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Linguística Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Profa. Ms. Sandra Regina Fonseca Moreira Revisão Textual: Profa. Ms Silvia Augusta Barros Albert 5 • Introdução • O Funcionalismo • A Pragmática Comece seus estudos pela leitura do Conteúdo Teórico: nele você encontrará o material principal de estudos na forma de texto escrito. Depois, assista à Apresentação Narrada e à Videoaula que sintetizam e ampliam conceitos importantes sobre o tema da unidade. Só depois realize as atividades propostas: • Atividade de Sistematização (AS): são exercícios de múltipla escolha, de autocorreção, que lhe dá oportunidade de praticar o que aprendeu na unidade e de identificar os pontos em que precisa prestar mais atenção, ou pedir esclarecimentos a seu tutor. Lembre-se de que esses exercícios são pontuados, assim, é muito importante que sejam realizados, dentro do prazo estabelecido no cronograma da disciplina. • Atividade de Aprofundamento (AP): consiste em atividades de produção escrita em um Fórum de Discussão ou em uma atividade de Produção Textual. Você deverá, então, participar de uma discussão coletiva a partir de uma questão colocada no fórum ou produzir um texto sobre o tema da Unidade, a partir de uma dada proposta. Essas atividades irão compor sua avaliação no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Blackboard (Bb). Fique bem atento às instruções! · Na unidade que começamos agora, nossos objetos de estudo são o Funcionalismo, a Pragmática e a Análise da Conversação. Você vai observar, no decorrer de nosso estudo, que cada uma dessas correntes possui diversas ramificações. Para entendê-las, teremos que nos remeter a um número relativamente grande de elementos. Sendo assim, recomendamos que você acompanhe com muita atenção o conteúdo teórico disponibilizado. Correntes Modernas da Linguística (Parte I) • Análise da Conversação 6 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Contextualização Observe a imagem a seguir e pense sobre o que você vê: há apenas um significado, ou à medida que seu olhar se fixa surgem outros sentidos? Disponível em: http://lhvauladon.files.wordpress.com/2010/06/imagem111.jpg Acesso: 17/07/13 Assim como ocorre com a linguagem visual, podemos criar, ao nos comunicarmos verbalmente, uma série de efeitos de sentido diferentes. Nem sempre é possível analisar esses sentidos apenas pelas estruturas sonoras, morfológicas ou sintáticas da língua. Foi pensando em questões como essas que surgiram algumas correntes denominadas de modernas nos estudos linguísticos. Essas questões constituem um dos assuntos desta unidade. Vamos entender isso melhor? 7 Introdução Nossos estudos nos levaram, até agora, a observar as principais correntes de orientação estruturalista, dentre elas o estruturalismo proposto por Saussure e o gerativismo de Chomsky. No primeiro caso, a ênfase dos estudos de Saussure recaiu sobre a língua. Já o gerativismo enfatizou a competência linguística do falante para identificar sentenças gramaticais e agramaticais, um de seus principais objetos de estudo. Tanto estruturalistas quanto gerativistas estudaram uma língua ideal, falada por um falante idealizado e, portanto, livre de variações e inconstâncias. Tais concepções linguísticas perduraram por muito tempo para, paulatinamente, cederem lugar a tendências de estudo que contemplassem a língua em uso, falada por pessoas reais e em interação, além de influenciada por questões sociohistóricas e culturais. Essas correntes constituem os estudos modernos de Linguística e é sobre algumas delas que nos deteremos nesta e nas próximas unidades da disciplina. Inicialmente, abordaremos três correntes linguísticas que têm como objeto de estudo a língua, ou linguagem, em real interação: o funcionalismo, a pragmática e a análise da conversação. O Funcionalismo O funcionalismo, enquanto corrente de análise linguística, surge a partir da década de 1970, juntamente com várias outras tendências cujo foco de análise estava mais voltado às questões discursivas do que aos estudos gerativos, em foco até então. Conforme afirma Trask (2004) Muitas abordagens da linguística se concentram nas características meramente estruturais das línguas, ignorando suas possíveis funções, e