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1 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE VETERINÁRIA E ZOOTECNIA DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA APOSTILA DISCIPLINA EVZ – 0035 COMPORTAMENTO E BEM ESTAR ANIMAL (Preparada para uso exclusivo da disciplina e circulação somente interna) (Composta por revisão bibliográfica dos conceitos e pontos de vista dos principais profissionais e pesquisadores, em suas respectivas áreas de atuação). Paulo Hellmeister Filho Prof. Adjunto – EVZ-UFG E-mail: phellmei@gmail.com Renato Clini Cervi Zootecnista - M.Sc Ciência Animal E-mail: renatoclinicervi@gmail.com GOIÂNIA - GOIÁS 2016 mailto:phellmei@gmail.com mailto:renatoclinicervi@gmail.com 2 IMPORTANTE Esta apostila é destinada exclusivamente para fins didáticos durante a execução da disciplina COMPORTAMENTO E BEM ESTAR ANIMAL na graduação do curso de Zootecnia do Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária e Zootecnia da Universidade Federal de Goiás – DPA-EVZ-UFG. Este material é destinado à orientação dos estudantes durante o processo de formação profissional na área das ciências agrárias tendo como base a metodologia ativa de ensino, onde o aluno é o elemento ativo na construção do conhecimento juntamente com o professor educador em sala e fora dela. 3 UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS ESCOLA DE MEDICINA VETERINÁRIA E ZOOTECNIA - EVZ DEPARTAMENTO DE PRODUÇÃO ANIMAL - DPA PLANO DE ENSINO DA DISCIPLINA DE COMPORTAMENTO E BEM ESTAR ANIMAL - SEMESTRE 2016.1 PROFESSORES 1. COORDENADOR Prof. Paulo Hellmeister Filho E-mail: phellmei@gmail.com COLABORADOR M.Sc. Renato Clini Cervi E-mail: renatoclinicervi@gmail.com Sala: 107 Centro de Aulas do DZO-EVZ-UFG EMENTA Introdução, conceitos, descrição, registro e mensuração do comportamento e processos fundamentais. Organização do comportamento. Comportamento social e de reprodução. Comportamento de pais e filhotes. Tópicos relacionados ao bem-estar. Bem-estar de vários animais. OBJETIVOS Apresentar um panorama geral sobre comportamento e bem-estar animal dentro de sua relevante importância na profissão do zootecnista e demais profissionais das ciências agrárias. Proporcionalizar aos estudantes a possibilidade de participação na sua formação profissional através da construção participativa de conhecimentos teóricos e práticos que terão importância durante o curso de graduação e também como profissional inserido na realidade de trabalho nesta área e em áreas afins. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO* 1. Introdução, conceitos e métodos. 1.1.Introdução e conceitos 1.2. Descrição, registro e mensuração do comportamento. 2. Processos fundamentais 2.1. Experiência, aprendizagem e desenvolvimento do comportamento. mailto:phellmei@gmail.com mailto:renatoclinicervi@gmail.com 4 2.2. Motivação, evolução e otimização. 3. Comportamento social e de reprodução 3.1. Comportamento social geral. 3.2. Interações ser humano animais domésticos. 3.3. Comportamento estacional e reprodutivo. 3.4. Comportamento sexual 4. Comportamento de pais e filhos 4.1. Comportamento fetal e da parturiente. 4.2. Comportamento materno e do neonato. 5. Tópicos relacionados ao bem-estar animal 5.1. Introdução e importância do bem-estar animal. 5.2. As cinco liberdades. 5.3. Manejo, transporte e abate humanitário de animais domésticos. 6. Bem-estar de vários animais 6.1.Bovinos 6.1.1. Abate Humanitário de Bovinos 6.2. Suínos 6.2.1. Abate Humanitário de Suínos 6.3. Aves 6.3.1. Abate Humanitário de Aves 6.4.Peixes 6.4.1 Abate Humanitário de Peixes 6.5. Equídeos 6.6. Cães e gatos 6.7. Coelhos de produção e animais de laboratório 6.7.1 Coelhos 6.7.2 Animais de laboratório ESTRATÉGIAS DE ENSINO Serão utilizadas Metodologias Ativas de Ensino, com base nas ESTRATÉGIAS DE ENSINI-APRENDIZAGEM PARA DESENVOLVIMENTO DAS COMPETÊNCIAS HUMANÍSTICAS – CFMV 2012. O conteúdo será trabalhado por meio da problematização de questões relacionadas á área de formação do Zootecnista. A aprendizagem estará associada ao aprender a pensar e ao aprender a aprender, onde o estudante terá a possibilidade de desenvolver suas habilidades de pensamento e identificar procedimentos necessários para sua profissão. Terão também momentos de atividade extraclasse, onde o tempo e o espaço para a atividade serão, no mínimo, o dia/hora da aula e a sala de aula. Entretanto, partindo sempre do princípio da maturidade e profissionalismo no processo de ensino-aprendizagem, o espaço para a atividade extraclasse poderá ser discutido em sala com o professor. RECURSOS DIDÁTICOS - Aula expositiva, construtiva e participativa com a utilização do quadro branco, data show, textos para apresentação de temas previamente propostos. 5 - Atividade extraclasse como ação efetiva do uso da pesquisa e/ou leitura e análise de textos, artigos ou projetos, como instrumentos no processo de construção do conhecimento. - Debates técnicos em sala em relação aos temas do conteúdo programático. - Textos para leitura, análise, discussão e apresentação sobre os temas do conteúdo programático. - Vídeos técnicos e educativos. - Aulas práticas em campo nos diferentes sistemas de produção animal da EVZ - UFG. - Prática do GVGO (Grupo de Vocalização e Grupo da Observação) ou Grupo da Berlinda. Esta prática pedagógica trabalha a habilidade de verbalização, objetividade de ideias, capacidade de análise e síntese. - PBL (Problem Based Learning – Metodoligia Baseada em Problemas). Esta estratégia de ensino aprendizagem visa a construção de uma base de conhecimento flexível, onde serão desenvolvidas as habilidades para resolução de problemas, assim como a autoaprendizagem permanente. Objetiva-se também a formação de alunos colaboradores e sempre motivados a aprender continuamente em sua vida profissional. CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO Como uma das etapas do processo ensino-aprendizagem, ela será realizada desde o primeiro dia de aula de forma qualitativa com a participação construtiva, efetiva e constante de cada estudante, através de questionamentos e propostas apresentadas pelo educador. A presença e a participação em sala são elementos importantes para este processo. Será também utilizada a metodologia da problematização, adaptada segundo BERBEL (1995), tendo sempre como base a proposta de avalição do conteúdo apresentado na ementa. Ela será composta de quatro (04) etapas: 1) Observação da realidade e definição do problema, 2) Teorização, 3) Hipótese de solução, 4) Hipótese de aplicação á realidade. Este processo avaliativo será realizado em momentos individuais, em dupla, em trio. Avaliação utilizando prova escrita individual e/ou em grupocom tempo de resposta estipulado antes da mesma. Cada etapa do processo avaliativo será agendada em sala de aula, assim como a data de entrega e/ou apresentação individual, em dupla ou em trio. Desta forma, fica bem claro a importância no processo de avaliação o cumprimento impreterível dos prazos de entrega. HORÁRIO E LOCAL TERÇA-FEIRA Teórica (T/P) = 14h00 – 15h40min (Sala 107 do pavilhão de aulas - DPA - EVZ/UFG). Prática = Serão agendas aulas práticas no dia de sábado pela manhã, em comum acordo com a turma. 6 BIBLIOGRAFIA SUGERIDA Bibliografia básica - BROOM, D.M.; FRASER, A.F. Comportamento e bem-estar de animais domésticos. 4ª ed. Barueri, SP: Manole, 2010. 437p. - KREBS, J.R.; DAVIS, N.B. Introdução à ecologia comportamental. SP: Atheneu Editora, 1966. 420p. Bibliografia complementar - MULLER, F.B. Bioclimatologia Aplicada aos animais domésticos. 2 ed. Porto Alegre, 1993. - PARANHOS DA COSTA, M.J.R.; CROMBERG, V.U. Comportamento Materno em Mamíferos: Bases Teóricas e Aplicações aos Ruminantes Domésticos, SBEt: São Paulo, 262pp. 05/04/2016 Prof. Dr. PAULO HELLMEISTER FILHO Coordenador da Disciplina Comportamento e Bem-Estar Animal M.Sc. RENATO CLINI CERVI Colaborador da Disciplina Comportamento e Bem-Estar Animal 7 REVISÃO DE LITERATURA 1. INTRODUÇÃO 1.1. Introdução e conceitos Os avanços na produção animal, com melhorias nas áreas de genética, nutrição e manejo, incluindo melhorias nas instalações e equipamentos, levaram fazendas e granjas a desenvolverem a criação de animais de forma mais intensiva, caracterizando a atual situação da indústria de produção animal. Essas condições proporcionaram ganhos econômicos e sociais importantes, porém ocasionou alguns problemas com relação ao bem-estar animal. Considerando todo o avanço técnico e tecnológico, é possível desenvolver novas práticas na criação que assegurem bons índices de produtividade e alta qualidade dos produtos, sem colocar em risco o bem-estar dos animais. Através do conhecimento sobre a biologia da espécie de interesse, entendendo suas necessidades e seus hábitos peculiares é possível determinar quais práticas deverão ser adotadas, as mais recomendadas e as que devem ser banidas. Os programas de qualidade para a produção animal devem enfatizar a oferta de produtos seguros, nutritivos, devem também possuir