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1 Marina Maia & Flávia Cunha ELETROCARDIOGRAMA O coração é um órgão tridimensional e a sua atividade elétrica também deve ser compreendida em três dimensões. Um par de eletrodos não é adequado para fazer isso, um fato que os eletrocardiografistas originais reconheceram há mais de um século, quando inventaram a primeira derivação dos membros. Hoje, o ECG padrão consiste em 12 derivações, com cada uma determinada pela colocação e orientação de vários eletrodos no corpo. Cada derivação vê o coração de um ângulo único, aumentando a sua sensibilidade para uma região particular do coração, à custa de outras. Quando mais derivações, mais informações são fornecidas. As seis derivações dos membros As derivações dos membros veem o coração em um plano vertical chamado de plano frontal. O plano frontal pode ser visto como um grande círculo sobreposto ao corpo do paciente. Esse círculo, então, é marcado em graus. A derivação dos membros vê as forças elétricas (ondas de despolarização e repolarização) se movendo para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita por esse círculo. Para produzir as seis derivações no plano frontal, cada um dos eletrodos é designado variavelmente como positivo ou negativo (isso é feito automaticamente por circuitos dentro da máquina de ECG). Cada derivação tem a sua visão específica do coração, ou ângulo de orientação. O ângulo de cada derivação pode ser determinado desenhando-se uma linha do eletrodo negativo ao eletrodo positivo. O ângulo resultante, dessa forma, é expresso em graus pela sua sobreposição no círculo de 360º do plano frontal. As três derivações regulares dos membros são definidas da seguinte maneira: 1. a derivação I é criada tornando o braço esquerdo positivo e o braço direito negativo. O seu ângulo de orientação é 0º; 2. a derivação II é criada tornando as pernas positivas e o braço direito negativo. O seu ângulo de orientação é 60º; 3. a derivação III é criada tornando as pernas positivas e o braço esquerdo negativo. O seu ângulo de orientação é 120º. As três derivações aumentadas dos membros são criadas de forma um tanto diferenciada. Uma única derivação é escolhida como positiva e todas 2 Marina Maia & Flávia Cunha as outras são tornadas negativas, com a sua média servindo essencialmente como o eletrodo negativo (base comum). Elas são chamadas de derivações aumentadas, porque a máquina de ECG precisa amplificar o traçado para obter um registro adequado. 1. A derivação aVL é criada tornando o braço esquerdo positivo e os outros membros negativos. O seu ângulo de orientação é –30º. 2. A derivação aVR é criada tornando o braço direito positivo e os outros membros negativos. O seu ângulo de orientação é –150º. 3. A derivação aVF é criada tornando as pernas positivas e os outros membros negativos. O seu ângulo de orientação é +90º. Cada derivação percebe o coração a partir de seu ponto de vista único. ▪ Eixo elétrico normal no plano frontal Os limites normais do eixo elétrico do coração no plano frontal situam-se entre -30° e +90°. 3 Marina Maia & Flávia Cunha ▪ Frequência Cardíaca É a velocidade na qual acontece um ciclo cardíaco, ou seja, a despolarização e repolarização das células do músculo cardíaco, permitindo a atividade cardíaca de contração e relaxamento das fibras miocárdicas O cálculo da FC é de grande importância diagnóstica, pois define as taquicardias e bradicardias. Apesar de muitos eletrocardiógrafos fornecerem o cálculo automático, algumas vezes podem fornecer valores não reais da FC e muitas vezes não fazem o cálculo em ritmos irregulares, como Fibrilação Atrial. A FC é calculada pelo ECG, que sua por vez, utiliza um papel milimetrado, no qual cada quadrado menos tem 1mm de lado e cada quadrado maior possui 5mm de lado, isto é, 5 quadrados menores = 1 quadrado maior. 