esse tratamento tem sido altamente compensador. Mas um grande número de lingüistas tem preferido combinar a pesquisa da estrutura com a investigação da função; qualquer abordagem que segue esta última orientação é funcionalista. (TRASK, 2004, p.120) Entretanto, é mais adequado dizer que os estudos funcionalistas modernos são, de fato, uma atualização de teorias que remontam a épocas anteriores a Saussure. Com relação a essa questão, veja a citação que a Professora Erotilde Pezatti, cuja área de pesquisa relaciona-se às teorias funcionalistas faz de Witney, um pesquisador atuante do século XIX. A linguagem pressupõe certas instrumentalidades mediante as quais os homens, consciente e intencionalmente, representam seus pensamentos com a finalidade principal de torná-los conhecidos de outros homens, isto é, a expressão na linguagem deve estar a serviço da comunicação. (WITNEY, 1897 apud DELANCEY, 2001, p.2 apud PEZATTI, 2004, p.166) 8 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Outra referência a estudos de cunho funcionalista é encontrada na Escola Linguística de Praga, cujos trabalhos iniciaram-se na década de 1920, tendo por representante, dentre outros, o linguista russo Roman Jakobson. As Funções da Linguagem de Roman Jakobson Os trabalhos de Jakobson são bastante importantes para os estudos linguísticos, pois ele é responsável por uma teoria que organiza as funções da linguagem em relação aos elementos que se deseja destacar no processo comunicativo, ou seja, de acordo com a intencionalidade dos falantes, constituindo-se como a base para a chamada Teoria da Comunicação. Para compreendermos o que Jakobson quis dizer, seria melhor entendermos primeiro a expressão “funções da linguagem”. Trask (2004, p.121) afirma que a linguagem é utilizada para realizar uma série de funções que podem ser comunicativas, ou não. Veja alguns exemplos: 1. Transmitimos informações sobre fatos, a outras pessoas; 2. Tentamos persuadir outras pessoas de alguma coisa; 3. Divertimo-nos e divertimos os outros; 4. Expressamos o fato de que fazemos parte de um determinado grupo; 5. Expressamos nossa individualidade; 6. Expressamos nossos estados de ânimo e emoções; 7. Mantemos boas, ou más, relações com outras pessoas; 8. Construímos representações mentais do mundo. A linguagem utilizada para realizar cada uma dessas situações terá características próprias, adequadas aos propósitos de cada situação, é isso o que podemos denominar, portanto, de funções da linguagem. Voltando a Jakobson, ele propõe a existência de seis elementos comunicativos e que, a cada um deles, corresponde uma determinada função da linguagem. Esses elementos e as respectivas funções são: 1. O emissor – caso a ênfase de uma mensagem recaia sobre aquele que a produz, como numa carta enviada a uma revista, temos a função emotiva. Veja o exemplo: Achei maravilhosa a entrevista feita com a moçambicana Paulina Chiziane (Língua 50, dezembro). Não a conhecia, nunca li um livro dela, mas o relato foi tão tocante e interessante que vou procurar livros publicados por ela para conhecer melhor a autora. (Revista Língua Portuguesa, nº. 52, seção Cartas, fevereiro de 2010, p.6) 9 2. O receptor – quando se tem por objetivo atingir a(s) pessoa(s) a quem a mensagem é dirigida, fazendo-as tomar uma determinada atitude, está se fazendo uso da função conativa. Ela é bastante comum nos textos publicitários, ou nas mensagens motivacionais. Afinal, quem não se lembrado slogan ao lado? Glossário Slogan – palavra proveniente do inglês. No dicionário Houaiss encontramos a seguinte definição: 1 expressão concisa, fácil de lembrar, utilizada em campanhas políticas, de publicidade, de propaganda, para lançar um produto, marca etc. 3. O contexto, ou referente – a ênfase da comunicação está em relatar um acontecimento, como nos textos jornalísticos. A função em destaque, nesse caso, é a função referencial. Veja a seguinte manchete: Terremoto de magnitude 8,8 deixa mais de 200 mortos no Chile; tsunami chega ao Havaí sem provocar danos. (Folha Online, 27/02/10) 4. A mensagem – quando se deseja destacar a elaboração de um determinado texto, com a cuidadosa e pensada escolha das palavras, sons, rimas, ritmo etc, temos a função poética. Ela é bastante utilizada nos textos literários, poéticos, ou mesmo em slogans publicitários. Veja a letra dessa canção em que se produzem diferentes efeitos de sentido para a palavra “cálice”, pois se levarmos em conta sua sonoridade, podemos ter também “cale-se”, o que atribui um novo sentido à canção, principalmente se levarmos em conta que ela foi composta nos tempos da ditadura militar no Brasil. Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice Pai, afasta de mim esse cálice De vinho tinto de sangue Como beber dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta (Trecho da música “Cálice”, do disco Chico Buarque, de Chique Buarque, 1978). 10 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) 5. O contato ou canal – em algumas ocasiões precisamos testar o canal de comunicação, como para verificar se estamos sendo entendidos. Ao realizarmos isso, estamos fazendo uso da função fática. Por exemplo: Quando solicitamos a alguém: “Fale mais alto!”; ou fazemos uma pergunta: “ O que disse?” 6. O código – quando utilizamos o código de comunicação, como, por exemplo, a língua portuguesa, para falarmos do próprio código, fazemos uso da função metalinguística. O exemplo mais claro dela é o dicionário. Glossário co.mu.ni.ca.ção - sf (lat communicatione) 1 Ação, efeito ou meio de comunicar. 2 Aviso, informação; participação; transmissão de uma ordem ou reclamação. 3 Mec Transmissão. 4 Relação, correspondência fácil; trato, amizade. 5 Sociol Processo pelo qual idéias e sentimentos se transmitem de indivíduo para indivíduo, tornando possível a interação social. Como você pode observar, as funções da linguagem propostas por Jakobson, associadas aos elementos comunicativos, abordam várias situações possíveis. Devemos também lembrar que elas não ocorrem isoladamente, pois podemos ter, num mesmo texto, a combinação de várias funções com a predominância de uma sobre as demais. A Linguística Sistêmica de Michael Halliday Outra corrente funcionalista bastante representativa é a que foi desenvolvida pelo linguista britânico Michael Halliday: a Linguística Sistêmica, também chamada de SL (Systemic Linguistics). De acordo com Trask (2004, p.184, 185), a SL procura integrar a descrição dos fatores formais e estruturais da língua às questões sociais que a envolvem. Assim como as demais concepções funcionalistas, a grande preocupação da SL é identificar os propósitos dos usos linguísticos e, as perguntas realizadas por esses pesquisadores são: • O que é que a pessoa que escreve, ou fala, está tentando fazer? • De que mecanismos linguísticos ela pode se valer para fazer isso, e com base em que faz suas escolhas? Para Halliday, a língua possui três funções: 1. Função Ideacional ou Experiencial – refere-se à veiculação dos conteúdos semânticos ou às informações de que dispomos; 2. Função Textual – consiste na organização dos elementos linguísticos de forma coerente e coesa; 11 3. Função Interpessoal – trata do estabelecimento e da manutenção das relações sociais, incluindo a habilidade de persuadir os outros a realizar o que se deseja ou de fazê-los aceitar o que se diz. Podemos concluir, pelos elementos apresentados, que a Linguística Sistêmica de Halliday dá grande importância ao texto como objeto de análise, e, por conseguinte, para os elementos responsáveis pela coesão e coerência. Muitas outras correntes funcionalistas poderiam ser elencadas, entretanto, acreditamos que já é possível, pelos exemplos fornecidos, compreender um pouco a respeito dos objetivos dos funcionalistas. Para concluirmos a apresentação do funcionalismo, apresentamos o que Pezatti (2004) traz sobre esses estudos: O princípio de que toda a explicação lingüística deve ser buscada na relação entre linguagem e uso, ou na linguagem em uso no contexto social, torna obrigatória a tarefa de explicar o fenômeno lingüístico com base nas relações que, no contexto sócio-interacional, contraem falante, ouvinte e a pressuposta informação pragmática de ambos (PEZATTI, 2004, p.168). Observe que Pezatti apresenta-nos mais um elemento além daqueles já discutidos pelo funcionalismo: ela aborda a questão da informação pragmática dividida entre o falante e o ouvinte. Sobre isso, trataremos a seguir. A Pragmática Disponível em http://www.turmadamonica.com.br/index.htm. Acesso 27/02/10 12 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Quando