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Título original: "Douze leçons sur 1'histoire", de Antoine Prost. Copyright O Éditions du Seuil, 1996 COORDENADORA DA COLEÇÃO HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA Eliana de Freitas Dutra PROJETO GRAFICO DÉ CAPA Teco de Souza EDITORAÇÃO ELETRÔNICA Tales Leon de Marco REVISÃO Aiko Mine REVISÃO TÉCNICA Vera Chacham EDITORA RESPONSÁVEL Rejane Dias Todos os direitos reservados pela Autêntica Editora. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, seja por meios mecânicos, eletrônicos, seja via cópia xerográfica, sem a autorização prévia da editora. AUTÊNTICA EDITORA LTDA. Rua Aimorés, 981, 8o andar. Funcionários 30140-071. Belo Horizonte. MG Tel: (55 31) 3222 68 19 TELEVENDAS: 0800 283 13 22 www.autenticaeditora.com.br Dados Internacionais de Cata logação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro) Prost, Antoine, 1933- . Doze lições sobre a história / Antoine Prost ; (tradução de Guilherme João de Freitas Teixeira], — Belo Horizonte : Autêntica Editora , 2008. Titulo original: Douze leçons sur 1'histoire. Bibliografia. ISBN 978-85-7526-348-8 1. Historiografia 2. História - Metodologia I. Título. 08-07528 CDD-907.2 índices para catálogo sistemático: 1. Historiografia 907.2 http://www.autenticaeditora.com.br D O Z E LIÇÕES SOBRE A HISTÓRIA Os usos sociais da história no século XIX A história no ensino médio . /A i n t rodução p recoce da história n o ens ino m é d i o é t an to mais impress ionante pe lo fato de q u e tal ope ração o dis t inguia não só d o ensino fundamenta l , mas t a m b é m do ensino superior: a h i s tó r iaJo i_en- sinada nos liceus e colégios m u i t o antes de ser incluída entre as matérias das faculdades^ A primeira vista, trata-se de uma defasagem surpreenden- te, mas que explica a posição central ocupada pelo ensino méd io na soci- edade francesa. Até a década de 1880, as próprias faculdades de letras estão orientadas para esse ensino: não é verdade q u e sua principal função consistia e m outorgar o baccalauréat?™Jos raros cursos de história e ram ministrados a u m público m u n d a n o , sob uma forma retórica, pelo profes- ^ ; , sor encarregado, s imultaneamente, de história universal e geografia m u n - dial; foi necessário esperar pela derrota de 1870" e pela chegada dos re- vr publ icanos para ser cons t i tu ído , nas faculdades, o ens ino cient í f ico da ^ ^ história c o m professores re la t ivamente especializados, de alguma forma historiadores "profissionais".1 2 l j / f e m compensação, u m papel capital na fo rmação das elites foi d e - - sempenhado pelo ensino méd io que, b e m cedo, entre suas matérias, i n - Ki L cluiu a história:_após uma tímida aparição nas escolas centrais da Revo lu= ção e u m a inscrição de princípio nos programas dos liceus napoleônicos^ ela se instalou realmente, e m 1814, nos programas do ensino médio; e, e m 1818, t o m o u - s e matéria obrigatória, à razão de u m a aula de duas horas por semana, a começar pela classe de rinquième até a classe de preiniçrejNa seqüência, esse ensino passou por várias vicissitudes, sem ter desaparecido: 10 Ou, na forma abreviada, "bac": designa, ao mesmo tempo, os exames e o diploma conferido ao fmal do 2° ciclo do ensino de 2° grau. Para facilitar a compreensão do texto, apresentamos o quadro da correspondência, aproximada, entre o sistema escolar francês e o sistema escolar brasileiro: a classe de sixième corresponde, aproximadamente, à 5" série; rinquième = 6* serie; quatriime = T série; twisième = 8' série; seconde = Io ano do 2° grau; premihe = 2° ano do 2o grau; lerminalt = 3o ano do 2° grau; e baccalauréat = vestibular. Cf. BOURD1EU, 1998, p. 249. (N.T.). " Diante da Alemanha que sacramenta a queda do 2° Império de Napoleão