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1 Disciplina: Legislação e políticas públicas da Educação Especial Inclusiva Autores: D.ra Rita de Cássia Moser Alcaraz Revisão de Conteúdos: Sérgio Antonio Zanvettor Júnior Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Rita de Cássia Moser Alcaraz Legislação e Políticas Públicas da Educação Especial Inclusiva 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chatagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Revisão de Conteúdos Sérgio Antonio Zanvettor Júnior Revisão Ortográfica Juliano de Paula Neitzki Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA ALCARAZ, Rita de Cássia Moser. Legislação e políticas públicas da Educação Especial Inclusiva / Rita de Cássia Moser Alcaraz. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 47 p. ISBN: 978-85-5475-373-3 1. Acessibilidade. 2. Educação. 3. Inclusão. Material didático da disciplina de Legislação e políticas públicas da Educação Especial Inclusiva – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio.............................................................................................................. 06 Aula 1 – Ideias de Pestalozzi: uma reflexão inicial .............................................. 07 Apresentação da Aula 1 ..................................................................................... 07 1.1 – Pestalozzi, uma mudança paradigmática no método educacional ...... 08 1.2 – Aspectos formativos ........................................................................... 13 Resumo da aula 1 .............................................................................................. 15 Aula 2 – Políticas Públicas para a educação especial inclusiva, entre avanços e desafios ........................................................................................................... 16 Apresentação da aula 2 ..................................................................................... 16 2.1 – A institucionalização da educação especial ....................................... 18 2.2 – A redefinição da educação especial para uma educação inclusiva .... 19 2.3 – A Constituição Federal ....................................................................... 22 Resumo da aula 2 .............................................................................................. 24 Aula 3 – Lei 13.146 de 6 de julho de 2015 ........................................................... 25 Apresentação da aula 3 ..................................................................................... 25 3.1 – O voto e o direito ................................................................................. 30 Resumo da aula 3 .............................................................................................. 33 Aula 4 – Identidades: políticas educacionais e espaços simbólicos ................... 34 Apresentação da aula 4 ..................................................................................... 34 4.1 – Por uma escola inclusiva .................................................................... 35 4.2 – Inclusão de um direito ......................................................................... 39 Resumo da Aula 4 .............................................................................................. 42 Resumo da disciplina ......................................................................................... 43 Índice Remissivo ................................................................................................ 44 Referências........................................................................................................ 45 6 Prefácio O princípio fundamental da educação inclusiva é o direito a ser, a existir, com pressupostos constitucionais de igualdade, quando as diferenças podem nos descaracterizar dentro de padrões pré-estabelecidos de “normalidade” e aceitação entre iguais. Portanto, a inclusão escolar fundamenta-se no princípio de uma escola democrática, sem discriminações a considerar todos com igualdade de valor, tal questão implica em revisar concepções e paradigmas educacionais para a reorganização da concepção do que se entende como escola, aprendizagem e ensino, em como se planeja para o desenvolvimento cognitivo, cultural e social. Para Romanelli (2010): Os efeitos de uma lei de educação, como qualquer outra lei, serão diferentes, conforme pertença ela ou não a um plano geral de reformas. [...] A aplicação de uma lei depende das condições da infraestrutura existente. A sua aplicação depende da adequação dos objetivos e do conteúdo da lei às necessidades reais do contexto social a que se aplica. Enfim, a eficácia de uma lei depende dos homens que a aplicam (ROMANELLI, 2010, p. 185). A educação possui procedimentos e os princípios para se pensar em uma educação para todos com uma escola menos assistencialista, mas responsável pela autonomia e construção e conquista da autonomia dos estudantes e poderá impactar uma sociedade e as políticas educacionais nela vigentes. A história da inclusão no ensino regular de estudantes com deficiência está ainda sendo muito debatida nas ultimas décadas em diferentes áreas. As políticas públicas educacionais, provocadas por meio dos debates dos profissionais do âmbito educacional, provocam as reflexões pertinentes que modificaram junto à sociedade a terminologia adotada, a efetivação de práticas que considerem os alunos e suas peculiaridades, diferenças e idiossincrasias quando diagnosticadas por neurologistas e equipe médica. Por isso, como expresso na citação acima, a educação inclusiva se relaciona à efetividade e atuação de políticas públicas na compreensão de uma mudança de pressupostos paradigmáticos da sociedade no trabalho com a escola, tendo em vista os estudantes e a educação como um direito de todos, responsabilidade de toda a sociedade. 7 Aula 1 – Ideais de Pestalozzi: uma reflexão inicial Apresentação da aula 1 O texto inicial da nossa primeira aula contém algumas ideias de Pestalozzi paraa compreensão de sua metodologia, pois são importantes para propiciar reflexões sobre a inserção e adequação curricular na contribuição do pensamento para uma escola inclusiva. Vale enfatizar que as políticas públicas também são fundamentais na construção de espaços reflexivos e podem contribuir para a sociedade, onde os movimentos sociais da categoria se expressam, a fim de que sejam ouvidos, acolhidos e tenham espaço para debater sobre suas necessidades e anseios, como por exemplo: O “Movimento de Cegos” em luta por sua emancipação social, no Rio de Janeiro. Já na década de 80 se manifestava reivindicando seus direitos, diluindo, assim, o papel dos especialistas nesta questão. Abaixo, citamos um dos trechos da manifestação do Movimento editado em panfleto. Muitos especialistas têm falado para nós, por nós, sobre nós. Soluções contrárias aos nossos interesses, inteiramente desvinculadas de nossas reais necessidades têm sido sugeridas e até mesmo postas em prática, cristalizando os preconceitos e estimulando a discriminação que faz de nós um grupo minoritário, à margem da sociedade. Apesar disso, o processo de nossa emancipação social se desenvolve e, à frente de cada realização verdadeiramente significativa para tal processo, sempre está um de nós [...]. Queremos ter o direito de falar por nós, de ser os sujeitos de nossas ações. As atitudes e medidas paternalistas prejudicam nossa imagem, reforçando a posição de inferioridade a que ainda estamos relegados[...]. Precisamos do seu crédito e de seu apoio nessa luta, não para falar por nós, mas para lutar ao nosso lado! (ALMEIDA, 2003, p. 19). Isto significa, que o ato de falar e de ouvir são essenciais no fortalecimento social da categoria. O respeito às maneiras diferentes de pensar, de viver, de realidades e experiências denotam um outro ponto de aprendizagem, o qual a sociedade pode aprender por meio de ações conjuntas, e não isoladas. Assim pensar em uma educação inclusiva e reordenar os valores sociais de como se aprende e como se ensina. Para que a inclusão se concretize, é necessária uma reflexão profunda sobre a educação, a formação profissional, a sociedade, as políticas educacionais e os determinantes econômicos, sociais e políticos, Os avanços e as mudanças não podem ser consideradas apenas como discussões meramente opinativas. Com base nessas ideias, vamos pontuar algumas 8 questões em dialogo com Pestalozzi e o método como referencial para essa discussão. 