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Febre na infância

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Febre
Introdução
· A febre é uma das causas mais comuns de consulta em pediatria em serviços de emergência, ambulatórios ou consultórios particulares
· Após história clinica e exame físico na maioria dos casos é possível identificar o foco e instituir orientações terapêuticas adequadas (em 80% dos casos). Em 20% dos casos a identificação do foco não é possível logo após a avaliação inicial, daí ser necessário acompanhamento quando não encontrar nenhum sinal de perigo/alarme/gravidade/ toxemia, porque muitas vezes o foco infeccioso surgirá a posteriori.
· Poucas tem bacteremia, doença infecciosa grave ou potencialmente grave
· A grande maioria evolui bem e tem doença infecciosa aguda autolimitada ou está em pródromo de uma doença infecciosa benigna e com o acompanhamento vamos conseguir identificar o foco (muitas vezes IVAS causada por vírus rinofaringite aguda responde pela maioria em menores de 5 anos)
Fisiopatologia
· Agentes infecciosos, assim como outros agentes não infecciosos (drogas, tóxicos, antígenos vacinais) promovem processo inflamatório com ativação dos macrófagos e outras células do sistema reticuloendotelial e liberação de citocinas inflamatórias, sobretudo IL-1, IL-6, TNF alfa e IFN gama (pirógenos endógenos) que estimulam a síntese de prostaglandinas E2 a qual age no centro termorregulador do hipotálamo elevando o patamar de temperatura basal e resultando na febre.
· Outras doenças além de infecções podem atuar no centro regulador do hipotálamo gerando a febre como doenças inflamatórias sistêmicas e neoplasias, mas em crianças, na maioria das vezes estaremos diante de uma infecção
· Febre pode ser positiva no sentido de diminuir replicação dos MO e sua presença auxilia no diagnóstico (malária tem febre cíclica por exemplo)
· Em crianças com comprometimento cardíaco, pulmonar, anemia falciforme, a febre pode aumentar o consumo de oxigênio
· Pode causar convulsão mas em casos de instalação súbita, e em menos de 5% das crianças, e não causam lesão cerebral, sendo autolimitadas
Definição 
· Febre é a elevação controlada da temperatura acima de valores normais e que depende de: 
· Idade: lactentes menores de 1 ano tem temperatura normal maior que a do adulto e a partir de 1 ano a temperatura tende a se assemelhar a do adulto, isso deve ser levado em consideração na hora do exame físico da criança
· Adolescente em fase de ovulação apresenta temperatura corporal aumentada devido à progesterona
· Variação circadiana: a temperatura é mais baixa de madrugada e no inicio da manhã e mais alta no final da tarde e inicio da noite
· Atividade física e temperatura ambiental mais elevada: podem ser fatores enviesadores que podem alterar a temperatura corporal da criança sem que ela esteja febril
Aferição da febre 
· T. retal > T bucal > T. axilar
· T. axilar normal varia de 36,5º C pela manhã até 37,2º C pela tarde
· T. bucal é cerca de 0,5º C maior que a axilar 
· T. retal é de 0,8º C a 1º C maior que a axilar ou seja,37,8º C a 38,5º C 
· Definimos febre como T. axilar > 37,4º C ou retal > 38º C sendo que no 3º mês de vida o limite retal atinge 38,2º C
· A temperatura retal é mais fidedigna com a interna do organismo
· Deixar por 5cm no lactente e 7cm na criança maior e no adolescente durante 2 minutos
· Termômetro de vidro com mercúrio
· Enxugar a axila e segurar o braço firmemente no tórax por 4 minutos
· A temperatura bucal também é mais preferida assim como a retal, pelos americanos, colocando sob a língua, aguardando por 3 a 5 minutos 
Anamnese dirigida à febre
Muitas vezes a mãe não tem termômetro em casa e a febre não foi medida, mas a queixa não deve ser desvalorizada pelo fato de a febre não ter sido medida deve-se partir para uma anamnese dirigida para investigar principalmente um foco infeccioso
1. Idade – há faixas etárias consideradas de risco, sendo febre um sinal de perigo em:
· RN até 30 dias : lactentes menores de um mês têm alto risco para infecção bacteriana por agentes neonatais como E. coli , SGB, herpes simples, enterovírus
· Menores de 3m: imaturidade imune ainda e podem tem exame físico inespecífico mesmo diante de infecção bacteriana, por isso ficar muito atento!