III, seguida pela proclamação da 3* República. Para facilitar a compreensão do texto, apresentamos o quadro dos regimes franceses, a partir da Revolução Francesa (1789): 1' República (1791-1804); 1° Império (1804-abril de 1814) e os Cem Dias (março-junho de 1815); Restauração (1814-1830); Monarquia de Julho (1830-1848); 2 ' República (1848-1852); 2° Império (1852-1870); 3' República (1871-1940); Estado Francês/Vichy (1940-1944); Governo provisório da República (1944-1947); 4 ' República (1947-1959); 5' República (com a proclamação da nova Constituição, em 26 de setembro de 1959). (N.T.). 12 Em relação a esses aspectos bem conhecidos, ver CARBONELL e KEYLOR. 1 8 I A HISTÓRIA NA SOCIEDADE FRANCESA (SÉCULOS X I X E X X ) aliás, todos os homens que, 110 século XIX, exerceram influência na França, incluindo aqueles que se contentaram com os primeiros anos do ensino médio sem terem atingido o baccalauréat, fizeram a matéria de história.'/ / P e l o menos, e m princípio. D e fato, muitas vezes, verificou-se uma grande diferença entre os programas e a prática nas escolas; além disso, o lugar reservado, oficialmente, à história não coincidiu necessariamente com a posição ocupada, efetivamente, por esta disciplina nos trabalhos e cursos J . ' dos colegiais.^Convém, portanto, conferir melhor a situação concreta. /Nes te aspecto - trata-se da segunda característica interessante para nossa tese - , uma tendência nítida se delineou: o ensino da história emancipou- se, progressivamente, da tutela das humanidades para conquistar sua auto- <s ' , - • • v*^ ^ norrua e avançar ate a época contemporânea, ao passo que a compreensão panorâmica de ordem política e social acabou substituindo a memorização das cronologias e a enumeração dos reinos. Esta dupla evolução dos con- teúdos e métodos deveu-se, em grande parte, à especialização progressiva ^ dos professores de história: o princípio de u m professor especial foi estabe- lecido, e m 1818 - e confirmado, em 1830 - , pela criação de uma agrégation13 de história que permitiu fomiar e contratar um pequeno núcleo de histori- adores qualificados. Sua supressão pelo Império autoritário,14 durante o curto período de 1853 a 1860, não chegou a comprometer a constituição do cor- po de docentes de história/ / O r a , era capital que a história fosse ensinada no curso médio por x especialistas; com efeito, ao ser ministrada por professores de letras, ela -A não passava de uma disciplina auxiliar para o estudo dos clássicos gregos e c . y latinos - daí, o lugar considerável ocupado pela história da Antigüidade - ou, então, para um ensino acessório e subalterno, garantido graças a c o m - \ ^ pêndios, Elementos de cronologia, Resumos, que expunham, superficialmente, y ' a história universal ou a história da França/ J / j recurso a professores especializados t ransfonnou radicalmente o if ensino. A história deixou de estar a serviço elos textos clássicos; a relação inverteu-se de m o d o que estes se tornaram fontes a serviço da história, "que, por sua vez, já não se contentava e m situar cronologicamente os fatos, autores e monarcas, mas visava compreender a realidade em todos os seus. aspectos./A título de exemplo significativo dessa reviravolta, mencionemos as questões de história antiga constantes do programa de agrégation, e m 1849: 11 Concurso destinado a recrutar professores para os liceus e para algumas faculdades. (N.T.). " Eleito triunfalmente para presidente, em 1848, Napoleão III instituiu, três anos depois, um regime presidencial autoritário que se liberalizou a partir de 1860. (N.T.). 