lemos uma tirinha como a que aparece acima, somos capazes de compreender o sentido cômico da mensagem, pois, inicialmente, conhecemos a fama de gulosa da personagem Magalí, criada por Maurício de Sousa, bem como entendemos que, quando o pipoqueiro pergunta: “E a garotinha?”, ele tinha em mente: “A garotinha também vai querer um saco de pipocas?” Entretanto, seria possível explicar tudo isso pelo léxico escolhido, ou pela organização dos elementos nas frases? A resposta, certamente, seria não. Foi esse tipo de questionamento que levou alguns filósofos da linguagem e linguistas a estudarem os elementos que não estão marcados textualmente (o que não está marcado textualmente não é escopo da linguística formal), mas que permitem que a comunicação se efetive, nos mais diversos contextos e situações. A esses estudos deu-se o nome de estudos pragmáticos. Veja como Dubois define o termo “pragmática” em seu Dicionário de Linguística: O aspecto pragmático da linguagem concerne às características de sua utilização (motivações psicológicas dos falantes, reações dos interlocutores, tipos socializados da fala, objeto da fala etc.) por oposição ao aspecto sintático (propriedades formais das construções linguísticas) e semântico (relação entre as unidades linguísticas e o mundo). (DUBOIS, 2004, p.480). Dessa forma, a pragmática está relacionada ao uso efetivo que os falantes fazem da língua nas diversas situações de comunicação, ou, de acordo com a definição dada por Fiorin (2005, p.166): “A Pragmática estuda a relação entre a estrutura da linguagem e seu uso”. Tal estudo é muito importante, pois, certas palavras ou expressões só adquirem sentido quando inseridas numa situação concreta de fala. Quando alguém pergunta: “Você tem horas?”, você não responde simplesmente “Tenho”, mas entende que essa pessoa quer saber “Que horas são?”. Sendo assim você a informa do horário: “ São três horas”. Veja, só é possível compreender esse par pergunta/resposta - “Você tem horas?/São três horas. - se levarmos em conta os aspectos pragmáticos que envolvem o uso da língua. Todo esse repertório faz parte de uma cultura comum e, apesar dos elementos textuais não explicitarem o que se quer comunicar, há interação entre as pessoas envolvidas. Devemos observar, dessa forma, que há dois aspectos relacionados ao termo “significado”, sendo que o último deles define os domínios da pragmática. O primeiro tipo de significadoé intrínseco a uma expressão que o contém, e não pode ser separado dessa expressão. O estudo desse tipo de significado é o domínio da semântica, no sentido que damos hoje a esse termo. Além disso, há um segundo tipo de significado, que não é intrínseco à expressão linguística que o veicula, e resulta da interação entre a expressão linguística e o contexto em que é usada. Ao estudo desse tipo de sentido damos um novo nome: pragmática. (TRASK, 2004, p.233). 13 Devemos citar, nesse momento, algumas distinções fundamentais na Pragmática: • Significação versus sentido. • Frase versus enunciado. A frase refere-se à estrutura sintática e ao resultado das escolhas lexicais realizadas, enquanto o enunciado é uma frase a qual se acrescem as informações contextuais referentes a cada situação comunicativa. A significação é o produto das indicações linguísticas dos elementos que compõem a frase, já o sentido é a significação da frase acrescida das indicações contextuais e situacionais. A frase e a significação são objetos de estudo da sintaxe e da semântica respectivamente, enquanto que o enunciado e o sentido pertencem à Pragmática. Vamos ver a seguir como se originaram os estudos pragmáticos. Teoria dos Atos de Fala Essa teoria, desenvolvida por John Austin, foi um dos pontos inicias da Pragmática e embasa- se na ideia de que “a linguagem não tem uma função descritiva, mas uma função de agir. Ao falar, o homem realiza atos” (FIORIN, 2005, p.166). Com isso, Austin estabelece o estudo dos enunciados ditos “performativos”, ou seja, aqueles que não descrevem nada e cuja realização corresponde à execução de uma ação. Veja os exemplos citados por Fiorin (Ibid., p.170): Declaro aberta a sessão. Prometo que a situação não vai ficar assim. Lamento que isso tenha ocorrido. Eu te perdoo. Para que os enunciados acima sejam