1.1 Pestalozzi, uma mudança paradigmática no método educacional Neste subcapítulo serão referenciadas as discussões de Zanatta, (2005), para a reflexão sobre a importância de Pestalozzi na educação e sobre o método. A autora faz o debate considerando a importância das escolas públicas da Prússia para as unidades políticas alemãs. A pesquisadora cita o relato elaborado em 1866 pelo inspetor de ensino da França, J. M. Baudoin: [...] em nenhuma parte, a instrução está tão difundida, nem é dada com tanto interesse, nem dirigida com tanto cuidado. O mais pequeno povoado tem sua escola primária; a mais insignificante cidade, seu ginásio, suas escolas médias, perfeitamente organizadas, dotadas e cuidadas. Na Alemanha todos se interessam pela juventude: os mais altos personagens e as mais ilustres senhoras lhes dedicam seu tempo, seu dinheiro, sua experiência, os melhores escritores redigem livros para as crianças; os poetas compõem, para as lições de ginástica e de canto, poesias que os mais ilustres compositores não têm desdenhado colocar música. Todo o povo alemão está convencido de que se ocupar da instrução da juventude é cumprir um dever pessoal e trabalhar para o futuro do país. Cada um, se faz voluntariamente Volkserzieher, mestre do povo, e contribui por sua vez para o progresso da instrução geral. (CAPEl, 1988, p. 89 In: ZANATTA, 2005). Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827) Fonte: https://br.depositphotos.com/search/pestalozzi.html?qview=12831469 9 O movimento apresentado na citação do inspetor denota a organização escolar e também a geografia de tal espaço com impacto social. A educação foi presidida de um movimento social de interesse de diferentes áreas na composição da elaboração de material didático, de espaços organizados sistematicamente para a educação. Então, o contexto histórico influencia o social na ampliação e aperfeiçoamento do espaço local para os estudantes. Tal contexto assim é compreendido como uma das primeiras questões a serem consideradas para a ampliação e efetividade de uma escola inclusiva, ela precisa possuir políticas educacionais dialogadas com a sociedade em diferentes espaços. Um processo democrático só é consolidado quando a população dele participa, o desconhecimento sobre a organização da escola inclusiva, sobre a própria construção de um estado democrático que considere as diferenças permite uma vazão contrária a uma reforma educacional efetiva com garantias à igualdade entre as pessoas, seja na composição de material como em braile , de tratamento para pessoas com TDH, espectro autista, entre outras deficiências e de participação de atividades entre os pares com respeito às várias formas de se expressar. Ainda, na atualidade, ao tratar-se do tema educação especial e inclusão, utiliza-se uma régua que hierarquiza as relações nas instituições escolares, padronizando comportamentos e esperando resultados para se computar dados. O que se pretende então, considerando-se Johann Heinrich Pestalozzi (1746-1827), é uma reflexão sobre alguns pontos, pois quando ele pensou na aplicação de modelos pedagógicos baseados na atividade de observação da natureza foi uma proposta de concepção organicista. O instituto para órfãos, fundado em 1774, organizado como uma família, foi influenciado pelo pensamento de Rousseau, pelo o amor à natureza e compreendia a reforma política e social. O educador tinha a preocupação de educar intelectualmente e moralmente os rapazes e o mundo estava atento a suas ações. A escola em Yverdon foi um verdadeiro laboratório de experimentos pedagógicos, dos quais duas obras são escritas com base nestas experiências Leonardo e Gertrudes (1781) e Como Gertrudes instrui seus filhos (1801). Na primeira obra foram delineadas ideias acerca da reforma política, moral e social, tais ideias foram nas escolas da Prússia, organizando os métodos pestalozzianos. 10 Pestalozzi influenciou e reestruturou a educação na Prússia. A educação se relacionava com a natureza, com a liberdade de criar hipóteses, de bondade inata do ser e da personalidade. Ele defendeu uma educação não repressiva com o ensino como meio de desenvolvimento das capacidades humanas, como cultivo do sentimento, da mente e do caráter, ideias que se relacionavam com as de Rosseau, sendo elas: As crianças podem ser levadas ao gosto pelo estudo, os ensinamentos da natureza, como a experiência e o sentimento, são grandes professores; A educação é um processo natural, a criança tem uma tendência natural de se desenvolver (LIBÂNEO, 1991, p. 61). Assim, Pestalozzi (1946, p. 13) dedicou tempo para o desenvolvimento das capacidades humanas, difundindo a função social da escola como saber universal para todas as classes sociais. Manacorda (1989, p. 266) cita Pestalozzi: O aluno, seja qual for a classe social a que pertença e a profissão a que esteja destinado, participa de certos elementos da natureza humana que são comuns a todos e constituem o fundamento das forças humanas. Nós não temos direito algum de limitar a qualquer homem a possibilidade de desenvolver todas as suas faculdades [...]; não temos o direito de negar à criança a possibilidade de desenvolver nem que seja uma só faculdade, nem mesmo aquela que, no momento, julgamos não essencial para a sua futura profissão ou para o lugar que ele terá na vida. Pestalozzi (1946)tinha como propósito buscar as leis para o desenvolvimento integral das crianças, acreditava em uma nova formulação sobre a criança, pois acreditava nas pessoas baseado em ideais protestantes com uma grande atenção à espiritualidade. Assim, a concepção da criança é de bondade e pureza, aos quais os instintos humanos podem ser reprimidos e as leis humanas podem ser reveladas por meio de uma educação com a unidade da mente, coração e desenvolvidas por meio da educação intelectual, moral e profissional. Segundo Pestalozzi (1946), a criança desde pequena deve manter-se ocupada de forma produtiva, assim nas escolas se tinha muito a produção 11 manual de algo; a paciência e a escuta deviam ser as bases para os professores, bem como o amor às crianças. A ideia de uma educação intelectual era então relacionada à própria possibilidade na relação com a natureza, na seleção das impressões recebidas e transformadas em conceitos precisos. O educador tinha uma atenção especial ao outro, ao domínio de si, assim as crianças deveriam ser acompanhadas de forma geral para as especificidades necessárias de se reconhecer o outro. Esse conhecimento pode ser manifestado de maneira elementar pelo número, pela forma e pela palavra, que são produtos da inteligência criados por intuições maduras e que devem ser considerados como meios para a progressiva precisão de nossos conceitos. (PESTALOZZI,1946, p. 15). A intencionalidade em se influenciar e provocar o conhecimento pela atuação ao hábito de pensar com base em elementos baseados na realidade e não com regras abstratas, ao mesmo tempo que a educação é um processo mediado e não pré-determinando sobre o que se deseja ter ao final de um processo formativo. Assim, o professor acompanha as crianças naquilo que é necessário para o desenvolvimento delas. O ABC da intuição, formulado com base na observação das crianças por Pestalozzi, é em que ele observa a linguagem escrita relacionada ao desenho. O grafismo infantil é o primeiro passo para a posterior aquisição da escrita e da fala. Ainda, considera os sons como antecessores da palavra, estes são os primeiros passos para a teoria de Montessori. O educador ainda reflete sobre a curiosidade de pensar, sobre a lição das coisas, dessa forma, a aprendizagem então é um princípio básico natural resultante das atividades livres por meio da mediação. A seguir, as ideias de Pestalozzi na compreensão de como ela pode influenciar a educação inclusiva e as políticas públicas. Ví deo Sugestão para um apanhado do contexto da construção social e da escola, seguindo algumas ideias de Pestalozzi: Grandes educadores disco Pestalozzi, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=EYZM_yy3VOE 12 Saiba Mais Para ampliar seus estudos, leia o texto abaixo sobre a vida de Johan Heinrich Pestalozzi (1746-1827), por Michel Soëtard: O "método" e seu espírito as Investigações de 1797 são um chamado à ação. E graças aos levantes políticos que são produzidos na Suíça em 1798, "o educador do povo" mais uma vez tem o vento na popa. Primeiro, há a experiência de Stans, iniciada em janeiro de 1799 e terminando abruptamente por causa da guerra, depois de alguns meses de existência. Então Pestalozzi é instalado em Burgdorf (Berthoud): o novo instituto não resiste à queda da República Helvética em 1803. Finalmente, o pedagogo é chamado a Yverdón, onde em 1º de janeiro de 1805 é inaugurado o castelo, é um estabelecimento que rapidamente ganha amplitude e adquire fama em toda a Europa. De todos os lados, observa-se o fenômeno pedagógico e os professores se seguem ondas (os prussianos, os franceses, os ingleses) para começar o método de Pestalozzi. O "método" é, sem dúvida, o projeto pedagógico que realiza todo o trabalho de Pestalozzi em seus três institutos. Na prática, começou em Stans, mas foram grandes as diretrizes e foram estabelecidas no trabalho de 1801, Comment Gertrude instruct ses enfants (Como Gertrude instrui seus filhos), embora seus vários componentes continuem sendo elaborados durante as experiências de Burgdorf e Iverdon. A questão da originalidade do "método de Pestalozzi" é geralmente levantada (a expressão é Herbart). Se isso se refere a materiais e técnicas, corremos o risco de desapontar-nos: o visitante do castelo de Iverdon procurará em vão esses "truques pedagógicos" que eles poderiam aplicar em sua prática. No que