1 9 D O Z E LIÇÕES SOBRE A HISTÓRIA o estudo, de acordo com os autores da Antigüidade comparados entre si, das mudanças introduzidas na constituição e na sociedade atenienses, desde o final das Guerras Médicas até Alexandre; a história da o rdem dos cavalei- ros romanos, desde os Gracos até a mor te de Augusto; e o estado moral e político da Gália no m o m e n t o das invasões, de acordo c o m os autores c o n - temporâneos (Geiuíod , 1965, p. 127). Ora , independentemente de terem preparado o concurso por si mesmos ou na Ecole normale supérieure (ENS), os agrégés^ acabaram por dar o tom,apesar de seu reduzido número : 4 a 6 e m cada ano e 33 em 1842. Eles eram professores nos liceus mais importantes e seus compêndios - por exemplo, a coleção lançada por Victor Duruy , j o - vem agrégé estudante da ENS, nas vésperas dos acontecimentos de 1848"' - impuseram uma concepção mais abrangente da história. O m e s m o m o v i m e n t o fortaleceu o lugar reservado à história c o n - temporânea; na verdade, ela nunca tinha sido totalmente excluída . /à lista das questões previstas pelo programa de 1840 para o exame de baccalaurcat — os examinadores não tinham o direito de modif icar os termos em que elas haviam sido formuladas — compreendia , por exemplo , 50 questões sobre ^ r * 5 * ^ a história antiga, 22 sobre a história da Idade Média e 23 de história m o - x d e r n a até 1789. Em 1852, a fronteira simbólica da R e v o l u ç ã o Francesa foi transposta e a Antigüidade perdeu sua preeminência , limitada a 22 ques- tões, contra 15 sobre a história medieval e 25 sobre a história dos tempos modernos até o I o I m p é r i o ^ z ^ N o entanto, t endo sido ministro de 1863 a 1869, Victor D u r u y in - c rementou , de maneira decisiva, a importância dos úl t imos séculos: e m 1863, o programa de retórica incluía o per íodo entre meados do século » XVII e 1815; por sua vez, o de filosofia referia-se à R e v o l u ç ã o de maneira detalhada e prosseguia até 1863, s egundo u m a perspectiva amp lamen te ^ f aberta para os ou t ros países e para a história q u e designaríamos c o m o c * ^ v/* econômica e social \ «f r ? ; 1- — Victor Duruy: Algumas questões de seu programa 24- Rápido desenvolvimento da União Norte-Americana, suas cau- sas. - Descoberta das jazidas auríferas da Califórnia e da Austrália: efeitos da abundância de ouro no mercado europeu. - Guerra entre " E s t u d a nte que obteve êxito no concurso de "agrégation", por conseguinte, portador do título de "agrege" e titular do posto de professor de liceu ou de faculdade. Para o ensino superior na França, consultar: http://www.france.org.br. (N.T.). " As Jornadas de Fevereiro criaram a 2' República, que estabeleceu o sufrágio universal, assim como a liberdade de imprensa e de reunião. (N.T.). 2 0 http://www.france.org.br A HISTÓRIA NA SOCIEDADE FRANCESA (SÉCULOS X I X E X X ) os Estados do N o r t e e os do Sul. - Situação das antigas colônias espanholas. - Expedição do México. - Tomada de Puebla e ocupa- ção do México [...]. 26- Novas características da sociedade moderna: 1° - Relações estreitas estabelecidas entre os povos pelas estradas de ferro e pela navegação a vapor, pelo telégrafo elétrico, pelos bancos e pelo novo regime comercial [...]. 2 o - Solicitude dos governos pelos interesses materiais e morais do maior número possível de pessoas. 3 o - Pela igualdade dos direitos e pela livre expansão da atividade industrial, a riqueza é produzida em maior abundância e se distribui em melhores condições [...]