4 Marina Maia & Flávia Cunha A velocidade-padrão de deslocamento no papel do ECG é de 25mm/s. Então, no traçado horizontalmente, cada milímetro (1 quadradinho) corresponde a 40ms = 0,04s. Logo, 1 quadrado maior possui 200ms = 0,02. Portanto, cada segundo corresponde a 5 quadrados maiores e 1 minuto são 200 quadrados maiores. Com base nesses dados, pode-se concluir que os eletrocardiógrafos percorrem 1.500 mm (quadradinhos) em 1 minutos = 300 quadrados maiores. Calculando a FC Existem duas formas principais: 1. Regra do 1.500 Em um traçado com frequencia regular, divide-se 1.500 pelo número de quadrados menores que estão entre duas ondas R. Ou seja, escolher duas ondas R, determinar a distância entre elas e dividir o número pela distância RR em quadradinhos. Isso significa que em uma distância de 1.500 quadradinhos (distância percorrida em 1 minutos) aparece um número determinado de QRS, o que caracteriza os batimentos por minuto. 2. Regras dos 300 Em um traçado com frequencia regular, divide-se o número 300 pela quantidade de quadrados maiores entre duas ondas R. Para facilitar, é válido procurar uma onda R que coincida com uma linha espessa. 5 Marina Maia & Flávia Cunha Caso não seja exato o número de quadrados maiores, soma-se 0,2 para quadrado menor que sobrar ao número de quadrados maiores. Uma dica prática é fazer uma contagem regressiva começando do número 300, seguindo-se os números 150,100,75,60,50, 43, 37 para cada quadrado maior de distância → isso equivale à divisão do número 300 pelo número de quadrados maiores. Cálculo da FC em ritmos irregulares Geralmente o ECG registra 10 segundos em DII longo, o que é igual a 50 quadrados maiores. Então, basta contar todos os complexos QRS e multiplicar por 6 para se obter a FC. Caso o ECG não registre 10 segundos, pode-se contar 30 quadrados maiores e observar quantos complexos QRS se inserem nesses 30 quadrados maiores → Basta multiplicar o número de QRS nos 30 quadrados maiores por 10. Significado elétrico Significado mecânico Onda P Despolarização dos átrios Contração atrial Intervalo PR Retardo fisiológico no nó AV Evita que o átrio contraia quase que ao mesmo tempo que o ventrículo 6 Marina Maia & Flávia Cunha Complexo QRS Despolarização ventricular Início da contração ventricular (sístole) Onda T e segmento ST Repolarização ventricular A sístole ventricular compreende o intervalo do início do QRS ao final da onda T. O período de relaxamento isovolumétrico é representado pelo final da onda T; e a fase de enchimento rápido é representado pelo início da linha isoelétrica após a onda T. ▪ Ritmo Sinusal X Ritmo Não Sinusal Ritmo sinusal (RS): aquele que deriva do automatismo de células do nó sinusal ou sinoatrial. Por normalmente gerar impulsos de forma mais rápida que outros locais do coração, o nó sinusal é considerado o marca-passo cardíaco e o RS é o seu ritmo fisiológico, com frequência habitual de 50-100 bpm. Para avaliar se o coração está se despolarizando e transmistindo impulsos elétricos oriundos do nós sinusal, utliza-se como orientação o padrão característico das ondas geradas por esta estrutura. O RS é identificado no ECG pela presença de onda P positiva nas derivações DI, DII e aVF e negativa em aVR, precedendo QRS A onda P normal possui um eixo entre 0º e +90º, com duração de até 110ms e amplitude de 2,5mm (2 quadradinhos e meio) Ritmo não sinusal: é importante lembrar que qualquer célula cardíaca pode dar origem a um impulso elétrico e assim dar início à despolarização. Quando não se consegue identificar um RS, é muito provável que seja uma arritmia. Ritmo sinusal, então, é quando impulsos são gerados de outro lugar do coração que não seja o nó sinusal. ▪ TAQUIARRITMIAS São distúrbios de frequencia, formação e/ou condução do impulso elétrico cardíaco que secaracterizam por uma FC > 100bpm e podem apresentam alteração na regularidade e na morfologia dos complexos. São divididas em: 7 Marina Maia & Flávia Cunha Arritmias Supraventriculares Ritmo que se origina da junção entre o nó atrioventricular (AV) e o feixe de his Ex: Fibrilação Atrial, flutter atrial, ritmo atrial ectópico, ritmo juncional, taquicardia por reentrada nodal, dentre outras Arritmias Ventriculares Ritmo originado abaixo do feixe de His, apresentando QRS necessariamente alargado, visto que não respeita o sistema normal de condução Ex: taquicardia