compromisso com a produção sustentável e a promoção do bem-estar humano e animal. Neste novo cenário, o estudo do comportamento animal (etologia) proporciona a perspectiva diferenciada do modelo de produção animal convencional, trazendo luz a situações até agora não consideradas ou mesmo pouco compreendidas. Os estudos nas áreas da biologia e psicologia dos animais, genética, ambiente de criação e ações de manejo assumem o papel de destaque para a compreensão dos elementos importantes para a produção. O conjunto desses elementos caracterizam pelo menos dois universos relacionados: o animal, considerando os aspectos de necessidades e desejos, e o ambiente de criação, caracterizado pela disponibilidade de recursos e ações de manejo especifico. Ao encontro das demandas de mercado, diversos autores vêm pesquisando o bem-estar animal utilizando tecnologias complexas, devido à importância deste tema na atualidade 1-4 . Como as variáveis fisiológicas são difíceis de medir em condições de campo, os estudos do comportamento têm se mostrado os mais viáveis para inferir sobre os níveis de bem-estar para animais alojados. O animal é fortemente influenciado no seu comportamento pelo ambiente externo, e conhecendo essas interferências, é possível identificar e quantificar o bem-estar dos animais 5 . O comportamento animal pode ser conceituado como sendo uma janela entre o organismo vivo e o exterior, ou seja, o ambiente externo, que é composto pelas variáveis climáticas e sociais, atua sobre o animal positiva ou negativamente, e esse reage, dentre outros mecanismos biológicos, morfológicos e fisiológicos, através do seu comportamento 5 . 8 O animal deve ser caracterizado pelas suas expressões de necessidades, relacionada a qualquer deficiência que possa ser suprida de um recurso ou possibilidade de uma apresentação de uma ação ou resposta; e de seus desejos, relacionados a sensações subjetivas que levam o animal a busca de determinado recurso ou a apresentação de certas ações e respostas sem que haja evidencias de necessidades, indicando as fronteiras do conhecimento da psicologia do animal 6 . O ambiente de criação, é tudo que envolve o animal, seu espaço físico e social e todo contexto inserido neste espaço. Esta situação é definida pelo conceito de ambiência que, de forma bem ampla, seria “ o espaço constituído por um meio físico, e ao mesmo tempo, por um meio psicológico preparando para o exercício das atividades do animal que nele vive” 7 . A Etologia é o ramo da ciência que trata da abordagem biológica no estudo do comportamento animal e quando este estudo é dirigido aos animais de produção nos referimos à Etologia Aplicada. Há diferentes abordagens no estudo do comportamento de animais de produção, dentre elas aquelas que buscam resolver problemas de ordem prática. Neste caso, apesar do foco ser o animal como unidade de produção, parte-se do princípio de respeito a sua história natural, tratando os problemas de forma multidisciplinar, combinando as perspectivas biológicas e econômicas 6 . Os estudos sobre o comportamento animal, e todas as ferramentas desenvolvidas para a compreensão das necessidades individuais e coletivas para cada espécie animal, proporcionaram os avanços para as boas práticas em programas de Bem- Estar Animal (BEA). O conceito oficial de bem-estar animal foi citado pela primeira vez em 1965 pelo Comitê Brambell, um grupo denominado pelo Ministério da Agricultura da Inglaterra para avaliar as condições em que animais eram mantidos no sistema de criação intensiva. Em 1967, o Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção (Farm Animal Welfare Council - FAWAC) estabeleceu os princípios das cinco liberdades. De acordo com este comitê, BEA é um termo abrangente que diz respeito tanto ao bem-estar físico e mental do animal. Portanto, qualquer tentativa de avaliar o bem-estar de um animal deve considerar as evidências científicas geradas pelos sentimentos decorrentes tanto de aspectos e índices fisiológicos como comportamentais. A partir da década de 70 este conceito vem sendo ampliado de modo a englobar aos animais de modo geral. O comitê estabeleceu cinco condições para o bem-estar de um animal (cinco liberdades). As três primeiras condições se referem ao bem-estar físico, e as outras duas tratam do bem-estar mental. BEA é uma ciência onde se procura analisar a situação sob o ponto de vista do animal, e não mais sob o ponto de vista somente do homem, uma vez que bem-estar, também é um termo aplicado aos humanos. Bem-estar deve ser definido de forma que permita pronta relação com outros conceitos, tais como: necessidades, liberdades, felicidade, adaptação, controle, capacidade de previsão, sentimentos,sofrimento, dor, ansiedade, medo, tédio, estresse e saúde. 9 Nossa sociedade também tem aumentado a atenção em relação ao bem-estar de animais de pesquisa e de exposições. Nos Estados Unidos, a lei requer, por parte dos criadouros, a realização de exercícios para cães e o bem-estar psicológico de primatas não-humanos. Bem-estar animal sem conhecimento prévio é impossível. Estudiosos do Comportamento Animal observam o comportamento e o bem-estar animal, tanto em laboratório quanto no campo. Pareceres técnicos veem sendo expedidos sobre normas razoáveis e efetivas para o cuidado e o bem-estar de animais mantidos em cativeiro para fins de pesquisa. O desenvolvimento adicional do bem- estar animal requer produção de conhecimento por parte de especialistas em Comportamento Animal. Para prover boas condições para animais de fazendas, reprodução de espécies ameaçadas de extinção, cuidado apropriado para animais de companhia, é necessária uma forte base de estudo do comportamento 8 . 1.2. Descrição, registro e mensuração do comportamento O comportamento é a ligação entre organismos e o ambiente, e entre o sistema nervoso e o ecossistema. Configura uma das propriedades mais importantes da vida animal, possuindo um papel fundamental nas adaptações das funções biológicas. O estudo do Comportamento Animal é um importante no campo científico e também por ter feito importantes contribuições para outras disciplinas com aplicações para o estudo do comportamento humano, para as neurociências, para o manejo do meio ambiente e de recursos naturais, para o estudo do bem-estar animal e para a educação de futuras gerações de cientistas. O comportamento dos animais frequentemente fornece os primeiros indícios de degradação ambiental. Mudanças comportamentais ocorrem muito mais cedo e em níveis mais baixos que distúrbios ambientais. Como exemplo, a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos usa alterações comportamentais no deslocamento de pequenos peixes de água doce como um indicador de possível poluição por pesticida. Pesquisas, realizadas por Arthur Hasler, sobre a migração de salmões à nascente onde eclodiram, iniciaram-se há 40 anos, e demonstraram muito sobre os mecanismos da migração. Essas informações também têm sido importantes na preservação da indústria do salmão no noroeste do Pacífico e as aplicações dos resultados de Hasler levaram ao desenvolvimento de indústria de pesca do salmão nos Grandes Lagos 9 . A pesquisa básica sobre o Comportamento Animal pode ter importantes implicações econômicas. Pesquisadores têm descrito variáveis envolvidas na reprodução de insetos e localização de plantas hospedeiras, levando ao desenvolvimento de feromônios não-tóxicos para o controle de pragas, evitando dessa forma o uso de pesticidas tóxicos. A compreensão da relação presa-predador pode levar à introdução de predadores naturais de determinadas espécies de presas. O conhecimento do comportamento de procura de alimento (forrageio) em abelhas, pode ser aplicado a mecanismos de polinização que, por sua vez, são importantes na reprodução e propagação de plantas. Para outras espécies animais, o estudo dos hábitos alimentares e o conhecimento do comportamento de forrageio 10 pode levar à compreensão da regeneração florestal. Muitos animais atuam como dispersores de sementes sendo, portanto, essenciais para a propagação de espécies de árvores e para a preservação do hábitat. A conservação de espécies ameaçadas de extinção requer estudos sobre o seu comportamento natural (padrões migratórios, tamanho de território, interações com outros grupos, demandas de forrageio, comportamento reprodutivo, comunicação etc.) para criar reservas e medidas efetivas de proteção. A relocação ou reintrodução de animais (tal como no caso do mico-leão dourado) não seria possível sem um conhecimento detalhado da história natural da espécie. Com a crescente importância dos programas ambientais e manejo pelo homem de populações de espécies raras, tanto no cativeiro quanto no ambiente natural, a pesquisa do comportamento aumenta em sua relevância. Muitos conservacionistas têm um conhecimento considerável sobre o Comportamento Animal ou Ecologia Comportamental. Estudos sobre o comportamento reprodutivo levaram ao aperfeiçoamento de técnicas de criação e reprodução