efetivamente considerados performativos, é necessário não apenas que sejam ditos mas também que a situação de enunciação seja adequada. Observe o primeiro exemplo: “Declaro aberta a sessão”. Esse enunciado só pode ser considerado um ato performativo se for proferido por alguém que tenha autoridade para realizá-lo, como um parlamentar, ou um juiz. Como você pode perceber, há certas condições necessárias ao sucesso de um enunciado performativo e é a elas que Austin dedicará parte de seus estudos sobre este assunto. As principais condições de sucesso de um performativo são: • É necessário que a pessoa adequada a cada situação realize o enunciado performativo. Assim, só a noiva ou o noivo poderão dizer “Eu aceito” durante uma cerimônia de casamento. 14 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) • É necessária a utilização das palavras adequadas, como um modelo pré-estabelecido ou fórmula, como quando o padre diz: “Eu te batizo”. • É necessário que todos os participantes envolvidos na ação tenham consciência das fórmulas e procedimentos necessários para realização do performativo. Alguns performativos podem ser considerados meramente formais, como quando damos os pêsames a alguém, ou quando fazemos uma promessa sem que tenhamos os sentimentos que manifestamos com nossas palavras. Observe que o performativo está relacionado ao uso de determinados verbos como: pedir, ordenar, solicitar, desculpar-se, exigir etc. Também é importante citar que esse tipo de enunciado ocorre quando se usa a primeira pessoa do discurso (eu/nós), afinal, se utilizarmos qualquer das outras pessoas estaremos descrevendo ações e não as realizando por nossas palavras. Austin denomina “constativos” os enunciados que descrevem ações. Para diferenciá-los dos performativos estabelece três atos que participam do processo comunicativo: o ato locucionário (ou locucional), o ato ilocucionário (ou ilocucional) e o ato perlocucionário (ou perlocucional). Vejamos a que cada ato se refere: • Ato locucionário – é o que se realiza enunciando-se uma frase, é o ato de dizer. • Ato ilocucionário – é o que se realiza na linguagem, ou seja, é a ação que se pretende colocar em prática. • Ato perlocucionário – é o que se realiza pela linguagem, ou o resultado que se espera alcançar com o ato realizado. No exemplo seguinte: “Advirto-o a não mais fazer isso”. O ato locucionário ocorre quando se profere a sentença; o ato ilocucionário surge pela linguagem utilizada, pelo uso do verbo “advertir”; já o ato perlocucionário só existe no contexto da comunicação, caso o interlocutor obedeça à advertência dada. A teoria dos atos de fala serviu de base para muitos outros estudos pragmáticos como as questões relacionadas à polidez/cortesia do discurso, às variações socioculturais e às máximas conversacionais. Máximas Conversacionais Conforme citado acima, os enunciados performativos dependem de uma cooperação entre os participantes para que sua realização se efetive. Partindo dessa concepção, alguns estudiosos estabeleceram alguns princípios, ou regras, necessários à comunicação. Um deles foi Paul Grice, que estabeleceu o princípio geral da cooperação, formado por algumas máximas, denominadas máximas conversacionais. São elas: 15 • Máxima de quantidade (da concisão) – que sua contribuição contenha o tanto de informação exigida; que sua contribuição não contenha mais informação do que o exigido. • Máxima de qualidade (da verdade) – que sua contribuição seja verídica; não afirme o que você pensa que é falso; não afirme algo de que você não tenha provas. • Máxima de relação (da pertinência) – fale o que é concernente ao assunto tratado (seja pertinente). • Máxima de modo ou de maneira (da clareza) – seja claro; evite exprimir-se de maneira obscura; evite ser ambíguo; seja breve; fale de maneira ordenada. Apesar das muitas críticas recebidas por Grice, a importância de suas máximas reside no fato de que elas partem de um princípio de cooperação entre os participantes dos atos comunicativos, com vistas a um aprimoramento das relações. Ao cumprir ou quebrar esses princípios, o locutor deixa claro uma intenção e o desejo de provocar determinada reação em seu interlocutor ou de promover determinados efeitos de sentido em seu enunciado. Por exemplo, um político pode