ventricular, fibrilação ventricular e flutter ventricular De forma prática, pode-se avaliar o tipo de TA segundo dois elementos: • Intervalo QRS: se estreito (<120 ms) ou largo (≥120 ms) • Intervalo RR: se regular ou irregular A diferenciação das TA de acordo com a duração do complexo QRS é utilizada de forma a simplificar o diagnóstico → As taquicardias com QRS estreito têm origem supraventricular, enquanto a maioria das taquicardias com intervalo QRS largo tem origem ventricular. Atenção: Algumas TA supraventriculares podem se apresentar como complexo QRS largo quando associadas a distúrbios de condução, que são situações em que o impulso de origem supraventricular tem dificuldade na propagação pelo sistema de condução, prolongando sua duração e gerando o QRS alargado. Extrassístoles São batimentos precoces originados de focos ectópicos que geram um impulso elétrico com consequente despolarização ventricular. Após a extrassístole, é esperado um período sem atividade elétrica, chamado de pausa pós-extrassistólica. Muitas vezes são responsáveis por desencadear mecanismos taquiarrítmicos. Podem ser divididas em 3 tipos de acordo com seu local de origem: 1. Extrassístole atrial: batimento ectópico precoce que se inicia no átrio e leva á despolarização ventricular. Observar a onda P prematura de morfologia diferente da onda P sinusal, acompanhada por um complexo QRS e seguida por uma pausa pós-extrassistólica. 8 Marina Maia & Flávia Cunha 2. Extrassístole Juncional: é originada na junção AV e despolariza os ventrículos de forma anterógrada; já os átrios se despolarizam de maneira retrógada. Observar onda P retrógrada depois de um complexo QRS complexo. 3. Extrassístole Ventricular: o impulso elétrico tem origem distalmente ao feixe de His ou no miócito; logo a despolarização é mais lenta. Observar o QRS alargado, com alteração do segmento ST e onda T subsequente. As extrassístoles podem ainda ser divididas de acordo com sua distribuição: • Bigeminal: uma extrassístole intercalada com um batimento sinusal (A) • Trigeminal: uma extrassístole intercalada com dois batimentos sinusais (B) • Quadrigeminal: uma extrassístole intercalada com três batimentos sinusais © • Pareadas: duas extrassístoles consecutivas • Taquicardia: 3 ou mais extrassístoles consecutivas Outra classificação é quanto ao registro das taquicardias: • Sustentadas: duração > 30s • Não sustentadas: duração < 30s Obs: quando uma taquicardia tiver uma duração <30s, porém causando sincope, pode ser classificada como taquicardia sustentada. Taquicardias Supraventriculares 1. Taquicardia Sinusal: causada por uma exacerbação do tônus simpático. Critérios: • FC >100bpm • Ritmo sinusal (presenças de ondas P positivas em DI, DII, aVF e negativa em aVR) • QRS estreito (<120ms) • Intervalo RR regular 9 Marina Maia & Flávia Cunha 2. Taquicardia atrial focal: impulso elétrico cardíaco proveniente de um foco atrial ectópico e não do nó sinusal. Critérios: • Frequência atrial >100bpm • Onda P com morfologia diferente da onda P sinusal, podendo ser qualquer combinação de morfologia e polaridade nas diferentes derivações. • QRS estreito (<120ms) • É comum haver associação com condução AV variável e, nesses casos, o intervalo RR é irregular 3. Taquicardia atrial multifocal Critérios: • É originada de vários focos atriais ectópicos, e assim, é identificada a presença de 3 ou mais morfologias de onda P diferentes. • O intervalo PR também se mante variável • Frequencia atrial > 100bpm • QRS estreito (<120ms) 4. Taquicardia juncional não paroxística: ocorre em decorrência do automatismo no nó AV. Critérios: • FC > 100bpm, dificilmente ultrapassa 120bpm • QRS estreito (<120ms) • Onda P pode estar ausente, distorcendo e encoberta pelo complexo QRS, ou pode apresentar uma onda P retrógrada (por despolarização atrial a partir do nó AV) ou completamente dissociada dos complexos QRS (quando a despolarização atrial se dá pelo nó sinusal, não pelo estímulo do nó AV; nesses casos, a onda P é sinusal) • RR regular 5. Taquicardia por reentrada nodal comum: ocorre em decorrência da reentrada do estímulo pela dupla