra. A noção de territorialidade remete à relação dos povos indígenas com seus territórios, o que não se restringe necessariamente a terra demarcada. Território indígena e Terra indígena não são sinônimos. Terra Indígena é uma noção que se refere às dimensões que o Estado logra declarar oficialmente como terras tradicionais, de acordo com o art. 231 da Constituição Federal de 1988, seguindo um conjunto de estudos multidisciplinares, envolvendo informações antropológicas, etno-históricas, cartográficas, ambientais e fundiárias que evidenciam a tradicionalidade da área em questão. Território indígena diz respeito também ao que pode ser encontrado fora da terra indígena demarcada, passível de demarcação, conforme a situação histórica, a identidade cultural e a circunstância ambiental de cada povo. www.esab.edu.br 41 Comissão da verdade. 2015 I TOMO. Parte 2. Violações aos Direitos dos Povos Indígenas O Relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) estimou em 8.350 índios mortos durante a ditadura militar, destacando que se tratava de um levantamento parcial, que não conseguiu levar em consideração todos os povos afetados. Esse dado, que traduz gravíssimas violações de direitos humanos, é mais um dos que afastam o mito de que a ditadura militar teria sido branda. Ele reflete um período em que, paradoxalmente, foi aprovada uma legislação, o Estatuto do Índio, e criada uma instituição, a Funai (Fundação Nacional do Índio), com o alegado intuito original de proteger os povos indígenas. O Estatuto (Lei nº 6001, de 19 de dezembro de 1973) foi seguidamente violado, no entanto, inclusive pela própria Funai (instituída a partir da Lei nº 5371, de 5 de dezembro de 1967), que foi militarizada e se tornou um instrumento para graves violações de direitos humanos, alegadamente em nome de “integração” do índio à sociedade brasileira. Importante documento de 1974, “A política de genocídio contra os índios do Brasil”, apontava o cunho integracionista do Estatuto do Índio, de 1973, sancionado por Médici, e do governo Geisel, cujo Ministro do Interior, Maurício Rangel Reis, afirmava se faria o que se chamava de integração do índio à sociedade brasileira o mais rápido possível. A Funai estava subordinada a esse ministério, que coordenava políticas de colonização da Amazônia, de interesses frontalmente contrários aos dos povos indígenas. Terras Indígenas Tradicionalmente Ocupadas De acordo com a Constituição Federal vigente, os povos indígenas detêm o direito originário e o usufruto exclusivo sobre as terras que tradicionalmente ocupam. As fases do procedimento demarcatório das terras tradicionalmente ocupadas, abaixo descritas, são definidas por Decreto da Presidência da República e atualmente consistem em: • Em estudo: Realização dos estudos antropológicos, históricos, fundiários, cartográficos e ambientais, que fundamentam a identificação e a delimitação da terra indígena. www.esab.edu.br 42 • Delimitadas: Terras que tiveram os estudos aprovados pela Presidência da Funai, com a sua conclusão publicada no Diário Oficial da União e do Estado, e que se encontram na fase do contraditório administrativo ou em análise pelo Ministério da Justiça, para decisão acerca da expedição de Portaria Declaratória da posse tradicional indígena. • Declaradas: Terras que obtiveram a expedição da Portaria Declaratória pelo Ministro da Justiça e estão autorizadas para serem demarcadas fisicamente, com a materialização dos marcos e georreferenciamento. • Homologadas: Terras que possuem os seus limites materializados e georreferenciados, cuja demarcação administrativa foi homologada por decreto Presidencial. • Regularizadas: Terras que, após o decreto de homologação, foram registradas em Cartório em nome da União e na Secretaria do Patrimônio da União. • Interditadas: Áreas Interditadas, com restrições de uso e ingresso de terceiros, para a proteção de povos indígenas isolados. Saiba mais Recomendamos os links sobre a questão indigena no brasil: http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07- 13-24-32 http://www.rca.org.br/2016/03/em-defesa-dos- direitos-indigenas-no-brasil-peticao-publica http://www.funai.gov.br/index.php/nossas- acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente- contato http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-24-32 http://www.funai.gov.br/index.php/2014-02-07-13-24-32 http://www.rca.org.br/2016/03/em-defesa-dos-direitos-indigenas-no-brasil-peticao-publica http://www.rca.org.br/2016/03/em-defesa-dos-direitos-indigenas-no-brasil-peticao-publica http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato http://www.funai.gov.br/index.php/nossas-acoes/povos-indigenas-isolados-e-de-recente-contato www.esab.edu.br 43 10 Persistência integracionista e assimilacionista do indigenismo de Estado – SPI e FUNAI Objetivo Identificar aspectos centrais do integracionismo nas políticas desenvolvidas pelos órgãos criados pelo Estado para proteção dos indígenas. No início do século XX, houve um movimento de opinião dos mais importantes que culminou, em 1910, na criação do Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Esse movimento denunciou internacionalmente a exploração da mão de obra indígena