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A CLASSE MÉDIA BRASILEIRA E O PROCESSO DE DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE EDUCAÇÃO DE ANGRA DOS REIS
A CLASSE MÉDIA BRASILEIRA E O PROCESSO DE
DEMOCRATIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
Gabriel Oliveira Herculano da Silva
Angra dos Reis, 2019
A título de início deste trabalho, penso que seria importante declarar a Classe
Média brasileira um fenômeno difícil de ser estudado e explicado. Para tanto, acho
interessante acertar um eixo de identificação do pensamento atrelado a essa
categoria social, esse eixo nas minhas identificações será o de ‘Periodicidade’,
então a forma do pensamento que dá origem às ações desta classe serão
identificados a partir dos anos em que aconteceram as mudanças estruturais sobre
o campo educacional. Isso pois o termo “Classe Média” tomou outro sentido nas
relações sociais na última década, embora discorde disso.
A história do mundo ocidental e do Brasil, advindas das Ciências Humanas,
nos orientou a identificar a nossa base religiosa, que é de origem Católica, embora o
movimento Protestante tenha impactado muito a formação religiosa no país. Dito
isso, vamos a um ponto muito importante desta análise que é a questão moral no
país. Ao contrário do que muitos pensam, não existe um modo, uma vez vivendo em
sociedade, de cada um ter sua própria formulação moral. Somos atravessados o
tempo inteiro desde que nascemos por uma moral fundamentalmente cristã, que é
pautada basicamente pela disciplina e pela repressão, reprovação, ao diferenciado
e à diversidade como um todo e pelo trabalho como forma de dignificação da
humanidade.
Torno importante, à partir disso, outro eixo nesse trabalho, que é o de
‘Acesso à Educação’ e para tanto precisamos falar sobre as constituições
brasileiras. De forma a retratar os debates em torno destas constituições e a partir
disso dar voz aos oprimidos, incluo portanto um recorte racial. Na Constituição de
1824 pontua-se a inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos
brasileiros, e estabelece que a instrução primária é gratuita a todos os cidadãos. A
questão fundamental aqui é questionar quem eram os cidadãos aos quais esta
constituição se refere:
Dentre os cidadãos, o texto constitucional incluiu os ingênuos e
libertos nascidos no Brasil, os filhos de pai brasileiro, os
ilegítimos de mãe brasileira nascidos no exterior que fixassem
domicílio no Império e os filhos de pai brasileiro em serviço em
país estrangeiro, ainda que não se estabelecessem no Brasil, além
de todos os nascidos em Portugal e suas possessões que
residissem no país por ocasião da Independência (BRASIL.
Constituição (1824), art. 6º). (CABRAL, 2014)
À partir disso, podemos identificar que o grupo que gozava dos direitos
constitucionais eram de homens brancos que possuíam posses. Excluindo assim,
todos os homens pretos e indígenas, mulheres pretas, brancas e indígenas e os
miseráveis. Tornando então isto uma garantia do acesso à educação gratuita a
somente um grupo social, restrito à homens brancos. A constituição seguinte, em
1891, não realiza quase nenhuma mudança com relação a esse contexto, estando
avançadas apenas algumas esferas de interesse militar, como a criação e
manutenção dos recursos da União. Ainda sobre a condição imposta aos pretos e
pretas pelo sistema escravista, visto que esta última constituição citada se dá
aproximadamente 3 anos após a abolição da escravatura, SOUZA comenta:
O pressuposto do acordo de cavalheiros entre o senhor e o
dependente é que o escravo trabalha para ambos. Para nosso tema,
o fundamental nesse “acordo de classe” é que o reconhecimento da
humanidade e da dignidade passa a ficar restrito a aqueles que não
são escravos. Fundamental porque irá perdurar como o nó górdio
das relações entre as classes no Brasil desde então: a preservação
da distância social de todas as classes em relação aos escravos
assegura um espaço de distinção social e privilégio que permite a
fidelidade e subserviência dos estratos médios em relação aos
estratos superiores. Essa relação vai se perpetuar no Brasil dos
séculos seguintes em relação aos abandonados e marginalizados,
ou seja, os atuais descendentes dos ex-escravos de qualquer cor de
pele, embora a maioria continue sendo negra, mesmo depois da
abolição formal da escravidão. O escravo é, portanto, aquele em
relação ao qual mesmo o dependente desvalido vai poder se
distinguir e se sentir superior. ()
Temos portanto a estruturação da Classe Média Brasileira como uma questão
racial que se torna então estrutural. A próxima constituição a ser comentada é a da
era Vargas, de 1934, porém é importante ressaltar que apenas em 1930 foram
criados os ministérios da educação e da saúde, podendo assim recursos da União
serem destinados à estes. Esta constituição operou importantes mudanças
educacionais no que tange uma educação mais abrangente, porém atrelada a
valores morais:
Art. 149 - A educação é direito de todos e deve ser ministrada, pela
família e pelos Poderes Públicos, cumprindo a estes proporcioná-la
a brasileiros e a estrangeiros domiciliados no País, de modo que
possibilite eficientes fatores da vida moral e econômica da Nação, e
desenvolva num espírito brasileiro a consciência da solidariedade
humana. (Capítulo II, Constituição de 1934).