. - Grandeza, não sem perigo, da civi- lização moderna , necessidade de desenvolver os interesses morais para compensar o imenso desenvolvimento dos interesses mater i - ais. - Participação da França na obra geral de civilização. (PIOBETTA, 1937, p. 834 -835 )^ Revista em várias ocasiões, essa arquitetura dos programas de histó- ria subsistiu até 1902; ela se caracterizava por um percurso cont ínuo dos tempos históricos. Assim, o programa de 1880 reservava 2 horas semanais para o ensino da história antiga, a começar pela classe de sixiètne até a quatrième. E depois, 3 horas, nas classes seguintes: a Idade Média, em troisième, até o ano 1270; em seconde, de 1270 a 1610; em retórica, de 1610 a 1789; e, de 1789 a 1875, em filosofia ou matemática elementar. A constituição pelos republicanos de u m verdadeiro ensino supe- rior na área das letras, nas últimas décadas do século X I X , serviu de co roamen to a essa evolução. A agrégation tornava-se a via normal de r e c r u t a m e n t o de professores especializados, fo rmados daí e m diante por historiadores profissionais das faculdades de letras; ela incluía uma iniciação à pesquisa c o m a obrigação de obter , previamente , o D ip lo - ma de Estudos Superiores (1894), predecessor da maítriseA reforma de 1902 acabou por conferir as características desse ensino, ao estabe- lecer a distinção entre u m pr imeiro e u m segundo ciclos: e m cada um, percorre-se a totalidade dos períodos, desde as origens ao t empo pre - s e n t e ( D u b i e f , s .d . , p . 9 - 1 8 ) . 1 8 " Diploma de 2o ciclo, equiparado à graduação plena 110 Brasil, é outorgado no final do 4° ano universitário. (N.T.) 18 A estrutura em dois ciclos foi interrompida entre 1935 e 1938. Para uma comparação sistemática dos programas, ver LEDUC; MARCOS-ALVAREZ; LE PELLEC, 1994. 2 1 D O Z E LIÇÕES SOBRE A HISTÓRIA /Terceiro aspecto interessante: essa evolução direcionada para uma his- tória mais autônoma, mais contemporânea e mais sintética foi conflitante; não foi uma evolução linear, mas uma sucessão de avanços e recuos, associados ao ' contexto político. A introdução da história como matéria obrigatória deveu- se aos constituintes, inspirados pelos ideólogos — por exemplo, R o y e r - C o - llard - entre 1814 e 1820. A criação da agrcgation, seu fortalecimento e a mul- tiplicação das cátedras especializadas caracterizaram a Monarquia de Julho. | , J O Império libera] e, em seguida, a 3a República consagraram a importância da história nos programas e horários; inversamente, a passagem pelo poder dos ultra-reacionários de 1820 a 1828, assim como o Império autoritário, foram períodos de infortúnio para a disciplina "his tór ia" / C o m efeito, do pon to de vista político esse ensino não foi neutro . Cer tamente , de todos os lados, repetia-se que ele deveria evitar as consi- derações demasiado genéricas e os juízos categóricos; de acordo c o m seus partidários, ele poder ia desenvolver o a m o r pela religião e pelo t rono . Apesar de todos os seus esforços, a história ensinava, por definição, que os regimes e as instituições eram mutáveis; tratava-se de u m empreend i - m e n t o de dessacralização política. A reação podia aceitar uma história re- duzida à cronologia, centrada na história sagrada e n o passado mais lon- gínquo; ao abordar os tempos modernos , e m e s m o detendo-se n o patamar de 1789, ela tomava-se suspeita de conivência c o m o espírito m o d e r n o . / Inversamente, os partidários da história assumiram essa função polí- . Y" rica, con fo rme vimos mais acima, c o m o programa de V. D u r u y . Os r epu- f , blicanos reafirmaram, ainda c o m mais nitidez, a mesma posição: " A histó- ria da França, e m particular, deverá enfatizar o desenvolvimento geral das vjy' instituições do qual é or iunda a sociedade moderna ; ela deverá inspirar o respeito e o apego aos princípios que servem de alicerce a essa socieda- j&vde".2" O lugar da história no ensino m é d i o remetia explici tamente a u m a «l> j u f u n ç ã o polí t ica e social: tratava-se de u m a p ropedêu t i ca da sociedade ,» moderna , tal c o m o ela procedia da R e v o l u ç ã o e do Império. . / Os historiadores no debate público N o s liceus e colégios do século X I X , a história foi, assim, u m ensino p recocemente obrigatório que evoluiu em direção ao con temporâneo e à síntese, graças a professores especializados, através de confl i tos q u e lhe " Período de 1830 a 1848 que corresponde ao reinado de Luís Filipe, marcado pela supremacia política e econômica da burguesia. (N.T.). 