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[Arquivo editado. Não usar como fonte de citações.] Bortoloti, Karen Fernanda. História da Educação. 1 ed. Rio de Janeiro: SESES, 2015. 1 História e História da Educação 4 1.1 História? 5 1.2 O que a História estuda? 12 1.3 História da Educação 14 2 A Origem da Escola e Idade Média 21 2.1 A comunidade primitiva 21 2.1.1 A educação antes da escola 22 2.2 A Organização do Estado 25 2.3 A Antiguidade Oriental 28 2.3.1 Egito 29 2.3.2 Mesopotâmia 30 2.3.3 Índia 31 2.3.4 China 31 2.3.5 Hebreus 32 2.4 A educação na Antiguidade Ocidental 34 2.4.1 Grécia 34 2.4.2 Roma 56 2.5 A Idade Média e a elaboração do conhecimento 63 2.5.1 A Educação durante A Idade Média 65 2.5.2 A Criança e a Infância 66 2.5.3 Filosofia medieval e cristianismo 68 3 O Renascimento e a Educação 78 3.1 Renascimento e Educação 79 3.1.1 Juan Luis Vives (1492 – 1540) 81 3.1.2 Erasmo De Rotterdam (1466-1536) 82 3.1.3 François Rabelais (1495-1553) 83 3.1.4 Montaigne (1533-1592) 84 3.1.5 O Nascimento do Colégio 85 3.2 Reforma Protestante e Contrarreforma Católica 87 3.2.1 Martinho Lutero (1483-1546) 91 3.2.2 O Nascimento da Companhia De Jesus 91 3.2.3 O Ratio Studiorum 94 3.2.4 Os Colégios dos Jesuítas 101 3.3 Século XVII: o século do método 102 3.3.1 Comenius (1592 –1670) 103 3.3.2 Fénelon (1651-1715) 105 3.3.3 Francis Bacon (1561 – 1626) 105 3.3.4 John Locke (1632 - 1704) 107 3.3.5 Descartes (1596 - 1650) 108 3.3.6 Literatura Infantil 110 4 O Iluminismo e as Reformas Educacionais dos Séculos XVIII e XIX 113 4.1 O Iluminismo 114 4.1.1 Iluminismo e Educação 114 4.1.2 Rousseau (1712–1778) 116 4.1.3 Voltaire (1694-1778) 121 4.1.4 Kant (1724-1804) 122 4.2 Século XIX 122 4.2.1 O Ideário do Século XIX 124 4.2.2 Auguste Comte (1798 - 1857) 125 4.2.3 Charles Darwin (1809 - 1882) 126 4.2.4 As ciências humanas 127 4.2.5 O pensamento pedagógico do século XIX 130 5 A Educação no Século XX: a Educação Para a Democracia 136 5.1 A Expansão do Ensino 138 5.2 A Escola Nova 138 5.2.1 O pragmatismo 139 5.2.2 John Dewey (1859 - 1952) 140 5.2.3 William Kilpatrick (1871 - 1965) 144 5.2.4 A escola Nova no Brasil 144 5.2.5 Dewey e Anísio Teixeira 146 5.3 A Educação de Inspiração Socialista 151 5.3.1 Makarenko (1888 - 1939) 151 5.4 A Educação Anarquista 152 5.5 Maria Montessori (1870 – 1952) 152 5.6 Ovide Decroly (1971-1932) 154 5.7 Célestin Freinet (1896 - 1966) 156 5.8 Teorias Construtivistas 158 5.8.1 Jean Piaget (1896-1980) 158 5.8.2 Lev Vygotsky (1896 - 1933) 159 5.8.3 Emília Ferreiro (1936 - ) 166 5.9 Paulo Freire (1921 - 1997) 168 1 História e História da Educação A História da Educação procura construir memórias e tradições que nos auxiliem na compreensão do passado da educação e nos faça perceber que nem tudo que nos é apresentado hoje deve ser visto como novo e que o realmente inovador possui raízes no passado. Um bom exemplo é o do sistema educacional organizado pela Companhia de Jesus, na figura dos jesuítas. O sistema educacional implantado por esses religiosos em várias localidades entre os séculos XVI e XVIII, consegue influenciar até hoje alguns sistemas educacionais. A função desta área de pesquisa da História é auxiliar os professores a darem um sentido ao seu trabalho educacional. Denunciando a ilusão da mudança rápida a partir do que, muitas vezes, parece um não-lugar, sem raízes e sem história. Devemos adotar uma postura histórica diante da educação para que possamos compreender os problemas que conduziram às transformações educacionais e como essas modificações influenciaram até a atualidade. Em suma, o estudo da história da educação é significativo para o educador por conduzi-lo ao desenvolvimento de uma atitude crítica face às modas pedagógicas. Portanto, a História da Educação busca articular os resultados de investigações de pesquisadores da disciplina e de áreas afins, cujos conceitos muito enriquecem o fazer do historiador. Deixando claro, porém, que não buscamos uma história apenas das instituições de ensino, mas algo mais complexo, a história da educação, pois envolve diversos atores. “A destruição do passado – ou melhor, dos mecanismos sociais que vinculam nossa experiência pessoal à das gerações passadas – é um dos fenômenos mais característicos e lúgubres do final do século XX. Quase todos os jovens de hoje crescem numa espécie de presente contínuo, sem qualquer relação orgânica com os passado público da época em que vivem. Por isso os historiadores, cujo ofício é lembrar o que outros esquecem, tornam-se mais importantes que nunca (...). Por esse motivo, porém, eles têm de ser mais que simples cronistas, memorialistas e compiladores.” (HOBSBAWN, 1995, p. 13) OBJETIVOS • Compreender a história da História. • Entender o que é a História; • Compreender a importância da história da educação. 1.1 História? “História, termo de origem grega, cujo significado é buscar, investigar. Para o importante historiador francês Jacques Le Goff, não existe um entendimento único quanto ao termo história, porém há uma aceitação de que a História é a “ciência da mutação e da explicação dessa mudança.” (LE GOFF, 1996, p. 15) O que é História é uma pergunta comum quando iniciamos o estudo da disciplina, seja no ensino básico ou no ensino superior, ou com o estudo da História da Educação, como aqui. Antes de falar sobre o que é a história e qual a sua importância, quero que você entenda um pouco sobre a história da História. Desde que os homens iniciaram a transformação da natureza e criaram símbolos para representá-la, passaram a produzir a História. Nesse sentido, as criações culturais foram decisivas para a distinção entre os homens e os animais. A necessidade de reconstruir o passado, compreender a ação dos indivíduos ao longo do tempo, fez com que a história surgisse e se desenvolvesse de maneira diversa. Desde a Antiguidade, o homem vem organizando narrativas que buscam descrever o aparecimento