Esta carta destinou à educação 17 artigos, e 11 destes eram destinados
especificamente ao tema. Em linhas gerais, mantém a estrutura anterior do sistema
educacional, cabendo à União "traçar as diretrizes da educação nacional" (art. 5º,
XIX), "fixar o plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os
graus e ramos, comuns e especializados, organizar e manter" os sistemas
educativos dos Territórios e manter o ensino secundário e superior no Distrito
Federal (art. 150), assim como exercer "ação supletiva na obra educativa em todo o
País" (art. 150, "d" e "e"). Traçando uma análise de classe na década de 30, temos
ainda que:
A Revolução de 30 destruiu a hegemonia da burguesia cafeeira, mas
nenhum outro setor das classes dominantes teve condições de
assumi-la. A nova coalizão no poder constituiu um "Estado de
compromisso", no qual se equilibraram de forma instável
cafeicultores, oligarquias dissidentes (outros setores da burguesia
agroexportadora ou produtora para o mercado interno), grandes
comerciantes importadores e a burguesia industrial nascente, além
das "categorias sociais de Estado" (militares, intelectuais e
burocratas), como grupos sociais subordinados. Essa perspectiva é
expressa com nitidez pelo historiador Boris Fausto: "A possibilidade
de concretização do Estado de compromisso é dada porém pela
inexistência de oposições radicais no interior das classes
dominantes e em seu âmbito não se incluem todas as forças sociais.
O acordo se dá entre as várias frações da burguesia; as classes
médias - ou pelo menos parte delas - assumem maior peso,
favorecidas pelo crescimento do aparelho do Estado, mantendo
entretanto uma posição subordinada. À margem do compromisso
básico fica a classe operária, pois o estabelecimento de novas
relações com a classe não significa qualquer concessão política
apreciável.” (FORJAZ, 1984)
A partir deste trecho podemos identificar, portanto, as classes médias
brasileiras como pequenas frações da burguesia que são favorecidas pelo
crescimento do aparelho estatal. Esta, majoritariamente classificada assim perante a
possibilidade do aumento do poder de compra, mas a não propriedade dos meios
de produção. A classe média neste período é identificada por Forjaz como sendo
ambígua, transitória na vinculação aos interesses da burguesia ou da classe
operária, se tornando assim um agente político incapaz de qualquer autonomia
político ideológica. Ainda de acordo com Forjaz:
Vácuo de poder e primazia do Estado: a ausência política das
classes fundamentais e as ambigüidades da classe média produzem
um vazio de poder que é preenchido pelo Estado, sustentado pelas
Forças Armadas, e que se distancia cada vez mais da sociedade
civil, impondo-se crescentementecomo aparato burocrático
organizacional relativamente autônomo. (1984)
Um ponto positivo é que pela primeira vez são definidas vinculações de
receitas para a educação, cabendo à União e aos municípios aplicar nunca menos
de dez por cento e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento,
da renda resultante dos impostos na manutenção e no desenvolvimento do sistema
educativo, de acordo com o artigo 156. Outros destaques às normas do Plano
Nacional de Educação, prevendo liberdade de ensino em todos os graus e ramos
observadas as prescrições da legislação federal e da estadual e reconhecimento
dos estabelecimentos particulares de ensino somente quando assegura a seus
professores a estabilidade, enquanto bem servirem, e uma remuneração condigna;
a oferta do ensino em língua pátria; a proibição do voto aos analfabetos. Finalmente,
vale citar dispositivos relativos ao magistério: a isenção de impostos para a
profissão de professor e a exigência de concurso público como forma de ingresso
ao magistério oficial.
Dando um salto para a constituição de 1937, podemos notar algumas
mudanças estruturais. No campo da educação, o Estado Novo corresponde a uma
retomada da centralização. Se nos anos anteriores a autonomia dos Estados
cresceu com o surgimento de vários movimentos reformistas, o início dos anos
quarenta responde por reformas educacionais desencadeadas pelo poder central,
especificamente as chamadas Leis Orgânicas de Ensino, concebidas durante a
administração de Gustavo Capanema no Ministério da Educação. É clara a
concepção da educação pública como aquela destinada aos que não puderem
pagar os custos do ensino privado. O velho preconceito contra o ensino público
presente desde as origens de nossa história permanece enterrado no pensamento
do legislador do estado novo. A questão fundamental para se entender como a
classe média rompeu com a lógica de discursos da Classe Operária se transpõe no
fragmento de SOUZA
São situações ao mesmo tempo econômicas, simbólicas e
ideológicas que vão decidir a possibilidade de alianças de classe
acima ou abaixo. Isso também vai depender, como veremos, da
capacidade de convencimento e direção das classes dirigentes e
das classes populares de acordo com as circunstâncias. A
capacidade de organização das classes populares e trabalhadoras
sempre fora reprimida com violência e falta de escrúpulos pela elite
dirigente (2018)
É captando essa lógica que a classe dominante coopta os interesses da
classe média, que se posicionou em favor da revolução de 1930. A partir de então
temos uma classe que se distancia dos interesses da classe operária e ao mesmo
tempo se aproxima dos da elite, porém sem possuir os meios de produção e
tampouco sem exercer o trabalho manual e braçal exigido a estes.