em cativeiro de muitas espécies ameaçadas de extinção. Criadouros que ignoram o comportamento reprodutivo natural da espécie são geralmente malsucedidos. As considerações do comportamento em relação ao bem-estar de animais de pesquisa e de exposições vêm adquirindo crescente importância. Nos Estados Unidos, sob efeitos legais, estabelecem para os criadouros, a realização de exercícios para cães e o bem-estar psicológico de primatas não-humanos. Bem-estar animal sem conhecimento prévio é impossível. Estudiosos do Comportamento Animal observam o comportamento e o bem-estar animal, tanto em laboratório quanto no campo. O desenvolvimento adicional do bem-estar animal requer produção de conhecimento por parte de especialistas em Comportamento Animal. Para prover boas condições para animais de fazendas, reprodução de espécies ameaçadas de extinção e cuidados apropriados para animais de companhia 8 . O primeiro objetivo no estudo do comportamento de um determinado animal é registrar minuciosamente seu comportamento, correlacionando-o com estímulos que evocam seus diferentes componentes. Um catálogo completo do comportamento é denominado etograma. É de vital importância que o etograma seja registrado muito imparcialmente. O observador não deve ser influenciado pela sua própria avaliação do que está ocorrendo, mas deve preocupar-se em registrar tudo, mesmo o que parece pouco importante no momento do registro. Até mesmo as condições climáticas podem mais tarde revelar-se necessários para analisar as causas do comportamento. Deve-se estar precavido para evitar o antropomorfismo (atribuição de motivos humanos aos animais). O estudo do comportamento animal só conseguiu se impor como uma ciência objetiva quando termos como "desejo", " propósito", "decidem" e outros que sugerem explicações em termos da atividade mental humana, não foram mais elevados em consideração. O relato deve ser um registro simples, a partir do qual possam ser formuladas hipóteses simples que não considerem o animal como um ser pensante complexo, e possam ser submetidas à comprovação experimental. 11 Raramente é possível descrever um padrão de comportamento após uma única observação. É necessário conhecer a gama de circunstâncias em que o comportamento ocorre e também a gama de variações desse comportamento que podem ser executadas pelo animal. Pode ser necessário algum tempo para que as observações comecem a constituir um todo ordenado que revele alguma coisa sobre a causa do comportamento, suas funções e suas relações com outros padrões comportamento, suas funções e suas relações com outros padrões comportamentais do repertório do animal. Entretanto, a experiência aumenta a facilidade para reconhecer mudanças sutis no comportamento e os que granjearam grandes reputações pelos seus trabalhos foram a os observadores maispacientes. Há muitas técnicas para melhorar a mera observação visual, algumas muito dispendiosas e elaboradas, outras bastante simples. Esboços de comportamento, mesmo que sejam muito diagramáticos e rudimentares, permitem um começo de categorização do comportamento. Para categorizar o comportamento ao elemento observado, frequentemente, pequenas variações de tamanho e coloração podem ser utilizadas para isso, mas pode ser necessário marcar o animal. Nesse caso, existem muitos métodos. Anilhas coloridas podem ser colocadas em patas de pássaros (embora essa prática só seja permitida a pessoas licenciadas). Tintas à base de celulose aderem à maioria dos insetos, especialmente se seus corpos forem peludos. Se o tórax for marcado com pintas de três cores diferentes em arranjos diferentes, um grande número de insetos pode ser identificado. Esse método foi empregado em abelhas por Ribbands e posteriormente aprimorada por Warwick que ao invés de pintas usou certos símbolos semelhantes a letras, que podiam ser distinguidos mesmo que algum pedaço caísse ou fosse raspado 10,11 . A fotografia constitui um importante recurso para a análise do comportamento porque a câmara fornece um registro imparcial. Entretanto, mesmo este recurso tem suas limitações, já que a câmera registra apenas o que acontece à sua frente. Os ruídos emitidos por câmeras fotográficas ou por filmadoras podem perturbar os animais e a proximidade de uma câmera pode representar uma intrusão. Uma descrição escrita do comportamento pode ser feita sob a forma de taquigrafia ou de anotações. Quando se trata de contar as ocorrências de um padrão de comportamento, pode-se elaborar um formulário simples, no qual o observador faz marcas na coluna apropriada cada vez que o comportamento ocorre. O tempo é uma dimensão importante no comportamento e nem sempre é fácil ficar olhando para um relógio ao mesmo tempo em que se registra as observações. Isso pode ser superado fazendo-se registros ou marcas em um cilindro coberto por papel (como o cilindro de um quimógrafo) que gira com velocidade conhecida. Registros filmados ou gravados podem ser passados várias vezes, o que facilita a seleção de detalhes. Uma câmera de televisão em circuito fechado pode ser montada de modo permanente e sem causar perturbações, em uma jaula ou cercado, além de não necessitar de um operador nas proximidades, introduz um mínimo de alteração, como também câmeras automáticas com sensores de movimento. 12 Os gravadores têm uma utilidade restrita para o registro de muitos sons de animais porque geralmente gravam uma faixa muito limitada de frequências e distorcem as frequências que registram. Para um trabalho mais acurado, devem ser escolhidos gravadores que registrem uma faixa de pelo menos 18 KHz e tenham um microfone de igual sensibilidade. Os microfones direcionais ajudam a eliminar o ruído de fundo e, no campo, a direcionalidade pode ser melhorada com o uso de um refletor parabólico (ou mesmo de um cone de fabricação caseira). As boas gravações podem ser analisadas em um espectrógrafo de sons, que lança em gráfico as frequências do som ao longo do tempo. Devem-se anotar adequadamente as circunstâncias em que os sons foram gravados. As gravações podem ser tocadas para os animais, para ver quais são suas respostas, e, assim, determinar a significação dos sons para eles 12 . 2. CONCEITOS E MÉTODOS. PROCESSOS FUNDAMENTAIS 2.1. Experiência, aprendizagem e desenvolvimento do comportamento. A aprendizagem pode ser definida como o processo que se manifesta por alterações adaptativas no comportamento individual como resultado da experiência que adquire durante sua vida. Esta definição salienta duas importantes características do comportamento aprendido. A primeira consiste em que o aprendizado que resulta em alterações adaptativas. Graças a aprendizagem, o animal pode modificar seu comportamento em virtude de suas experiências à medida que se desenvolve. Ele aprende que algumas respostas obtêm melhores resultados e isso leva a repeti-las sistematicamente, modificando o seu comportamento adaptativamente. Ainda que o comportamento aprendido possa ser considerado mais flexível do que o instintivo, nem por isso os movimentos comandados por ele deixarão de ser tão estereotipados quanto os dos instintos. Os musaranhos aquáticos aprendem a geografia de seu ambiente com detalhes surpreendentes. Se em um ponto de seu percurso eles tiverem que pular sobre um pequeno tronco, esse movimento é aprendido com tal rigidez que eles continuam a dar o pulo no mesmo lugar, mesmo muito tempo depois do tronco ter sido removido. Situações como essa demonstram que a aprendizagem cria um novo circuito cerebral fixo, como um instinto recém-surgido, com uma sequência de movimentos automáticos. Consequentemente, a diferenciação entre comportamento aprendido e instintivo não deve ser feita com base nos movimentos exibidos, ou mesmo na sua complexidade, mas sim na forma de seu surgimento no indivíduo. A segunda característica da aprendizagem é que ela consiste em um processo adaptativo e, portanto, não pode ser medida diretamente, mas apenas o que foi lembrado em decorrência do aprendizado. E sendo um processo, a aprendizagem obedece a certas regras que, conhecidas, poderiam permitir a sua replicação e manipulação. 