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MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO | Luíza Moura e Vitória Neves FEBRE DE ORIGEM INDETERMINADA OU OBSCURA DEFINIÇÃO FOI OU FOO Qualquer doença febril prolongada sem uma etiologia estabelecida, mesmo com avaliação e exames diagnósticos intensivos. Tem como definição: → Febre > 38,3°C (pelo menos duas ocasiões); → Duração ≥ 3 semanas; → Ausência de imunocomprometimento; → Diagnóstico incerto, mesmo após anamnese completa, exame físico e exames obrigatórios: EXAMES OBRIGATÓRIOS VHS e PCR Contagem de plaquetas; Contagem total e diferencial de leucócitos; Medidas dos níveis de: hemoglobina, eletrólitos, creatinina, proteínas totais, fosfatase alcalina, alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase, lactato desidrogenase, creatina- quinase, ferritina, fatores antinucleares e fator reumatoide; Eletroforese de proteínas; Exame comum de urina; Hemoculturas (n = 3); Urocultura; Radiografia de tórax; Ultrassonografia abdominal; e Teste cutâneo com tuberculina (TCT). ETIOLOGIA As causas e a frequência de FOI variam com o tempo, o local onde foi feito o estudo e os critérios conceituais utilizados. Fatores que têm se responsabilizado pelo aumento do número de casos de FOI: → Uso indiscriminado de antibióticos e anti- inflamatórios; → Erros ou má interpretação de exames laboratoriais; O diagnóstico da FOI não se prenda a uma propedêutica fixa, pois existem métodos complementares avançados e mais adequados para cada caso; DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL O diagnóstico diferencial da FOI é extenso, mas é importante lembrar que a FOI é normalmente causada por uma apresentação atípica de uma doença comum do que por uma doença muito rara. DOENÇA COMUM Possíveis causas da FOI: 1. Infecções: bacterianas; fúngicas; parasitárias; virais. 2. Doenças inflamatórias não infecciosas: vasculite; doença granulomatosa; síndromes autoinflamatórias; etc. 3. Neoplasias; 4. Distúrbios da termorregulação. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO | Luíza Moura e Vitória Neves FEBRE INDUZIDA POR FÁRMACOS Praticamente todos os fármacos podem causar febre, mesmo após um longo prazo de uso. A febre induzida por fármacos, incluindo DRESS (reação medicamentosa com eosinofilia e sintomas sistêmicos), costuma estar acompanhada por eosinofilia e também por linfadenopatia, que pode ser extensa. Normalmente causada por: → Alopurinol; → Carbamazepina; → Lamotrigina; → Enitoína; → Sulfassalazina; → Furosemida; → Antimicrobianos (sulfonamidas, minociclina, vancomicina, antibióticos β- lactâmicos e isoniazida); → Fármacos cardiovasculares (ex.: quinidina); → Fármacos antirretrovirais (ex.: nevirapina). HIPERTERMIA INDUZIDA POR EXERCÍCIOS Se caracteriza por uma temperatura corporal elevada: → Associada a exercício moderado a intenso; → Com duração de meia hora a várias horas; → Sem elevação nos níveis de PCR ou VHS; Normalmente, esses pacientes suam durante a elevação da temperatura. ABORDAGEM INICIAL E DIAGNÓSTICO ABORDAGEM INICIAL 1. Certificação da existência da febre e suas características. Descartar: → Febres factícias; → Hipertermias habituais; e → Aumentos fisiológicos da temperatura. 2. História clínica minuciosa e completa; → Dados epidemiológicos (lugar de origem e onde reside); → Viagens; → Hábitos pessoais; → Exposição a animais ou drogas; → Comorbidades; → Histórias sexual; → Patológica pregressa, familiar e ocupacional; → Anamnese dirigida. 3. Internação hospitalar, Quando necessário, para: → Comprovação da febre; → Casos mais graves; → Realização de exames com algum risco; → Facilitar a investigação. 4. Exame físico detalhado repetido sistematicamente durante a evolução; Inclui: → Ectoscopia completa; → Exame da genitália; → Toque retal quando indicado; → Exame completo das mamas; → Palpação do trajeto de artérias temporais; → Fundo de olho; → Palpação da tireoide. 5. Pareceres especializados se necessários. 