diz respeito às técnicas pedagógicas, pode-se dizer que Pestalozzi não inventou nada, nem mesmo o quadro negro, e que ele levou o que queria em todas as partes, na verdade, deve-se lembrar que sua experiência não se desenvolveu em um deserto pedagógico, mas foi inscrito em um vasto movimento de renovação do ensino que atingiu até o mais humilde pastor da aldeia. Além disso, o próprio Pestalozzi admitiu ter completamente errado ao desenvolver certas técnicas, em particular para a aprendizagem de linguagem, e ele não hesitou em modificar profundamente os instrumentos em certas fases de sua evolução. Para colocá-lo em poucas palavras, não precisa procurar a originalidade do método em seus aspectos materiais. [...] Pode-se dizer que a originalidade do método desenvolvido por Pestalozzi reside fundamentalmente em seu espírito. Seu mérito é, na verdade, o seguinte: enquanto quase todos os seus 13 discípulos, declarados ou não, sistematicamente permitiram que sua intenção desaparecesse na materialidade de um conhecimento, uma técnica, uma concepção a priori do homem, e eles lutaram sistematicamente para não confundirem o que queriam com o que tinham percebido, Pestalozzi entendeu que o método e todos os seus componentes não deveriam ser mais que os instrumentos nas mãos do pedagogo, a fim de que este produzido "algo" que não é encontrado no método e acaba por ser de natureza totalmente diferente do processo mecânico: a liberdade autônoma.” (El texto que sigue se publicó originalmente en Perspectivas: revista trimestral de educación comparada (París, UNESCO: Oficina Internacional de Educación), vol. XXIV, nos 1-2, 1994, págs. 299-313 – tradução livre pela autora). 1.2 Aspectos formativos Com base nas ideias de Pestalozzi (1946), alguns aspectos são importantes e servem como reflexão para se pensar a educação especial inclusiva, como pode-se ver: Faz-se necessário organizar as práticas escolares junto com uma equipe multidisciplinar, considerando a inclusão em diferentes âmbitos. Uma educação inclusiva prevê por meio das políticas educacionais uma adequação curricular, uma flexibilidade na construção e mediação entre o corpo docente e os discentes para a aprendizagem de forma inclusiva; Uma educação que considere o outro, a qual possamos ir em direção ao outro, considerando suas especificidades sem tantos padrões a serem organizados e seguidos pode permitir uma interação sem tantas hierarquizações e ser includente em vez de excludente; O estudo e a reflexão por meio da formação constante de professores, nos quais participem também a sociedade e não apenas familiares de crianças deficientes, para assim gerar uma responsabilização social por meio de politicas inclusivas, e principalmente de diálogo e reflexão na construção de uma sociedade mais justa; Metodologias que se preocupem com as potencialidades dos estudantes e não com medições, que os limites não sejam escritos e nem prescritos, 14 mas que se acompanhe cada pessoa como única, com aprendizagens e alcances individualizados potencialmente atendidos por meio de recursos pedagógicos e diálogo, que as expressões sejam além da voz, que a aprendizagem ultrapasse as tecnologias em direção ao outro. Ainda, que o ensino regular seja inclusivo para que as terminologias sejam lembranças no passado, quando aprende a aprender, quando o ensino seja uma construção possível com os recursos postos e outros ainda desconhecidosrumo a uma mudança paradigmática da educação com alcance na sociedade e no desenvolvimento de tecnologias assistidas para todas as pessoas com diferentes formas de aprender. Com base nesses pressupostos também de acolhimento e afeto, pode-se elaborar documentos que vão desde as políticas educacionais, como a Lei 13.146 de 6 de julho de 2015, até os refletidos na escola para o desenvolvimento de práticas inclusivas, de reconhecimento das diferenças como sendo pressupostos para uma sociedade justa. Na concepção inclusiva, a avaliação da aprendizagem pode ser acompanhada no percurso do aluno, com tempos distintos em um ciclo formativo e de desenvolvimento, considerando as especificidades. Por isso, é importante a sensibilização dos professores ao considerar os estudantes como construtores de conhecimentos, na organização das informações, na execução do trabalho e a participar ativamente da vida escolar. Assim: O tempo de aprender é o tempo de cada aluno; dispensam-se notas e conceitos, pois o que importa é o registro fiel do aproveitamento dos alunos que vai sendo conhecido dos professores do ciclo que o aluno está cursando e de outros ciclos mais avançados. Professores e alunos se auto avaliam rotineiramente, acompanham e compartilham o desenrolar dos processos de ensino e de aprendizagem, regulando-os e monitorando-os passo a passo. (MANTOAN, 2001, p. 6-7). Por isso as políticas para a educação especial e inclusiva preveem a formação continuada profissional na área educacional e são importantes conquistas para a sociedade. 15 Ví deo Assista Pensadores na Educação: Pestalozzi e a aprendizagem pela afetividade. Esta entrevista faz parte da segunda temporada da série Pensadores na Educação. A especialista Dora Incontri (Doutora em educação pela USP) destaca os aspectos da vida e obra do autor e reflete sobre alguns de seus principais conceitos. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=bYrgfYe8AJE Resumo da aula 1 Nesta primeira aula estabeleceu-se a relação com a teoria de Pestalozzi para se pensar as políticas públicas, assim como alguns pontos essenciais que dialogam com um ideal de ensino democrático, adequação e flexibilidade nos trabalhos educacionais, quando se elabora um currículo para a educação especial e inclusiva. Também foi elaborado um diálogo com alguns princípios de Pestalozzi para se pensar na flexibilidade curricular por meio de políticas públicas, que considerem as especificidades de uma educação que se propõe a incluir. Neste sentido, marca-se um ponto central das políticas às proposições no sentido democrático e de igualdade, considerando a valorização dos sujeitos. Ainda, ao estabelecer a relação acima, destacou-se o percurso e a importância de Pestalozzi para se pensar nas metodologias de aprendizagem ao considerar os alunos, os ritmos próprios de cada um. Por isso, considerou-se para além do afeto e acolhimento a mediação do professor, em vez de se pensar em estabelecer metas ou objetivos, ouvir as crianças, observar os ritmos próprios na elaboração das atividades, considerando as respostas. Mesmo que contenham outras percepções e outras hipóteses, elas são importantes e inauguram possibilidades para se pensar em um ambiente educacional com possibilidades e valorização da voz de diferentes sujeitos e de suas vozes. Saiba Mais Leia o texto Processo de Inclusão: um grande desafio para o século XXI, por Elisabeth Rossetto. Durante séculos, prevaleceu o paradigma reducionista, segundo o qual a deficiência era entendida como um defeito, https://www.youtube.com/watch?v=bYrgfYe8AJE 16 decorrente de uma patologia, o que tornava as pessoas ”anormais. Vários autores analisaram como historicamente os indivíduos com deficiência tem sido considerado na sociedade (SILVA, 1988; BIANCHETTI, 1998; NERES, 2001). Da eliminação da idade antiga, passando pela tolerância cristã, até a consideração de cidadãos com os mesmos direitos na atualidade, houve uma infinidade de termos para designar tais pessoas. Ainda assim, as mudanças terminológicas expressaram mudanças dos conceitos, tais como: A utilização de termos anormal, idiota, retardado, imbecil, débil, para designar indivíduos com deficiência foi superada em um primeiro momento histórico, pelo termo excepcional. A mudança considerava dois avanços: diminuição de aspectos estigmatizantes e pejorativos, bem como uma busca de maior precisão. Ao final do século XX, mais precisamente no ano de 1978, um novo conceito foi introduzido: pessoas com necessidades educacionais especiais. Autores como Jimenez (1997), Garrido (1997) apontam que o conceito de necessidades educacionais especiais é um conceito-chave que contém outros conceitos como o de dificuldades de aprendizagem e o de medidas educacionais. Texto de Elisabeth Rossetto. Processo de Inclusão: um grande desafio para o século XXI. Revista Eletrônica de Ciências da Educação, (v. 3, n. 1, 2004). Atividade de Aprendizagem Isto posto, defina em um texto, no máximo em 10 linhas, o que é a educação especial inclusiva? Aula 2 – Políticas Públicas para a educação especial inclusiva, entre avanços e desafios Apresentação da aula 2 As possibilidades e os limites das políticas inclusivas e compensatórias na educação no Brasil tiveram avanços importantes, contudo as políticas inclusivas possuem um ideal avançado de democracia e de cidadania que 17 reverbera na efetividade jurídica. As políticas compreendidas no âmbito escolar são bens sociais de construções históricas, assim considerar os avanços na área supõe uma ideia de consolidação e efetividade que ainda está em construção. Ouça Para um aprofundamento sobre a Lei Brasileira de Inclusão (13.146/2015), ouça a jornalista Adriana