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A família e a sociedade compreendida como opressora da liberdade: O relato de um morador de rua por opção. Alessandra Iovanovich Ilana Raquel Samara Moreira Pontifícia Universidade Católica de Goiás Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia Pós-Graduação Lato Sensu com vistas a Especialização em Gestalt-terapia Trabalho apresentado ao Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt- terapia de Goiânia como requisito parcial para a disciplina Psicopatologia Fenomenológica ministrada pelo Professor Rodolfo Petrelli. Goiânia, 2019 INTRODUÇÃO A psicopatologia é uma ciência tanto explicativa de relações causais entre fatos quanto compreensiva de correlações motivacionais que se dedica ao estudo e compreensão dos dramas da existência humana por muito causados por eventos catastróficos, que ferem, ofendem o corpo, a mente, o espirito nas suas unidades ontológicas (Petrelli, 2019). A fenomenologia como ciência complexa dos fenômenos múltiplos, apela para uma epistemologia como saber que regula, ordena as ciências aplicadas ao estudo da realidade nas suas composições materiais concretas, estruturais, físicas, ideativas, ideológicas, culturais e politicas (Petrelli, 2019). Desse modo a psicopatologia se apoia a fenomenologia que se volta para a compreensão da humanidade em sua totalidade, e aos indivíduos nas suas singularidades (Petrelli, 2019). Este ser-no-mundo é caracterizado pela presença, sendo esta a categoria a priori da existência, que é constituída pela consciência, intencionalidade operante e a responsabilidade. A consciência é a testemunha do ser humano que existe e experiência o mundo e tem como instrumento a inteligência, que por sua vez permite a compreensão profunda dos fatos. A intencionalidade operante diz respeito ao significado e sentido atribuídos as experiências vividas, a sua percepção manifestada do intimo em um determinado tempo. Já a responsabilidade é o convite do humano a tomar posse da autonomia, liberdade e escolhas (Petrelli, 2019). Na construção da personalidade do indivíduo se faz necessário a integração das dimensões que o compõe: Homo Ludens (dimensão lúdica, construir o saber com prazer, alegria de viver), Homo Sapiens (necessidade em desenvolver o saber, conhecimento, ciência), Homo Faber (construção autêntica), Homo Politicus (saber fazer para o bem comum, por meio de valores éticos), Homo Ethicus (valores morais), Homo Místicus (valores espirituais, movimento frente ao mistério transcendental) (Petrelli, 2019). Assim o ser com sua personalidade e condicionamentos ensinados (caráter), na temporalidade vai se constituindo no mundo por meio da militância e do protagonismo que lhes permite abrir caminhos e administra-los, mesmo diante das catástrofes que colocam a prova a sua criatividade (Petrelli, 2019). Contudo Petrelli (2019) para a história de vida de indivíduos, grupos, sociedade e nações são campos da fenomenologia, como realidade factual, experiencial, dada no tempo que se tornam campo de pesquisa dado ao saber da psicopatologia para um consistente processo psicoterapêutico. OBJETIVO Visto que a compreensão da psicopatologia fenomenológica se dá por meio do entendimento da experiência e trajetória individual de cada ser, o presente documento se propõe a identificar e compreender a realidade de um morador de rua, por meio do método etnográfico que se apoia a técnica de observação participante, onde o pesquisador sai de sua realidade e vivencia a realidade do outro, objetivando formar novos conceitos, quebrar paradigmas, e ainda, neste estudo em específico compreender os fatores sociais e psicológicos implicados na escolha que o leva a optar por viver em situação de rua, evidenciados em questões como: dependência química, instabilidade emocional, e por não conseguir viver a mando de regras, principalmente as familiares. METODOLOGIA O relato de vida aqui descrito é parte de um trabalho de graduação acadêmica que foi obtido por meio de uma pesquisa em campo de natureza participativa, observável e descritiva, realizado na Praça Cívica, onde também se localiza o Palácio Pedro Ludovico Teixeira, sendo a principal praça do centro de Goiânia do Estado de Goiás. Realizado no dia 17 de setembro de 2014, com duração de duas horas e meia no período da manhã para à realização de coleta de dados, tendo como objetivo o reconhecimento da existência de alguma forma de sofrimento, discriminação ou preconceito em relação aos moradores em situação de rua. Deu-se a partir de uma entrevista baseada em roteiro semiestruturado com uma variedade de questões que faziam indagações relacionadas aos fatores psicossociais e sócios históricos dos moradores em situação de rua. Participaram contribuindo para a pesquisa três pessoas em condição de rua, com idades que variavam entre 30 (trinta) a 50 (cinquenta) anos, todos do sexo masculino. HISTÓRIA DE VIDA Diante da historia de vida dos três participantes uma se destaca: Sr. B. 50 anos de idade, relata que se encontra em situação de rua por escolha própria, pois alega possuir família e residência fixa, porém mesmo assim opta por morar na rua. Segundo ele, acabou optando por ser morador de rua pelo fato de não conseguir seguir as regras de uma rotina familiar, se explicou dizendo: “sempre que dá vontade ou pelo menos uma vez por semana vou em casa para tomar um banho e aí é aquela coisa chata de ter que limpar os pés para entrar, ouvir que estou com bafo de cachaça, tem hora certa pra tudo e por aí vai”. “Você sabe como é né, eu gosto de tomar umas e ninguém também é obrigado a aturar isso.” “hoje eu não preciso dar explicação para onde vou, o que irei fazer, ou que horas vou chegar”. Assim ele termina, com um riso solto argumentando possuir liberdade em