13 Entre as formas de experiência, aprendizagem e desenvolvimento do comportamento, destacam-se o comportamento aprendido (Habituação), condicionamento clássico, condicionamento operante, estampagem (“imprint”), aprendizagem por compreensão (“insight”). O comportamento aprendido mostra as suas vantagens com maior clareza em ambientes e circunstâncias sujeitas a muitas alterações, onde um comportamento instintivo poderia tornar-se extremamente inadequado. Entretanto, exige do animal um sistema nervoso mais desenvolvido e flexível, capaz de memorizar informações e de avaliar o valor e consequência das respostas exibidas. Por isso, a aprendizagem nunca foi claramente demonstrada entre os celenterados (medusas, anêmonas, hidras) e os equinodermos (estrelas-do-mar, bolachas-da-praia, ouriços, pepinos-do-mar), animais sem um sistema nervoso centralizado 13 . Alguns pesquisadores defendem as hipóteses relacionadas a existência de “leis gerais de aprendizado”, já que esse processo ocorre em uma grande variedade de animais, e nas mais diversas circunstâncias, a constatação da existência de alguns padrões distintos e claramente perceptíveis na aprendizagem justifica uma classificação para o comportamento aprendido. O tipo mais simples de aprendizado é a habituação, pois ao contrário de outras formas de aprendizagem, ela não implica na aquisição de respostas novas, mas sim na perda de velhas. Ocorre quando um animal é submetido repetidamente a um mesmo estímulo que não esteja associado com nenhuma recompensa ou punição. O resultado é que o animal cessa de responder a esse estímulo. É a habituação que faz com que os pássaros passem a ignorar o espantalho e a se fartarem da plantação. Isso mostra que a habituação é um processo importante para ajustar o comportamento de um animal ao ambiente. A habituação tem também um importante papel no desenvolvimento do comportamento dos animais jovens, que, instintivamente, como mecanismo de proteção contra inúmeros predadores potenciais, tem o comportamento de fuga a qualquer coisa grandeque se mova ou qualquer som forte que lhe seja novo. Com a aprendizagem por habituação o animal jovem começa a conhecer os componentes de seu meio, reconhecendo os que são totalmente indiferentes e inofensivos. A exceção de outras formas de aprendizagem e devido a sua marcante simplicidade, que pode exigir a alteração no limiar de reação de apenas uma célula, a habituação é amplamente distribuída no mundo animal. Ocorre desde protozoários unicelulares até, naturalmente, o próprio homem 13 . O Condicionamento clássico é a primeira forma de aprendizagem mais complexa a ser descoberta e descrita sistematicamente. Segundo Ivan Pavlov, essa forma de aprendizagem também conhecida como reflexo condicionado, abriu novos caminhos ao realizar experimentos com o reflexo de salivação dos cães. Em experimento realizado pelo referido autor, demonstrou-se que poderia fazer um animal associar um estímulo condicionado previamente neutro ou indiferente (como uma campainha ou um sino) a 14 um estímulo incondicionado (como o alimento) que suscitava naturalmente algum comportamento específico (como a salivação), a resposta incondicionada. Depois de algumas repetições dessa associação entre estímulos, o animal passava a responder apenas ao estímulo condicionado, mesmo sem a apresentação do estímulo incondicionado. O termo incondicionado, aplicado por Pavlov, significa que o estímulo e a resposta desse tipo estão naturalmente relacionados e conectados. Ou seja, o estímulo natural que provoca a salivação é o alimento. Por outro lado, o termo condicionado designa o oposto: alguma conexão ou associação não natural, mas proposital ou acidentalmente estabelecida e que representa uma aprendizagem. E para destacar o fato de que esse tipo de aprendizagem ocorre por uma nova associação entre um estímulo e uma resposta, costumam também lhe dar o nome de aprendizado associativo. A aprendizagem por condicionamento clássico é um fenômeno amplamente distribuído na natureza, podendo ser observado desde em artrópodes até entre chimpanzés. Muitos predadores aprendem a associar a presença de suas presas nas proximidades com “pistas” que deixam, como fezes, cheiros, sonorizações, penas e restos de construção de tocas e ninhos. Assim, o encontro casual de um destes sinais de presença da presa desencadeia no predador o comportamento de busca. O condicionamento operante ocorre geralmente quando o animal é colocado em um ambiente novo, como uma gaiola. Muitos animais exibem o comportamento exploratório, farejando e tocando tudo que tem ao seu alcance. Se ao mover algum elemento dentro dela, como um botão ou alavanca, ele receber imediatamente um “prêmio”, como a abertura da gaiola, alimento ou água, o animal logo passará repetir o mesmo comportamento com maior frequência. Isso demonstra que houve uma aprendizagem, que recebe o nome de condicionamento operante porque é baseado na recompensa ou reforço de uma resposta natural que é operante sobre o ambiente. E por ser o próprio comportamento espontaneamente realizado pelo animal, o instrumento que lhe proporciona a recompensa, essa forma de aprendizagem é também designada comportamento instrumental. Em laboratório, o condicionamento operante é muito útil e importante, não apenas por si mesmo, mas porque os animais podem ser treinados para reconhecer um determinado estímulo exibindo um comportamento escolhido pelo pesquisador, como apertar uma alavanca. Usando esse condicionamento como instrumento, os etólogos e fisiologistas podem analisar detalhadamente os limites da capacidade de percepção dos animais. Em muitas situações naturais também pode ocorrer o condicionamento operante. As aves aprendem rapidamente a reconhecer e evitar as borboletas que, apesar das cores vistosas e apetitosas, são dotadas de péssimo gosto. Elas associam o gosto desagradável, o reforço do comportamento predatório, à coloração e padrão de desenho das asas das borboletas, o que as fazem evitar de atacar também vespas e outros insetos com colorido semelhante e com as mesmas defesas químicas, poupando assim inúmeros dissabores. 15 Da mesma forma, muitos animais aprendem a evitar alimentos potencialmente danosos ao associar o gosto com o mal-estar que sentem depois de consumi-los. Há situações em que a aprendizagem observada no animal não parece estar relacionada com nenhuma recompensa ou, pelo menos, não há nenhum sinal evidente e imediato disto, denominada aprendizagem latente. Dessa forma, o que é aprendido não se manifesta no momento em que a aprendizagem ocorre, mas fica oculto ou “latente”. Por esta razão convencionou-se denomina-la como aprendizagem latente, sendo definida pelo psicólogo norte-americano Edward Tolman, seu descobridor, como a associação entre estímulos e situações indiferentes sem nenhum reforço 14 . Quando colocado pela primeira vez em um labirinto, um rato de laboratório, mesmo sem estar com sede ou fome e sem receber nenhuma recompensa, explora todo o ambiente, cheirando-o e passando por todas as partes do labirinto. Posteriormente, quando for condicionado a percorrer o caminho certo no labirinto para receber alimento, o seu desempenho será muito superior ao dos animais que não tiveram essa experiência prévia. Este fato confirma que houve antes do condicionamento uma aprendizagem latente 14 . A aprendizagem latente, em sua forma natural, ocorre frequentemente quando o animal está explorando um ambiente novo. É muito importante para a sobrevivência que os animais aprendam rapidamente a reconhecer as características de seu ambiente, criando um “mapa mental”. E para isso são movidos pelo instintivo comportamento exploratório. Durante a exploração ocorre a aprendizagem latente, pela qual o animal acumula informações que mais tarde lhe serão de grande valia para evitar predadores, encontrar alimento e localizar os parceiros sexuais. Essa forma de aprendizagem não é atributo restrito a animais dotados de cérebros mais desenvolvidos, como aves e mamíferos. O caso mais estudado de aprendizagem latente na natureza é o de vespas solitárias que ao saírem para caçar alimento, realizam um “voo de orientação” sobre a área para aprender os pontos de referência que serão úteis para localizar seu ninho no retorno. Não é raro ocorrerem na vida de indivíduos de algumas espécies, períodos sensíveis durante os quais certas coisas podem ser aprendidas, vindo a tornarem-se relativamente fixas e resistentes a alteração. A aprendizagem do canto entre os pássaros é um exemplo. O período sensível nos tentilhões ocorre próximo ao final do primeiro ano de vida, e um mês depois disso parece não haver mais nenhuma aprendizagem para o canto. Esse processo foi denominado de estampagem por Konrad Lorenz porque a aprendizagem parece ficar estampada, impressa definitivamente no animal. Ela pode ser definida como um processo de aprendizagem pelo qual um padrão comportamental inato é associado com um estimulo liberador, resultado da experiência durante o período crítico, que pode variar de acordo com a espécie e com o conteúdo da aprendizagem 15 . Konrad Lorenz observou que filhotes de gansos, recém-saídos do ovo passavam a segui-lo, como fosse sua mãe, porque ele foi o primeiro objeto móvel que viram. Para ele ficou claro que a estampagem era um tipo de aprendizagem irreversível e, no caso16 dos gansos, como também de patos e marrecos, servia para estabelecer o vínculo materno e reconhecer os outros indivíduos da mesma espécie, pois em situações naturais, as primeiras criaturas que os filhotes costumam ver são seus pais. Parece não haver limites para os padrões visuais que podem servir de objeto da estampagem. Cor, forma e mesmo movimento podem ser irrelevantes. Por isso, pintinhos de um dia de vida podem estampar uma caixa de fósforos puxada por uma linha 15 . Durante algum tempo os etólogos acreditaram que esse tipo