quebrar as máximas de qualidade e de modo/maneira em seu discurso. Pois não há a intenção de verdade e de clareza, para não se comprometer, o que é comum na cultura política brasileira. Por outro lado, um professor deve respeitar as máximas, para que obtenha sucesso e compreensão de seu discurso, nas aulas que ministra. Uma última distinção que precisa ser estabelecida entre os conceitos propostos pela Pragmática refere-se aos pressupostos e subentendidos. Vejamos, em seguida, do que se trata. Pressupostos e Subentendidos Esses conceitos estão relacionados àquilo que está implícito nos enunciados, ou seja, nas intenções de quem faz uso da linguagem, sem necessariamente fazer uso de palavras. Veja o exemplo: No enunciado: “Pedro parou de fumar”, temos uma informação explícita e dois conteúdos implícitos: 1º conteúdo implícito: “Pedro fumava antes”. 2º conteúdo implícito: “Você também deveria parar de fumar”. O primeiro conteúdo implícito está inscrito no enunciado inicial, já que a expressão “parar de” implica em que se realizava o ato anteriormente. Esse tipo de implícito é denominado pressuposto. O segundo conteúdo implícito depende de um contexto particular, não sendo necessariamente aplicável a qualquer situação. Para compreendê-lo seria necessário conhecer a relação entre os interlocutores, que permitiria esse conselho e também saber que um deles fuma. Temos aqui um implícito denominado subentendido. Orecchioni afirma que: 16 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) [...] o pressuposto é a informação que não é abertamente posta, isto é, que não constitui o verdadeiro objeto da mensagem, masque é desencadeada pela formulação do enunciado, no qual ela se encontra intrinsecamente inscrita, independentemente da situação de comunicação (ORECCHIONI, 1998 apud FIORIN, 2005, p.181). Por seu lado, os subentendidos são as informações que se pode inferir de um enunciado dependendo da situação de comunicação e de todos os elementos que a compõem: locutor, alocutário, contexto etc. Dessa forma, um mesmo enunciado pode conter subentendidos diferentes para diferentes indivíduos. Análise da Conversação Nesta unidade, nossos estudos têm nos levado a observar algumas correntes linguísticas que se preocupam com a língua em situações reais de uso: não só com as funções que se pode executar com os diversos tipos de enunciados como também com as informações que não estão localizadas na materialidade do texto, mas que se relacionam com os contextos comunicativos. Assim, não poderíamos concluí-la sem falar de uma corrente que estuda, efetivamente, a linguagem em suas manifestações verbais, ou seja, a análise da conversação (AC). Para tanto, utilizaremos os estudos realizados no Brasil sobre o assunto e, em particular, as pesquisas do Projeto de Estudo Coordenado da Norma Urbana Linguística Culta, ou Projeto NURC1 , bem como as contribuições dos professores Luiz Antonio Marcuschi e Ângela Paiva Dionísio. Dionísio (2004) afirma que: [...] usar a linguagem consiste, portanto, em realizar ações individuais e sociais. Estamos sempre fazendo algo com a linguagem. Conversar, por exemplo, é uma atividade social que desempenhamos desde que começamos a falar. (DIONÍSIO, 2004, p.69) No Brasil, o primeiro livro sobre o assunto foi publicado na década de 1980, com o título de Análise da Conversação, de autoria do professor Luiz Antônio Marcuschi que afirma “a conversação é a primeira das formas de interação a que estamos expostos e provavelmente a única da qual nunca abdicamos pela vida afora” (MARCUSCHI, 2005 p. 14). 1 O Projeto NURC iniciou suas pesquisas na UNICAMP, na década de 1980, e, posteriormente, um segundo grupo de pesquisas foi aberto com sede na USP. O Projeto NURC iniciou suas pesquisa s na UNICAMP, na década de 1980, e, posteriormente, um segundo grupo de pesquisas foi aberto com sede na USP. 17 Dentro das orientações desse estudo, entende-se por “conversação” todas as formas de interação verbal, mesmo aquelas que não acontecem face a face ou de forma síncrona, ou seja, em tempo real. Para a Linguística, ao se estudar a conversação, busca-se entender como a linguagem é estruturada e de que forma isso impacta o processo comunicativo. Dentre os itens observados na AC estão: • as fases conversacionais: a