morar na rua. Além do descontentamento com as regras familiares B. também fala das regras e pressões sociais de alguém que escolhe viver de maneira comum (em uma casa, trabalho fixo, etc.) enfrenta. Para ele é mais cômodo viver em situação de rua, onde ele pode se organizar da maneira mais livre, sem a preocupação com as responsabilidades de água, energia, gás, pontualidade no trabalho. “às vezes a gente toma uns goros e não precisa se preocupar com a hora exata para acordar no outro dia, risos”. Contrário aos demais moradores abordados, B. não mencionou em momento algum o desejo ou a perspectiva de uma vida diferente no futuro. Conforme B. ele é um cara muito feliz, e prefere conviver com os seus amigos/ companheiros de rua e se diz ser o paizão da turma, pois se preocupa quando alguém adquire um resfriado, se machuca ou algo do tipo, para ele as pessoas com quem divide a vida naquele local são sua família, só que diferente da outra, sem o enjoou. À medida que conversávamos com o Sr. B. os demais moradores iam se afastando pouco a pouco de modo que apenas ele permaneceu. Apesar de muito solícito a conversa foi breve, educadamente nos expôs que os colegas saiam pouco a pouco porque precisavam trabalhar e ele também teria que se retirar, porque além das ajudas que recebiam eles também trabalhavam de lavar e vigiar carros para sobreviver. Neste momento mais específico o maior de todos os paradigmas caia por terra, à crença de que moradores de rua não possuem um emprego, que sobrevivem somente de furtos ou roubos e de ajudas altruístas. DISCUSSÃO CONCLUSIVA A possibilidade de adentrar na existência de B. nos possibilitou a percepção de que se encontra no Homo Ludens: a verdadeira alegria de viver, embora, ainda, não está ancorada apenas na obtenção acumulativa e ambiciosa de bens materiais; nem o Homo Sapiens como conhecimento científico a fim de sobressair-se ao outro o tempo todo; nem sequer, na dimensão do Homo Faber: que se configura em uma construção autênticae prazerosa do ser, e etc. Embora, serem importantes fatores Constituintes da Personalidade, o senhor B., encontrou-se também, no Homo Éticos, onde, os valores morais são priorizados, ante qualquer coisa na construção de sua história de vida. É interessante notar que apesar de possuir família biológica com residência fixa e mesmo optando por viver fora do núcleo familiar, ele com os demais se organizam de maneira familiar, demonstrando que ainda que exista o desejo de fugir das regras que a organização familiar ou qualquer outra organização exige para funcionar, existe nele a necessidade inerente da essência humana, de ter o acolhimento e aconchego encontrado em uma família. É perceptível que o Sr. B, consegue exercer a tão importante e principal categoria da existência: a presença, constituindo nela a consciência da realidade, onde se mostra consciencioso sobre sua escolha em residir nas ruas, em que há também intencionalidade atuante e responsabilidade pelas consequências que dali virão Ainda que, um morador de rua carregue um constante estigma e preconceito baseado nos padrões sócios-econômicos da sociedade, o senhor B., comprova que a verdadeira “normalidade”, em que tanto é pretendida, está exclusivamente na autenticidade de qualquer ser existente, onde nessa situação, na qual a maioria despreza, consegue ser para ele, senhor B., a forma mais livre e espontânea de protagonizar a vivência genuína da autenticidade existencial. Essa foi uma experiência tão rica e prazerosa que na hora de nos despedirmos me vi diante de um homem desconhecido, sujo e expelindo a álcool, tomada por uma enorme vontade de abraça-lo, então o abracei e disse muito obrigada por dividir conosco a sua experiência de vida. REFERÊNCIAS Petrelli, R. (2018). Psicopatologia Fenomenológica. Conteúdo ministrado na disciplina de Psicopatologia Fenomenológica, para a trigésima primeira turma do curso de Especialização lato sensu em Gestalt-terapia do Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-Terapia. AVALIAÇÃO Interesse: A temática da disciplina sempre me chamou atenção, me fazendo participar de cursos e pesquisas relacionadas, ainda na graduação. Os ensinamentos da disciplina me despertavam muito interesse, no entanto a didática das aulas iniciais assim como o meu próprio cansaço físico fizeram com que eu dispersasse um pouco minha atenção. Nota: 9,0. Estudo: Não consegui me dedicar ao estudo da disciplina como eu desejava que fosse, em função do trabalho e também da conciliação com outra especialização que faço. Tentei aproveitar ao máximo, mas ainda deixei a desejar. No entanto me interessei muito pelas temáticas abordadas e pelas aulas ministradas, me fazendo refletir em muitos momentos para além do contexto de sala de aula. Nota: 8,0. Referências autorais; inclusive de ideias do docente: Todas as referências citadas pelo professor foram bem aproveitadas e anotadas. No trabalho atual, optei por utilizar as referências vividas pelo professor Petrelli como base do trabalho, uma vez que este entrelaça a teoria e suas experiências de vida com maestria, deixando o conteúdo mais acessível e claro. Foi um prazer adentrar um pouco em sua história e tê-la como plano de fundo em que a disciplina era cuidadosamente tecida. No entanto, em alguns momentos achei um tanto quanto repetitivo o conteúdo. Nota: 9,0. Tempo dedicado no estudo: O presente trabalho foi feito com muita dedicação, uma vez que me interessei pela proposta e logo durante as aulas consegui captar aspectos da teoria que pudessem ir de encontro a história de vida exposta. Adentrar a fundo e modo detalha na história de vida de vida e compreendê-la via o olhar da psicopatologia fenomenológica foi uma experiência fantástica. Nota: 9,5.
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