6. Assegurar que a rotina mínima de exames complementares foi realizada – rotina inteligente de exames. Rotina inteligente: → É a rotina mínima de solicitação dos exames complementares, antes de classificar a febre como FOI. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO | Luíza Moura e Vitória Neves 7. Suspensão dos medicamentos usados pelo paciente ou troca para outra classe daqueles que forem imprescindíveis. 8. Orientação ao paciente e à família sobre complexidade FOI e a possibilidade de demora no diagnóstico ou até de não ter um diagnóstico, a despeito de uma investigação completa, dispendiosa e desgastante. 9. Excluir: → Doenças potencialmente graves e tratáveis (tuberculose, colecistite, endocardite, abcesso subfrênico e salmonelose prolongada) → Febre provocada por medicamentos; → Imunodepressão subjacente. INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL A investigação deve ser racional e personalizada. Qualquer indício determina a ordem e quais exames deverão ser realizados. Se não houver indícios: a investigação deve partir dos exames mais simples e menos agressivos para os mais complexos. INVESTIGAÇÃO DA FOI SEM INDÍCIOS 1. Primeiros exames a serem solicitados, buscando indícios fisiológicos e/ou anatômicos para posterior abordagem: HEMOGRAMA COMPLETO Leucocitose: frequente, mas inespecífica. Leucopenia: pode ser encontrada em leucoses aleucêmicas, TB miliar, linfomas, LES, Calazar e Febre Tifóide; Eosinofilia: aponta para os diagnósticos de Esquistossomose aguda, linfoma de Hodgkin, poliarterite nodosa e reações a drogas; Linfocitose: ode ser evidenciada em TB, toxoplasmose, CMV, EBV; Linfopenia: sugere doenças como HIV, LES e sarcoidose; Linfócitos atípicos: reações a drogas, CMV, toxoplasmose e EBV; Trombocitose: observada em carcinomas, hipernefroma, linfomas, TB e angeíte temporal. Trombocitopenia: comum em leucoses, linfomas, LES, vasculites e HIV; Anemia hipo/micro: pode estar relacionada a sangramento oculto do TGI neoplasia de cólon. VHS Muito aumentado em: → Colagenoses; → Neoplasias; → TB; → EI subaguda; → Osteomielite; → Abscessos; → Doenças mielodisplásicas. RADIOGRAFIAS DE TÓRAX Devem ser seriadas enquanto durar a FOI. HEMOCULTURAS Pelo menos três sets para bactérias aeróbias e anaeróbias, além de culturas para fungos e micobactérias. EAS Piúria estéril: diagnóstico de TB renal deve ser aventado. Proteinúria: colagenoses devem ser pesquisadas. EXAME PARASITOLÓGICO DE FEZES Pelo menos 3 amostras, usando os métodos de pesquisa de ovos leves e pesados e larvas. URINOCULTURA Especialmente no grupo pediátrico, já que em adultos pode significar apenas bacteriúria assintomática. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO | Luíza Moura e Vitória Neves UREIA E CREATININA Em caso de insuficiência renal, pensar e: → Endocardite infecciosa; → TB renal; → Leptospirose; → Poliarterite nodosa; → LES; e → Sarcoidose. TRANSAMINASES HEPÁTICAS AST e ALT FOSFATASE ALCALINA Aumentada em doenças ósseas e hepáticas. BILIRRUBINA TOTAL E FRAÇÕES Para o diagnóstico diferencial de icterícias. CÁLCIO, FÓSFORO, ÁCIDO ÚRICO Podem estar aumentados em neoplasias ocultas. SOROLOGIAS Toxoplasmose; EBV; CMV; HIV; Doença de Chagas; Histoplasmose. TSH, T4 LIVRE Hipertireoidismo e tireoidite subaguda. ELETROFORESE DE PROTEÍNAS Aumento monoclonal: Mieloma Múltiplo (causa incomum de FOI). ASO Febre Reumática FAN Fala a favor de LES se > 1: 40 e de outras colagenoses se < 1: 40. FATOR REUMATOIDE Positivo em 70% dos adultos com Artrite Reumatoide; Negativo em 90% das Doença de Still. cANCA Granulomatose de Wegener. pANCA Poliarterite nodosa (7 – 36% HbSAg +). PSA Em homens acima de 50 anos. ULTRASSONOGRAFIA DE ABDOME TOTALTOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA DE TÓRAX, ABDOME E PELVE COM CONTRASTE. ECOCARDIOGRAMA TRANSTORÁCICO E/OU TRANSESOFÁGICO, SE INDICADO. 2. Se os exames iniciais apontam alguma direção, prosseguir a investigação específica, incluindo: → Outros exames laboratoriais mais específicos; → Exames de imagem; e → Biópsias das regiões triadas. Todos os materiais obtidos devem ser enviados para estudos histopatológico e microbiológico, com culturas para bactérias, fungos e micobactérias. 