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EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA 1. Na década de 60, decisões clínicas não eram pautadas em evidências de pesquisas clínico-epidemiológicas pelo fato de que os trabalhos publicados e apresentados em congressos médicos eram, em grande parte, fundamentados em observações não sistematizadas com pequenas amostras de pacientes e em estudos que utilizavam animais de experimentação. 2. Alguns clínicos começaram a discutir a necessidade de desenvolver técnicas para avaliar a avalanche de inovações tecnológicas voltadas para o diagnóstico, tratamento e prevenção. Assim, a preocupação maior era promover uma pesquisa capaz de gerar dados com significado direto aos que tinham (ou viriam a ter) "doença sentida: referidos como "desfechos clinicamente relevantes". 3. Para avaliar os resultados das inovações voltadas para tratamento, prevenção e diagnóstico, a pesquisa clínica incorporou os desenvolvimentos metodológicos da Epidemiologia, o que foi apropriadamente reconhecido ao ser cunhado o nome de Epidemiologia Clínica que deve, portanto, ser vista como um ramo da Epidemiologia voltado para o estudo dos determinantes e efeitos das decisões clínicas. 4. Tem aumentado o número e a complexidade das opções diagnósticas, terapêuticas e preventivas. Isso passa a exigir do clínico uma análise mais criteriosa das evidências científicas e um maior envolvimento de pacientes e familiares. Esse novo cenário aparece como um novo paradigma das práticas e do ensino em medicina, referido como Medicina Baseada em Evidências (MBE). A MBE compreende o uso consciente, explícito e judicioso das melhores evidências disponíveis, de investigações que avaliam benefícios, riscos e custos para a tomada de decisões acerca do cuidado dos pacientes. 5. A prática da saúde com base em evidências requer a integração da experiência com a análise crítica das evidências visando chegar à melhor decisão em saúde. Para tanto, é preciso: • Identificar problemas relevantes e convertê-los em questões que conduzem a respostas necessárias • Pesquisar eficientemente fontes de informação para localizar evidências que apoiam as respostas necessárias • Analisar criticamente a qualidade da evidência, favorecendo ou negando o valor de uma determinada conduta e concluir corretamente quanto ao significado da informação • Aplicar conclusões da avaliação em situações específicas, visando a melhoria dos cuidados em saúde. ➢ FONTES DE EVIDÊNCIAS: TIPOS DE PUBLICAÇÕES 1. Para alcançar o rigor metodológico necessário, a produção de evidências que apoiam o uso de novas tecnologias de saúde passa por vários estágios, desde os mais preliminares – pré-clínicos - até os mais decisivos - experimentos clínicos capazes de expressar o benefício real aos pacientes. 2. Esse trabalho é feito coletivamente em várias instâncias e, depois, é amplamente divulgado em documentos, como revisões sistemáticas, protocolos clínicos, diretrizes etc. A prática da MBE exige o acesso a documentos como esses, planejados para dar respostas às questões levantadas no manejo dos doentes. 3. Nesse cenário, os artigos originais continuam sendo fonte importante de informação, pois contêm o relato principal dos resultados de uma pesquisa. No entanto, cada vez mais são utilizadas análises integradas das informações de muitos artigos, como revisões sistemáticas, diretrizes e sistemas de informação clínica. a) ARTIGOS ORIGINAIS: Os artigos originais, particularmente os grandes ensaios clínicos randomizados e os estudos observacionais de boa qualidade metodológica representam a fonte primária de informação para embasar decisões clínicas. Mesmo com estratégias de busca bem-feitas, pode-se gastar muito tempo e até mesmo perder-se no volume de informações encontradas. Por isso, esses artigos são menos utilizados para responder às questões do dia a dia do clínico atarefado. Quando tempo não for um impedimento, a leitura de artigos originais deve ser considerada. b) REVISÕES SISTEMÁTICAS: Na revisão sistemática, a unidade de pesquisa é um estudo individual. Tem esse nome por aplicar técnicas específicas, explícitas e reprodutíveis de identificação de pesquisas originais e de abstração de dados da literatura, com o objetivo de evitar ou, ao menos, minimizar vieses capazes de distorcer os resultados. Essa análise, ao juntar dados de vários estudos, adquire poder estatístico capaz de detectar diferenças estatisticamente significantes, mais confiáveis para apoiar decisões clínicas. c) SINOPSES: Várias revistas e portais na internet disponibilizam sinopses sobre estudos relevantes acompanhadas de uma análise crítica para facilitar acesso rápido às novas evidências. d) DIRETRIZES: As diretrizes (guidelines) compreendem um conjunto