Estratificação pela idade vai conduzir o tratamento
2. Intensidade – procurar saber se chegou a 39,5º C e se ocorreu hipotermia associada (sinal de gravidade) porque dessa forma será classificada a febre
3. Associação com tremor de frio – necessário diferenciar de simples calafrios e de abalos musculares, porque tremores de frio são mais indicativos de bacteremia, sepse 
4. Apetite – diminuição evidente devido à resposta inflamatória
· Importante diferenciar se foi apenas diminuição do apetite ou se a criança se encontra debilitada a ponto de não conseguir sugar, mamar, comer , deglutir 
5. Alterações do comportamento 
· 
· Irritabilidade acentuada ou facilmente consolada
· Sonolência exagerada
· Apatia
· Choro inconsolável
· Alucinações
· Gemência
· 
· Perguntar se após a diminuição da febre (conseguida com antitérmicos) há melhora da disposição da criança ou se mesmo assim permanece muito abatida
Obs: para ser uma FSSL a criança precisa necessariamente estar com bom estado geral
6. Sintomas localizatórios
· Coriza / secreção nasal / espirro / tosse / chiado / falta de ar (VA) 
· Vômitos e diarreia (VD)
· Cefaleia / abaulamento de fontanela em lactentes até 1 ano e 2m)
7. Inicio e duração do episodio febril 
8. Aferição 
· Há realmente febre?
· Como foi verificada?
9. Tempo de evolução / periodicidade / frequência / variação diária
10. Medicações utilizadas e respostas no estado geral
11. Calendário vacinal 
12. Hábitos e costumes 
· 
· Inicio de escolarização e creche
· Passeios e viagens recentes 
(mata, floresta, caverna)
· Contato com animais 
(pássaros, gato, cachorro)
· Ingesta de alimentos cru ou mal cozido
· Banho de rio ou açude ou mar (acidente com água viva) 
13. 
14. Contatos com portadores doenças infecto contagiosas
15. Doenças regionais prevalentes
· 
· Dengue
· Calazar
· Malária 
16. 
17. Riscos pessoais de imunodeficiências – história prévia de infecções de repetição
18. Doenças familiares e consaguinidade
Classificação da febre
· 80% das crianças teremos facilidade de encontrar o foco infeccioso porque a febre vem com sinais localizatórios
· O foco infeccioso em geral está nas VAS em crianças < 5 anos e nas VAI (pneumonias virais e bacterianas)
· Outros focos infecciosos para pensar nas crianças são as ITU, arboviroses
· 20% na abordagem inicial serão febre sem sinais localizatórios 
· Febre associada a toxemia 
· Evidências de alteração de perfusão de órgãos com má perfusão periférica
· Altera consciência 
· Oligúria
· Taquicardia /taquipneia / hipotensão 
· TEC > 3s 
· Procurar evidência de coagulopatia de consumo (CIVD) porque recebe diagnóstico presuntivo de sepse
· Tratamento: suporte, hemocultura, urocultura, liquor, antibioticoterapia
· Sem foco aparente – a doença ainda está na fase prodrômica ou é infecção oculta. Febre sem sinais localizatórios (FSSL): febre de duração menor que 7 dias em criança com bom estado geral que não apresenta foco de infecção, isto é, não tem sinais e sintomas que localizam a infecção. O risco da FSSL é 
· Bacteremia oculta, presença de bactérias na corrente sanguínea (hemocultura positiva) de uma criança que tem febre mas bom estado geral e não tem fonte evidente de infecção. 
· Acontece em um pequeno percentual das crianças entre 3 meses e 3 anos que procuram PS por FSSL.
· Causada principalmente pelo Streptococos pneumoniae
· Comum em cç com Anemia Falciforme, imunodeficiência
· Normalmente as crianças não apresentam nenhum outro sintoma além da febre
· Diagnóstico baseado em exame de sangue 
· Melhor estratégia vacinação contra pneumococo (10 valente e 23 valente)
· Tratamento: antibioticoterapia mesmo a criança bem clinicamente
Fatores de risco para BO em cç com FSSL
	Idade 6-12 meses
	Febre ≥ 39º C
	Leucócitos > 15 mil
	Vacinação incompleta (< 3 doses)
· ITU – menores de 2 anos podem ter infecção urinária e manifestar apenas febre, porisso a coleta de urina tem que ser feita na presença de fatores de risco: 
· meninas com 2 ou + FR 
· meninos com menos de 6 meses e febre acima de 39º C
· meninos com mais de 6 meses não circuncidados na presença de 2 ou + FR 
· meninos com mais de 6 meses circuncidados na presença de 3 ou + FR
Fatores de risco para ITU em lactentes
	Meninas 
	Meninos 
	Etnia branca 
	Etnia não negra 
	Idade < 1 ano
	 - 
	Temperatura ≥ 39º C
	Temperatura ≥ 39º C
	Febre ≥ 2 dias
	Febre ≥ 1 dia 
	Ausência de outra causa de febre
	Ausência de outra causa de febre
Fonte: Shvartsman 
Avaliação da febre sem sinais localizatórios – escala de yale 
Quando realizar exames complementares para febre?