20 Portaria de 12 de agosto de 1880, ver GERBOD, 1965, p. 130. 2 2 A HISTÓRIA NA SOCIEDADE FRANCESA (SÉCULOS X I X E X X ) V>l" . -o y v V f conferiram uma significação política e social. *No entanto, convém desco- brir as razões de tais características: por que motivo esse ensino se tornou obrigatório? C o m o teria adquirido essa importância? A resposta não pode ser procurada no própr io ensino já que ele carecia dos méritospedagógicos que poder iam justificá-lo. A maneira caricatural como a história havia sido ensinada no início do século X I X tenderia a condená-la: o simples aprendizado de listas de datas ou reina- dos não poderia, de m o d o algum, servir de formação. A legitimidade e a necessidade relativamente ao ensino da história baseavam-se em outros aspectos, explicando-se por razões semelhantes às que justificaram a posi- ção considerável ocupada pelos historiadores 110 debate público da época. Existe aí 11111 paradoxo. C o m efeito, o ensino da história nas faculda- des inexistia, praticamente, durante os primeiros 75 anos do século XIX; o entanto, nesse período, grandes historiadores acabaram suscitando o interesse do público, p romovendo debates e conquistando notoriedade. De fato, em Paris, existiam algumas cátedras de história — em grandes estabelecimentos, tais como o Collcge de France,2] École iwrtuale supérieure e Sorbomie —, cujo funcionamento era bastante diferente das faculdades inte- rioranas de letras: seus titulares não se dirigiam a estudantes, mas a uma numerosa audiência culta e m uma época em que as reuniões públicas careciam de autorização e a imprensa estava sob controle. Nesses recintos preservados, os cursos de história assumiam, inevitavelmente, u m alcance político sublinhado, às vezes, por aplausos. Ocorr ia que, por sentir-se incomodado, o governo poderia ordenar a suspensão do curso, tal como aconteceu com Guizot, e m 1822; a retomada de sua cátedra, e m 1828, foi saudada como uma vitória política^ / O grupo desses historiadores era impressionante. Ao lado de Gui - zot, Michelet, Quine t e, mais tarde, Renan e Taine, conviria contar com autores, tais c o m o Augustin Thierry, Thiers ou Tocqueville: no debate intelectual de seu tempo, eles ocupavam 11111 lugar central. A história que escreviam ainda não era a história erudita dos historiadores profissionais do final do século: em vez de u m verdadeiro trabalho de erudição, ela baseava-se e m crônicas e compilações; além disso, o próprio Michelet , que afimiava ter extraído sua obra de uma freqüência assídua dos arqui- vos, segundo parece, havia limitado sua consulta às ilustrações. Por outro lado, tratava-se de uma história bastante literária, no estilo propositalmente 21 Estabelecimento de ensino superior, fora da Universidade, fundado eni Paris, em 1529, por Francisco Io. (N.T.). 2 3 Doze LIÇÕES SOBRE A HISTÓRIA oratório: aliás, situação facilmente explicável pelas condições em que ela se desenvolvia. Os professores de universidade republicanos de 1870- 1880, sensíveis ao atraso da França diante da erudição alemã, irão criticar seus predecessores por terem sido artistas, em vez de cientistas. N o entan- to, por sua qualidade de escrita, a obra desses historiadores ainda continua legível, a tua lmente . / (/Tanto mais que essa história demonstra certa ousadia. Seu público não teria suportado que eles se perdessem e m detalhes insignificantes. Eles t inham predileção pelos amplos afrescos cronológicos, percorrendo \ ? vários séculos em algumas aulas, o que lhes permitia identificar as grandes °r Vi evoluções. Deste modo , sua história não era estritamente política; rara- mente se referiam ao detalhe dos acontecimentos, preferindo resumir a significação global e respectivas conseqüências. Seu objeto era mais am- plo: tratava-se da história do povo francês, da civilização (Guizot) ou da França (Michelet). A luz das evoluções sociais, eles explicavam as trans- formações das instituições; em suma, tratava-se de uma história, simulta- neamente, social e política.