de recomendações clínicas para o manejo de um determinado problema. Em geral, são produzidas por iniciativa de uma agência governamental ou de uma sociedade médica. Quando apoiadas em resultados de trabalhos originais, como ensaios clínicos e estudos observacionais de boa qualidade e/ ou em boas revisões sistemáticas conduzidas adequadamente e isentas de vieses induzidos por interesses comerciais ou corporativistas, as diretrizes constituem importante fonte de evidências para a prática clínica. Os clínicos, portanto, devem avaliar cuidadosamente a qualidade das diretrizes para definir se devem confiar nas recomendações. e) LIVROS-TEXTO: Os livros-texto constituem fonte tradicional para orientar as condutas clínicas e têm a vantagem de apresentar grande densidade de condutas de forma organizada e de fácil acesso quando disponível no local de trabalho. A maior desvantagem dos livros-texto é sua rápida desatualização. f) SISTEMAS DE INFORMAÇÕES CLÍNICAS: Publicações eletrônicas, com recursos de hipertexto, que permitem rápida atualização de conteúdo e fácil acesso às evidências. Os enfoques são variados, desde os mais abrangentes até os que se limitam à medicina interna ou à atenção primária. ➢ ANÁLISE CRÍTICA DAS EVIDÊNCIAS O entendimento dos princípios gerais para leitura crítica de um artigo clínico-epidemiológico torna mais eficiente o processo de avaliação da qualidade da evidência e do uso da informação para apoiar decisões clínicas. a) QUESTÃO DE PESQUISA: O passo inicial na análise de um artigo é identificar o que o autor quis pesquisar, o que realmente pesquisou e se isso atende ao que o leitor está querendo encontrar. A natureza da questão de pesquisa é muito importante para identificar o tipo de estudo mais adequado e aspectos metodológicos que merecem especial atenção. Por exemplo, para questões relacionadas com tratamento ou prevenção, os estudos com base em ensaio clínico randomizado ou revisão sistemática de ensaios clínicos são, em geral, os mais adequados. b) VALIDADE: A validade tem dois componentes: a validade interna e a externa. A validade EXTERNA diz respeito ao grau com que se pode generalizar os dados do estudo para outras populações. A INTERNA é mais diretamente relacionada com a qualidade metodológica do estudo; diz respeito a erros metodológicos no planejamento, condução da pesquisa, análise dos dados ou divulgação dos resultados. As consequências são limitadas ao contexto do trabalho de pesquisa por não refletir corretamente o que ocorre na população accessível (população fonte) para o estudo. Os FATORES que interferem na validade interna de uma pesquisa científica podem ser classificados como: • Efeitos de variáveis não devidamente ajustados em associações investigadas no estudo (que podem ser considerados como vieses de confusão ou como erros de interpretação causal); • Caso ou erro aleatório: A avaliação do erro aleatório é expressa em termos probabilísticos, o que pode ser feito por meio de testes estatísticos, que estimam a probabilidade de que os achados encontrados na amostra em estudo tenham ocorrido tão somente pelo acaso. Quando essa possibilidade é remota(probabilidade pequena de erro), a diferença ou associação é dita "estatisticamente significante''. Por convenção, define-se que a probabilidade é muito pequena desse tipo de erro (tipo 1) quando for menor do que 5%, ou seja, P = 0,05. Quando o teste não mostra significância e a diferença na população realmente existe, fala-se em erro tipo II ou erro beta. • Viés ou erro sistemático: é uma diferença sistemática entre os dados obtidos pela pesquisa e os dados verdadeiros na população fonte da pesquisa. Estudos em seres humanos são muito propensos a vieses, seja pela arbitrariedade dos investigadores na seleção da amostra e aferição das variáveis estudadas, seja pela dificuldade no controle de outros fatores - além do fator em estudo - que podem influenciar no desfecho clínico. c) SIGNIFICÂNCIA CLÍNICO-EPIDEMIOLÓGICA: Os achados de um estudo, mesmo quando válidos e estatisticamente significantes, podem não ser relevantes no plano aplicado das ações de saúde. A significância clínico-epidemiológica, portanto, diz respeito ao impacto que os resultados produziriam se aplicados na prática. d) APLICABILIDADE: Se refere ao uso dos resultados de uma pesquisa clínico-epidemiológica para apoiar decisões clínicas. O componente mais importante da aplicabilidade é a validade externa. Ressalta-se, contudo, que, mesmo com validade externa aceitável, os resultados de um estudo podem não ser aplicáveis localmente por questões de ordem prática, como para efeitos, disponibilidade do teste ou do tratamento, alto custo, aceitabilidade étnico-cultural, ou infraestrutura técnica inadequada. ➢ PRÁTICA EM SAÚDE COM BASE