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Farmacologia na obstetrícia e pediatria Testes clínicos não envolvem crianças e gestantes, então acaba-se fazendo o uso off label, quando o médico decide assumir o risco mesmo sabendo dos efeitos adversos e contraindicações. Histórico A grande preocupação surgiu com a Talidomida, na década de 60. O útero da mulher é estéril, então acreditava-se que qualquer malformação que envolvesse o feto, seria por causa de fármacos. A Talidomida começou a ser utilizada em gestantes para prevenir enjoos matinais. Descobriu-se que a Talidomida era formada pelo enantiômero R e pelo enantiômetro S. O R estava relacionado com os efeitos sedativos e hipnóticos e o S com efeitos teratogênicos. A talidomida causava a focomegalia. Focomegalia aproximação/encurtamento de membros junto ao tronco (aspecto de foca) Considerações gerais Aspectos relacionados à gestante Ensaios clínicos de medicamentos não contemplam grávidas e lactentes: razões legais e éticas · Proteção contra indução de aborto, alterações morfológicas e teratogenia · Não existem parâmetros definidos sobre a farmacocinética e farmacodinâmica em gestantes · Não existem evidências da (in)segurança da maioria dos fármacos 94% das gestantes chega a utilizar pelo menos um medicamento (excluindo-se as vitaminas, sais minerais e vacinas) · 46,1% durante o primeiro trimestre · 67,7% no segundo trimestre · 70% no terceiro trimestre Média de medicamentos: 4,2 medicamentos/grávida Indicação médica: 84,9% Automedicação: 33,5% Alterações farmacocinéticas na gestação Alteração na absorção de fármacos: · Aumento do tempo de esvaziamento gástrico: o fármaco passa mais tempo no estômago, demorando mais para chegar no intestino · Diminuição da motilidade intestinal: demora mais para ser absorvido pois fica muito tempo se movimentando pelo intestino · Ocorrência de vômitos: pode haver perda de fármaco através da êmese · Aumento do pH gástrico (diminuição da secreção de HCl) Alterações na distribuição de fármacos: · Aumento do volume plasmático materno e débito cardíaco: o medicamento fica muito mais “diluído” e ele pode começar a se acumular em outros tecidos do organismo além daquele específico do fármaco · Redução da concentração plasmática de albumina: quando reduz as proteínas plasmáticas que se ligam aos fármacos, aumenta a concentração de fármaco livre, podendo aumentar a toxicidade do fármaco. Fármacos ligados a proteínas plasmáticas não atingem o feto. Alterações no metabolismo de fármacos: · Aumento da perfusão hepática: os fármacos em gestantes tendem a ser metabolizados mais rapidamente · Níveis aumentados de estrogênio e progesterona alteram a atividade enzimática hepática Alterações na excreção de fármacos: · Aumento da taxa de filtração glomerular Permeabilidade da placenta A própria placenta pode metabolizar fármacos. A placenta é o órgão de troca de medicamentos entre mãe e feto. · Meios de transferência: difusão passiva, difusão facilitada e transporte ativo · Principais determinantes: tamanho da molécula, pH, extensão da placenta, fluxo sanguíneo, presença de transportadores de membrana, metabolismo placentário Fármacos com PM < 500 Da são rapidamente transferidos Fármacos com PM entre 600-1.000 Da atravessam a placenta mais lentamente Fármacos com PM >1.000 Da (insulina, heparina) não atravessam em quantidades significativas Fármacos lipofílicos atravessam mais facilmente do que os hidrossolúveis Espessura e numero de camadas das células que formam a placenta variam com a idade gestacional: · Inicio: 25 micrometros menor facilidade de passagem · Próximo ao parto: 2 micrometros maior facilidade de passagem Princípios do uso de medicamentos durante a gestação · Evitar utilização de fármacos sempre que possível, especialmente no primeiro trimestre de gestação · Minimizar a exposição, menor tempo e menor dose · Escolher fármacos de forma cautelosa e adequada · Avaliar sempre o risco para o feto e o benefício para a mãe · Optar por fármacos com perfil de segurança conhecido · Evitar fármacos novos Aspectos relacionados a amamentação Na gestação, por apresentar baixa concentração de proteínas plasmáticas, aumenta o fármaco livre e consequentemente