Carla Aragão conversando sobre o assunto com o consultor legislativo da área de Cidadania e Direitos Humanos do Senado Felipe Basile, disponível no link: https://www12.senado.leg.br/noticias/audios/2016/07/lei-brasi leira-de-inclusao-trouxe-avancos-na-area-de-educacao Refletir sobre a educação inclusiva é considerar os direitos humanos entre a convivência e a relação de acesso e permanência como direito em qualquer espaço social. A construção de uma educação inclusiva então se relaciona à ideia da humanização, com base em direitos como a igualdade. Esta proposição é assumida por intelectuais e políticos em uma construção mediada na sociedade. Por isso, a ONU, organismo internacional, em 10 de dezembro de 1948, proclama a Declaração Universal dos Direitos Humanos e refere-se: “do reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis”. Entre esses direitos: 1. Todo homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, está baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. (Brasil, 1997, art. 26, p.134). As políticas inclusivas guardam em si a dialética excludente, já que a afirmação da inclusão pressupõe excluídos, por isso as políticas inclusivas podem ser compreendidas como estratégias voltadas para a universalização de direitos civis, políticos e sociais, assim: 18 A definição de inclusão que tem sido propagada é a que significa convidar a que se aproximem aqueles que estiveram historicamente excluídos ou deixados de lado. Esta “bem-intencionada” definição pode aprincípio parecer poderosa, porém há uma evidente fragilidade: Quem tem a autoridade ou direito para convidar outros? Finalmente, quem está promovendo a exclusão? Já é tempo de nós reconhecermos e aceitarmos que todos nós nascemos “dentro”. (Shafik Abu Tahir, líder das novas vozes africanas). Dessa maneira, as políticas públicas na área de educação especial inclusiva não devem ser observadas como destinadas apenas a grupos específicos, sejam por raízes culturais e étnicas. Essa é uma visão simplista, pois na verdade elas vêm combater e corrigir formas de discriminação e exclusão de políticas universais focalizadas nos indivíduos de uma determinada sociedade que possui desigualdades comprovadas, considerando o IDH - Índice de Desenvolvimento Econômico. Ela vem também incluir a sociedade em práticas de convivência nos diferentes âmbitos institucionais com as diferenças. 2.1 A Institucionalização da Educação Especial No Brasil, a compreensão das políticas educacionais para pessoas com deficiência não pode ser descontextualizada da compreensão da história da educação brasileira em geral. Nos anos de 1930, e com mais ênfase após anos de 1950, a educação estava atrelada ao processo de industrialização e desenvolvimento econômico do país. Naquele período, a maioria das pessoas não tinha acesso à escola e vivia no meio rural. Considera-se, que os dados nesse período sobre pessoas com deficiências eram silenciados e invisibilizados, pois elas não chamavam a atenção por estarem em atividades manuais ou na agricultura, atividades que não exigiam a leitura e a escrita. Em 1973, ocorre a institucionalização oficial da Educação Especial, no período nominado como ditadura militar. A criação do Centro Nacional de Educação Especial (CENESP) e suas Diretrizes Básicas para a Ação (BRASIL, 1974) foi de suma importância. Na década de 1980, o CENESP foi conhecido como Secretaria de Educação Especial (SESPE), fechada em 1990, durante o governo de Fernando Collor de Mello. Então, qual foi a importância do CENESP? Até aquele momento, poucas iniciativas oficiais haviam sido fundamentais para as demandas das pessoas com deficiência. O órgão coordenava ações políticas 19 educacionais específicas a favor de estudantes com deficiências. Ele foi o início de melhorias à expansão do atendimento sistematizado e à expansão do atendimento educacional com impacto nas secretarias estaduais de educação. Entretanto, à medida que se identificava tal necessidade no atendimento, a oferta de vagas era insuficiente. Portanto, o atendimento ainda se enquadrava no modelo de serviços paralelos à educação geral, pressupondo quais e quem se encaixava em modelos regulares de ensino e quais não. Ainda sobre o CENESP, destaca-se que a influencia norte-americana influenciou tais relações. Esses acordos também influenciaram a reforma do ensino primário e secundário, a reforma universitária e a profissionalização no segundo grau, hoje ensino médio (PLETSCH, 2014). Em 1992, foi renomeada de Secretaria de Educação Especial e foi extinta em 2011, quando as ações foram organizadas dentro da diretoria dentro da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), reformulada em 2016. Entre avanços e desafios, a educação inclusiva não saiu de pauta. Ví deo Assista Linha do tempo: educação inclusiva, que apresenta uma linha do tempo com muitas mudanças, considerando a legislação da educação especial inclusiva. Disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=a4Ntfg98xlY 2.2 A Redefinição da educação especial para uma educação inclusiva A Educação Especial foi definida com base na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) 9394/96, como referência de modalidade de educação escolar e está em todas as etapas e níveis de ensino. Assim, podemos compreender que em sua base se desvincula a “educação especial” de uma proposta de “escola especial”. Ainda, orienta relacionar a educação especial como um recurso para todos os estudantes, relacionado a atividade dos professores em toda a diversidade que constitui o ambiente educacional, assim, 20 pode-se pensar em atividades inclusivas para os grupos e estudantes, mas também como uma proposta ampla para todas as áreas educacionais. Dessa forma, quando se pensa em diferentes metodologias, necessita-se lembrar que a educação engloba uma série de relações internas educacionais, conselhos, serviços, apoios que estão alicerçados nas Diretrizes do ensino nacional. O discurso social relacionado aos contornos contextualizados historicamente excluíram uma serie de sujeitos devido à concepção de educação, comportamento e métodos comportamentais deterministas. O debate sobre a inclusão ganha um momento especial com a Declaração de Salamanca (1994) e desafia as concepções e nomenclaturas vigentes com o pressuposto de que todas as pessoas possuem limitações de aprendizagem. Nesse sentido, Capra (1982, p. 23) orienta que: “uma resolução só poderá ser implementada se a estrutura da própria teia for mudada, o que envolverá transformações profundas em nossas instituições sociais, em nossos valores e ideias”, assim, o princípio é de uma escola inclusiva que acolha os diferentes tipos de sujeitos independente da classe, etnia, crença ou local. Uma educação que se desenvolva para as pessoas. Então, as escolas especiais funcionariam como centro de apoio e assistência para facilitar a inclusão dos estudantes na classe comum. A Resolução CNE/CEB (02/2001) prevê a formação de professores, considerando: Art. 18, § 3º dessa Resolução, assim caracteriza a formação dos especialistas: Os professores especializados em educação especial deverão comprovar: I Formação em cursos de licenciatura em educação especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de modo concomitante e associado à licenciatura para educação infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental; II Complementação de estudos ou pós-graduação em áreas específicas da educação especial, posterior à licenciatura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. A formação inicial e/ou continuada é uma maneira de não isentar o ambiente educacional, a fazê-lo participar para que os desafios de uma educação especial inclusiva sejam minimizados. Pois, o atendimento educacional integra o sistema para a educação especial e inclusiva. Então, a 21 educação especial e inclusiva serve para todos em relações mais solidárias e participativas com o reconhecimento das diferenças. Saiba Mais Concepção de Inclusão, as referências usualmente feitas de inclusão no campo da educação consideram as dimensões pedagógica e legal da prática educacional. Sem dúvida, dois campos importantes quando se pretende a efetivação destes ideais. No entanto, uma importante ampliação da discussão sobre os caminhos das políticas públicas para a inclusão escolar seria a consideração do contexto em que se pretende uma sociedade inclusiva. Documento Subsidiário à Política de Inclusão, documento Subsidiário à Política de Inclusão. As instituições educacionais, organizadas para estabelecer modelos de relações sociais, reproduzem com eficiência a lógica das sociedades. Trata-se de um lugar legitimado socialmente onde se produzem e reproduzem relações de saber-poder, como já teorizado por Foucault (1987). Nestas, a lógica das classificações sempre foi necessária para o estabelecimento da ordem e do progresso social. Daí pode advir a ideia de que a escola, como mais um equipamento de disciplinamento social, não foi concebida para ser inclusiva, mas para ser instrumento de seleção e capacitação dos “mais aptos” a uma boa conduta social. A efetivação