dos homens e suas principais realizações. Inicialmente, essas narrativas eram influenciadas pelo pensamento mítico, com destaque para os feitos heróicos. Ainda que possa parecer uma representação ingênua da realidade, essa perspectiva histórica não pode ser desprezada, pois foi por meio dela que compreendemos melhor os hábitos, os costumes e os obstáculos enfrentados pelas primeiras sociedades humanas. “Seguramente, desde que surgiu, já há mais de dois milênios, no lábio dos homens, ela mudou muito de conteúdo. [...] Mesmo permanecendo pacificamente fiel a seu glorioso nome helênico, a nossa história não será absolutamente, por isso, aquela que escrevia Hecateu de Mileto; assim como a física do lorde Kelvin ou de Langevin não é a de Aristóteles.” (BLOCH, 2001, p. 51) Para os primeiros homens o passado era algo sagrado, o tempo em que os deuses realizaram as ações que possibilitaram a preservação das comunidadesseus feitos maravilhosos. A história dentre esses povos deve ser compreendida com o processo de transmissão dos mitos fundadores. A partir do momento em que as sociedades tornaram-se mais complexas, o relato histórico continuou sendo oral, mas agora registrando as realizações dos antepassados humanos, responsáveis pela estruturação daquela nova sociedade, mais protegida e próspera. O domínio da escrita representou muito para a sistematização da memória, facilitando a preservação das realizações do passado e, consequentemente, contribuindo para a difusão dos significados dos feitos humanos, como ocorreu na Grécia. Aproximadamente no século IX a.C., Homero, cuja existência ainda é uma incógnita para a historiografia, relatou em sua epopeia Ilíada a Guerra de Troia que ocorreu no século XII a.C. e conta na Odisséia o retorno do herói Ulisses a Ítaca, sua ilha natal. Nestas obras os heróis são constantemente protegidos por um Deus do Olimpo, que intervém no destino humano. Outro grego, Heródoto de Halicarnasso, em seu livro Histórias, abordou a mudança ao longo do tempo descrevendo os fatos a partir do relato oral de outras pessoas, de modo que os grandes acontecimentos não fossem esquecidos. Em viagens pela Grécia Heródoto recolheu muitos depoimentos e redigiu suas narrativas, tendo como modelo a sociedade e o modo de vida dos gregos. Escreveu sobre persas, egípcios e citas, exaltando a memória como importante meio para evitar o esquecimento. Por esse pioneirismo, Heródoto foi, posteriormente, reconhecido com o “pai da História”. Além de Heródoto, a Grécia nos legou outro importante nome para a História, Tucídides, autor da obra A Guerra do Peloponeso. Neste livro Tucídides aborda as raízes da sociedade ateniense que conduziram ao confronto militar com Esparta, narrando com minúcia os acontecimentos que marcaram a Guerra do Peloponeso. A sua obra pode ser compreendida como uma reflexão sobre os atos políticos e seus desdobramentos, principalmente da cidade de Atenas. Claramente, Tucídides defendia a noção de que era imperativo resgatar e preservar o passado como uma maneira de aprender com erros cometidos pelos homens de outrora. “Heródoto e Tucídides elaboraram suas narrativas em um contexto em que os contos épicos e míticos estavam fortemente presentes no cotidiano, fazendo parte da educação e da formação moral dos cidadãos gregos e costumavam ser tratados como verdadeiros. Essas narrativas se distinguiam do texto histórico na medida em que não procuravam datar os eventos narrados nem mesmo se preocupavam com a comprovação de seu relato. Além disso, tradicionalmente, grande parte das narrativas épica e mítica era passada de geração para geração por meio do relato oral. Heródoto e Tucídides, por sua vez, buscaram estabelecer uma cronologia mais definida para os seus relatos. Naquela época não havia uma calendário unificado, como nós temos atualmente. Na Grécia, por exemplo, cada cidade tinha seu próprio calendário baseado nas festividades religiosas locais. Heródoto mesmo lidando com a imprecisão dos relatos sobre o passado grego, que até aquele período era tratado como algo atemporal, conseguiu elaborar uma sequência cronológica para o período que abrange aproximadamente desde a metade do século VII a.C. até a época em que viveu, século V a.C.” (MOURA et al, 2009, p. 22) Perceba que dentre esses historiadores prevalecia a compreensão de uma história “mestra da vida”, aquela que ensina a partir da narração dos feitos daqueles cuja conduta política ou moral seriam o exemplo a ser seguido pelos homens do presente. Outra tendência era a compreensão da história como um movimento cíclico, que sempre partia da ascensão para a queda. Obras de cunho histórico igualmente foram elaboradas pelos romanos que, como fizeram os gregos, tinham o seu modelo de sociedade como parâmetro para análise de outros povos. Para os romanos, também de maneira cíclica, as sociedades sempre nasciam, cresciam e morriam, como os seres humanos. Durante o período Medieval, em decorrência do fortalecimento do cristianismo, a narrativa histórica foi também dominada pela Igreja, incorporando uma forte participação divina nos eventos, conduzindo a História a adotar um caráter teológico, ou seja, era guiada pela vontade de Deus e não mais dos homens. Foi comum na Idade Média a elaboração de genealogias com a presença de figuras poderosas, heróis e santos. Essa concepção teológica da História foi modificada de maneira significativa pelos humanistas no século XV, todavia, somente a partir do século XVII, o estudo da História ganhou nova configuração, consolidada no século XVIII com o Iluminismo. A partir de então, a narrativa histórica passou a analisar as ações humanas pela perspectiva racional. Os humanistas buscaram contribuições de outras áreas do saber para atingir a veracidades de suas análises. Os historiadores não mais se orientavam pelo passado como um modelo a ser seguido, mas desenvolveram a ideia de processo, de