Contrapondo a ideia de gratuidade da Constituição de 1934 o texto de 1937
apresenta uma concepção estreita e empobrecida de educação. Embora estabeleça
que "o ensino primário é obrigatório e gratuito" (art. 130), acrescenta no mesmo
artigo o caráter parcial dessa gratuidade que "não exclui o dever de solidariedade
dos menos para com os mais necessitados; assim, por ocasião da matrícula, será
exigida aos que não alegarem, ou notoriamente não puderem alegar escassez de
recursos, uma contribuição módica e mensal para a caixa escolar". A educação
gratuita é, então, a educação dos pobres.
Opto aqui por dar um salto temporal e partir para a Constituição de 1967, pós
golpe e instauração da ditadura militar. Esse texto define a competência da União
para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 8°, XVII, "q"). São
acrescidas atribuições relativas aos planos nacionais de educação (art. 8°, XIV).
Orientações e princípios de Cartas anteriores são reeditados, tais como: o ensino
primário em língua nacional (Constituição de 1946, art. 168, I, e Constituição de
1967, art. 176, § 3°, I), a obrigatoriedade e a gratuidade do ensino primário
(Constituição de 1946, art. 168, I e II, e Constituição de 1967, art. 176, § 3°, II), o
ensino religioso, de matrícula facultativa como "disciplina dos horários normais das
escolas oficiais de grau primário e médio (Constituição de 1946, art. 168, § 5º, e
Constituição de 1967, art. 176, § 3°, V). À noção de educação como "direito de
todos", já presente no texto de 1946 (art. 166), a Constituição de 1967 acrescenta "o
dever do Estado" (art. 176). Apesar de parecerem boas mudanças no campo
educacional, o período militar no Brasil ainda propõe uma reforma universitária e
uma reforma do ensino médio, que fragmentava a oferta da modalidade pública em
diversos cursos de microespecialização tecnólogica. O problema aqui é que o
mercado entendeu essa reforma como uma falha, uma vez que o profissional tinha
que ser formado em muitos outros cursos depois de entrar na indústria, depois de
um curso tão específico que acumulava uma única função.
Lembrando que esta reforma se aplicou especificamente às classes baixas,
uma vez que estas eram as únicas que não podiam gozar do serviço de escolas
particulares para oferecerem aos seus filhos o ensino propedêutico que guiaria os
filhos das elites e classes médias à universidade.
Aproximadamente em 1984 se iniciam intensos movimentos requisitando
eleições diretas, enquanto isso o regime militar ainda tenta eleições indiretas
colocando Tancredo Neves e Sarney no poder, mas não deu certo. É então nesse
clima que o povo conquista autonomia e o Estado de direito se encaminha para ser
restituído. A constituição seguinte, em 1988, se torna o texto constitucional mais
extenso em matéria de educação. Sendo detalhada em dez artigos específicos (arts.
205 a 214) e figurando em quatro outros dispositivos (arts. 22, XXIV, 23, V, 30, VI, e
arts. 60 e 61 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT). A Carta
trata da educação em seus diferentes níveis e modalidades, abordando os mais
diversos conteúdo.
O espírito da Carta de 1988 está expresso, sobretudo, nos artigos que tratam
da concepção, dos princípios e dos deveres do Estado no campo da educação. A
noção de educação como direito, que começa a se materializar na Constituição de
1934 (art. 149) e é reafirmada em 1946 e 1967, é reeditada de forma ampla através
da afirmação de que "A educação, direito de todos e dever do Estado e da família,
será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho" (art. 205).
É nesse embalo que surgem atritos ainda maiores entre a classe operária e a
classe média instituída no sentido de que a Classe Média adquiriu maior acesso aos
espaços acadêmicos e culturais. Esse atrito só foi se agravando após grande
investimento governamental (sob pressão popular) para o acesso das massas à
universidade através de programas como Sisu e o Prouni, e isso irritou muita gente
de classes mais abastadas. O Sisu, por exemplo, acabou com o que era chamado
de “Indústria dos Vestibulares”, unificando o processo de entrada em muitas UF’s e
barateando o mesmo, uma vez que é um processo único.
REFERÊNCIAS
Constituições brasileiras
FORJAZ, M. Industrialização, Estado e Sociedade no Brasil (1930 - 1945). 1984
SOUZA, J. A classe média no espelho [recurso eletrônico]/ Jessé Souza. Rio
de Janeiro: Estação Brasil, 2018.

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