de estampagem determinaria a escolha do parceiro sexual na idade adulta. Entretanto sabe-se hoje que essa ideia é apenas parcialmente verdadeira, ainda que hajam relatos de patos criados por pais substitutos de espécies diferentes que tentaram cortejar parceiros da espécie substituta, ignorando indivíduos da mesma espécie. Além do comportamento sexual, a estampagem parece ter um importante papel no estabelecimento de vínculos que estruturam a organização social das espécies mais evoluídas. Para estes animais, o isolamento de outros indivíduos da mesma espécie durante a fase de estampagem costuma ter consequências por toda a vida, perturbando o comportamento social, tornando a convivência dentro do grupo inviável e fazendo das fêmeas mães pouco cuidadosas e dedicadas. A estampagem faz com que domar e domesticar animais selvagens seja bem mais fácil quando são tomados para criar antes de seu período crítico. A estampagem foi mais extensivamente estudada entre as aves. Porém também pode ser constatada em outros grupos animais, como alguns insetos e mamíferos. No entanto, como o comportamento dos mamíferos, em sua maior parte, é controlado pelo olfato, a estampagem dos filhotes geralmente é determinada pelo cheiro da mãe. Em determinadas situações da vida do ser humano, a solução de um problema ocorre depois e alguns minutos de concentração. É difícil, obviamente, demonstrar de forma conclusiva a existência de processos semelhantes nos animais. Apesar disso, os etólogos têm usado o termo compreensão, ou “insight”, quando observam animais resolvendo problemas muito rapidamente, depressa demais para uma situação normal de tentativa-e-erro. Ou, pelo menos, depressa demais para que o animal pudesse fazer ensaios reais, mas existe a possibilidade de que ele estivesse “pensando” neles e os experimentando no cérebro. Em 1917, o psicólogo alemão Wolfgang Köhler descobriu que ao apresentar a chipanzés bananas penduradas fora de seu alcance, eles frequentemente se mostravam capazes de empilhar caixas e galga-las ou de emendar varas para poder alcançar o alimento. Ele atribuiu a solução desse problema a um processo de compreensão 16 . Diante de situações como essa, em que não parece estar envolvida nenhuma outra forma de aprendizagem, os cientistas reconhecem a existência, pelo menos em animais com o cérebro mais desenvolvido, como os primatas, da aprendizagem por 17 compreensão. Trata-se de um processo de aprendizagem pelo qual o animal produz um novo tipo de resposta por meio de um “insight”, de uma compreensão momentânea, que lhe permite resolver problemas que tem por diante. A aprendizagem por compreensão é um fenômeno que depende muito da capacidade de reorganizar as percepções que o animal tem do mundo que o rodeia, relacionando as características dos objetos. Dentre as muitas relações que estabelece no planejamento de sua ação, uma servirá para resolver o problema que enfrenta. O estudo do comportamento começa com observações dos movimentos, postura e outros aspectos de um animal. Frequentemente parece que o animal não está fazendo nada, portanto apenas através da observação atenta e repetida de um animal em situações naturais é que se torna possível reconhecer comportamentos e começar a ver como se relacionam com estímulos ambientais. Há quatro maneiras diferentes na Biologia para responder por que os animais se comportam de determinada maneira. Estas passaram a ser reconhecidas como as quatro perguntas de Tinbergen 17 . 1. Porque funcional: função do comportamento; 2. Porque causal: fatores externos e internos. 3. Porque ontogenético: desenvolvimento do animal. 4. Porque evolutivo: fatores evolutivos. 2.2. Motivação, evolução e otimização. Os teóricos da evolução não salientam apenas o valor de sobrevivência da estrutura e da função atuais de um organismo; eles tentam reconstruir estágios anteriores, que também devem ter tido valor de sobrevivência. Um exemplo é o voo de pássaros. As penas podem ter evoluído, inicialmente, como isolante térmico e as asas seriam adaptações de patas dianteiras que, no início, ajudaram animais terrestres a correr mais rápido ou animais de árvores a saltar de galho em galho ou do galho para o chão 13 . Assim, as características evolutivas podem ter ocorrido devido a consequências bem diferentes daquelas que explicam seu valor de sobrevivência atual. Entre as características a serem explicadas desta maneira está o comportamento. O atual valor de sobrevivência de reflexos e os padrões de comportamento-gatilho estudados pelos etólogos podem estar claros, mas seria possível construir sequências plausíveis através das quais estes padrões de comportamento poderiam ter evoluído, mantendo o valor de sobrevivência em cada estágio. O primeiro comportamento foi, presumivelmente, movimento simples, como o da ameba, avançando para um novo território e, consequentemente, aumentando suas chances de encontrar materiais necessários para sua sobrevivência. Depois, presumivelmente, veio a sensação, que possibilitaria ao organismo se afastar de estímulos nocivos e se aproximar de materiais úteis 13 . A atribuição de diferentes órgãos à sensação e à mobilidade deve ter levado à evolução de estruturas conectivas e, eventualmente, a tropismos e reflexos. Os padrões de comportamentos-gatilho estudados pelos etólogos provavelmente também evoluíram através de estágios de complexidade crescente. É improvável que muitos exemplos 18 atuais tenham ocorrido, desde o início, em seu estado atual, como variações que foram, então, selecionadas pela sobrevivência. Skinner sugeriu que mudanças geológicas bem conhecidas poderiam ter fornecido algumas das sequências de contingências necessárias 18 . Não seria difícil ensinar um peixe a pular de um nível mais baixo para um nível mais alto. Seria possível reforçar o nadar através de uma barreira submersa, levantar lentamente a barreira até que ela chegasse à superfície e, então, levantá-la até que se tornasse a parede de um segundo tanque. À medida que os níveis de água fossem lentamente separados, o peixe pularia com mais e mais força. Algo semelhante, numa dimensão temporal muito diferente, pode ter acontecido, caso o fundo raso e pedregoso de um rio de desova de salmões tenha se movido contra a correnteza, à medida que o rio se modificava, e corredeiras e cachoeiras se interpunham entre o fundo pedregoso e o oceano 18 . Uma mudança geológica diferente tem sido proposta para explicar o comportamento das tartarugas que se alimentam ao longo da costa do Brasil, mas nadam mais de mil milhas, até Ascension Island, onde elas se reproduzem. Aparentemente, elas nadavam até ilhas mais próximas, que desapareceram. Essas longas viagens são feitas só uma vez, e é bastante improvável que possam ter ocorrido pela primeira vez na forma atual como variações.Quando as Américas e a Europa se separaram, entretanto, as distâncias deviam ser curtas. O comportamento atual poderia ter evoluído à medida que cada geração avançava uns poucos centímetros mais longe do que a anterior. Como a maioria das teorias evolucionistas, estas são especulações, mas elas recorrem a mudanças geológicas conhecidas, que poderiam prover as condições sob as quais comportamento complexo teria sido modelado. O comportamento social suscita um problema especial, quando dois comportamentos inter-relacionados, mas de diferentes tipos, parecem evoluir juntos. Se as abelhas, ao retornar para a colmeia, dançam de maneiras usadas por outras abelhas quando acham fontes de comida, qual poderia ter sido o valor de sobrevivência da dança, antes que outras abelhas respondessem a ela, e como uma resposta poderia ter evoluído, antes que as abelhas que voltam dançassem? Temos que supor que as abelhas que voltam se comportaram de maneiras relacionadas à localização de alimento. Uma abelha vinda de determinada direção poderia fazer movimentos foto trópicos circulares; e assim por diante. Uma vez que as respostas de outras abelhas a estes estímulos tivessem evoluído, refinamentos maiores poderiam ocorrer. Modificações no repertório comportamental de imitação e modelação também podem ter evoluído de acordo com as necessidades adaptação às dos grupos de animais. A imitação como definição estrutural (comportar-se como outro organismo está se comportando) e a imitação filogenética (comportar-se como outro organismo está se comportando, sem nenhuma razão ambiental alternativa) não é suficiente para explicar esta característica comportamental. O cachorro que persegue o coelho não está imitando o coelho, e um grupo de animais de pastagem expostos à predação frequente apresenta uma forte tendência a correr em resposta à predação e a estímulos relacionados com predadores. A súbita corrida de um ou mais membros do grupo, já respondendo ao predador não seria de imitação, teria sido desencadeado por um entre dois estímulos: a 19 visão de um predador ou a visão de um outro animal correndo subitamente. Mas uma variação, que resultasse em um organismo imitando outro, teria