EM EVIDÊNCIAS A prática do uso consciente, explicito e judicioso das melhores evidências atualmente disponíveis para a tomada de decisões exige um constante e autocrítico perguntar-responder. a) FORMULANDO BOAS QUESTÕES: Identificada uma dúvida que requer esclarecimento, é útil formulá-la como uma questão padronizada, orientadora das palavras-chave a serem utilizadas na busca de evidências. Isso significa que ela deverá explicitar três elementos principais, que geram a sigla PPR: o Problema, o Preditor (fator em estudo) e a Resposta (desfecho clínico). Um exemplo de formulação da questão poderia ser: em pacientes com neuropatia diabética, a duloxetina reduz a dor? b) LOCALIZANDO EVIDÊNCIAS: PubMed (Medline), Capes (acesso restrito a certas instituições), SciELO, BIREME (SCAD), etc. c) ANALISANDO CRITICAMENTE AS EVIDÊNCIAS: Parte importante na formulação de recomendações clínicas é a capacidade de comunicar, de maneira sucinta, o benefício (ou dano) de uma intervenção, ou procedimento diagnóstico, e a qualidade das evidências que apoiam a avaliação desse benefício. O Sistema Grade pode ser usado; comparado com outros esquemas, o GRADE define de uma forma mais clara e objetiva a força (grau) da recomendação para se adotar uma determinada conduta e a qualidade (nível) da evidência científica que apoia a recomendação. d) APLICANDO AS EVIDÊNCIAS NO CONTEXTO PRÁTICO: É importante ressaltar que a prática de saúde com base em evidências não substitui o raciocínio integral do profissional da saúde por uma abordagem do tipo "livro de receitas''. Contrariamente, estimula a avaliação crítica na escolha das alternativas que ampliem benefícios e minimizem riscos para as pessoas. TIPOS DE VIESES: Vieses de seleção. São aqueles que distorcem os resultados pelo modo dos participantes serem recrutados e/ ou dos grupos de comparação serem formados. Pode-se inferir que, devido a esses problemas, a população efetivamente pesquisada não seja representativa da população de pesquisa planejada para o estudo, o que ocasiona distorções nos resultados. Vieses de aferição ou de informação (medição ou informação). Ocorrem quando as variáveis do estudo são medidas ou informadas erroneamente, distorcendo os resultados. Por exemplo, em estudos analíticos, isso significa que o processo de coleta da informação é sistematicamente diferente nos dois grupos em comparação; em ensaios clínicos e estudos de coorte, uma importante fonte viés de informação é a perda de seguimento. Vieses de confusão. Viés por confusão de efeito de variáveis (confundimento) acontece quando é questionada a comparabilidade dos grupos estudados na análise de uma associação. O confundimento é, portanto, a conclusão errônea de que o fator em estudo produz o desfecho clínico quando, realmente, o efeito é devido ao fator de confusão, desigualmente distribuído entre os grupos. ➢ PRÁTICA INSTITUCIONAL COM BASE EM EVIDÊNCIAS 1. A complexidade das análises que subsidiam as decisões e a importância da racionalidade na escolha de opções diagnósticas e terapêuticas tem motivado a incorporação do paradigma da medicina com base em evidências na prática institucional de sistemas de saúde. 2. Quando as atividades clínicas são exercidas dentro de um sistema público de saúde, as decisões também fazem parte do campo da Saúde Pública Baseada em Evidências. Importante vertente desse processo institucional é a avaliação de tecnologias em saúde (ATS), que visa fornecer aos tomadores de decisão uma análise da efetividade de condutas, em contexto maior, incluindo as implicações econômicas, ambientais, sociais, políticas e legais para a sociedade. 3. No âmbito local, hospitais e serviços de saúde que adotam uma prática pautada em evidências podem desenvolver PROTOCOLOS ASSISTENCIAIS com base em evidências e adequados ao seu contexto. Ao aplicarem as melhores evidências sobre efetividade e custo-efetividade, levam em conta os recursos disponíveis, as preferências pessoais e institucionais. Ela é a base racional para definir que condutas disponibilizar dentre as inúmeras que competem pelos recursos fixos da instituição. Seu uso correto pode evitar distorções causadas pelo emprego inadequado de condutas de alto custo e baixa efetividade. 4. Técnicas para estimular práticas efetivas têm sido avaliadas favoravelmente por ensaios clínicos. Dentre elas, citam-se discussões individuais entre profissionais da saúde e peritos, estágios docente-assistenciais, alertas e lembretes computadorizados, orientações por profissionais da saúde de liderança e auditorias com retroalimentação direcionadas a práticas específicas. Restrições na prescrição de certos remédios e até mesmo incentivos financeiros também fazem parte dessa lista.
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