aumenta a excreção na amamentação. · Fármacos não ionizados e não ligados a proteína penetram no leite materno via difusão passiva (equilíbrio entre plasma e leite) · Fármacos com maior permeabilidade, baixa lipossolubilidade e altamente ligado a proteínas têm menor probabilidade de penetrarem no leite materno · O tempo e a frequência de amamentação e a quantidade de leite ingerida pelo lactente também são importantes · O pH do leite humano (6,6 a 6,8) é um pouco menor do que o do plasma (mais ácido), o que favorece a concentração de substancias com características básicas, por mecanismo de ionização. Fatores físico-químicos relacionados ao fármaco Facilitadores para excreção da droga do sangue para o leite materno · Baixo peso molecular · Elevada lipossolubilidade · Baixa capacidade de ligação às proteínas plasmáticas · Forma não ionizada · Elevada meia-vida de eliminação · Alta biodisponibilidade · Elevado poder de concentração no plasma materno Fatores físico-químicos que influenciam na excreção de drogas pelo leite materno: · Peso molecular · Lipossolubilidade · Capacidade de ligação às proteínas plasmáticas · Grau de ionização · Meia-vida de eliminação · Biodisponibilidade · Concentração sanguínea materna Classificação de risco (para amamentação) Código 1 – Compatível (verde): uso compatível com a amamentação · Desta categoria fazem parte os fármacos cujo uso é potencialmente seguro durante a lactação, haja vista não haver relatos de efeitos farmacológicos significativos para o lactente Código 2 –uso criterioso durante a amamentação: · Nesta categoria estão os medicamentos cujo uso no período da lactação dependa da avaliação do risco/benefício. Quando utilizados, exigem monitorização clínica e/ou laboratorial do lactente, devendo ser utilizados durante o menor tempo e na menor dose possível. Novos medicamentos cuja segurança durante a amamentação ainda não foi devidamente documentada encontram-se nesta categoria. Código 3 – uso contraindicado durante a amamentação: · Esta categoria compreende as drogas que exigem a interrupção da amamentação, pelas evidências ou risco significativo de efeitos colaterais importantes no lactente Princípios do uso de medicamentos durante a amamentação A amamentação só deverá ser interrompida, se existirem evidências de que o fármaco é nocivo para o lactente ou quando não existirem informações a respeito do fármaco. · Avaliar a necessidade de terapia medicamentosa · Optar por fármacos seguros ao neonato · Utilizar via tópica sempre que possível · Programar o horário de administração do fármaco à mãe: evitar que a mama coincida com o pico de concentração do medicamento (administrar após a amamentação) · Evitar fármacos com meia vida longa ou que apresentem metabolitos ativos. Priorizar fármacos com alta taxa de ligação às proteínas plasmáticas, menor biodisponibilidade e lipossolubilidade · Optar, quando possível, por preparações contendo só um fármaco · Orientar a mãe para observar a criança em relação a possíveis efeitos adversos Aspectos relacionados ao feto A principal preocupação é a incidência de malformações congênitas (3 – 5%). Essas malformações podem ser por: · Fatores genéticos (20%) · Cromossômicos (15%) · Causas multifatoriais (65%) · Irradiação · Infecções · Doença materna · Fármacos (1-2%) · Fármacos teratógenos podem causar: aborto espontâneo, anormalidades congênitas, RCIU, retardo mental, carcinogênese, mutagênese Exposição aos fármacos no decorrer do desenvolvimento embrionário Os efeitos adversos sobre o feto dependem da dose, via de administração, exposição concomitante a outros agentes e fase da gravidez. · 1ª fase: período pré-embrionário (até o 17º dia) – “tudo ou nada” · A exposição fetal a um teratógeno nas primeiras 2 semanas após a concepção pode ter um efeito do tipo “tudo ou nada” (pode destruir o embrião ou não produzir qualquer efeito) · Fase ovular(2 a 5 semanas) · 2ª fase: período embrionário (18º ao 56º dia) – interferência na organogênese · A exposição fetal a um teratógeno durante a organogênese pode causar anomalias estruturais · Fase embrionária (6 a 9 semanas) · 3ª fase: fetal (8ª a 38ª semana) – efeitos tardios sobre a maturação e crescimento · A exposição