que, posteriormente, foi deslocada para a exploração do território e mais recentemente para a exploração das riquezas do seu subsolo. O lema “Atrair e pacificar”, idealizado pelo Marechal Cândido Rondon, o responsável pela criação do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), apresentou consequências graves, como a imposição aos indígenas de nomes de “chefes”, concentrou povos diferentes, implantou sistemas e organizações estranhos e favoreceu a exploração de forma predatória dos recursos naturais de seus territórios. Tudo isso agora em nome da integração à “comunhão nacional”, uma integração que, como nos períodos anteriores, produziu a redução do outro. Imagem do Marechal Cândido Rondon com os índios Fonte: http://www.gentedeopiniao.com.br/noticia/marechal-rondon/137350 www.esab.edu.br 44 Essa redução se mostrou de diferentes formas, mesmo na aparência inocente do ato de dar nome a uma criança em cartório. Lideranças indígenas ainda hoje denunciam os cartórios que recusam registrar suas crianças com nomes indígenas, e isso não é uma situação incomum no Brasil. No caso da liderança que denunciou, a recusa foi no registro do seu próprio nome e ele diz que são incontáveis as práticas arbitrárias que fizeram parte da estratégia, nada inocente, de apagamento dos rastros da história indígena. Naquele período, em 1910, a situação continuava violenta para os povos indígenas que, sob pressão de intelectuais nacionais e internacionais o governo criou o Serviço de Proteção ao Índio, que resultou do desmembramento do serviço antes vinculado ao “Serviço de Apoio aos Indios e de Localização dos Trabalhadores Nacionais”, ligado ao Ministério da Guerra. Uma das principais metas desse Serviço recebeu a seguinte formulação: “Transformar os índios em populações laboriosas e úteis à comunidade”. (PREZIA, 1991, p. 145). A concepção positivista da época, com a qual Rondon se identificava, compreendia a pátria como valor absoluto, sendo necessário buscar primeiro “os interesses gerais do país”. Nesse contexto, não se pode falar em indigenismo sem trazer para o debate os positivistas que propunham a “incorporação dos índios à civilização”, defendendo o quanto seria “proveitoso para os índios, que poderiam assim, conhecer os ‘progressos’ da civilização, se lhes fossem dados os meios materiais para isso”. Como Rondon, defendiam uma “incorporação espontânea” à sociedade, empregando-se “métodos pacíficose compreensão para a atitude agressiva do índio que defende seu território”. (Wilmar d”Angelis. In. Essa terra tinha dono) Sob o lema Morrer, se preciso for, matar, nunca, e atuando segundo o que considerou um “processo fraternal”, Rondon mandou transferir os índios Pareci de suas terras para que fossem responsáveis de proteger e conservar as linhas telegráficas recém construídas. Nessa perspectiva, uma das metas do SPI era, “transformar os índios em populações laboriosas e úteis à comunidade” (PREZIA, p. 145). www.esab.edu.br 45 A questão seguiu polêmica nas décadas posteriores e argumentos prós e contras sobre o “que se deveria fazer com os índios” continuaram pontos de discórdias. Em 1929, inclusive, o tema foi lançado no debate internacional, por meio do estudo de Roquete-Pinto, sob o título “Notas de Tipos Antropológicos do Brasil”. O estudo tinha por base a defesa dos mestiços em referência ao “tipo nacional”, entrementes, vistos com preconceito pelas elites nacionais e internacionais. Esses estudos tinham como objetivo “averiguar a viabilidade biológica e intelectual dos mestiços” e não deixaram de apresentar um posicionamento crítico à política migratória nacional, que estimulava a vinda de grupos de indivíduos brancos para o Brasil, em oposição ao mestiço. (Santos, 2006. p. 121). Sobre as terras indígenas, os próprios relatórios do SPI de 1954 registraram: “a pacificação das tribos tem representado sempre a perda de seu território de caça e coleta, invadidos por extratores de produtos da mata, criadores, conforme a economia dominante na região”. E completava: “Os Xavantes, pacificados em 1946, estão perdendo suas terras para latifundiários que nunca as viram, mas especulam sobre sua valorização futura.” O relatório reclamava da confiança que o governo local e até as instituições federais inspiravam nos usurpadores que, segundo o relato, zombavam dos protestos do SPI, confiados no apoio do governo (...). (SPI/1954. Relatório de atividades, fl.7). Em decorrência de uma série de denúncias e escândalos de corrupção, o Serviço de Proteção ao Índio foi extinto em 1967 e para substitui- lo foi criada a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), atual órgão oficialmente responsável pela política indigenista no Brasil. Sua estrutura institucional, além da sede em Brasília, compreende Administrações Regionais, Núcleos de Apoio Indígena, Postos de Vigilância e Postos Indígenas, distribuídos em diferentes pontos do país. Algumas análises, ao formular os pressupostos da política indigenista na década de 50, a exemplo de Darcy Ribeiro, acreditavam que o Estado Brasileiro seria capaz de uma intervenção “racional e protetora” em relação aos índios. Para ele, as questões econômicas, os processos capitalistas, não passariam de “meros resíduos