progresso, investigando o que chamavam de aperfeiçoamento da humanidade. Essa ideia de progresso foi ao encontro, já no século XIX momento em que a História atingia o status de ciência, das concepções positivistas de Auguste Comte. A partir de então, os acontecimentos que fossem narrados por meio de fontes escritas ou documentos oficiais, organizados numa ordem cronológica e descritos numa sequência linear, detinha uma verdade inquestionável. Os defensores dessa concepção ficaram conhecidos como historicistas e positivistas, para o quais o fato histórico deveria ser reconstruído por meio de técnicas cientificamente objetivas que permitam a crítica rigorosa dos documentos, sem a formulação de nenhum questionamento sobre as informações registradas nos escritos. Daí a utilização das ciências auxiliares que garantiriam, segundo tal concepção, a verificação da autenticidade das fontes. Essa concepção historiográfica prevaleceu durante todo o século XIX e até metade do XX. Ainda no século XIX, outros intelectuais, como Hegel, inovaram a noção de História. Para o pensador alemão, a história não deve ser compreendida como a simples acumulação e aproximação de fatos acontecidos no tempo, mas como o resultado de um processo cujo principal motor é a contradição dialética. O movimento da história, portanto,ocorreria em três etapas: tese (afirmação), antítese (negação da tese) e síntese (superação da contradição entre tese e antítese). Assim, a maneira dialética de abordar a realidade considera as coisas (fatos) na sua dependência recíproca e não-linear. Apropriando-se da dialética hegeliana, Karl Marx contrapôs ao idealismo uma concepção materialista de história, rompendo com as concepções que prevaleciam até então. A História na concepção marxiana deveria ser analisada a partir da infraestrutura, ou seja, fatores materiais, econômicos e sociais deveriam ser abordados com mais ênfase pelos historiadores. “Segundo Marx, as condições materiais vigentes na sociedade é que determinam nosso pensamento e nossa consciência. Ele dizia que não eram os pressupostos espirituais que levavam a modificações materiais, mas exatamente o oposto: as condições materiais é que determinariam, em última instância, as espirituais [...]. sua posição materialista pressupõem que a existência precede a consciência.” (FERREIRA, 2009, p. 54) Marx ressaltava que as condições materiais, que ele denominou de forças produtivas, dos homens são elementos condicionantes das formas de governo, bem como das manifestações culturais, das ideologias, das religiões, etc. Recusa, assim, a interpretação de que a história humana se transforma pela ação das próprias ideias, para justificar que o verdadeiro motor da história é a luta de classes. “O materialismo histórico mostra que os homens, para sobreviverem, precisam transformar a natureza, o mundo em que vivem. Fazem-no não isoladamente, mas em conjunto, agindo em sociedade; estabelecem, para tal, relações que não dependem diretamente de sua vontade, mas dependem do mundo que precisam transformar e dos meio que vão utilizar para isso. Todas as outras relações que os homens estabelecem entre si dependem dessas relações para a produção da vida, não sob a forma de dependência mecânica, direta e determinante, mas sob forma de condicionamento.” (BORGES, 2007, pp. 36-37) Ao analisar as sociedades, elaborou o conceito de Modo de Produção, que pode ser, de maneira simplista, compreendido como o meio pelo qual os homens se organizam para conseguir os bens materiais de que precisam para sobreviver. O modo de produção, portanto, é estabelecido pelos meios de produção, as forças produtivas e as relações sociais de produção. As grandes modificações ocorridas ao longo da história foram consequências das lutas de classes, que conduziriam a classe subalterna ao poder, resultando na alteração no modo de produção. Desse modo, é possível compreender o conflito de interesses antagônicos entre senhor x escravos, na Antiguidade, senhor feudal x Servo, na Idade Média, capitalista x proletário, a partir da modernidade. O século XIX, portanto, ouviu vozes discordantes entre historiadores que propuseram uma visão mais ampla da história e ofereceram um paradigma histórico alternativo ao tradicional (BURKE, 1997). Em princípios do século XX existiam, como observamos, concepções quanto a elaboração do conhecimento histórico, todavia, a primeira grande guerra (1914-1918) contribuiu para uma significativa mudança na maneira de escrever e também de pensar a História uma vez que os resultados desse grande conflito bélico geraram incertezas quanto às teorias científicas e paradigmas vigentes na época (CARDOSO; BRIGNOLI, 1983). A crença no progresso e na razão apresentada pelas concepções historiográficas vigentes perdeu o seu vigor e a atmosfera de incertezas então gerada incentivou os pensadores franceses Lucien Febvre e March Bloch a conduzirem a maior renovação da historiografia do século XX com a criação da chamada de Escola dos Annales. Comumente o desenvolvimento da Escola dos Annales é estudado em três fases distintas. A primeira fase que estendeu-se desde a fundação, em 1929, até 1945 é caracterizada pela atuação de Marc Bloch e Lucien Febvre, então docentes da Universidade de Strasbourg que, ao fundarem uma revista lançam uma nova abordagem sobre a História que passa a usar a geografia, a sociologia e outras ciências como ferramentas auxiliares no trabalho historiográfico. Cabe destacar que ambos foram muito influenciados pelo Henri Berr que, ao publicar Revista de Síntese no final do século XIX, já pretendia lançar debates que colocassem em xeque as certezas defendidas pela História-Relato (BURKE, 1997). Esse primeiro momento foi, na realidade, um período de “guerra” radical contra a denominada história tradicional, a história política e a história dos eventos. Na segunda fase, aproximadamente entre 1945 e 1968, cuja presença do