fetal a um teratógeno após essa fase pode resultar em atraso do crescimento, anormalidades no SNC e até mesmo morte – anormalidades funcionais SEMPRE TENTAR EVITAR O USO DE MEDICAMENTOS EM GESTANTES PRINCIPALMENTE NO PRIMEIRO TRIMESTRE Classificação Evidência Exemplos A Estudos controlados em humanos e animais não demonstraram risco para o feto. A possibilidade de dano é remota Acido fólico, vitamina D, levotiroxina, ferro B Estudos em animais não demonstraram risco fetal, mas não há estudo controlados em humanos. Fármacos com pouco risco. Beta-lactamicos, ranitidina, loratadina, metoclopramida, metformina C Não há estudos controlados em mulheres e estudos em animais demonstraram alguns efeitos adversos sem maiores evidências. Ou então, não existem estudos em mulheres e animais. Os fármacos somente deverão ser utilizados se o beneficio justificar o potencial risco para o concepto. AAS, paracetamol, corticoides, omeprazol, fenilefrina, haloperidol, fluoxetina, dipirona, cloranfenicol, atropina, efedrina, lidocaína, amiodarona, anfetamina, teofilina D Há evidências de riscos para o concepto, mas os benefícios do uso da gestante podem justifica-los Diazepam, captopril, mebendazol, fenitoina, tetraciclina, estreptomicina, cisplatina, metotrexato, fenobarbital X Estudos em animais e humanos demonstraram anormalidades fetais. O fármaco é contraindicado para mulheres que estão ou pretendem ficar grávidas. O risco ultrapassa qualquer benefício. Isotretinoína, ergotamina, ACO, sinvastatina, misoprostol, flurazepam A maioria dos fármacos (66%) se encontram na categoria C A- Estudos controlados não mostraram risco B- Não há evidências de risco no ser humano C- O risco não pode ser afastado D- Há evidências positiva de risco E- X- Contraindicados na gravidez Principais fármacos utilizados pela gestante · Analgésicos · Antieméticos · Anti-hipertensivos: nunca utilizar IECA pois é categoria X · Antidepressivos · Anti-inflamatórios · Antibióticos · Ansiolíticos · Vitaminas e/ou antianêmicos Principais fármacos incluídos na categoria X · Ácido retinóico · Anfepramona · Anfetaminas · Fibratos · Captopril e derivados · Estatinas · Clomifeno · Desogestrel · Epinefrina · Estrogênios · Hipoglicemiantes orais · Misoprostol · Varfarina Drogas ilícitas Álcool: síndrome alcoolica fetal, anormalidades de face, microencefalia, defeitos cardíacos, malformações congênitas femininas, retardo no crescimento físico e mental; síndrome de abstinência e depressão no RN, depressão respiratória fetal Tabaco: retardo no crescimento fetal; vasoconstrição, menor apetite da mãe, menor aporte de oxigênio, parto prematuro, carboxihemoglobina Cocaína e anfetaminas: retardo no crescimento fetal, supressão do apetite, vasoconstrição, aumento da PA, parto prematuro, descolamento da placenta, dependência e síndrome de abstinência (insônia, espasmos musculares e dificuldade de sucção) Heroína: parto prematuro, baixo peso, dificuldade respiratória, hipoglicemia, hemorragia intracraniana, dependência e síndrome de abstinência (irritabilidade, diarreia, vomito) Maconha: parto prematuro, baixo peso LSD: danos no SNC e anormalidades nos membros Aspectos relacionados à pediatria O grande problema é que os estudos também não podem ser realizados nas crianças, havendo grande uso de fármacos em off label. Crianças não são incluídas em ensaios clínicos para desenvolvimento de novos fármacos Motivos legais, éticos e econômicos faz com que fármacos aprovados para uso em adultos sejam utilizados em crianças, através da extrapolação de doses, indicações e modificações de formas farmacêuticas Fármacos não aprovados são os não licenciados para uso em crianças como um todo Fármacos off label são licenciados, mas utilizados em circunstâncias não aprovadas considerando indicação terapêutica, idade, dose, frequência de administração e/ou apresentação · Uso de fármacos off label na atenção primaria pode variar de 11 a 37%. Em crianças hospitalizadas, de 30-50% fazem uso. Medicamentos de uso não aprovado e off label Medicamentos off label (não padronizado): medicamentos que foram aprovados por um órgão regulador para uso em determinados grupos etários e patologias, mas que é prescrito de forma diferente