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Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO PROBLEMA 3 – ABERTURA: ARTRITE REUMATOIDE: A artrite reumatoide (AR) é uma poliartrite inflamatória crônica de apresentação clínica típica e patogênese complexa. As manifestações muitas vezes são debilitantes, tanto por induzir sintomas constitucionais, quanto pelo possível dano a órgãos e tecidos que pode ser causado pela doença. O acometimento típico se dá em pequenas articulações periféricas, de forma simétrica e aditiva, com importante risco de incapacitação física. A etiologia específica da AR ainda é desconhecida, porém o papel do sistema imunológico, por meio de reações autoimunes, já é consolidado, marcado pela presença do fator reumatoide, autoanticorpos tipo IgM direcionado contra partículas IgG. Epidemiologicamente, a artrite reumatoide é um distúrbio predominantemente feminino, afetando indivíduos com mais de 45 anos de idade. Graças a essa predileção, é analisado o impacto hormonal para o curso da doença, detectando-se melhora dos sintomas durante a gestação, e o uso de contraceptivos orais como um fator protetor para AR. Conjunto de características que definem a artrite reumatoide O principal fator de risco modificável associado a AR é o tabagismo, porém também é possível detectar correlações entre a doença e infecções por EBV, parvovírus B-19, e alguns quadros bacterianos, como a tuberculose. No entanto, é o fator genético que mais possui destaque no estudo da artrite reumatoide, havendo em até 70% dos pacientes a presença do antígeno HLA- DR4, perpassado de forma não mendeliana. PATOGÊNESE: A membrana sinovial é o alvo preferido dos processos inflamatórios da AR, sendo densamente modificada ao longo da doença, tornando-se espessa em decorrência da proliferação excessiva de sinoviócitos e pela infiltração leucocitária. Nos pontos de conexão entre a membrana sinovial, o osso e a cartilagem, forma-se um tecido com células gigantes e aspecto granulomatoso, repleto de fibroblastos e macrófagos, que recebe o nome de Pannus. Esse tipo tecidual possui capacidade invasiva, podendo degradar a matriz óssea e os condrócitos, seja por ação de enzimas proteolíticas ou pelo ataque direto à rede celular. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Representação do conjunto articular em estágios iniciais da artrite reumatóide, com destaque para a formação do Pannus Há deposição massiva de macrófagos e linfócitos T CD4 ativados na sinóvia, sendo encontradas células B em suas regiões mais profundas. A presença de linfócitos apresentadores indica que a resposta é do tipo Th1, direcionada para reações celulares, com as citocinas desencadeantes (TNF-α e IL-1) sendo produzidas por macrófagos, que perpetuam o estado de ativação linfocitária prévio, uma vez que esses tipos celulares já atingem as articulações com expressão relevante de antígenos HLA, indicando exposição anterior à invasão articular (migração da doença). Os linfócitos B, por sua vez, agem produzindo o fator reumatoide, autoanticorpos capaz de criar imunocomplexos ou de ativar o sistema complemento, ambos permitindo o influxo de leucócitos na membrana sinovial, O líquido sinovial secretado pelos sinoviócitos B também passa por diversas alterações, havendo aumento de volume e elevação em sua celularidade, com dispersão principalmente de neutrófilos polimorfonucleares, não encontrados nesse local em pacientes saudáveis. Essas células são atraídas para as articulações por meio do aumento da expressão de moléculas de adesão, que potencializam a diapedese vascular, e pela estimulação quimiotática, mediadas por citocinas diversas. O processo se torna ainda mais evidente com a angiogênese local, estimulada pela secreção de fator de crescimento endotelial vascular. Mecanismo fisiopatológico das respostas autoimunes na AR e seus efeitos ao organismo QUADRO CÍNICO: As manifestações ósseas e articulares, típicas da AR, podem ser antecedidas por sintomas inespecíficos, como mialgias, febre e fadiga, acompanhando os primeiros anos da doença, que pode se instalar tão precocemente como aos 20 anos, ou de forma tardia, aos 60. Mesmo no início da doença, o edema e a dor articular ainda representam as principais queixas de pacientes com AR. O acometimento é poliarticular, com preferência por pequenas articulações em mãos e pés, ainda que qualquer articulação sinovial possa ser alvo de inflamação. As articulações mais comprometidas são: Punhos; Articulações metacarpofalangianas; Articulações interfalangianas proximais. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Acometimento por artrite nas pequenas articulações das mãos Mão reumatoide é o nome dado à deformidade simultânea do punho (alargado pela inflamação) e das articulações falangeanas proximais, associada à atrofia muscular local, criando um sinal característico da AR. Sinais típicos da AR nas mãos Alguns outros sinais podem ser observados em pacientes com AR, porém não são patognomônicos do quadro. Destacam-se os dedos em pescoço de cisne, que podem confundir-se com a apresentação lúpica. Na maioria dos casos, essas sinovites são aditivas (comprometimento progressivo) e simétricas, afetando ambos os membros, padrão típico utilizado na definição da doença. A sensação de rigidez articular é evidente principalmente no período da manhã, após a inatividade do sono. Quanto maior sua duração, maior será o comprometimento inflamatório, dado que a movimentação do local pode causar a dispersão do líquido sinovial em excesso. Esse quadro compressivo pode levar à pressão de fibras nervosas, principalmente daquelas associadas aos tendões flexores do punho, levando ao desenvolvimento de síndrome do túnel do carpo, por exemplo. O acometimento de membros inferiores também é comum, principalmente em joelhos, com grandes derrames e cistos sinoviais, e nas articulações proximais dos pés, podendo causar deformidades nos arcos plantares, desvio de artelhos e sobreposição de falanges. Manifestações sintomáticas sistêmicas podem ser observadas em cerca de 20% dos pacientes com AR, afetando a pele (nódulos subcutâneos), os olhos (ceratoconjuntivite seca), o coração (pericardite assintomática), o sistema respiratório (rouquidão, doenças pleurais ou formação de granulomas) e o sistema nervoso (neuropatias e compressões medulares). Alterações na função hepática podem ocorrer em pacientes que fazem uso de corticoides de forma crônica, medicamentos esses que induzem esteatose Nódulos cutâneos em paciente com AR, acompanhando o trajeto de acometimento articular Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO DIAGNÓSTICO: O diagnóstico da artrite reumatoide é clínico, com possibilidade de complementação dos achados da anamnese e do exame físico por exames radiológicos e laboratoriais, que também favorecem a determinação do prognóstico do paciente. É preconizada a realização, sempre que possível, do diagnóstico precoce da AR, uma vez que o tratamento com drogas modificadoras do curso da doença podem evitar a progressão da AR. Elementos da classificação da artrite reumatoide É possível, atualmente, classificar quadros de artrite reumatoide de acordo com duas ferramentas distintas. A primeira é baseada em cinco critérios clínicos e dois baseados em exames complementares, sendo que os 4 primeiros devem persistir por pelo menos 6 semanas, elevando a “especificidade” (uso liberal do termo) para a AR. Tais parâmetros são: Rigidez matinal com duração > 1 hora; Edema em 3 ou mais articulações; Edema em articulações de mãos e punhos; Presença de edema simétrico; Nódulos subcutâneos; Fator reumatoide positivo;o Esse indício isolado não tem poder de definir diagnóstico, dada que a sensibilidade desse exame é de apenas 74 a 80%. Erosões ósseas periarticulares em mãos ou punhos. O segundo conjunto de critérios utilizado para definir quadros de AR foi estabelecido pelo American College of Rheumatology, em parceria com a European League Against Rheumatism, não necessitando obrigatoriamente do tempo mínimo supracitado (6 semanas) para o estabelecimento do diagnóstico. Além disso, esse instrumento valoriza amplamente a presença de FR e anticorpos anti-CCP positivos. São avaliados: Acometimento articular (segmentado por número e tamanho das regiões afetadas); Sorologia de FR e anti-CCP o O anti-CCP é um grupo de autoanticorpos que reconhece células com excesso de citrulina, geradas a partir de modulações indevidas em aminoácidos, que podem ocorrer principalmente na AR grave. Duração das crises inflamatórias (> ou <6 semanas); Realização de provas inflamatórias de fase aguda. o Auxiliam no monitoramento e na estratificação do prognóstico do paciente. Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO Critérios diagnósticos da AR segundo o American College of Rheumatology e a European League Against Rheumatism A análise do líquido sinovial nem sempre é realizada, porém é possível encontrar infiltrados de células polimorfonucleares e leucócitos entre 5 a 100.000/mm³ (valor de referência < 3.000/mm³). Dentre os possíveis exames de imagem utilizados, destaca-se a radiografia, mais comumente empregada, permitindo identificar aumento das partes moles e osteopenia periarticular, erosões ósseas marginais, subluxações e anquilose (rigidez) óssea. Radiografia de paciente com artrite reumatoide, com presença de diminuição do espaço articular nas falanges proximais e erosão óssea Após a detecção inicial do quadro, o exame deve ser repetido em 6 meses, com análises posteriores anuais, havendo destaque para a coluna cervical. A ultrassonografia e a ressonância magnética são capazes de identificar precocemente lesões erosivas e inflamações. A primeira se destaca graças ao baixo custo de implantação e à praticidade de uso, ao passo que a última produz imagens mais claras. Dada a prevalência de poliartrite como sintomas em diversos quadros sistêmicos, é importante realizar o diagnóstico diferencial entre a AR e as demais doenças reumatológicas. Nessas situações, é importante analisar adequadamente a história clínica do paciente, identificando possíveis sinais mais bem explicados por outros quadros, como o lúpus eritematoso sistêmico, por exemplo. Principais diagnósticos diferenciais para a AR e sua frequência na população TRATAMENTO: O tratamento para a artrite reumatoide tem como propósito inicial a mudança de hábitos de vida, com o combate ao tabagismo acompanhando orientações para uma dieta balanceada e a prática regular de atividades físicas, de forma a reduzir o peso corporal. O acompanhamento e controle de comorbidades também é um ponto- Júlia Figueirêdo – FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO chave na manutenção do bem-estar do paciente e da prevenção de complicações. Na terapêutica medicamentosa, o objetivo é alcançar a remissão da AR, assim, o tratamento de primeira linha conta com medicamentos modificadores do curso da doença (MMCD), destacando-se o metotrexato, normalmente associado ao ácido fólico como forma de prevenir efeitos adversos hepatotóxico. O tratamento deve ser monitorado após três meses de seu início. Em caso de falha terapêutica, recomenda-se a associação de hidroxicloroquina, leflunomida ou sulfassalazina, as últimas representando outros tipos de MMCD. A segunda linha terapêutica é constituída pelos MMCD biológicos, empregada após duas falhas terapêuticas da primeira escolha de medicamentos (dois intervalos de 3 meses). Esses medicamentos devem ser aplicados de forma combinada ao metotrexato. As terapias medicamentosas biológicas abrangem compostos anti- TNF (certolizumabe, pegol e imifliximabe, por exemplo) e não anti- TNF (abatacepte e tocilizumabe). Não há diferenças na eficácia e na segurança entre essas categorias. Essa modalidade de tratamento é responsável pela substituição gradual do uso de imunossupressores, associados a efeitos adversos mais frequentes. A terapia de terceira linha corresponde na substituição dos medicamentos escolhidos por outros de mesma classe após falhas no tratamento por 3 meses. Para o manejo sintomático durante crises de inflamação, podem ser empregados AINES ou glicocorticoides (destaque para a prednisona), porém sempre pelo menor período possível. Caso haja necessidade de administração repetida, é necessário reavaliar o tratamento primário. Altas doses de corticosteroides podem ser usadas no controle de acometimentos extravasculares que representem ameaça à saúde do paciente, como neurites e vasculites. Cadeia de tratamento para a AR, associando medidas farmacológicas à melhoria do estilo de vida
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