francês Fernand Braudel foi de extrema relevância, os Annales apresentaram uma outra noção de tempo histórico, que ficou conhecida como três tempos históricos. Desenvolvidos por Braude o tempo histórico poderia ser dividido em: pequena duração (os eventos), média duração (as conjunturas) e longa duração (as estruturas), coexistindo, esses tempos histórias, segundo o historiador Frances, espelhavam diferentes características da vida dos homens em sociedade. Neste momento o movimento aproxima-se mais de uma verdadeira “escola”, com conceitos (estrutura e conjuntura) e novos métodos (história serial das mudanças na longa duração). Além da mudança no conceito de tempo histórico, foi na segunda fase dos Analles que a noção de fonte histórica foi alterada. Até aquele momento apenas os documentos oficiais eram considerados como fontes para a escrita da História, todavia, os Analles reconstruíram essa noção ao afirmarem que todo vestígio deixado pelo homem pode ser considerado como documento histórico, estabelecendo o fim do documento escrito como única fonte confiável e permitindo que o historiador usasse fontes diversificadas para a edificação do conhecimento histórico. A partir de então filmes, desenhos, pinturas, roupas, hábitos, costumes, crenças, práticas, tradições, dentre outros, passaram a compor os testemunhos do historiador. A terceira fase da Escola dos Analles, iniciada a partir de 1968, teve como principais nomes Georges Duby e Jacques Le Goff e foi marcada pela fragmentação e também por exercer grande influência sobre a historiografia e sobre o público em geral ao fornecer abordagens que comumente chamamos de Nova História ou História Cultural (BURKE, 1997). “A expressão “a nova história”é mais bem conhecida na França. La nouvelle historie é o título de uma coleção de ensaios editadas pelo renomado medievalista francês Jacques Le Goff. Le Goff também auxiliou na edição de uma maciça coleção de ensaios de três volumes acerca de “novos problemas”, “novas abordagens” e “novos objetos”. Nesses casos está claro o que é a nova história: é uma história made in France, o país da nouvelle cuisine. Mais exatamente, é a história associada à chamada École des Analles, agrupada em torno da revista Analles: économies, societés, civilisations.” (BURKE, 1992, p. 09) É importante frisar que nas três fases do movimento prevaleceu o caráter inovador desses historiadores, uma vez que realizaram modificações significativas na produção do conhecimento histórico, que desde então deixou de ser uma mera reprodução documental, passando a chamada “História-problema”, que cria possibilidades e dialoga com outras ciências sociais. Atualmente podemos observar que o objetivo da História é estudar o passado da humanidade e responder a perguntas, como: o que aconteceu no passado? Por que aconteceu de uma maneira e não de outra? Que fatores contribuíram para essas ou aquelas transformações? Na realidade, os historiadores buscam descobrir o que aconteceu no passado para explicar os motivos que levaram a vida de homens e mulheres a mudar tantas vezes ao longo dos tempos. Todavia, não devemos conceber a História como uma ciência do passado, mas sim como uma ciência do presente, pois o conhecimento do passado pode auxiliar na melhor compreensão do presente. Repetimos isso porque por muitos anos a História foi associada a memorização de nomes de grandes personagens e de datas tidas como significativas. Essa História, chamada atualmente de História Tradicional, tem sido, gradativamente, substituída por uma história mais crítica e reflexiva, a denominada Nova História. HISTÓRIA TRADICIONAL • Não percebia a complexidade do processo histórico; • Ignorava a ação da maioria; • Não permitia a reflexão; • Culto ao heroísmo. NOVA HISTÓRIA Interessa-se praticamente por toda a atividade humana, está preocupada com as pessoas comuns e com as mentalidades coletivas. A História Tradicional geralmente apresentava a História como resultado exclusivo da ação heróica de príncipes, generais, reis, banqueiros e presidentes, enfim, os “heróis”, cujas imagens muitas vezes foram construídas pela própria História. Esse tipo de História, por exemplo, apresentava a Independência do Brasil como ação apenas de D. Pedro, sem levar em conta que na realidade foi um processo iniciado em 1808 com a chegada da família real ao Brasil. Atualmente, a História, além de ampliar seu campo de investigação, tem buscado caminhos para desfazer os preconceitos alimentados durantes anos pela História Tradicional. Diante disso, é relevante ressaltar que os historiadores têm como uma de suas tarefas, desenvolver uma prática adequada aos novos tempos, rica em conteúdos e socialmente responsável. Para que isso ocorra, para que a História Tradicional seja definitivamente substituída pela História Nova, aquela que dá voz a todos os sujeitos e objetos históricos, o historiador deve: • Despertar o interesse dos indivíduos demonstrando a atualidade de acontecimentos tão cronologicamente remotos; • Demonstrar com clareza certos usos e abusos da História; • Possibilitar a construção do conhecimento histórico a partir da percepção de que a História não é um conhecimento pronto, definitivo e fechado, mas que está sempre em construção; • Permitir aos homens a percepção de si e de seu grupo social enquanto sujeitos históricos. A História deve contribuir para a formação do indivíduo comum, que enfrenta um cotidiano contraditório, que recebe informações simultâneas de acontecimentos nacionais e internacionais, que deve escolher seus representantes para ocupar os vários cargos da política institucionalizada. Esse indivíduo que vive o presente, deve através da História ter condições de refletir sobre esses acontecimentos, localizá-los no tempo, estabelecer relações entre os diversos fatos de ordem política, econômica e cultural. Em suma, a História, de forma geral, deve colaborar para emancipar o indivíduo do tempo presente e da imobilidade diante dos acontecimentos, para que possa entender que cidadania não é uma série de direitos concedidos, mas tem sido obtida através de constantes lutas. 