do que preconiza a bula e diretrizes clinicas em relação à dose, faixa etária, frequência, apresentação e via de administração. Medicamentos de uso não aprovado: medicamentos sem registro e contraindicados para uso em crianças em qualquer situação, incluindo os manufaturados ou modificados no hospital Absorção Resumo dos fatores fisiológicos que influenciam a absorção de medicamentos na população pediátrica Fatores fisiológicos Recém-Nascido Lactente Criança pH estomacal Pós-nascimento = neutro 48h pós-parto = pH 3 3-10 dias pós-parto = pH 7 Mesmo do RN Normal (a partir de 2-3 anos de idade) Tempo de esvaziamento gástrico Aumentado (1-2 dias de vida) Aumentado 6-8 meses = normal Aumentado Motilidade intestinal reduzida normal Normal Área de superfície intestinal diminuída diminuída Normal Permeabilidade da membrana intestinal aumentada aumentada Normal Função pancreática e biliar Diminuída Normal Normal Microbiota Reduzida Normal Normal Efeito da primeira passagem Reduzido Aumentado Normal Fluxo sanguíneo e atividade muscular Reduzido Aumentado Normal Pele (estrato córneo menos espesso, maior perfusão cutânea, epiderme hidratada) Aumentado Aumentado Normal Consequências farmacocinéticas na absorção dos fármacos nas diferentes sub-populações pediátricas: Consequências possíveis da farmacocinética Recém-nascidos Lactentes Crianças Absorção oral Errática - reduzida Aumentada Semelhante ao adulto Absorção IM Variável Aumentada Semelhante ao adulto Absorção percutânea Aumentada Aumentada Semelhante ao adulto Absorção renal Muito eficiente Eficiente Semelhante ao adulto Distribuição Idade e composição corporal: - Os fármacos se distribuem através do espaço extracelular. O volume deste compartimento pode ser importante para determinar a concentração do fármaco no seu sitio ativo - Composição variável de gordura no decorrer do desenvolvimento pode comprometer diretamente a distribuição de medicamentos lipossolúveis - A criança logo quando nasce apresenta maior proporção de água quando comparada aos lipídios e quando ele vai crescendo, aumenta a taxa de gordura. Ligação a proteínas plasmáticas Apresenta uma menor ligação as proteínas plasmáticas Níveis reduzidos de proteínas totais no plasma: · RN a termo: 11% · 4 meses: 11,5% · 12 meses: 15% Aumento nas frações livres de fármacos aumenta o efeito e acelera a eliminação BHE: · A BHE no RN é incompleta e facilita a penetração de fármacos no SNC · Haverá maior permeabilidade para fármacos mais lipossolúveis Metabolismo Menor taxa de eliminação de fármaco por metabolismo aumentam a concentração de fármaco no organismo (deve administrar doses reduzidas) Metabolismo hepático mais baixo em crianças: toxicidade marcante de alguns fármacos em RN O metabolismo hepático sofre alterações de acordo com a idade da criança As isoformas enzimáticas envolvidas na biotransformação de fármacos (fases I e II) sofrem mudanças especificas A concentração de hepatócitos em neonatos corresponde a menos de 20% da dos adultos As isoformas da CYP-P450 seguem 3 padrões gerais: · Expressa pelo fígado fetal e ativa para substratos endógenos (CYP3A7) · Expressas horas após o nascimento (CYP2D6 e CYP2E1) · Expressas mais tarde no desenvolvimento neonatal (CYP1A2, CYP2C e CYP3A4) · CYP1A2: última isoforma a ser expressa no fígado humano · CYP3A4: baixos níveis em crianças de até 3 meses Excreção Depuraçãorenal comprometida até o primeiro ano de vida Ate 2 semanas de vida: aumento da taxa de filtração glomerular devido a maior fluxo sanguíneo renal Pré-maturos: valores mais baixos de filtração glomerular e mais lento de desenvolvimento durante as primeiras duas semanas pós-parto, em comparação a crianças a termo, assim permanecendo ate a quinta semana de vida Reabsorção e secreções tubulares comprometidos em virtude dos túbulos com tamanho e função limitados (cerca de 30% do adulto) Meia-vida de eliminação são maiores em RN do que em adultos 1-3 anos retoma a função renal de um adulto Os rins dos RN apresentam capacidade reduzida de excretar ácidos orgânicos fracos como penicilinas, sulfonamidas e cefalosporinas (valores baixos do pH da urina, em relação aos do adulto).
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