então valor de sobrevivência como corroboração redundante. Com o desenvolvimento dos processos comportamentais, o modelo imitativo poderia assumir total controle, e o imitador, então, simplesmente faria o que outro animal estivesse fazendo e por nenhuma outra razão. Uma vez desenvolvida a imitação, existem contingências de seleção em que a modelação poderia evoluir. Um pássaro jovem, eventualmente, irá voar por si próprio, porém o comportamento mais observado é dos pássaros pais voando com frequência e de maneiras particularmente conspícuas, que são facilmente imitadas. Como processos evoluídos através dos quais o comportamento se modifica durante a vida do indivíduo, a imitação e a modelação o preparam apenas para comportamento que já tenha sido adquirido pelos organismos que dão o modelo. Há outros processos que evoluíram que colocam o indivíduo sob controle de ambientes aos quais ele é exposto (condicionamento respondente; condicionamento operante. O condicionamento respondente (pavloviano ou clássico): Pavlov desenvolveu um experimento onde um som, frequentemente seguido pela liberação de alimento, provocava eventualmente a eliciar salivação. A salivação incondicionada é um reflexo evoluído. Os estímulos mais comuns são substâncias na boca, mas, num ambiente estável, o salivar diante da simples presença de determinado alimento também deve ter evoluído, assim como o apanhar e o comer um alimento evoluíram em resposta aos mesmos estímulos. No entanto, as contingências favoreceriam uma resposta mais forte ao sabor 19 . O condicionamento respondente poderia ter se iniciado como uma variação que tornou as características visíveis do alimento ligeiramente mais prováveis de eliciar salivação. A saliva, então, teria sido secretada em resposta à visão do alimento, tanto como um reflexo fraco, resultante da seleção natural, como também como um reflexo condicionado. A versão condicionada poderia surgir em resposta a um estímulo (um som) que não tinha nenhum efeito relacionado à seleção natural. A salivação não sugere um forte valor de sobrevivência, e o argumento é mais convincente em relação à transpiração e à aceleração da pulsação, associadas com atividade vigorosa. O condicionamento reflexo pavloviano não tem valor de sobrevivência, a não ser que seja seguido pelo reflexo incondicionado. Embora se possa demonstrar que a salivação é, eventualmente, eliciada por um som, não existe vantagem para o organismo, a menos que se siga a apresentação do alimento. O alcance do condicionamento respondente é muito mais amplo do que seu papel no reflexo condicionado. O condicionamento operante: O condicionamento operante requer uma explicação diferente. O comportamento inato tem consequências relacionadas à sobrevivência. Como exemplo, a mão é retirada de um estímulo doloroso, presumivelmente porque o estímulo é potencialmente prejudicial; a resposta promove a sobrevivência, pela prevenção do dano. Qualquer 20 mudança sutil, que resultasse em um término mais rápido do dano subsequente, deveria ter valor de sobrevivência, e o condicionamento operante, através de reforçamento negativo, seria uma mudança desse tipo. A resposta operante seria uma réplica exata da resposta filogenética, e as consequências fortalecedoras seriam as mesmas, contribuindo para a sobrevivência do indivíduo e, consequentemente, da espécie, através tanto da seleção natural, como de uma suscetibilidade evoluída a reforçamento por uma redução dos estímulos dolorosos. Um argumento similar pode ser usado para o reforçamento positivo. Caso comer um determinado tipo de alimento tenha tido valor de sobrevivência (como o que explica o comportamento de comer o alimento), uma maior tendência a comer, porque o sabor da comida se tornou um reforçador, também deve ter tido valor de sobrevivência. Tanto a topografia do comportamento, como a consequência imediata seriam a mesma, mas haveria duas consequências: uma relacionada à seleção natural e outra relacionada a uma suscetibilidade evoluída ao reforçamento operante através de um sabor específico. Uma vez evoluído o processo de condicionamento operante, topografias de comportamento cada vez menos semelhantes ao comportamento filogenético poderiam ter sido afetadas e, eventualmente, o comportamento poderia ter emergido em novos ambientes, que não eram estáveis o suficiente para mantê-lo através da seleção natural. Dois outros estágios na evolução do comportamento operante precisam ser considerados. Uma vez existente o processo, uma suscetibilidade ao reforçamento por novas formas de estimulação poderia ter evoluído. Ela seria suplementada por um novo papel do condicionamento respondente: o condicionamento de reforçadores. Estímulos, que frequentemente precedem reforçadores incondicionados, poderiam começar a ter efeitos reforçadores tanto no condicionamento respondente, como no operante. Um segundo estágio pode ter sido a evolução de comportamento incondicionado que, em si, não tinha valor de sobrevivência, mas estava disponível para seleção através de reforçamento operante. Tal comportamento possibilitaria ao indivíduo desenvolver um repertório muito mais amplo de comportamento apropriadoaos novos ambientes. A imitação operante não requer nenhum novo processo resultante de evolução. Quando os organismos estão se comportando por causa das contingências de reforçamento predominantes, comportamento similar em outro organismo tem probabilidade de ser reforçado pelas mesmas contingências. Uma tendência condicionada geral para se comportar como outros se comportam suplementa a imitação filogenética. Segue-se, então, a modelação operante: quando o comportamento de um individuo é importante, dar modelo (“modeling”) é reforçado quando o outro individuo o imita. A imitação e a modelação desempenham importantes papéis na transmissão de resultados de contingências de reforçamento excepcionais 20 . Segundo Skinner, o condicionamento operante pode ser categorizado sob os seguintes aspectos 21,22 : ESTÍMULO qualquer acontecimento, externo ou interno a um organismo, susceptível de ser captado pelos seus receptores e de levar a uma reação. 21 RESPOSTA unidade de comportamento sob controlo de um ou mais estímulos. REFORÇO qualquer acontecimento (estímulo) que segue uma resposta e aumenta a probabilidade dessa resposta ocorrer, na mesma situação reforço positivo - quando esse acontecimento comporta uma ocorrência agradável para o sujeito. reforço negativo - quando esse acontecimento envolve a remoção ou o afastamento de algo desagradável para o sujeito. PUNIÇÃO ocorrência de um estímulo nocivo ou aversivo, após uma resposta. EXTINÇÃO processo de diminuição da frequência de ocorrência de uma resposta, por supressão do reforço que a mantinha. 3. COMPORTAMENTO SOCIAL E DE REPRODUÇÃO 3.1. Comportamento social geral. Há poucas espécies de animais que vivem em solidão, pois elas precisam no mínimo encontrar um parceiro de sua espécie. Muitos animais vivem em grupos que podem ser temporários ou permanentes. Uma sociedade pode surgir como um grupo familiar ou como um grupo de indivíduos adultos que se juntam e cooperam. Em uma sociedade, os indivíduos tendem a se especializar em seus afazeres, o que resulta numa divisão de trabalho. Existe um complexo sistema de membros da sociedade e de fortalecimento das relações entre os membros, o que possibilita discriminar os estranhos. A experiência apresenta função fundamental nas sociedades dos vertebrados, pois intervém nas relações entre parceiros, como na formação do casal, e nas relações entre a mãe e o filho ou entre adultos. A relação entre adultos se expressa na forma de hierarquia de dominância, típica da sociedade dos vertebrados. O indivíduo dominante tem certos direitos por causa de sua posição, o que frequentemente significa poder escolher o melhor lugar e a comida mais atraente. Frequentemente cabe aos machos dominantes a primeira escolha entre as fêmeas disponíveis. Um animal doente pode perder a vitalidade, expondo-se a perder sua posição para um rival. Injeções de hormônio masculino podem fazer um indivíduo subir de posto na hierarquia, aumentando sua agressividade. De modo geral, um sistema hierárquico diminui a agressão entre os indivíduos de um grupo, já que os animais subordinados respondem a sinais dos dominantes e cedem sem disputas. Tal fato é vantajoso porque as disputas não apenas causam ferimentos, mas também desperdiçam tempo. Em algumas sociedades, entretanto, a agressão aberta ocorre quando machos jovens são forçados a abandonar o grupo, quando já estão quase adultos. Os jovens então têm que procurar parceiros em outro 22 lugar ou enfrentar o pai. Nessas ocasiões as lutas podem ser muito sangrentas; as dos leões marinhos são um bom exemplo. 