	1. Faixa etária de risco
	· RN < 30 dias investigação obrigatória
	· < 60 dias de vida investigação recomendada
	· > 3 mês de vida desde que impressão geral satisfatória, mantenha observação atenta (considerar resultado da escala de yale se necessário) 
	2. T axilar > 39,5º C especialmente se tremores de frio e se hipotermia em criança abatida pensar em bacteremia
	3. Toxemia : irritabilidade / alteração de NC/ hipoatividade / hipotonia / letargia / hipotensão / hipo ou hiperventilação / taquicardia e sinais de má perfusão periférica
	4. Fatores de risco para doenças infecciosas graves (corticoterapia, imunossupressão, desnutrição, doença crônica debilitante, anemia falciforme)
	5. Duração de febre > 3 dias sem sinal localizatório
	6. Escala de yale > 10 
Obs: consideramos hemograma alterado: leucócitos > 15.000 ou abaixo de 5.000 ou neutrófilos acima de 10.000 ou índice neutrofilico > 0,2%. A urina tipo I é alterada na presença de > 10 leucocitos por campo ou > 10.000/mm³ e bacterioscópico de urina positivo
Leucograma
· infecção bacteriana esperamos uma leucocitose (> 15000), mas se for em menores de 3 meses, uma neutropenia será um paciente de alto risco 
Provas de fase aguda
· VHS é mais usado como prova de atividade inflamatória, sendo relacionado a doenças inflamatórias como lúpus, artrites; foi substituído pela procalcitonina para avaliação de provas de fase aguda, sendo um marcador melhor do que a contagem de leucócitos e a PCR para detectar infecções bacterianas graves em crianças com febre sem origem, mas seu custo é alto e por isso usa-se mais amplamente a PCR
Hemocultura – só realizar nas crianças em alto risco (leucograma bem infeccioso, com granulações tóxicas e neutropenia)
Conduta na criança com febre sem sinais localizatórios 
Na faixa etária menor de 30 dias o importante é idade: devido ao alto risco de infecção bacteriana grave, mesmo sem toxemia, precisam ser internados para colher exames na presença de febre acima de 38º C sem sinal localizatório para investigação e já iniciar ceftriaxona ou cefotaxima;
Entre 1 e 3 meses de idade, sem toxemia, o guia é clínica + exame (critérios de Rochester) : solicitar hemograma e sumário de urina; se o resultado for de baixo risco (presença de todos os critérios abaixo) alta com reavaliação médica diária sem necessidade de antibiótico! Se for alto risco (ausência de algum critério) internar + coletar exames e iniciar ceftriaxona ou cefotaxima até resultado das culturas
Critérios de Rochester
	Clínicos
	Laboratoriais 
	Previamente hígido
	Leucócitos entre 5.000 e 15.000
	A termo, sem complicações neonatais
	Bastonete < 1.500
	Sem toxemia ou evidência de infecção bacteriana no exame físico 
	Microscopia de urina ≤ 10 leucócitos por campo
	Sem doença crônica
	Microscopia de fezes ≤ 5 leucócitos por campo (se houver diarreia)
Atenção ! Entre 3 meses e 3 anos considera-se baixo risco crianças com FSSL em bom estado geral e febre < 39º C, não precisando de coleta de exames e antibiótico empírico. Alto risco de infecção bacteriana grave apenas se febre ≥ 39º C procure bacteremia oculta e ITU.
Entre 3 meses e 3 anos o que importa é a clínica + temperatura, se estiver BEG < 39º C antitérmico e reavaliação e se > 39º C sumário de urina + urocultura para investigar ITU, se der ITU, tratar com amoxi-clavulanato ou cefuroxima VO até resultado das culturas. Se o resultado de ITU negativo hemograma, se positivo hemocultura e raio x de tórax para pesquisar pneumonia. Raio X veio normal, estamos diante de uma bacteremia oculta, já que hemograma e hemocultura evidenciam bactérias na corrente sanguínea sem fonte evidente de infecção, portanto tratar com ceftriaxona + vacinar.
Tratamento da febre
· Dipirona – não tem ação antinflamatória e nem antiagreganteplaquetária
· Preferir dipirona, ibuprofeno ou paracetamol
· Febre de 37.7, 37.8 evita-se medicação, devendo ser reservado para febre acima de 38º e desconforto
· AAS – está associada a maior ocorrência de síndrome de síndrome de Reye que é uma encefalopatia rápida de progressão no curso de infecção viral, por isso não usamos. Além do mais, é muito frequente a ocorrência de arboviroses como dengue, por isso não usamos o AAS como antitérmico, pelo risco de agravar o quadro (contraindicado na dengue)

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