3. Se não há indícios, prosseguir com os seguintes exames: Sorologias para: → Clamídia; → Listeria; → Brucelose; → Coxsackie; → Criptococose; e → Rodococose. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO | Luíza Moura e Vitória Neves Endoscopia Digestiva Alta Colonoscopia Cintilografia com 99mTc-leucócitos mononucleares → Rastreamento, localização anatômica de lesões inflamatórias e investigação. PET scan Com Gálio 67 (preferencial para marcação de foco infeccioso) ou 18F-2- deoxyglucose (FDG) para foco neoplásico. → Também para rastreamento e localização para posterior investigação. Aspirado e Biópsia de Medula Óssea → Todos os materiais obtidos devem ser enviados para estudos histopatológico e microbiológico com culturas para bactérias, fungos e micobactérias. Biópsia de artéria temporal, uni ou bilateral → Mesmo sem nenhum outro indício, se idade superior a 50 anos e VHS aumentado. Videolaparoscopia ou Laparotomia exploradoras → Cada vez menos utilizados! SEGUIMENTO DE PACIENTES COM FPOO SEM DIAGNÓSTICO 1. Bom estado geral que permanece com febre: segue em investigação ambulatória; 2. Bom estado geral com resolução espontânea da febre: acompanhamento ambulatorial por pelo menos seis meses 3. Instabilidade clínica e/ou sinais de gravidade: avaliar provas terapêuticas e/ou tratamentos empíricos. PROVA TERAPÊUTICA O que é prova terapêutica? Este termo é utilizado quando a confirmação do diagnóstico é feita através do efeito do tratamento. As indicações para prova terapêutica nos pacientes com FOI: → São muito restritas; → Devem ser feitas em condições bem definidas. Tratamentos empíricos e provas terapêuticas são utilizados após longa investigação da FOI sem êxito, principalmente em agravamento. Não existe motivo parta utilizá-la, quando órgãos vitais (coração, pulmão, rins ou cérebro) não estão seriamente comprometidos. A presença de febre, mesmo que o quadro impressione inicialmente, não justifica terapêutica intempestiva. Observam-se, com frequência, tentativas terapêuticas iniciadas e abandonadas rapidamente, em favor de uma reavaliação clínico-laboratorial mais completa. Desvantagem: Geralmente recorre-se a antibióticos, corticosteroides e agentes antiblásticos; → Todos com efeitos colaterais potencialmente graves; ou → Podem obscurecer o quadro clínico já confuso, acrescentando mais febre, icterícia, farmacodermias, leucopenia, diarreia e outros. A!! O uso indiscriminado de antibióticos retarda o esclarecimento da FOI. A!! O uso precipitado de corticosteroides altera: → O comportamento da febre; e → A evolução clínica de muitas doenças. Alguns medicamentos podem produzir melhora aparente sem atacar a doença de base. Além disso, a prova terapêutica pode produzir efeitos adversos pelas expectativas que geram no paciente, tornando difícil e embaraçoso para este retirar a medicação e reiniciar a propedêutica após o fracasso inicial. MÓDULO FEBRE, INFLAMAÇÃO E INFECÇÃO | Luíza Moura e Vitória Neves Para que isso não ocorra: paciente e familiares deverão estar a par de sua indicação e da possibilidade de fracasso; INDICAÇÕES DA TERAPÊUTICA DE PROVA Doenças graves: rapidamente progressivas, com ameaça à estabilidade de sistema fisiológico principal. → Mesmo nessas situações, sempre há tempo suficiente para coleta de material para exames, inclusive culturas e biópsias Doenças crônicas: progressivas, nas quais, após propedêutica exaustiva, a maioria das possibilidades diagnósticas foi excluída, restando uma ou duas mais prováveis, sendo que existe tratamento eficaz para pelo menos uma delas. Ao se decidir pela terapêutica de prova, cumpre observar algumas normas: → Evitar drogas às quais o paciente é sabidamente hipersensível; → Atribuir significação diagnóstica à terapêutica de prova (isto é, o medicamento deverá ter espectro limitado, se possível, específico para doença; → Verificar a dose do medicamento e qual o tempo necessário para a sua ação.
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