1.2 O que a História estuda? A História examina justamente o processo de mudanças ocorridas nas sociedades. Dentre essas mudanças podemos incluir o modo de os homens se relacionarem uns com os outros, mudanças no campo das tecnologias e das relações de trabalho, mudanças na moda, na alimentação, na construção de moradias e, ainda, no modo de pensar, de se divertir, dentre outros. Todavia, a História estuda também aquilo que não mudou ou mudou pouco, ou seja, estuda também as permanências para ampliar nossa compreensão acerca do ser humano de maneira geral. Daí o historiador francês, Marc Bloch afirmar que “a História é o estudo dos seres humanos no tempo”. A ciência História estuda as transformações das sociedades ao longo do tempo, não se importando com fatos que alteram a vida de apenas algumas pessoas, mas com acontecimentos que afetam toda a sociedade. “Concebemos a história como o estudo da experiência humana no passado e no presente. A história busca compreender as diversas maneiras como os homens e mulheres viveram e pensaram suas vidas e suas sociedades, através do tempo e do espaço. Ela permite que as experiências sociais sejam vistas como um constante processo de transformação; um processo que assume formas muito diferenciadas e que é produto das ações dos próprios homens. O estudo da história é fundamental para perceber o movimento e a diversidade, possibilitando comparações entre grupos e sociedades nos diversos tempos e espaço. Por isso, a história ensina a ter respeito pela diferença, contribuindo para o entendimento do mundo em que gostaríamos de viver.” (FONSECA, 2003, p. 40) Para a maioria dos historiadores da atualidade, não existem temas mais significativos do que outros, pois tudo pode ser estudado pela História. Podemos estudar, por exemplo, a história do vestuário, das técnicas agrícolas, da culinária, da ciência, do comportamento sexual, da infância, da educação, da mulher, da família,dos brinquedos...e outros. Até mesmo a História tem uma História, pois a maneira de compreender e escrever a História mudou de acordo com o tempo e a sociedade. O campo de estudo da História é inesgotável. Quanto mais aprendemos a respeito do ser humano, mais podemos aprender a respeito de sua história. Assim, não podemos perder de vista os problemas e indagações do tempo presente, por isso o historiador, em suas investigações, deve utilizar o método de conhecer o passado através do presente e conhecer o presente através do passado. Devemos combater o esquecimento e lutar pela preservação da memória coletiva, base para a afirmação da identidade cultural de todos os povos, grupos e indivíduos. Esse combate, por sua vez, ocorrerá, também, se os professores se prepararem para uma educação histórica , cujas implicações vão além da memorização de datas, 1 1 Termo utilizado nas discussões do grupo de trabalho dirigido por Maria Auxiliadora Moreira dos Santos (UFPR) e Tânia Maria F. Braga (FEUSP). mas que pretende formar para a busca, interpretação e questionamento da História, ou seja, superar a “cultura do silêncio” (FREIRE, 1984) dando voz aos sujeitos, envolvendo-os no processo de construção do conhecimento histórico. A História além de ser vivida no tempo é o estudo do tempo, assim, cabe ao historiador objetar aos questionamentos do presente por meio de questionamentos ao passado. Estabelecer as relações temporais entre as experiências humanas constitui uma das tarefas mais árduas do historiador, pois o tempo histórico possui um valor relativo, sempre sujeito a polêmicas e contrapontos, por ser uma convenção criada para facilitar a compreensão do que nos circunda. Além disso, como bem destacou o renomado historiador francês François Dosse (1992), a ligação entre presente e passado é maior do que possa imaginar o senso comum, uma vez que o presente colabora para a análise do passado e possibilita a valorização da história, ou melhor, da história-problema, ao mesmo tempo que enriquece as apreciações do passado. Portanto, os acontecimentos culturais, econômicos, políticos e sociais podem ser entendidos pelos estudos da História. Todavia, cabe ressaltar, que mesmo compreendendo as ações do tempo presente, isso não pressupõe que o historiador tem condições de prever o futuro. Consegue ter percepção de algumas tendências e criar possibilidades ou novos caminhos, mas sem nunca prenunciar o que irá acontecer. 1.3 História da Educação Tudo que analisamos até aqui acerca da História é válido para a História da Educação uma vez que a educação se desenrola no tempo e faz, igualmente, parte da história. Portanto, a história da educação não deve ser considerada apenas uma disciplina, mas concebida como uma abordagem científica de um importante recorte da realidade. A história da educação deve ser considerada como uma especialização da história, tendo em vista que o historiador da educação deve seguir procedimentos válidos para qualquer historiador, independente de seu objeto de investigação, na perspectiva da Nova História e de seus procedimentos de problematização aceitos e consolidados, que não podem ser vistos como específicos da história da educação. Mas esse campo do conhecimento histórico nem sempre usufruiu com tranquilidade dos espaços sociais do saber. A história da educação constituiu-se, primeiramente, como disciplina escolar com a finalidade de elaborar um conjunto de saberes sobre as ideias pedagógicas para a formação de professores. Foi com a Escola dos Analles, que inaugurou, como analisamos, uma “história total”, perpassada pelas contribuições de diferentes campos do conhecimento, que a história da educação, assim como a história de outros aspectos da vida humana, pode desenvolver-se. Todavia, como