de modos superados www.esab.edu.br 46 de produção” e não pareciam ter influência no processo de destruição dessas populações, como vinha ocorrendo. Essas ocorrências eram compreendidas por Ribeiro como “abusos despóticos de interesses locais [...] que não teriam condição de atuar, uma vez denunciados e postos sob vigilância dos órgãos governamentais e da opinião pública esclarecida. (1970:196). (apud. Oliveira: p.66). Para aspectos centrais do debate, essa avaliação se mostrou equivocada, posto que empreendimentos estatais, bem como privados, onde habitavam indígenas, contaram com incentivo ou aval do governo militar. Por outro lado, cada vez que tais abusos e violência foram cometidos, e que as vozes indígenas e não indígenas se elevaram, ampliando-se para além da sociedade civil local, alcançando diferentes países, resultou em intervenção do Estado seja para solucionar ou considerar a questão, ou mesmo ignorá-la. Em 1967, quando a FUNAI substituiu o SPI, incorporou a doutrina da proteção fraternal ao índio, sistematizada, divulgada e colocada em prática por Cândido Rondon, primeiro dirigente do SPI, que defendia que eles deviam ser integrados à comunhão nacional. Lembramos que nessa concepção os índios eram pensados como os guardiões das fronteiras políticas da nação, e viveriam sob a tutela direta do Estado. A tese apresentada continuava a de que esses povos brevemente desapareceriam, e se integrariam a “comunhão nacional”. O antropólogo João Pacheco de Oliveira adverte que é um equívoco pensar o dilema indígena como se fosse apenas uma questão fundiária, possível de solucionar pelo controle de uma variável com a relação terra/ índio medida em hectare, por exemplo. Para ele, a questão não deve ser pensada com as mesmas figuras fundiárias validadas em nossa sociedade. A “terra indígena” foi resultado de uma política do nosso governo, mas o território é resultado de uma complexa cultura que se articula ao modo de viver e ocupar e se relacionar com o meio ambiente. Desse modo, a relação entre terra e território indígena tem profunda relação com os nichos ambientais nos quais os indígenas se inserem. (Oliveira, J. Pacheco de. Ensaios em Antropologia Histórica. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 1999). www.esab.edu.br 47 Resumo O processo de transformação dos indígenas em “trabalhadores” nacionais teve como objetivo “integrá-los” e submete-los a sociedade não indígena, sendo, dessa forma, amparada por legislações que mudaram de acordo com os interessas e a conjuntura de cada período. A exploração da mão de obra, o apagamento cultural e a perda do território indígena guardam fortes relações com a legislação em diferentes contextos históricos. Nesse sentido, as movimentações e alianças realizadas pelos indígenas com outros aliados não portuguesas são expressões da resistência guerreira, fruto da articulação entre aldeias e povos muitas vezes inimigos tradicionais, que procuraram resistir aos interesses coloniais e do Estado. Esses movimentos impactaram indígenas e colonos de diferentes formas e intensidade, transformando e ressignificando culturas e identidades de ambos, além de atrair sobre eles, cada vez mais, a repulsa e o ódio da sociedade que se formava. www.esab.edu.br 48 11 Recrudecimento da política indigenista Objetivo Apresentar um panorama das ameaças que pesam sobre os direitos reconhecidos aos indígenas no país, e os problemas vivenciados por eles. Na história, os povos indígenas aparecem em perspectiva bárbara e subalterna e, na perspectiva das políticas e projetos de “pacificação”, passíveis de “redução”, seja pela prática dos descimentos e aldeamentos, apresamentos pelos bandeirantes, ou “integração” pela prática das “atrações pacíficas” para serem “assimilados” à sociedade colonial e nacional, por meio do trabalho forçado ou obrigatório nas fazendas, construções de estradas, canais, etc. Os pesquisadores contemporâneos não deixaram de destacar a política indígena de aliança que eles fizeram com diferentes grupos colonizadores para combaterem os seus inimigos indígenas. Carneiro da Cunha (2002) cita os grupos chamados “Tapuias”, que pela primeira vez se aliaram ao grupo colonizador dos holandeses com o objetivo de combater Tamoios e Tupinikim que, por sua vez, se aliaram aos franceses e portugueses. E ela concluiu que, sem dúvida, os “índios foram atores políticos importantes de sua própria história” e nos interstícios das políticas indigenistas no Brasil “vislumbra-se algo do que foi a política indígena” (p.18). Conforme informações do relatório “Violações aos direitos dos povos indígenas”, o ano de 1968, na esteira do endurecimento da ditadura militar com o AI-5, marca o início de uma política indigenista mais agressiva – inclusive, cria presídios para indígenas. O relatório conclui: O Plano de Integração Nacional (PIN), editado em 1970, preconiza o estímulo à ocupação da Amazônia. A Amazônia é representada como um vazio populacional, ignorando assim a existência de povos indígenas na região. A ideia de integração se apoia em abertura de estradas, particularmente a Transamazônica e a BR 163, de www.esab.edu.br 49 Cuiabá a Santarém,
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