^ / N a verdade, essas obras históricas - marcadas, às vezes, pela refle- filosófica ou pelo que designamos, atualmente, por ciência política, ^ $ tal c o m o a de Tocquevil le — giravam e m torno de uma questão central, x V ' ou seja, aquela que a Revo lução Francesa havia formulado à sociedade vNjf'", ^ século XIX. 2 2 Daí, a suspeição atribuída à história pelos reacionários: o para começar, ela aceitava a Revolução , ao considerá-la c o m o u m fato 1 u e s e explica e não c o m o u m erro, uma falta ou u m castigo divino. Conservadores ou republicanos, os historiadores partiam da Revolução c o m o fato consumado já que eles andavam à procura de suas causas e c o n s e q ü ê n c i a s / / O r a , a sociedade francesa do século X I X se questionava, p redomi- nantemente , sobre a questão política formulada por esse evento; trata- ; " va-se do conflito entre o Antigo R e g i m e e o que se designava, então, c o m o a sociedade " m o d e r n a " ou "civil", ou seja, sem rei n e m deus. j ^ y . Diferentemente do que ocorria no R e i n o Unido , a problemática não se v / y V referia ao pauperismo. O problema suscitado pelas revoltas operárias não tinha a ver propriamente com o desenvolvimento econômico, mas com o \ i r regime; além disso, elas eram analisadas como novas figuras da R e v o l u - \ V* ^Ção. /No entanto, esse conflito político comportava verdadeiros desafios *p*r í > " A r e S p e Í t ° d e " e a s P e c t ° . v c r . evidentemente, os trabalhos de François Furet - citados na bibliografia - ™ s o b r e a s l e i t u r a s d a Revolução pelos historiadores e políticos do século XIX. 2 4 A HISTÓRIA NA SOCIEDADE FRANCESA (SÉCULOS X I X E X X ) sociais: de fato, tratava-se dos princípios que serviam de suporte para organizar a sociedade inteira. Assim, na sociedade francesa, a história as- sumia o lugar que a economia ocupava na sociedade britânica. D o outro lado do Canal da Mancha, a amplitude do desemprego e da miséria fazia apelo a uma reflexão econômica: o debate intelectual era dominado por Adam Smith, Ricardo e Malthus/íMa França, Guizot, Thiers, A. Thierry, Tocqueville, Michelet tornaram-se protagonistas por abordarem a ques- tão decisiva da Revolução e das origens da sociedade moderna. Ao proceder desta forma, eles forneciam aos franceses a explicação de suas divisões, conferindo-lhes sentido, o que lhes permitia assumi-las e vivê-las sob o m o d o político e civilizado do debate, em vez do m o d o violento da guerra civil. Por u m desvio reflexivo, a mediação da história permit iu assimilar e integrar o acontec imento revolucionário, além de reordenar o passado da nação e m função de tal evento (JOUTARD, 1993, p. 543-546). Pela história, a sociedade francesa representou-se a si mes- v«' y - m a , procurou sua própria compreensão e refletiu sobre si mesma; neste \ y ' V s e n t i d o , é p r o f u n d a m e n t e exato que a história serve de f u n d a m e n t o à J ' identidade n a c i o n a l / / A maneira como, após 1870, a escola histórica francesa adotou o mode lo da erudição alemã confirma essa análise. Seignobos, por e x e m - \ y * - n pio, depois de ter elogiado a erudição crítica dos alemães, não deixou de ° ' censurá- los p o r esquecer a " compos i ção histórica"; eles careciam de Tv v idéias gerais e