destaca muitos historiadores da educação, de imediato essa área não despertou o interesse dos chamados “historiadores de ofício” (LOPES, 2001, p. 26). Portanto, os trabalhos no campo específico da História da Educação podem ser considerados recentes, uma vez que apenas no século XX os historiadores começaram a se interessar por uma história sistemática e exclusiva da educação, antes disso, podemos dizer que era um apêndice da história geral (VIDAL; FARIA FILHO, 2003). Ainda assim, conhece-se melhor a história da pedagogia e das doutrinas pedagógicas do que propriamente das práticas efetivas de educação. Cabe destacar, que neste processo, como em outros campos disciplinares, ocorreram e ainda acontecem, discussões em consequência do modelo que conformou o seu processo de criação e consolidação. Apesar de ser um campo recente, a historiografia da educação, inicialmente, seguiu os caminhos da produção historiográfica, com trabalhos de caráter descritivo, com ênfase nos aspectos formais da produção. A situação é mais complexa no Brasil, pois até bem pouco tempo não tínhamos historiadores da educação e nem cursos específicos de educação, o que ocasionou enormes lacunas a serem preenchidas. As escolas de formação de professores foram criadas em fins do século XIX, mas apresentavam uma frequência muito baixa além de não incluírem em seu currículo o ensino de história da educação. Nestes primeiros cursos a atenção estava nas disciplinas de cultura geral e não nas disciplinas que poderiam propiciar a formação docente. Apenas a partir das reformas educacionais de 1930 a disciplina de história da educação passou a fazer parte do currículo dos cursos de formação de professores. Todavia, por um período significativo, a disciplina história da educação esteve ligada à filosofia da educação nos cursos de nível secundário e também superior, sem a autonomia merecida e o estatuto de ciência já atribuídos a disciplinas como psicologia, biologia e sociologia, que então estavam presentes nos bancos escolares. Além disso, sofria com o viés pragmático que destacava a missão de interpretar o passado para construir o futuro, com forte caráter doutrinário moral e religioso, pois, muitas vezes, a disciplina ficava a cargo de padres, seminaristas e cristãos em geral (NUNES, 1996). Entre 1930 e 1940, com a criação das universidades, foram implantadas faculdade de educação, oportunizando a pesquisa e a elaboração de pesquisas e teses, mas nem sempre a história da educação teve a merecida atenção. Nos anos 50 começou a se esboçar na Universidade de São Paulo, a partir dafaculdade de educação, algo próximo a um projeto de construção de uma história da educação brasileira, autônoma, alicerçada em levantamentos documentais, capaz de recobrir o processo de desenvolvimento do sistema público de ensino. O movimento inaugurou o diálogo da história da educação com a sociologia, além de ter a intenção de estimular a pesquisa que produzisse a identidade da história da educação brasileira a partir de fontes empíricas. Esses intelectuais, sob a coordenação dos Profs. Laerte Ramos de Carvalho e de Roque Spencer Maciel de Barros, organizaram um núcleo de estudos e de pesquisas que se expandiu com o desenvolvimento dos Institutos isolados de Ensino Superior no Estado de São Paulo (VIDAL; FARIA FILHO, 2003). Nos anos 1960, com a Ditadura militar, a educação foi duramente golpeada em virtude do fechamento de escolas experimentais e centros de pesquisa e a formação de grupos com forte orientação ideológica que preparam a legislação das reformas do ensino superior em 1968 e a do curso secundário em 1971. Contudo, a reforma universitária possibilitou a criação dos cursos de pós-graduação e, consequentemente, a formação intelectual que possibilitou a elaboração de inúmeras teses, entre as quais aquelas focadas na educação e sua história. Edificava-se neste momento espaços de debates e de pesquisas em que o marxismo, os novos ideais da Igreja Católica e os Annales, confluíram e conviveram, não sem conflitos. Nos anos 1980 os pesquisadores foram estimulados a se aglutinar em centros e associações de pesquisa, especialmente nas universidades, o que facilitou o movimento de aproximação dos educadores com a História, como campo teórico. Neste momento, diferentes foram às ações que reforçaram o movimento favorável a consolidação da História da Educação como campo disciplinar, de estudos e de pesquisas com contornos próprios (VIDAL, FARIA FILHO, 2003). A ampliação das discussões de temas educacionais com a criação de centros regionais e congressos nacionais também incrementou a produção científica, inclusive com o acolhimento do mercado editorial, com a publicação de teses e coletâneas sobre a temática. Atualmente existe uma tendência aos trabalhos na direção da História Cultural, pois o mesmo movimento que orientou mudanças de direção na historiografia de uma forma geral, também atingiu a história da educação, levando-a a considerar outros objetos e outros problemas para além das tradicionais histórias das ideias pedagógicas e história das políticas educacionais. Temas como a prática docente, processos de escolarização, práticas educativas e ideias pedagógicas compõem alguns dos temas trabalhados pela historiografia da educação, e Roger Chartier está cada vez mais presente nas pesquisas, como seus conceitos de apropriação e circulação, saberes e culturas escolares. Para que a História da Educação? Toda a acusação suscita defesa. Assim sendo, não espanta a proliferação de textos que procuram defender a história da educação. Não voltarei, agora, a esta literatura excessivamente autojustificativa. Mas vale a pena ensaiar outra resposta à pergunta “para que história da Educação?”