3.2. Interações ser humano animais domésticos. O registro histórico mais antigo até hoje encontrado sobre a relação homem- cão é a descoberta de um túmulo em Israel datado de 12 mil anos atrás; encontrou-se o corpo de uma mulher idosa com sua mão segurando um filhote de cachorro 23 . No Brasil, Dra. Nise da Silveira, em meados dos anos 50, levantou a possibilidade de se permitir cães em hospital psiquiátrico no Rio de Janeiro. A médica, comprovou o que ela já suspeitava, que os animais podem ser potentes agentes curativos para pessoas em sofrimento 24 . Uma das precursoras em Terapia Assistida por Animais no Brasil é a Dra. Hannelore Fuchs, psicóloga e médica veterinária, coordenadora do Programa Pet Smile. O programa objetivou desenvolver habilidades motoras e autoconfiança nas crianças bem como diminuir a ansiedade das mesmas. Para Fuchs, o contato com os pequenos animais do programa acaba reduzindo o estresse provocado pelo problema enfrentado 25 . A partir da década de 60 o psicólogo norte-americano Boris M. Levinson publica uma série de artigos sobre as possibilidades de intervenções terapêuticas com o uso de animais. Apresentando situações clínicas nas quais considerou a presença do animal fundamental no processo terapêutico. Levinson considerou que quando o ambiente falha em fornecer condições suficientes para o desenvolvimento da criança, a presença do animal poderia suprir tais necessidades emocionais 26 . Nas décadas de 70 e 80, as pesquisas se intensificam, sendo criada a Pet Terapia, termo este abandonado nos anos 90 por não traduzir de forma eficaz as possibilidades de trabalho com animais. Finalmente foi adotada as terminologias implantadas e aplicadas no mundo inteiro, “Atividade e Terapia assistida por animais- A/ TAA”, seguindo o padrão americano 27 . A Delta Society, entidade dos EUA que regulamenta os programas com uso de animais, assim define que a Atividade Assistida por Animais (AAA) promove oportunidades para benefícios motivacionais, educacionais, recreacionais e/ ou terapêuticos para melhorar a qualidade de vida. É realizada numa variedade de ambientes profissionais, para profissionais e/ou voluntários especialmente treinados, em associação com animais que obedecem a critérios específicos. Tem por objetivo melhorar o funcionamento físico, emocional e/ou cognitivo humano (habilidades de pensamento e intelectual). A TAA é promovida numa variedade de ambientes e pode ser de natureza grupal ou individual. Segundo David Niven, um dos fatores que contribui para a felicidade do ser humano é conviver com um animal. A relação com os animais nos proporciona uma alegria imediata e provoca sentimentos positivos que contribuem fortemente para nossa felicidade. Ter um animal de estimação aumenta as probabilidades de felicidade em vinte e dois por cento 28 . 23 Os relatos clínicos e as reflexões trazidas por Levinson e Nise da Silveira dentre tantos outros autores renomados, inauguram um novo campo de investigação: as intervenções com participação de animais. Campo este que abraça os saberes da Psicologia, Medicina Veterinária, Etologia, Antropologia e outros. Nas décadas de 80 houve um crescente interesse por este campo de estudo, mas foi a partir da década de 90 que as pesquisas cresceram significativamente, principalmente nas instituições de pesquisa dos Estados Unidos e da Grã- Bretanha 24,29 . 3.3. Comportamento estacional e reprodutivo. O processo reprodutivo dos mamíferos, tanto domésticos como selvagens, é marcado por períodos alternados deatividade e inatividade reprodutiva. Nas fêmeas, estas alternâncias são organizadas dentro de fases distintas. Estas mudanças incluem os períodos de atividade sexual e de quiescência associados com os estágios de estro e diestro do ciclo estral. A alternância entre a fertilidade e a infertilidade está associada a mudanças na estação do ano e com a gestação e lactação. Ocorre também, uma contínua mudança sexual associada com a maturação, idade adulta e envelhecimento dos animais. Todos estes fatores interagem entre si. A regulação natural dos fenômenos fisiológicos ligados à reprodução dos animais teve origem na sua adaptação às condições climáticas inerentes ao meio em que habitavam. As maiores possibilidades de sobrevivência das espécies recaem sobre aquelas capazes de gestar e parir em épocas favoráveis ao desenvolvimento de suas crias. Enquanto o período de nascimento nas espécies selvagens recai invariavelmente na primavera ou no final do inverno, a concepção, ao contrário, tem lugar em diferentes estações do ano. A razão deste fato reside em que, não sendo o período de gestação igual para todas as espécies, a época da atividade sexual e, portanto, da cópula também variam ao longo do ano. Com base no fotoperíodo, os animais foram classificados em dois tipos: animais de dias longos, no qual se incluem os equinos e os bovinos, cuja atividade sexual se manifesta após o solstício de inverno, ou seja, quando os dias crescem, e animais de dias curtos, no qual são inseridos os ovinos, caprinos e suínos, cuja atividade sexual se manifesta após o solstício de verão, ou seja, quando os dias decrescem. Os equinos podem conceber na primavera, dado que seu período de gestação de onze meses possibilita nascerem suas crias na mesma estação no ano seguinte, pois se mantêm protegidos pelo ventre dos rigores do inverno. Já os caprinos e ovinos, por perderem sistematicamente suas crias nascidas no inverno, têm como única opção de sobrevivência a parição na primavera, resultante das fecundações de outono. Em algumas espécies, como a bovina e a suína, entretanto, as modificações impostas pela domesticação foram tão intensas, que estes animais passaram a conceber e parir em qualquer período do ano. Em todos os casos, porém, as espécies domésticas conservam subjacentes os mecanismos fisiológicos ligados a estacionalidade apesar dos muitos milhares de anos da domesticação 30 . 24 3.4. Comportamento sexual Para garantir a fertilização e a perpetuação de espécies, é necessário que ocorra o encontro dos gametas feminino e masculino. Nos sistemas de criação em que se utiliza monta natural, uma série de eventos e estímulos sexuais devem ocorrer tanto nos machos quanto nas fêmeas, para que se alcance a fertilização. As atitudes e atividades motoras realizadas por machos e fêmeas referem-se ao comportamento reprodutivo adotado por eles, e este comportamento nada mais é do que uma resposta aos estímulos externos, que normalmente são feromônios, substâncias químicas secretadas na urina, fezes ou por glândulas, que provocam respostas específicas em indivíduos da mesma espécie 31,32 . Para que os animais interajam com o ambiente e expressem algum comportamento, eles utilizam como ferramenta os sentidos de visão, audição, olfato, tato e paladar. Destes, o olfato é o principal sentido utilizado para desencadear o comportamento reprodutivo 33 . A primeira fase da expressão do comportamento reprodutivo é a procura e a identificação do parceiro sexual, seguidas pela verificação do estado fisiológico do parceiro que pode evoluir até a reação de monta e finalmente a cópula 32 . Segundo Gordon, ao identificar uma possível parceira sexual, o carneiro inicia uma série de atitudes, que em princípio servem para identificação do estado fisiológico e, posteriormente, estarão relacionadas diretamente ao cortejo, que tem como finalidade testar a receptividade da fêmea 33 . Delgado e Gómez Urviola relataram o comportamento sexual de carneiros Criollos criados no Peru e observaram que, em presença de ovelhas em cio, os machos cheiram a genitália externa e realizam o reflexo de Flehmen; estando a fêmea em cio, iniciam o comportamento de cortejo, com lambidas, batida nas laterais da fêmea com um dos seus membros anteriores, apoio da cabeça e do corpo na ovelha, emissão de sons característicos, intenções de monta e finalmente monta e ejaculação; em seguida, o macho desce tranquilamente e urina 33 . Segundo Simitzis et al., a frequência de manifestação de cada comportamento, seja de identificação ou de cortejo, vai ser fortemente influenciada pela experiência. Carneiros jovens e inexperientes realizam mais cheiradas, reflexos de Flehmen, cotoveladas e montas incompletas 34 . Para que o ato sexual se desenvolva normalmente, há uma dependência de interações entre fatores endócrinos e eventos sociais, e os eventos sociais são o gatilho para os endócrinos 35 . O hábito de vida gregária dos ruminantes permite a ocorrência de interações sociais, no entanto estas interações podem resultar em algumas situações que levem à competição por recursos ou por fêmeas, aparecendo os efeitos de dominância e levando a interações agressivas entre os animais 36 . O comportamento de dominância é importante, pois sua expressão em reprodutores pode trazer efeitos negativos na 25 eficiência reprodutiva do rebanho, uma vez que dominância social não está relacionada com fertilidade dos machos 37 . 