abertura, fechamento e parte central , além do tema central e subtemas da conversação. Neste item está incluída a organização da conversação; • os turnos conversacionais, ou a tomada de turnos, a sequência conversacional, os atos de fala e os marcadores conversacionais. Observam-se aqui os elementos relacionados à interação, ou seja, a troca de papéis entre locutor e interlocutor no processo conversacional e os elementos participantes desse processo; • os elementos internos do ato de fala, constituídos pela estrutura sintática, lexical, fonológica e prosódica. Analisa-se, por fim, as escolhas realizadas pelos falantes e suas possíveis intenções e sentidos. Qual será a importância dos estudos sobre a conversação? É Dionísio (2004, p.71) quem apresenta algumas razões: 1. É a prática social mais comum do ser humano; 2. Desempenha um papel privilegiado na construção de identidades sociais e relações interpessoais; 3. Exige a coordenação de ações que ultrapassam a simples habilidade linguística dos falantes; 4. Permite que se abordem questões que envolvem a sistematicidade da língua presente em seu uso e a construção das teorias para enfrentar essas questões. Para que uma conversação se estabeleça é necessário haver um (ou mais) assunto(s) em discussão, chama-se a esse assunto de tópico discursivo e, ele deve possuir duas propriedades básicas: a centração e a organicidade. A centração diz respeito ao conteúdo, ou seja, sobre o que se fala. A organicidade refere-se, por sua vez, às relações de interdependência que são estabelecidas entre os tópicos de uma conversação. Numa conversa espontânea não é possível prever o rumo que esta irá tomar, entretanto, pode-se observar uma cooperação entre os participantes, de modo a gerar um processo de produção de sentidos, estruturado e funcional. Marcuschi declara que [...] Uma conversação fluente é aquela em que a passagem de um tópico a outro se dá com naturalidade, mas é muito comum que a passagem de um tópico a outro seja marcada. (MARCUSCHI, 1998, p.14 apud DIONÍSIO, 2004, p.72) 18 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Com isso, ele quer dizer que, naturalmente, inserimos elementos em nosso discurso, reveladores das alternâncias de turnos, ou de assuntos, como: “isso me lembra de”; “por falar em”; “agora”; “mudando de assunto” etc. Veja abaixo um exemplo de uma pequena transcrição de fala, adaptada do material disponibilizado por Marcuschi (2005, p.40): (Contexto: primeiros momentos da interação entre a universitária L., entrevistando a doméstica, R.) T1 L: que a senhora faz aqui” T2 R: (+) qué dizê (+) realmente (+) faço / faço todo serviço geral né (+) faço cozinha (+) faço cozinha (+) arrumo né (+) e sirvo a mesa (+) também lavo a roupa das crianças sabe’ T3 L: sei (+) ah:: só a roupa das crianças” T4 R: é (+) das crianças, T5 L: sei (+) então a senhora cuida das crianças” T6 R: é (+) qué dizê / os menino que tem aqui são mocinho mas (+) né T7 L: ah é não são mais né ((R. ri)) T8 R: não são mais criança ((L. e R. riem juntas)) T9 L: que idade têm” T10 R: têm já 15 anos / ela vai fazê 15 e ela vai fazê 12 T11 L: é né T12 R: é Devemos lembrar, ainda, de que há conversações não naturais, ou artificiais, como as que ocorrem no cinema, teatro ou em qualquer outro ambiente no qual se faz uso de um roteiro. Agora, há algumas perguntas que nos cabe levantar: como se realizam as transcrições das conversações? Qual a metodologia utilizada? Há alguma orientação a respeito? Certamente há várias orientações, inclusive, para que seu registro possa ser utilizado para pesquisas. Inicialmente, é necessário que as conversações sejam gravadas ou filmadas para, posteriormente, serem transcritas e analisadas. Com relação à transcrição, ela precisa ser o mais fiel possível, sem a interferência ou interpretação do pesquisador. Por essa razão, não se pode completar ou adaptar elementos que não ficaram audíveis. Para organizar o trabalho de transcrição, foram estabelecidas algumas normas. Segue abaixo, a título de ilustração, uma tabela de acordo com a proposta realizada pelo Projeto NURC. 19 Normas para Transcrição Ocorrências Sinais Exemplificação 1. Indicação dos falantes Os falantes devem ser indicados em linha, com letras ou alguma sigla convencional H28 M33 Doc. Inf. 2. Pausas ... não... isso é besteira... 