. Para cultivar um saudável ceticismo – Vivemos num mundo do espetáculo e da moda, particularmente no campo da educação. A “novidade” tende a ser vista como um elemento intrinsecamente positivo. Há uma inflação de métodos, técnicas, reformas, tecnologias. Mais do que nunca é preciso estarmos avisados em relação a estas “novidades”, evitando o frenesi da mudança que serve, regra geral, para que tudo continue na mesma. A história da educação é um dos meios mais eficazes para cultivar um saudável ceticismo, que evita a “agitação” e promove a “consciência crítica”. Não estou a falar de uma história cronológica, fechada no passado. Estou a falar de uma história que nasce nos problemas do presente e que sugere pontos de vista ancorados num estudo rigoroso do passado. Para compreender a lógica das identidades múltiplas – Vivemos uma época marcada por fenômenos de globalização e por uma desenraizada circulação de ideias e conceitos e, ao mesmo tempo, por um exacerbar de identidades locais, étnicas, culturais ou religiosas. Uma das funções principais da história da educação é compreender esta lógica de “múltiplas identidades”, por meio da qual se definem memórias e tradições, pertenças e filiações, crenças e solidariedades. Pouco importa se as comunidades são “reais” ou “imaginadas”. Não há memória sem imaginação (e vice-versa). À história cumpre elucidar esse processo e, por esta via, ajudar as pessoas (e as comunidades) a darem um sentido ao seu trabalho educativo. Para pensar os indivíduos como produtores de história – As palavras do cineasta Manuel de Oliveira na apresentação de seu último filme merecem ser recordadas: “O presente não existe sem o passado, e estamos a fabricar o passado todos os dias. Ele é um elemento de nossa memória, é graças a ele que sabemos quem fomos e como somos”. Nunca, como hoje, tivemos uma consciência tão nítida de que somos criadores, e não apenas criaturas, da história. A reflexão histórica, mormente no campo da educação, não serve para “descrever o passado”, mas sim para nos colocar perante um patrimônio de idéias, de projetos e de experiências. A inscrição do nosso percurso pessoal neste retrato histórico permite uma compreensão crítica de “quem fomos” e de “como fomos”. Para explicar que não há mudanças sem história – O trabalho histórico é muito semelhante ao trabalho pedagógico. Estamos sempre a lidar com a experiência e a fabricar a memória. Hoje, as políticas conservadoras revestem–se de vernizes “tradicionais” ou “inovadores”. O seu sucesso depende de um aniquilamento da história, por excessos ou por defeito. Por excesso, isto é, pela referência nostálgica ao passado, à mistificação dos valores de outrora. Por defeito, isto é, pelo anúncio, repetido até a exaustão, de um futuro transformado em prospectiva e em tecnologia. Por isso, é tão importante denunciar a vã ilusão da mudança, imaginada a partir de um não-lugar sem raízes e sem história. Aqui ficam quatro apontamentos, entre tantos outros, que permitem esboçar uma resposta à pergunta “Para que a história da educação?” São muitos os exemplos suscetíveis de confirmar (...) a importância de desenvolvermosuma atitude crítica face às modas pedagógicas, de analisarmos o jogo de identidades no espaço educativo, de situarmos a nossa própria existência na narrativa histórica e de compreendermos que a mudança se faz sempre a partir de pessoas e de lugares concretos. NÓVOA, António. Apresentação da coleção dos livros de Maria Stephanou e Maria Helena Camara Bastos (org.), Histórias e Memórias da educação no Brasil. Petrópolis: Vozes, 2004-2005. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABUD, K. M. Tempo histórico: conceito fundamental para a aprendizagem de História. Revista Brasileira de História. São Paulo: ANPHU/Humanitas, v. 18, n. 36, 1998, p. 15-38. BLOCH, M. Apologia da história. Ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. BORGES, V. P. O que é História. 2. Ed. 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Posteriormente faremos algumas considerações a respeito da educação ambiental e suas principais características enfatizando de modo especial a educação chinesa e hindu. Retomando as origens da cultura ocidental em que se assenta toda nossa tradição escolar, vamos refletir sobre as principais características da educação grega e também da educação romana. Concluindo a nossa reflexão analisaremos o desenvolvimento da educação medieval até a sua superação por influência do renascimento cultural e da educação que lhe é característica. OBJETIVOS • Compreender o processo educativo antes do aparecimento da instituição escolar. • Avaliar as contribuições legadas à educação pela Antiguidade Oriental. • Refletir sobre a educação da criança nas primeiras sociedades humanas. • Refletir sobre o conceito de Paideia. • Compreender qual a ideia de infância tinham os gregos e os romanos. • Conhecer como a Igreja Católica influenciou a organização da educação durante o Período Medieval. • Refletir sobre as iniciativas da burguesia para desarticular o poder às Igreja Católica. • Refletir a respeito da influência contraditória da Igreja sobre a ideia de criança e o sentimento de infância. 2.1 A comunidade primitiva Durante milhares de anos homens e mulheres viveram em comunidades nas quais não havia desigualdade entre as pessoas e não existia propriedade privada, ou seja, as terras e as riquezas pertenciam a todos, não havia nenhum tipo de privilégio. A propriedade era coletiva, tudo era dividido igualmente entre os membros da comunidade, não existia nem “o meu” nem “o seu”, mas sim “o nosso”. O termo “comunidade” lembra que havia uma cooperação muito grande entre todos os indivíduos. A palavra “primitiva”, ao contrário do que muitos imaginam, não quer dizer “atrasada”, mas apenas que eram sociedades mais simples, organizadas pelos primeiros seres humanos, representando outra maneira de viver (PONCE, 1986). O que é importante ressaltar a respeito das comunidades primitivas é que nem todas se transformaram da mesma maneira e nem todas se dissolveram, ou, como preferem alguns, alcançaram a “civilização”. A história humana apresenta múltiplas possibilidades, pois não há caminho único na História. Alguns historiadores, por exemplo, qualificam as comunidades indígenas do Brasil como comunidades primitivas, todavia, não podemos esquecer que cada comunidade indígena tinha suas próprias características culturais. 