de uma educação inclusiva neste contexto secular não é tarefa fácil. Não menos desprovida de dificuldades é a tarefade um Estado que intenta organizar uma política pública que, como tal, se empenha na busca de um caráter de universalidade, garantindo acesso a todos os seus cidadãos às políticas que lhes cabem por direito. O campo da inclusão, entretanto, fundamenta-se na concepção de diferenças, algo da ordem da singularidade dos sujeitos que acessam esta mesma política. Como não a tornar, a cada passo, um novo instrumento de classificação, seleção, reduzindo os sujeitos a marcas mais ou menos identitárias de uma síndrome, deficiência ou doença mental? Um possível recurso de que poderia se lançar mão neste sentido seria o de uma lógica que oferecesse elementos de processualidade ao longo deste trajeto. Pelo simples fato de se tratar, não somente em discurso, mas na prática cotidiana, de uma rede de relações no trabalho educativo que estão instituídas há séculos e que se repetem como naturais e definitivas. É por dentro desta lógica que uma política macro quer se instaurar. Uma nova concepção de educação e sociedade se faz por vontade pública e é essencial que o sistema educacional assuma 22 essa vontade. Para operar as transformações nos modos de relação dentro da escola é, também, necessário que os profissionais envolvidos tomem para si a tarefa de pensar estas questões de forma reflexiva e coletiva. Dito de outra forma, é necessário que todos os agentes institucionais se percebam como gestores e técnicos da educação inclusiva. Nesta perspectiva, é essencial que o exercício social e profissional destes agentes esteja sustentado por uma rede de ações interdisciplinares, que se entrelacem no trabalho com as necessidades educacionais especiais dos alunos. PAULON, S. M.; FREITAS, L. B. de L.; PINHO, G. S.; Documento subsidiário à política de inclusão, 2005. 2.3 A Constituição Federal A Constituição Federal é uma das bases legais para se pensar em proposições afirmativas quando refere-se à inclusão. O artigo 205 da CF de 1988 é claro: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Ao inserir como um direito amplo, ela insere como pressuposto à inclusão de todo: Mas o conceito de educação básica também incorporou a si, na legislação, a diferença como direito. A legislação, mercê de amplo processo de mobilização, de disseminação de uma nova consciência, fez a crítica às situações próprias de minorias discriminadas e buscou estabelecer um princípio ético mais elevado: a ordem jurídica incorporou o direito à diferença. A educação básica, por ser um momento privilegiado em que a igualdade cruza com a equidade, tomou a si a formalização legal do atendimento a determinados grupos sociais, como as pessoas portadoras de necessidades educacionais especiais, como os afrodescendentes, que devem ser sujeitos de uma desconstrução de estereótipos, preconceitos e discriminações, tanto pelo papel socializador da escola quanto pelo seu papel de transmissão de conhecimentos científicos, verazes e significativos. (CURY, 2008, p.8). De forma correlata, o financiamento é importante para se ter uma educação ampla e pode dialogar com o artigo 3º, III, da CF/88: “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. Para 23 além do investimento, se faz necessária a expansão de uma educação básica com qualidade. A educação é um serviço público ofertado também pela iniciativa privada. Ela tem um papel importante como função social e assume a igualdade por meio de políticas democráticas para o acesso à inclusão. A ideia e o ideal de que as crianças deveriam frequentar a mesma escola é recente. Na década de 80, as escolas especiais surgiram para atender a uma demanda de crianças compreendidas como fora do padrão de normalidade. Acreditava-se na época que o desenvolvimento dos estudantes era de desenvolvimento da autonomia para eventualmente se integrar na escola regular. Tal modelo era denominado de integração, uma das críticas era a exclusão. Na atualidade, a proposta passou a ser de inclusão com todo os tipos de alunos. Art. 4º, “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”. (BRASIL, 2015). Em seu bojo, a inclusão tem a ver com a diferença. De forma paradoxal, a diferença está posta para todos, então não faz sentido termos escolas para grupos classificando-os e distinguindo-os. Ví deo Assista ao vídeo da Constituição 30 anos o que mudou no Brasil. Fala da importância da CF de 1988, que estabeleceu pressupostos sociais como as políticas inclusivas, disponível no link: https://www.youtube.com/watch?v=FjKp3eKAj0g 24 Alguns marcos históricos da educação inclusiva no Brasil Fonte: https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2018/10/04/incluir-para-igualar Resumo da aula 2 Nesta aula observou-se como a inclusão no campo político foi ganhando espaço e inaugurando novas práticas relacionadas ao termo. Ainda, marcamos a expansão como essencial no campo das políticas e da educação como base da CF de 1988, para assegurar em parte uma mudança paradigmática nas escolas e na sociedade, tratando da base legal da educação inclusiva, considerando Diretrizes, LDB e Constituição Federal de 1988. Abordando sobre 25 o tema da inclusão, considerando a escola atual e os avanços na área das políticas educacionais sobre o tema. Ainda, considera-se que a inclusão também compreende a cidadania, a inclusão social e a sustentação de uma sociedade viável, que dê conta da pluralidade nela vivenciada e tenha como possibilidade o reconhecimento do outro. E que tal expressão de reconhecimento se contraponha à exclusão, à invisibilização ao silenciamento por meio de políticas públicas na área educacional e na sociedade de maneira ampla, modificando sua estrutura e garantindo o acesso e a permanência dos estudantes na escola regular. Atividade de Aprendizagem Leia o texto a seguir, marque qual alternativa está correta e discorra sobre a resposta, baseando-se na aula. Regina é uma aluna de 13 anos, com Síndrome de Down, matriculada há pouco mais de três anos no ensino regular, na segunda série do Ensino Fundamental I. O fato de Regina não estar alfabetizada preocupa sua professora, que sugere à: a) Família, com a concordância da direção da escola, que transfira a aluna para uma escola especial, uma vez que ela não conseguiu se alfabetizar no decorrer dos três anos de escolarização. b) Professora especializada que auxilie a desenvolver um trabalho conjunto, a fim de que a aluna possa permanecer na classe comum e contar com apoio especializado, buscando- se, assim, formas de permitir o desenvolvimento global da aluna. Aula 3 – A Lei 13.146 de 6 de julho de 2015 Apresentação da aula 3 Nesta aula utilizar-se-á como base de reflexão a promulgação da Constituição Federal de 1988. Destaca-se como pontos importantes a defesa e a proteção à pessoa com deficiência, ainda se condena qualquer discriminação 26 no que se refere ao salário e aos critérios de admissão do trabalhador com deficiência. O inciso XXXI do artigo 7° da Carta Magna referência a reserva de percentual aos cargos e empregos públicos para pessoas com deficiência afirmadas no artigo 37. O artigo 208, inciso III, ainda afirma o atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, às pessoas com deficiências. E, o artigo 23, inciso II, prevê a previsão da competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no tratamento da saúde e assistência pública, como a proteção e a garantia dos direitos das pessoas com deficiência. No tocante aodireito à educação, o texto constitucional o define como um direito de todos e dever do Estado e garante o acesso universal e igualitário. De forma especifica, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foram constantes os avanços na legislação de proteção e defesa dos direitos às pessoas com deficiência, um dos grandes avanços data de 6 de julho de 2015, a Lei 13.146. Em 9 de outubro de 2000, o Deputado Federal Paulo Paim apresentou o Projeto de Lei nº 3.638/00, que visava instituir o Estatuto do Portador de Deficiência e dar outras providências (PAIM, 2016), conforme fragmento em quadro abaixo: LEI Nº 13.146, DE 6 DE JULHO DE 2015 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). O PRESIDENTE DA REPÚBLICA: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: LIVRO I PARTE GERAL TÍTULO I DISPOSIÇÕES PRELIMINARES CAPÍTULO I 27 DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 1o É instituída a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania. Parágrafo único. Esta Lei tem como base a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificados pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo no 186, de 9 de julho de 2008, em conformidade com o procedimento previsto no § 3o do art. 5o da Constituição da República Federativa do Brasil, em vigor para o Brasil, no plano jurídico externo, desde 31 de agosto de 2008, e promulgados pelo Decreto no 6.949, de 25 de agosto de 2009, data de início de sua vigência no plano interno. Art. 2o Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 1o A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará: I - os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo; II - os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; III - a limitação no desempenho de atividades; e IV - a restrição de participação. § 2o O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência. Art. 3o Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se: I - acessibilidade: possibilidade e condição de alcance para utilização, com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida; II - desenho universal: concepção de produtos, ambientes, programas e serviços a serem usados por todas as pessoas, sem necessidade de adaptação ou de projeto específico, incluindo os recursos de tecnologia assistiva; III - tecnologia assistiva ou ajuda técnica: produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias, estratégias, práticas e serviços que objetivem promover a funcionalidade, relacionada à atividade e à participação da pessoa com deficiência ou com mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida e inclusão social; IV - barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros, classificadas em: a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo; b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos e privados; c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios de transportes; d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação; http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Congresso/DLG/DLG-186-2008.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm#art5%C2%A73 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D6949.htm 28 e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que impeçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas; f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o acesso da pessoa com deficiência às tecnologias; V - comunicação: forma de interação dos cidadãos que abrange, entre outras opções, as línguas, inclusive a Língua Brasileira de Sinais (Libras), a visualização de textos, o Braille, o sistema de sinalização ou de comunicação tátil, os caracteres ampliados, os dispositivos multimídia, assim como a linguagem simples, escrita e oral, os sistemas auditivos e os meios de voz digitalizados e os modos, meios e formatos aumentativos e alternativos de comunicação, incluindo as tecnologias da informação e das comunicações; VI - adaptações razoáveis: adaptações, modificações e ajustes necessários e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido, quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades fundamentais; VII - elemento de urbanização: quaisquer componentes de obras de urbanização, tais como os referentes a pavimentação, saneamento, encanamento para esgotos, distribuição de energia elétrica e de gás, iluminação pública, serviços de comunicação, abastecimento e distribuição de água, paisagismo e os que materializam as indicações do planejamento urbanístico; VIII - mobiliário urbano: conjunto de objetos existentes nas vias e nos espaços públicos, superpostos ou adicionados aos elementos de urbanização ou de edificação, de forma que sua modificação ou seu traslado não provoque alterações substanciais nesses elementos, tais como semáforos, postes de sinalização e similares, terminais e pontos de acesso coletivo às telecomunicações, fontes de água, lixeiras, toldos, marquises, bancos, quiosques e quaisquer outros de natureza análoga; IX - pessoa com mobilidade reduzida: aquela que tenha, por qualquer motivo, dificuldade de movimentação, permanente ou temporária, gerando redução efetiva da mobilidade, da flexibilidade, da coordenação motora ou da percepção, incluindo idoso, gestante, lactante, pessoa com criança de colo e obeso; X - residências inclusivas: unidades de oferta do Serviço de Acolhimento do Sistema Único de Assistência Social (Suas) localizadas em áreas residenciais da comunidade, com estruturas adequadas, que possam contar com apoio psicossocial para o atendimento das necessidades da pessoa acolhida, destinadas a jovens e adultos com deficiência, em situação de dependência, que não dispõem de condições de autossustentabilidade e com vínculos familiares fragilizados ou rompidos; XI - moradia para a vida independente da pessoa com deficiência: moradia com estruturas adequadas capazes de proporcionar serviços de apoio coletivos e individualizados que respeitem e ampliem o grau de autonomia de jovens e adultos com deficiência; XII - atendente pessoal: pessoa,membro ou não da família, que, com ou sem remuneração, assiste ou presta cuidados básicos e essenciais à pessoa com deficiência no exercício de suas atividades diárias, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; XIII - profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos identificados com profissões legalmente estabelecidas; XIV - acompanhante: aquele que acompanha a pessoa com deficiência, podendo ou não desempenhar as funções de atendente pessoal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm 29 A lei federal 13.146 de 2015 é uma referência na defesa e proteção de pessoas com deficiência, por meio dela cria-se uma base legal para se pensar várias áreas e instituiu a Lei Brasileira de Inclusão, também denominada como Estatuto da Pessoa com Deficiência. Destaca-se nela o ideal da efetividade da inclusão social e da cidadania da pessoa com deficiência. Os mecanismos legais objetivam promover o exercício de direitos e das liberdades fundamentais. Ao se tratar de pessoas com deficiência, partimos do ideal de condições de igualdade. A lei prevê atendimento prioritário e enfatiza a importância das políticas públicas em áreas como saúde, trabalho, educação, infraestrutura urbana, esporte e cultura e institui o auxílio-inclusão, pago às pessoas com deficiência moderada ou grave no mercado de trabalho; determina a pena de reclusão de um a três anos para a discriminação de pessoas com deficiência; e ainda assegura a reserva de 10% de vagas nos processos seletivos de curso de ensino superior, técnico e tecnológico para este público. Um ganho também é a criação do Cadastro Nacional de Inclusão da Pessoa com Deficiência, que serve na base de coleta e processamento das informações na identificação e caracterização socioeconômica, que podem ser barreiras de exclusão, pois historicamente sofreram subtrações. Mas na história da humanidade a imagem que muitos deficientes carregavam era a imagem de deformação do corpo e da mente. Tal imagem denunciava a imperfeição humana. Há relatos, segundo Gugel (2007), de pais que abandonavam as crianças dentro de cestos ou outros lugares considerados sagrados. Os que sobreviviam eram explorados nas cidades ou tornavam-se atrações de circos. O nascimento de indivíduos com deficiência era encarado como castigo de Deus; eles eram vistos como feiticeiros ou como bruxos. Eram seres diabólicos que deveriam ser castigados para poderem se purificar. Nesse período, a Igreja se constitui como um grande aliado dos deficientes, pois os acolhiam. (FERNANDES, MOSQUEIRA e SCHLESNER, 2011 p.134). Diante disso, historicamente os deficientes foram subjugados e as relações hierarquizadas, por isso a afirmação de política pública é um avanço e procura assegurar para deficientes oportunidades para a transformação de uma sociedade excludente em inclusiva. 30 3.1 O voto e o direito Abaixo vamos descrever o voto do Relator, Ministro Edson Fachin, o qual extraem-se alguns fragmentos para o debate e a reflexão: [...] à luz da Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e, por consequência, da própria Constituição da República, o ensino inclusivo em todos os níveis de educação não é realidade estranha ao ordenamento jurídico pátrio. Ao contrário, é imperativo que se põe mediante regra explícita. Mais do que isso, dispositivos de status constitucional estabelecem a meta de inclusão plena, ao mesmo tempo em que se veda a exclusão das pessoas com deficiência do sistema educacional geral sob o pretexto de sua deficiência. [...] A Lei nº 13.146/2015 estabelece a obrigatoriedade de as escolas privadas promoverem a inserção das pessoas com deficiência no ensino regular e prover as medidas de adaptação necessárias sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas. Analisada a moldura normativa, ao menos neste momento processual, infere-se que, por meio da lei impugnada, o Brasil atendeu ao compromisso constitucional e internacional de proteção e ampliação progressiva dos direitos fundamentais e humanos das pessoas com deficiência. Ressalte-se que, não obstante o serviço público de educação ser livre à iniciativa privada, ou seja, independentemente de concessão ou permissão, isso não significa que os agentes econômicos que o prestam o possam fazê-lo ilimitadamente ou sem responsabilidade. [...] O Estatuto tem como base a Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (CDPD), este é o primeiro tratado internacional de direitos humanos aprovado pelo Congresso Nacional. Dessa forma, possui a condição de norma constitucional. Os objetivos possuem uma base humanista e tem uma visão jurídica a respeito da pessoa com deficiência, tendo por ideal reabilitar a sociedade e não o deficiente. O intuito é minimizar as exclusões históricas, permitindo ao deficiente uma vida independente com autonomia e emancipação na inserção com a comunidade. Por isso, as condições de adaptações e flexibilizações estão também organizadas na área da educação, com as adaptações curriculares e a flexibilização que se têm como ideal passar por toda a sociedade. 