de u m trabalho de organização e criação. A primeira vista, ^ tratava-se de uma acusação surpreendente po r parte de u m historiador ^ V ^ J f que criticava Guizot, Thiers e Michelet por fazerem literatura; essa acusa- t" ção, porém, traduzia u m apego fundamental à função social da história, tal v c o m o ela se havia consolidado na França. A história - escreve ele - , " e m vez de relatar ou comprovar, é feita para responder às questões sobre o 7 passado suscitadas pela observação das sociedades presentes" (SEIGNOBOS, 1884, p. 35-60)^ /^0 mesmo artigo, ele fixava-lhe c o m o objeto a descrição das instituições e a explicação de suas mudanças, de acordo c o m uma concepção comtiana em que haveria alternância entre períodos de estabi- ^ lidade e revoluções. Mas tal postura vem a dar no mesmo. D e fato, por instituição, ele entendia "todos os usos que garantem a união dos homens ^ na sociedade" (SEIGNOBOS, 1884, p. 37). O problema central era, por tan- ^Y^to , o da coesão social - cuja manutenção cabe às instituições - , o queremetia à fragilidade da sociedade francesa ou, antes, ao sent imento ex- , „ ^ X " per imentado pelos contemporâneos , obcecados pela sucessão de r evo- luções que marcaram o século X I X . Eis po r que , na m e m ó r i a assim © D O Z E LIÇÕES SOBRE A HISTÓRIA construída, não havia lugar para memórias complementares , ideológi- cas, sociais ou regionais.23 ' / T e n d o sido, ao lado de Lavisse, u m dos organizadores dos estudos • ' de história nas faculdades, no final do século, Seignobos colocava, assim, ^K^yy técnicas da erudição alemã a serviço de uma concepção da história r " herdada da primeira metade do século XIX: ele permitia que a história prosseguisse a mesma função social ao beneficiar-se dos prestígios conju- gados da modernidade com a ciência.// N o início do século X X , os programas do ensino médio, elabora- dos por Lavisse e Seignobos, confirmaram essa orientação que já havia sido encetada por Duruy . Ela foi explicitada por Seignobos (1984): " O ensino da história é uma parte da cultura geral por levar o aluno a com- preender a sociedade em que ele viverá, tornando-o capaz de tomar parte na vida social". A história era, neste caso, uma propedêutica do social, de sua diversidade, de suas estruturas e de sua evolução. Ela ensinava aos alunos que, por ser normal, a mudança não deveria causar receio; a histó- ria mostrava-lhes c o m o os cidadãos podiam dar sua contribuição para tal efeito. E m uma perspectiva progressista e reformista, a meio caminho das revoluções e do imobilismo, tratava-se exatamente de transformar a his- tória em " u m instrumento de educação pol í t ica" / O século XX: uma história fragmentada O ensino fundamental: uma história diferente / E n q u a n t o o debate político esteve limitado aos notáveis, a história > ' , referia-se à elite culta e era ministrada apenas no ensino médio. N o en- •~ tanto, com a democracia, a política tomou-se o negócio de todos; neste ^ y » . ^.caso, levantou-se a questão da história no ensino fundamental. y S V Neste ponto, as datas são eloqüentes: e m 1867, quando o 2o Império se liberalizava, a história tomou-se, em princípio, matéria obrigatória, no en- sino fundamental. Entretanto, na prática, ela se impôs nas classes somente apos o triunfo dos republicanos: em 1880, fazia parte da prova oral para a obtenção do Certificado de Estudos24 e foi necessário esperar o ano de 1882 para que viesse a ocupar seu lugar definitivo nos horários - 2 horas por semana - e programas da escola elementar.25 O ensino da história foi 23 De acordo com a lúcida observação d e J O U T A R D . 1993. 24 Diploma outorgado no final da 8' série. (N.T.). 25 Refere-se ao período até a 4' série. (N.T.). 2 6
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