3. Ênfase MAIÚSCULAS ela comprou um OSSO 4. Alongamento de vogal : (pequeno) :: (médio) ::: (grande) Eu não tô querendo é dizer que...é: o eu fico até:: o: tempo todo 5. Silabação - do-minadora 6. Interrogação ? ela é contra a mulher machista... sabia? 7. Segmentos incompreensíveis ou ininteligíveis ( ) (ininteligível) bora gente... tenho aula... ( ) daqui 8. Truncamento de palavras ou desvio sintático / eu... pre/ pretendo comprar 9. Comentário do transcritor (( )) M.H.... é ((rindo)) 10. Citações “ ” “mai Jandira eu vô dizê a Anja agora que ela vai apanhá a profissão de madrinha agora mermo” 11. Superposição de vozes [ H28. é... existe [você ( ) do homem... M33. [pera aí...você acha... pera aí... pera aí 12. Simultaneidade de vozes [[ M33. [[mas eu garanto que muita coisa H28. [[eu acho eu acho é a autoridade 13. Ortografia tô, tá, ahã, mhm Observe que, além do próprio discurso verbal, são também analisadas as realizações entonacionais (tom de voz, velocidade da fala) e gestuais (sorriso, olhar, gestos) que ocorrem durante a conversação, pois, ao falarmos, utilizamos não somente a voz, mas também o corpo e podemos tanto confirmar nossas palavras pelas informações não verbais, quanto, em certos momentos, podemos dizer algo diferente por meio de nossas atitudes durante o processo de conversação. Como você pode observar, a Análise da Conversação é uma área de estudos bastante abrangente e que dialoga com outras correntes linguísticas, já que verifica aspectos relacionados à intencionalidade dos falantes, aos atos de fala, à organização discursiva, dentre vários outros elementos. Acreditamos ter oferecido a você um panorama geral das diferentes correntes linguísticas modernas, nesse primeiro momento. Continuaremos na próxima unidade, mas por ora, cabe a você realizar um bom resumo para que apreenda as características fundamentais de cada uma das que apresentamos nessa unidade. 20 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Material Complementar Lembre-se de que uma atitude pró-ativa é fundamental para o melhor aproveitamento da disciplina. Por isso, o material complementar não é opcional. Para retomar os conceitos apresentados e apara aprofundá-los, deixamos aqui as seguintes sugestões: Para aprender mais sobre as funções da linguagem, acesse o seguinte link: http://educacao.uol.com.br/portugues/funcoes_linguagem.jhtm O link abaixo apresenta um interessante artigo sobre a teoria dos Atos de Fala utilizando quadrinhos da personagem Mafalda: http://www.filologia.org.br/xiicnlf/textos_completos/An%C3%A1lise%20dos%20atos%20 de%20fala%20nas%20tiras%20de%20mafalda%20-%20M%C3%94NICA.pdf 21 Referências DIONÍSIO, Ângela Paiva. Análise da Conversação In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna C. (orgs.) Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2004, v. 2., p.69-99. DUBOIS, J. et.al. Dicionário de Linguística. Trad. Izidoro Blikstein et. al.. São Paulo: Cultrix. 2004. FIORIN, José Luiz. A linguagem em uso In FIORIN, José Luiz. Introdução à lingüística. I Objetos teóricos. São Paulo: Contexto, 2005, p. 165-186. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Análise da Conversação. São Paulo: Editora Ática, 2005. (série Princípios). PEZATTI, Erotilde Goreti O Funcionalismo em Linguística In MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna C. (orgs.) Introdução à lingüística: fundamentos epistemológicos. São Paulo: Cortez, 2004, v. 3, p.165-218. TRASK, R.L. Dicionário de Linguagem e Lingüística. Trad. Rodolfo Ilari; revisão técnica Ingedore Villaça Koch, Thaïs Cristófaro Silva. São Paulo: Contexto, 2004. DIAS, L. S.; Gomes, M. L.C. Estudos Linguísticos: dos problemas estruturais aos novos campos de pesquisa. 1ª ed., Curitiba: Editora IBPEX, 2008. E-book FIORIN, J. L. Introdução à Linguística II: Princípios de Análise. 3ª ed. São Paulo: Contexto, 2004. E-book MARTELOTTA, M. E. Manual de Linguística, 1ª edição, São Paulo: Editora Contexto, 2008. E-book NORMAND, C. Convite à Linguística 1ª edição, São Paulo: Editora Contexto, 2009. E-book 22 Unidade: Correntes Modernas da Linguística (Parte I) Anotações www.cruzeirodosulvirtual.com.br Campus Liberdade Rua Galvão Bueno, 868 CEP 01506-000 São Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000