via nodal. Critérios: • FC entre 140-250bpm • Onda P retrógrada, que pode ocorrer durante ou no final do QRS, com distorção deste, ou pode não ser identificável • QRS estreito (<120ms) • Intervalo RR irregular Flutter Atrial Critérios: • Ritmo atrial organizado 10 Marina Maia & Flávia Cunha • Frequencia atrial entre 250-350bpm • Ausência de ondas P • Presença de ondas F, formando um traçado serrilhado mais bem visto em DII, DIII e aVF Fibrilação Atrial Trata-se da desorganização da atividade elétrica atrial, impedindo que haja uma contração eficiente dos átrios. É causada pelo mecanismo de microrrentrada. Critérios: • Ritmo atrial não organizado • Frequência atrial entre 450 e 700bpm (presenças de ondas f, caracterizando um tremor na linha de base) • Resposta ventricular variável (quando a frequência ventricular é ≥ 100bpm, é chamada FA de alta resposta ventricular • Ausência de ondas P. • QRS estreito (<120ms), exceto se houver distúrbio de condução do estímulo elétrico aos ventrículos, • Intervalo RR irregular (exceto se houver dissociação AV, como ocorre em uma FA com bloqueio atrioventricular total - BAVT; nesses casos, o intervalo RR é regular. Taquicardias Ventriculares 1. Taquicardia ventricular monomórfica Critérios: • Ritmo regular • Frequência Ventricular > 100bpm, podendo chegar a 220bpm • QRS alargado (≥120ms) 11 Marina Maia & Flávia Cunha • Série de 3 ou mais QRS consecutivos de morfologia uniforme numa mesma derivação Critérios para diferenciais o QRS alargado de origem atrial ou ventricular: Critério de Brugada Algoritmo de Vereckei 12 Marina Maia & Flávia Cunha Diferenciação das TA de QRS largo 2. Taquicardia ventricular polimórfica (TVP): existem alguns padrões, mas um peculiar é o torsades de pointes, relacionado à presença de QT longo. Nele, pode-se observar uma torção das pontas dos complexos QRS ao longo da linha isoelétrica durante a arritmia, um aspecto que lembra o DNA de dupla hélice. Critérios: • Ritmo irregular • Frequência ventricular > 100bpm • QRS alargado (≥120ms) e de morfologia variável em uma mesma derivação. Obs: a TVP é um ritmo extremamente associado à rápida instabilidade clínica, de modo que, quando sustentada, leva à parada cardiorrespiratória em pouquíssimo tempo. 13 Marina Maia & Flávia Cunha 3. Fibrilação Ventricular: o mecanismo é semelhante ao que ocorre na fibrilação atrial, entretanto ocorre nos ventrículos. Há vários focos ectópicos estimulando o ventrículo ao mesmo tempo, levando à contração irregular dos ventrículos, incompatível com o bombeamento cardíaco efetivo. Geralmente, esse tipo é precedido por uma TV ou TVP Critérios: • Ritmos grosseiramente irregular • Complexo QRS apresentando morfologia, amplitude e frequencia variáveis a cada batimento. ▪ SOBRECARGA ATRIAL No ECG usa-se o termo sobrecarga quando se trata de uma hipertrofia ou dilatação das câmaras cardíacas. Sobrecarga AtrialDireita - A onda apresenta-se apiculada com amplitude acima de 2,5mm em alguma das derivações; habitualmente, mas não sempre, a maior onda P é encontrada na derivação DII - Pode-se perceber, geralmente na onda VI, que a onda apresenta uma aumento da deflexão inicial positiva maior que 1,5mm. - Pode haver um desvio de eixo elétrico da onda P para direita. Quando ocorre desvio próximo de +90º, costuma-se chamar P de pulmonale em uma doença pulmonar crônica obstrutiva. Sobrecarga Atrial Esquerda - A onda P apresenta-se bífida em DII e é chamada de onda P mitrale. Acontece um intervalo entre dois componentes atriais direito e esquerdo de 40ms. - A onda mostra-se bifásica em V1, e sua porção final tem uma polaridade negativa aumentada. Quanto maior ou igual a 1mm em relação à amplitude e maior que 0,04mm/s de duração, constitui o índice de Morris. 