4. COMPORTAMENTO DE PAIS E FILHOS 4.1. Comportamento fetal, materno e do neonato Os cuidados que as crias de várias espécies recebem de seus progenitores devem ser bem compreendidos para melhor aplicação na domesticação, na produção animal e na conservação de espécies ameaçadas de extinção. Apenas entendendo bem suas necessidades e estratégias adotadas frente à diversidade de estímulos ambientais é que se pode oferecer um ambiente mais adequado a suas necessidades e estruturas, obtendo assim, sucesso na criação destes animais. Considerando-se apenas os mamíferos, existe uma ampla variabilidade no cuidado com as crias, desde aqueles que apresentam contato contínuo entre mãe e filhote (em que os filhotes são carregados ou seguem a mãe, como é o caso dos primatas ou dos ungulados), até aqueles com contato menos continuado, como é o caso de filhotes que são deixados em ninhos e abrigos. Cada uma destas estratégias exige ajustes específicos para seu funcionamento, com a existência de inúmeras adaptações naturais 38 . A existência de tal variação entre as espécies é produto da história evolutiva, além de efeitos ambientais imediatos, dentre eles, temperatura do ar, oferta de alimento e presença de predadores que determinam muitos aspectos do comportamento maternal em cada espécie. Bussab estudou o comportamento materno do pássaro Parus barbadus, em função de um dado ambiente de adaptabilidade evolutiva. Em criações de laboratório, os filhotes desses pássaros eram jogados para fora do ninho pela mãe. Esse comportamento materno, aparentemente desajustado, mostrou ser um comportamento zeloso, visto que um padrão característico do filhote na presença da mãe é abrir o bico, solicitando alimento. Caso um filhote não solicite alimento, é imediatamente jogado para fora do ninho. Na natureza, esta é uma reação ajustada, pois este sinal está associado à doença ou morte, e é facilmente imaginável seu valoradaptativo, como o de evitar riscos de contaminação. Entretanto, no laboratório, o padrão estava simplesmente relacionado à oferta excessiva de alimento. O exemplo mostrou como uma alteração até positiva no meio natural, segundo uma lógica externa, pode criar um empecilho, e mostra a necessidade de consideração desse meio para a compreensão dos fenômenos comportamentais 38 . Na bovinocultura de corte, o sistema de produção mais difundido é a cria permanecer com sua mãe até a desmama artificial, que ocorre por volta dos sete meses de idade do bezerro. Durante este período, o bezerro recebe os cuidados necessários para seu desenvolvimento físico e psicológico 39 . A presença da mãe exerce efeito no desenvolvimento na medida em que esta funciona como uma base de segurança a partir da qual o filhote tem mais condições de explorar o mundo a sua volta. Os cabritos domésticos que, na presença da mãe, se 26 aproximam mais das pessoas, além dos efeitos no estabelecimento de preferências e aversão a certos alimentos 38 . Essa relação de mãe e cria deve se iniciar imediatamente após o parto na espécie bovina, quando existe um período sensível para o aprendizado que resulta em reconhecimento recíproco, e que se dá por meio de características olfativas, visuais e auditivas que o ajudarão na distinção entre outros animais do rebanho. Este tipo de aprendizagem é denominado estampagem ou“imprinting”. Alguns experimentos mostraram que tanto as mães quanto as crias conseguem se reconhecer mutuamente após períodos de separação, se tiverem permanecido juntas durante o tempo necessário para a estampagem se realizar; tempo este diferente para as diferentes espécies 40 . A formação deste vínculo entre mãe e bezerro é facilmente percebida quando eles são separados após 24 horas do nascimento, mostrando aumento das vocalizações e deslocamento em ambos. Mesmo em idades mais tardias, ocorrem estas mesmas reações logo após a separação, tanto no momento em que a desmama artificial tradicional aos sete meses é efetuada, quanto na época em que o bezerro já não é mais dependente da dieta láctea 41 . As fêmeas bovinas podem começar a sentir atração por filhotes alheios pouco antes do próprio parto. É muito comum encontrar vacas, que se encontram nesta fase que antecede o parto, se aproximando de bezerros recém-nascidos e exibirem comportamentos agressivos para as mães verdadeiras, tentando expulsá-las. Quando as mães protegem suas crias dos outros membros do grupo que se aproximam de seus neonatos 42 . O comportamento materno pode ser dividido em duas fases: a fase de responsividade, que é caracterizada pela atração pelo recém-nascido, cujo estímulo provoca respostas de cuidado, e a fase denominada seletividade onde o reconhecimento do recém-nascido pela mãe e a formação de laços apenas com ele, resultando em cuidado seletivo, dificultando que outras crias se aproximem e mamem nela 43 . Há ainda, a condição de vacas que pariram natimortos e, ainda assim, despenderam tempo cuidando deles. Esses exemplos evidenciam os efeitos de hormônios no desencadeamento do comportamento materno 44 . Os comportamentos caracterizados por cuidado são definidos quando existe contato íntimo entre mãe e bezerro, como é o caso de lamber, que ajuda a eliminar os resíduos fetais presentes nas narinas da cria, ativar a circulação, diminuir a perda de calor pela evaporação e promover o reconhecimento entre eles. Ou ainda quando apresentam outro comportamento sem contato físico com o bezerro, como o ato de espantar intrusos, que podem ser animais da própria espécie ou predadores que aí surgirem 42 . Em relação aos contatos físicos na alimentação. O sucesso da relação entre vaca e bezerro parece depender de como cada um desempenha suas funções, pelo menos para esse período inicial tão crítico, em que a ingestão de colostro é primordial para a sobrevivência do bezerro. A vaca deve aceitar seu bezerro e facilitar a mamada, enquanto ele deve ser ágil o suficiente para buscar seu primeiro alimento, o colostro. A aproximação começa geralmente próxima à cabeça da vaca, pois geralmente ela está 27 lambendo o bezerro. Isso é feito com a manutenção de intenso contato físico com a vaca (cabeceando, lambendo, esfregando o focinho, etc.). O que indica que a localização do úbere deve se dar também por pistas táteis além dos visuais 45 . A definição do tempo entre ficar de pé e localizar o úbere depende muito das ações da vaca, que podem acelerar, retardar ou obstruir o acesso do bezerro; por exemplo, surtos de lambidas muito intensas e deslocamentos da mãe para manter-se em frente ao bezerro podem atrapalhá-lo. Por outro lado, ela pode ajudá-lo se permanecer imóvel. O bezerro, em suas tentativas de se aproximar do úbere, circula por diversas vezes ao redor da vaca. Estes movimentos circulares poderiam facilitar o início de procura do úbere, se este fosse controlado por estímulos visuais. Algumas vacas auxiliam seus bezerros na localização do úbere com cabeçadas ou deslocamentos em momentos críticos, facilitando esta tarefa. A própria imobilidade momentânea da mãe parece ser um forte fator que facilita a aproximação do bezerro ao úbere. Após a localização do úbere o bezerro precisa localizar e abocanhar a teta, para então iniciar os movimentos de sucção. Geralmente isto ocorre quando os animais se encontram na posição “paralela inversa” 46,47 . Ao tocar constantemente o úbere, o bezerro estimula a vaca a assumir uma postura que facilite a amamentação (ficar imóvel, arquear as costas, esticar as pernas traseiras, etc.) A localização da teta pelo bezerro depende do toque, talvez pela concomitante perda de visão ao se encontrar embaixo da vaca. Parece que a aproximação do bezerro se dá ao acaso e é corrigida pela estimulação táctil. Muitas vezes, após a apreensão da teta, o bezerro a larga, ou a perde, tendo que recomeçar todo o procedimento, às vezes desde o início da localização do úbere, até que consiga efetivamente mamar. Entretanto, os acontecimentos que antecedem a primeira mamada nem sempre ocorrem como descrito acima. Como os próprios autores descreveram, diversos fatores ambientais podem interferir nesse processo, aumentando o risco de insucesso na mamada. 5. TÓPICOS RELACIONADOS AO BEM-ESTAR ANIMAL 5.1. Introdução e importância do bem-estar animal O bem-estar é um termo utilizado para animais, incluindo-se o ser humano. É considerado de importância especial por muitas pessoas, porém requer uma definição estrita se a intenção é sua utilização de modo efetivo e consistente. Um conceito claramente definido de bem-estar é necessário para utilização em medições científicas precisas, em documentos legais e declarações e discussões públicas. O bem-estar, para que possa ser comparado em situações diversas ou avaliado em uma situação específica, deve ser medido de forma objetiva. A avaliação do bem-estar deve ser realizada de forma completamente separada de considerações éticas. A avaliação, uma vez finalizada, provê as informações necessárias para que decisões éticas possam ser tomadas sobre determinada situação 48 . Os primeiros princípios sobre bem-estar em animais de produção começaram a ser estudados em 1965 por um comitê formado por pesquisadores e profissionais relacionados à agricultura e pecuária do Reino Unido, denominado Comitê Brambell, iniciando-se, assim, um estudo mais
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