31 Saiba Mais Flexibilizações vs. adaptações curriculares: como incluir alunos com deficiência intelectual, por Raquel Paganelli Em meados de 2001, diante de um cenário paradoxal marcado por conquistas no acesso de alunos com deficiência em escolas regulares de toda a Inglaterra e altos índices de fracasso escolar, a especialista britânica em educação inclusiva Jenny Corbett declarou: “chegou o momento de focar na pedagogia e em como a comunidade escolar pode ser um ambiente de apoio para todos”. A constatação de que a chegada de crianças e adolescentes com deficiência demandava reformas também no âmbito pedagógico resultou em inúmeros arranjos e concessões no fazer cotidiano da escola. “Remendos” que se revelam insuficientes, visto que há alunos que continuam não aprendendo, e contraditórios em relação aos pressupostos da educação inclusiva, já que continuam fundamentados na ideia de incapacidade a partir de características individuais. Um exemplo disso é a redução do tempo de permanência na instituição de ensino para alguns estudantes com base em seus diagnósticos. Outro remendo, bastante comum, é o das assim chamadas adaptações curriculares – muitas vezes apontadas como “a” solução diante do desafio de incluir alunos com deficiência intelectual, autismo ou dificuldades de aprendizagem. Mas o que são, afinal, as adaptações curriculares? Na maioria das escolas, essa expressão diz respeito à redução do conteúdo para alguns estudantes sob a alegação de que estes não têm condições de acessar o currículo comum como os demais. Mas essa não é a lógica da integração? A perspectiva inclusiva indica o direito de acessar o mesmo currículo. Conforme Daniela Alonso afirma no artigo “Desafios na sala de aula: dimensões possíveis para um planejamento flexível”, a inclusão implica em oferecer uma mesma proposta ao grupo como um todo e, ao mesmo tempo, atender às necessidades de cada um, em especial daqueles que correm risco de exclusão em termos de aprendizagem e participação. Ou seja, o que pode (e deve) diferir são as estratégias pedagógicas e aspectos como complexidade, quantidade e temporalidade para acessar um mesmo currículo. Diferenças entre adaptar e flexibilizar o currículo: Mas que currículo é esse? Um pré-formatado, que desconsidera o contexto e as diferenças que o compõe? Certamente não, já que, segundo a especialista em educaçãoinclusiva Maria Teresa E. Mantoan, a inclusão pressupõe “a garantia do direito à diferença na igualdade do direito à 32 educação”. É justamente aí que entra o conceito de flexibilização curricular. O termo flexível indica oposição ao que é duro, fixo, fechado. Assim, no contexto educacional, flexibilizar significa garantir o direito à diferença no currículo. Implica a busca pela coesão da base curricular comum com a realidade dos estudantes, suas características sociais, culturais e individuais, incorporando assim também os diferentes modos de aprender e as múltiplas inteligências presentes em sala de aula. De modo que todos se reconheçam no currículo e sejam protagonistas no próprio processo educacional. Ou seja, flexibilizações e adaptações curriculares não são a mesma coisa. Mais do que isso, a diferença entre ambas é basilar. A própria expressão “adaptado” denuncia que se trata de um “remendo”, uma mudança pontual, específica para alguns: os “diferentes”. Como se os demais fossem todos iguais. No artigo “Receita de inclusão? ” Fabio Adiron se refere às adaptações curriculares como um modelo de intervenção individualizado, baseado em “um paradigma que define a deficiência das pessoas como única causa de seus problemas de aprendizagem”, no qual o currículo é definido pelo déficit, o que ressalta as incapacidades e não as possibilidades dos alunos. E pondera: “esse é um problema ideológico, mais do que pedagógico, pois está focado na homogeneidade e não na diversidade”. No livro “Supporting inclusive education: a connective pedagogy site externo”, Jenny Corbett propõe uma pedagogia que relaciona as necessidades individuais dos estudantes aos recursos disponíveis na escola e aos valores da comunidade. E descreve tal abordagem como um processo de duas etapas em que, em primeiro lugar, cada aluno deve ser conhecido, reconhecido e valorizado individualmente para que o que traz consigo e o modo como aprende possam ser incorporados ao currículo e à comunidade. É importante notar que a autora não relaciona “necessidades individuais” à deficiência ou a educandos que diferem da maioria em termos de estilo de aprendizagem. Segundo ela, “uma comunidade escolar inclusiva é aquela que valoriza todos os seus alunos igualmente e responde às suas necessidades individuais, com o termo ‘especial’ tornando-se redundante”. Para Corbett, educação inclusiva tem a ver com criar e sustentar sistemas e estruturas que apoiam e desenvolvem abordagens de aprendizagem flexíveis. Nesse sentido, o também britânico Peter Mittler ressalta, no livro “Curriculum and pedagogy in inclusive education site externo”, que “a pedagogia inclusiva não pode ser algo adicional atrelado à pedagogia existente; o lugar de partida deve ser uma ‘boa pedagogia’, que pode, oportunamente, tornar-se uma boa pedagogia para todos”. Disponível no link: 33 https://diversa.org.br/artigos/flexibilizacoes-adaptacoes-curri culares-como-incluir-alunos-deficiencia-intelectual/ Portanto, as políticas públicas servem como base para incluir a sociedade, como afirmado anteriormente, e tal afirmação política será elaborada por meio de documentos institucionais para uma mudança no ambiente educacional e na sociedade como um todo. Resumo da aula 3 Nesta aula, foi visto sobre a Lei 13.146 de 6 de julho de 2015 em diálogo com a sociedade e como possibilidade de mudança das estruturas excludentes históricas em relação aos deficientes e na própria transformação da sociedade na área da inclusão. A reflexão desta aula mostra que, apesar das normas e do avanço das políticas educacionais, precisa-se alterar os discursos sociais encorajar os alunos e sensibilizar a sociedade contra os rótulos que segregam, categorizam e limitam o desenvolvimento sociocognitivo. As pessoas com deficiência podem contar com a sua própria história para reconhecer o valor intrínseco das diferenças para que elas não produzam desigualdades. Atividade de Aprendizagem Observe o depoimento de Robert Martin, em palestra ocorrida no dia 21 a 26 de agosto de 2013, na Conferência Asiática sobre Deficiência Intelectual. Com base nesse depoimento, enumere a importância das políticas públicas na área educacional para transformar a sociedade: “Aprendi que a discriminação e a segregação se tornam uma parte aceita da comunidade. Nossos pais começam a aceitar que isso está correto. Mesmo nós com deficiência começamos a aceitar que isso está correto. As pessoas pensam que todos estão em seus lugares legítimos e a comunidade começa a parabenizar a si mesma pela forma como ela cuida das pessoas menos favorecidas. Ela diz: “Olhem como essas pessoas têm um lugar maravilhoso para viver”, “Olhem a maravilhosa equipe técnica que cuida delas”, “Olhem quanto dinheiro gastamos para cuidar 34 dessas pessoas infelizes”. Eu faria uma pergunta simples: Se é tão maravilhoso assim, por que ninguém quer crescer como eu cresci? Estar segregado da comunidade nos impede de participar em esportes. Impede que façamos coisas que os outros tomam como naturais. Mas, acima de tudo, impede que sejamos as pessoas que temos o direito de ser.” DE LIMA, S. S.; A lei da inclusão e o empoderamento das pessoas com deficiência. Editora da Universidade do Estado do Pará, p. 52. Aula 4 – Identidades: políticas educacionais e espaços simbólicos Apresentação da aula 4 Nesta última aula refletir-se-á sobre as identidades na compreensão da importância das políticas públicas na área da educação que considerem as identidades na contemporaneidade. Os Estudos Culturais Contemporâneos, os quais compreendem identidades, no plural, não são uma essência, mas, sim uma criação cultural contextualizada, histórica, por isso instável, contraditória, fragmentada e em mudança. Tal visão é contrária às versões essencialistas que se basearam na biologia, as quais não se alterariam ao longo do tempo. A identidade na concepção pós-estruturalista reflete sobre as identidades relacionadas com a produção social, e ainda em um campo simbólico e discursivo. Dessa forma, as identidades estão relacionadas às relações sociais e culturais, organizadas em sistemas de representação contextualizados por significados relacionais e com impacto em contextos (HALL, 2005). Tal relação também é transposta nas escolares em um sentido de pertencimento, de inclusão ou de exclusão, em como institucionalmente tais relações se organizam