14 Marina Maia & Flávia Cunha - A onda P bifásica em V1 não é um achado anormal, mas o componente negativo não pçode passar de 1mm - A amplitude sofre nenhuma ou pouca alteração - Sua duração é mais bem avaliada em DII e é superior a 110ms (maior ou igual a 3 quadradinhos) - Pode haver desvio de eixo elétrico da onda P para a esquerda Sobrecarga Biatrial - A morfologia e o eixo elétrico da onda P neste caso depende-se do predomínio de sobrecarga atrial direita ou esquerda. Há sempre uma mistura de sinais que caracterizam ambas as sobrecargas. - Sua amplitude está aumentada, ou seja, maior que 2,5mm (maior que 3 quadradinhos) em alguma derivação - A duração também está aumentada = maior que 110ms 15 Marina Maia & Flávia Cunha ▪ Análise do Intervalo PR Uma importante noção que deve ser estabelecida é a diferença entre intervalos e segmentos: Intervalos → são formados por ondas e porções isoelétricas do traçado Intervalo PR = tempo em que os elétrons saem no nó sinusal e são lançados para o nó AV e ficam lá retidos. O valor normal abrange a faixa entre 120-200ms (3-5 quadrados menores). É importante para a harmonia do fluxo de sangue no coração (evitando contrações mútuas entre átrio e ventrículo) Segmentos → constitui apenas de partes isoelétricas do ECG. Segmento PR = tempo em que os elétrons estão guardados no nó AV Simboliza a despolarização atrial (onda P) e o retardo na condução do impulso elétrico que ocorre no nó AV (segmento PR). Doenças que alargam o intervalo PR BRADIARRITMIAS: 1. Bloqueio atrioventricular de 1º grau - Esse tipo de bloqueio é caracterizado por um aumento no retardo da condução AV, ocorrendo então um prolongamento do intervalo PR (PR>200ms). - Nesse tipo de bloqueio, toda onda de despolarização AV chega aos ventrículos, ou seja, toda onda P sempre vai ser seguida de um complexo QRS nessa condição (proporção átrio/ventrículo 1 para 1) Achados: • Intervalo PR prolongado (PR>200ms) • Relação A/V 1:1 • FC normal ou bradicardia (somente presente quanto o intervalo PR está extremamente prolongado) 16 Marina Maia & Flávia Cunha 2. Bloqueio atrioventricular de 2º grau - Nesse tipo de bloqueio eventualmente algumas ondas de despolarização não são conduzidas para os ventrículos, ou seja, algumas ondas P não são seguidas de um complexo QRS (proporção não é mais A/V 1:1). - Essa classificação pode ser dividida em 2 grupos: I – Bloqueio Atrioventricular de 2º grau Mobitz tipo I É caracterizado pela existência de uma dificuldade progressiva da condução AV, prolongando o tempo do intervalo PR a cada ciclo cardíaco até chegar em um ponto onde o estímulo é barrado completamente. A falha na condução é seguida de um período isoelétrico prolongado do traçado, que simboliza uma reprogramação do nó AS, dando início a um novo ciclo cardíaco logo após. Achados: • Intervalo PR que se prolonga progressivamente nos impulsos conduzidos • Presença de eventuais ondas P não sucedidas por um QRS (fenômenos de Wenckebach ou onda P bloqueada) 17 Marina Maia & Flávia Cunha II – Bloqueio Atrioventricular de 2º Grau Mobitz tipo II Nesta modalidade de bloqueio há uma interrupção súbita da condução AV após perídos normais de transmissão do impulso. Observa-se no ECG um período de condução AV normal, com um intervalo PR constante e ondas P sucedidas de um QRS, seguido do aparecimento repentino de uma onda P bloqueada, sem QRS associado. Esse ciclo se repete múltiplas vezes durante o traçado. Achados: • Intervalo PR constante nos batimentos que geram um QRS • Presença súbita de ondas P não sucedidas por um QRS Bloqueio Atrioventricular 2:1 Trata-se de uma condição em que para cada um impulso elétrico de origem sinusal, um é conduzido e vai despolarizar os ventrículos e o outro é bloqueado e não chega até eles. No ECG, isso é demonstrado pela proporção fixa de duas ondas P para um complexo QRS. Achados: • Intervalo constante nos batimentos que geram um QRS • Proporção A/V constante de 2:1 OBS: alargamento do QRS nem sempre está presente em BAV (bloqueio atrioventricular), porém quando visualizado, está associado a pior prognóstico e menor responsividade a tratamentos convencionais. 18 Marina Maia & Flávia Cunha Bloqueio atrioventricular de 3º grau Também pode ser chamado de bloqueio atrioventricular total (BAVT), pois nenhum estímulo proveniente dos átrios alcança os ventrículos e por isso há uma completa dissociação entre as câmaras. A contração atrial continua comandada pelo estímulo do nó sinusal, enquanto a despolarização fica a cargo de algum foco abaixo do nó AV(ritmo de escape), como as fibras de Purkinje. Dessa forma, é como se houvesse 2 corações que funcionam de forma independente um do outro. A frequencia da contração atrial é maior que a ventricular por conta da característica do nó AS de possuir automatismo maior que os outros tecidos. No ECG, as ondas P não possuem nenhuma relação com os complexos QRS, e ambas podem coincidir no traçado algumas vezes, dando a aparência que a onda P desapareceu, quando, na verdade ela está SOBREPOSTA pelo QRS. Achados: • Completa dissociação entre onda P e complexo QRS (ondas P entrando e saindo do complexo QRS) • Frequencia atrial > frequencia ventricular • Bradicardia (comumente com FC <50bpm) ▪ Bloqueio de Ramo O nó atrioventricular transmite o estímulo vindo dos átrios para os ventrículos por meio do feixe de His e seus ramos (esquerdo e direito), para garantir que a propagação do impulso seja harmônico, de forma que os dois ventrículos consigam se despolarizar praticamente, de modo simultâneo e formar uma único complexo QRS e estreito. 19 Marina Maia & Flávia Cunha Quando esse estímulo elétrico tem sua propagação lentificada ou impedida por um dos ramos do feixe de His, o estímulo não se distribui simultaneamente pelos ventrículos, levando à presença de bloqueios intraventriculares. Como consequência, o ventrículo afetado se despolariza mais tardiamente e o complexo QRS fica alargado → Nessa situação, é como existisse 2 complexos QRS, um para o primeiro ventrículo sem o bloqueio e outro para o ventrículo com bloqueio. Bloqueio de Ramo Esquerdo (BRE) • QRS alargado (≥120 ms ou 3 quadrados pequenos • Onda R alargada em V5 e V6, formando a conhecida onda em torre ou R-R. Pode ocorrer em D1 e VL, pois são derivações que também estão direcionadas ao ventrículo esquerdo. • Eixo elétrico entre -30º e +60º - Importância clínica: presença de BRE assintomático levanta alerta para doenças relacionadas a este diagnóstico: hipertensão e síndromes coronarianas; por isso, na presença desse bloqueio, é preciso investigar essas e outras doenças como miocardite, valvulopatias e cardiomiopatias ✓ Bloqueio do ramo esquerdo incompleto O BRE incompleto pode ser diagnosticado quando preencher pelo menos três dos quatro critérios definidos por Unger e colaboradores: • Complexo QRS com duração entre0,1s e 0,12s • Aumento do tempo de ativação com atraso do início da deflexão intrinsecoide de pele menos 0,06s em derivações precordiais esquerdas • Ausência de onda 1 em derivações precordiais esquerdas. • Empastamento ou entalhe da fase da onda R em derivações precordiais esquerda. Bloqueio de Ramo Direito (BRD) • QRS alargado (≥120 ms ou 3 quadrados pequenos) • Complexo QRS pode ter formato rSR´ ou rsR´em V1, uma derivação que está mais direcionada ao ventrículo esquerdo. • Eixo elétrico pode variar entre os pacientes, mas geralmente se apresenta com desvio para direita - A epidemiologia do BRD aumenta com a idade, mas diferente do BRE, não está relacionado tanto com os fatores de risco ou doenças cardíacas agudas (infarto agudo do miocárdio), e isso pressupõe que esteja mais envolvido com doenças cardíacas degenerativas. - Porém, BRD incompleto (QRS entre 100-120ms), que apresenta um retardo menor de propagação de impulso em relação ao completo, aparentemente tem menos associação com a progressão da idade ✓ Bloqueio de ramo direito incompleto Também conhecido como BRD de grau leve a moderado. • Complexo QRS com duração entre 0,08s e 0,12s. • Diminuição progressiva da onda S em V2 • Empastamento da onda S em V2 • Desenvolvimento das morfologias rsr´ou rsR´em V2 e, posteriormente, em V1 20 Marina Maia & Flávia Cunha • Onda T com direção oposta à deflexão do complexo QRS Diferenciação entre os dois ramos (esquerdo e direito): 1. Antes de tudo, é necessário identificar se o QRS está alargado, e caso positivo, se o paciente tem bloqueio 2. Para saber se é um BRE ou BRD, basta utilizar o raciocínio da seta do carro: quando se posiciona a alavanca para baixo, a seta aponta para esquerda; quando ela é colocada para cima, passa