e estão organizados por meio de referenciais socioculturais. Em uma sociedade na qual enunciamos constantemente a inclusão com tantos desafios, sejam eles estruturais, formativos e reflexivos, as fronteiras educacionais acabam sendo demarcadas por critérios e padrões na relação de produção de identidades de grupos semelhantes e grupos não semelhantes. Para Silva (2000): 35 A identidade e a diferença se traduzem, assim, em declarações sobre quem pertence e sobre quem não pertence, sobre quem está incluído e quem está excluído. Afirmar a identidade significa demarcar fronteiras [...] A identidade e a diferença estão estreitamente relacionadas às formas pelas quais a sociedade produz e utiliza classificações. As classificações são sempre feitas a partir do ponto de vista da identidade. (SILVA, 2000, p. 82). As relações simbólicas de grupos que se sentem pertencendo e de grupos que não pertencem demarcam fronteiras simbólicas entre “eu” e o “outro”, “nos” e “eles”. Tais distinções envolvem relações de poder que agrupam, categorizam e estabelecem o ato de incluir e de excluir. Por isso, a Lei 13.146 de 6 de julho de 2015, no capítulo IV, do direito a educação, afirma: Art. 27. A educação constitui do direito da pessoa com deficiência, assegurando sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidadesfísicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem. Parágrafo único. É dever do Estado, da família, da comunidade escolar e da sociedade assegurar educação de qualidade à pessoa com deficiência, colocando-a a salvo de toda forma de violência, negligência e discriminação. Por isso, pensar em políticas educacionais para a área pode ser um movimento atrelado à ação da comunidade escolar em organizar as fronteiras simbólicas na atuação escolar na formulação dos planejamentos escolares, na organização dos grupos escolares, na referenciação e classificação dos grupos de estudantes. 4.1 Por uma escola inclusiva Apesar de o colonialismo em moldes antigos não existir mais, conforme indicam Quijano (2007), os estudos pós-coloniais de Homi K. Bhabha (2014), Edward W. Said (2001) e Stuart Hall (1997), há um deslocamento epistêmico e de descentralização hegemônica voltado à valorização linguística, cultural, estética e de poder dos deficientes, inclusive na permanência de espaços simbólicos nas esferas institucionais. 36 Ví deo Assista ao vídeo: Las colores de las flores, esse pequeno documentário espanhol trata da inclusão e da percepção poética e possível em um espaço de escuta, acolhimento e confiança. Disponível no link: http://emeijdmontebelo.apertaqual.com.br/categorias/educador es-refletindo/page/6/ Com o eixo de estruturas subjetivas, como a estereotipação das diferenças, a subalternização de saberes determina os eixos de conhecimentos, por vezes ainda seguem interesses hegemônicos, econômicos e eurocêntricos, herança da colonialidade referenciada em padrões de normalidade e com matriz referencial branca, e contribuem para práticas curriculares modelares universais nas ciências, silenciando outras formas de conhecimento, de aprender e ensinar. As relações políticas, econômicas e culturais expostas em relações de poder entre uma nação com outros povos está configurada como colonialismo (SAID, 2001). A colonialidade faz referência às relações de poder que não estão concentradas na relação de dois povos em si, mas na maneira pela qual se organizam o trabalho, a intersubjetividade, as políticas educacionais e também os artefatos culturais. Temos “as imagens da autoridade imperial ocidental permanecem persistentes, atraentes e instigantes” (SAID, 2001, p.179). A condição garantida pelo direito à emancipação, à diferença e ao reconhecimento de outros são entendidos como resistência. Nela, os povos passam ao exercício da liberdade material e ao protagonismo nas searas políticas, epistemológicas, sociais e educacionais. Conforme Quijano (2007, p. 93), o colonialismo e a colonialidade são duas concepções distintas. O colonialismo perpetua a dominação e a exploração à medida que: O colonialismo é, obviamente, mais antigo; no entanto, a colonialidade provou ser, nos últimos 500 anos, mais profunda e duradoura que o colonialismo. Porém, sem dúvida, foi forjada dentro deste, e mais ainda, sem ele não poderia ser imposta à intersubjetividade de modo tão enraizado e prolongado. (QUIJANO, 2007, p.93). Assim, consideramos que o colonialismo e todas as formas de dominação posteriores que subjugaram as populações e padronizaram a beleza, o 37 comportamento e as relações no interior da escola estruturam ainda ações de exclusão sob a perspectiva de exclusão, mesmo quando na política temos reflexões includentes. Dado o caráter contextual e histórico de afirmações no espaço político, cultural e social inclusivos, como considerar que, apesar de tantas afirmações políticas, ainda temos a exclusão? Acreditamos que se mantém um ordenamento, com base na colonialidade com a repetição de padrões, práticas e saberes. Como consequência, influenciam as estruturas simbólicas da sociedade brasileira por meio das relações de poder. Supomos que a herança da colonialidade perpassa o modus operandi no momento de se pensar as deficiências, as infâncias, as formas de aprender e ensinar e mesmo se tendo afirmações políticas, ainda há manutenção das desigualdades, determinando os discursos da impossibilidade da inclusão. Sem dúvida nenhuma, identificamos até este momento os avanços, mas eles precisam estar na área, no campo escolar, nas ações e nos discursos das professoras e professores. Entre as garantias e as ações ainda há alguns passos a serem dados. Vocabula rio Modus operandi é uma expressão em latim que significa “modo de operação”, na tradução literal para a língua portuguesa. Essa expressão determina a maneira que determinada pessoa utiliza para trabalhar ou agir, ou seja, as suas rotinas e os seus processos de realização. Então, existe uma teia social e de sociabilidade que vai se alterando por meio das políticas públicas, do comportamento social, uma escola para todos é uma escola que passa por todos nós em uma tomada de consciência e postura, de formação e continuidade, de inserção e reflexão. Assim, no texto escolhido abaixo complementa tais ideias. 38 Saiba Mais Leia o texto Por uma práxis educativa inclusiva e responsável, por Norma Silvia Trindade de Lima. Uma escola aberta às diferenças não é feita para o sujeito constituinte, universal, abstrato, idealizado, padronizado e previsível por uma verdade essencial como o “aluno normal”. Trata-se de uma escola para um aluno/sujeito singular, constituído em uma trama histórica de múltiplos elementos e condições, que se articulam e se modificam conforme as possibilidades, as interações e inserções sociais. Como sistema aberto, a escola inclusiva modifica-se, buscando adaptar-se a multidimensionalidade do funcionamento humano, à medida que reconhece e valoriza as diferenças entre as pessoas. Mantoan (2001), na apresentação do livro que organizou, afirma: É certo que somos o mesmo, mas não os mesmos, como nos ensinou Shafik Abu-Tahir, líder das Novas Vozes Africanas, e que essa diversidade nos remete a uma redefinição dos parâmetros pelos quais entendíamos o que acontece conosco e com o nosso entorno mais próximo e mais remoto, em todas as suas manifestações físicas, culturais, sociais, materiais, tecnológicas. A escola não pode continuar anulando e marginalizando as diferenças nos processos através dos quais forma e instrui os alunos e muito menos desconhecer que aprender é errar, ter dúvidas, expressar dos mais variados modos o que sabemos, representar o mundo a partir de nossas origens, valores, sentimentos. O reconhecimento da heterogeneidade humana demanda novos parâmetros de abordagem, tratamento, organização e funcionamento institucional, ou seja, outro paradigma. Nesse sentido, a inclusão engendra um movimento radical de ressignificações de: valores, atitudes, critérios e, sobretudo, identidades. Enfim, outras concepções de educação, sociedade, relacionamento humano interpessoal que, evidentemente, requerem transformações funcionais, organizacionais, pedagógicas e culturais, conforme discute Lima (2003). Nessa direção, um ambiente educacional aberto trabalharia com o princípio de que a diferença nos iguala e nos afirmar como seres singulares e originais, ou seja, a diferença é o consenso. Dito de outra maneira, pelas palavras de Guattari (2001, p. 33): “Longe de buscar um consenso cretinizante e infantilizante, a questão será, no futuro, a de cultivar o dissenso e a produção singular de existência”. Entendemos que conviver, criar e cooperar são atributos que precisam ser cultivados na contemporaneidade e que consubstanciam a inclusão como contribuição educacional (MANTOAN, 1997). O reconhecimento das diferenças nas relações sociais estabelecidas nas escolas modifica o retrato pacífico e 39 harmonioso que muitos fazem ao falar desse universo. A escola é um local tenso, de embate entre alteridades. É um espaço cultural e político, conforme advertiu Silva
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