para a direita → Olhando o QRS na derivação V1, quando a parte final dele estiver positiva (para cima) é BRD; ou se na mesma derivação estiver negativa (para baixo) é BRE. 21 Marina Maia & Flávia Cunha ▪ Avaliação do Segmento ST Antes de tudo, é importante lembrar que o segmento é o que segue uma onda e, diferentemente dos intervalos, não apresenta ondas em sua composição. O segmento ST tem início no ponto J, que é exatamente no qual há finalização da onda S, e vai até o início da onda T. Fisiologicamente, esse segmento representa o período de transição entre a despolarização e a repolarização ventricular e, por conta disso, não apresenta desníveis na sua composição. O que basicamente devemos observar durante a avaliação dos segmentos ST é se há ou não algum desnivelamento, que pode ser de dois tipos: 1. Supradesnivelamento do segmento ST: o ponto J encontra-se elevado em comparação à linha de base do traçado eletrocardiográfico. 2. Infradesnivelamento do segmento ST: o ponto J encontra-se rebaixado em comparação com a linha de base do traçado eletrocardiográfico. OBS: para serem considerados válidos, os desnivelamentos devem ser também encontrados em derivação contíguas. ▪ Intervalo QT e intervalo QT corrigido É o período de tempo entre o início do complexo QRS e o final da onda T e corresponde à duração total da sístole elétrica ventricular. Representa o tempo do início da despolarização ventricular ao final da repolarização ventricular. Ele inclui todos os eventos elétricos que ocorrem nos ventrículos. Do ponto de vista temporal, a maior parte do intervalo QT é dedicada à repolarização ventricular do que à despolarização (isto é, a onda T é mais larga do que o complexo QRS). 22 Marina Maia & Flávia Cunha A duração do intervalo QT é proporcional à frequência cardíaca. Quanto mais rápido o coração bater, mais rápido ele precisa se repolarizar para se preparar para a próxima contração; assim, também será mais curto o intervalo QT. Inversamente, quando o coração está batendo devagar, há pouca urgência em se repolarizar e o intervalo QT é longo. De um modo geral, o intervalo QT compreende cerca de 40% do ciclo cardíaco, quando medido de uma onda R até a outra. Esse intervalo é maior em mulheres do que em homens, aumentando em ambos com a FC, para os limites de 45-115 bpm; os limites normais desse intervalo giram em torno de 0,46-0,30 s. O intervalo QT aumenta conforme o avanço da idade e durante o sono. O internado QT deve ser melhor mensurado comumente em V2 e V3 e deve ser corrigido pela frequência (QTC ou QT corrigido) já que a sístole elétrica aumenta com a diminuição da frequência cardíaca. a) Intervalo QT (QT): é a medida do início do QRS ao término da onda T, portanto representa a duração total da atividade elétrica ventricular. b) Intervalo QT corrigido (QTc): como o QT é variável de acordo com a FC, habitualmente é corrigido (QTc) pela fórmula de Bazzet, onde: * * QT medido em milissegundos e distância RR em segundos. A fórmula de Bazzet, amplamente utilizada para o cálculo do QTc, apresenta, entretanto, limitações para frequências cardíacas menores que 60 bpm ou superiores a 90 bpm, devendo- se utilizar fórmulas lineares, como as de Framingham e Hodges. Os valores do QT e QTc não precisam ser registrados no laudo, mas sempre devem ter sua normalidade verificada. Os valores para o QTc variam com o sexo e são aceitos como normais até o máximo de 450 ms para homens e 470 ms para mulheres. Para crianças, o limite superior do normal é de 460 ms,13 sendo em contrapartida considerado como QT curto os valores menores que 340 ms. 23 Marina Maia & Flávia Cunha O QTc não deve exceder 500 milissegundos (ms) durante a terapia com qualquer medicação que possa prolongar o intervalo QT (550 ms se houver um bloqueio de ramo subjacente); a aderência a essa regra irá reduzir o risco de arritmia ventricular. A fórmula para determinação do QTc é mais acurada com frequências cardíacas entre 50 e 120 batimentos por minuto (bpm); nos extremos da frequência cardíaca, a sua utilidade é limitada.
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