2.1.1 A educação antes da escola Você já parou para pensar que mesmo antes da organização do sistema escolar e do prédio da escola havia uma forma de educação? A educação começou antes mesmo de os homens desenvolverem a escola e as atividades que hoje conhecemos por ciência, começou quando os homens familiarizaram-se com fenômenos naturais como o vento, as chuvas e o calor, passando a utilizar ossos e pedras como instrumentos para facilitar as atividades cotidianas e, gradativamente, fabricaram esses instrumentos, transformaram a natureza que os cercava, indagaram essa natureza e a si mesmos, nesse momento o domínio do fogo talvez tenha sido o maior avanço técnico. O domínio do fogo permitiu ao homem cozinhar alguns alimentos e contribuiu para alterar a dentição e a musculatura facial, modificando o formato do rosto. O fogo fez com que os homens se reunissem em grupos a sua volta, tornando esses indivíduos conscientes de sua comunidade o que, provavelmente, acelerou o processo de desenvolvimento da linguagem e da definição de papéis dentro dos grupos sociais, da mesma forma como o domínio da agricultura facilitou a sedentarização, a fixação do homem em determinado espaço. Saber usar o fogo também nos ajuda a explicar a ligação do homem com o místico, pois como não sabia explicar a procedência associou a uma origem divina, basta lembrarmos do mito de Prometeu. Nas sociedades menos complexas, ou melhor, nas sociedades quedenominamos primitivas, apesar da ausência de métodos educacionais ocorria uma forma “primitiva” de educação que tinha como principal objetivo ajustar a criança ao ambiente físico e social. Nessas sociedades as crianças adquiriam conhecimento através da imitação, participavam ativamente das atividades dos adultos, aprendendo, pouco a pouco, as diversas ocupações da tribo. A formação através da imitação era integral, abrangendo todo o saber da tribo, e universal, a medida em que todos poderiam ter acesso ao saber e ao fazer apropriado por sua comunidade. A educação das crianças e dos jovens tornou-se instrumento central para a sobrevivência dessas primeiras comunidades humanas, pois era responsável pela transmissão dos conhecimentos até então acumulados pelo grupo e para o desenvolvimento cultural. Na realidade, essa educação era profundamente marcada pelo jogo - imitação, onde os pequenos aprendiam o uso das armas, a caça, a colheita, o uso da linguagem, o culto aos mortos, as técnicas de transformação, domínio do meio ambiente, etc. “Nas comunidades tribais as crianças aprendem imitando os gestos dos adultos nas atividades diárias e nos rituais. Tanto nas tribos nômades como naquelas que já se sedentarizaram, para se ocupar com a caça, a pesca, o pastoreio ou a agricultura, as crianças aprendem “para a vida e por meio da vida”, sem que ninguém esteja especialmente destinado para a tarefa de ensinar.” (ARANHA, 2006, p. 35) Nos primeiros anos de vida a imitação era inconsciente, pois as crianças brincavam com pequenas reproduções dos instrumentos utilizados pelos adultos. Posteriormente, através da imitação aprenderiam a manejar uma canoa ou a preparar a comida. Numa segunda etapa, a imitação torna-se consciente, crianças participam das atividades dos adultos e aprendem por imitação. Comumente essa segunda etapa se Inicia quando se começa a exigir trabalho da criança, ela vai aprendendo pouco a pouco, as diversas ocupações da sua tribo ou comunidade como a construção de utensílios, a caça, a pesca, os trabalhos agrícolas e outras atividades realizadas. “O ritual de iniciação é uma pedagogia que vai do grupo ao indivíduo, da tribo aos jovens. Pedagogia de afirmação, e não diálogo (...). Quem cala consente. Em que consentem os jovens? Consentem em aceitar-se o papel que passaram a ter: o de membros integrais da comunidade. (...) Os primeiros cronistas diziam, no século XVI, que os índios brasileiros eram pessoas sem fé, sem rei, sem lei. É certo que essas tribos ignoravam a dura lei separada, aquela que, numa sociedade dividida, impõe o poder de alguns sobre todos os demais. Tal lei, lei de rei, lei de Estado, os mandan, os guaiaquis e os abipones a ignoravam. A lei que eles aprenderam a conhecer na dor é a lei da sociedade primitiva, que diz a cada um: Tu não és menos importante nem mais importante do que ninguém. A lei, inscrita sobre os corpos, afirma a recusa da sociedade primitiva em correr o risco da divisão, o risco de um poder separado dela mesma, de um poder que lhe escaparia. A lei primitiva, cruelmente ensinada, é uma proibição à desigualdade de que todos lembrarão. Substância inerente ao grupo, a lei primitiva faz-se substância do indivíduo, vontade pessoal de cumprir a lei.” (CLASTRES, 1978, p. 135) Notamos, porém, a ausência de uma figura significativa ao processo educativo: o professor. O professor, como conhecemos, não existia, pois essa personagem era assumida pelos pais, pelos mais velhos, pelos mais sábios da tribo e pelos que exerciam a função de sacerdotes, de guia religioso da comunidade. Apesar de todos os homens participarem das cerimônias de iniciação, havia as pessoas destinadas para essa atividade e que, dependendo da cultura, eram chamados de feiticeiros, curandeiros, xamãs ou homens que consultavam os antepassados. Esses homens foram, portanto, os professores mais primitivos (MONROE, 1983). O caráter ritualístico de muitas comunidades primitivas estava diretamente expresso na figura dos feiticeiros, xamãs ou homens que consultavam os espíritos, que, durante as cerimônias de iniciação dos mais jovens, transmitiam algumas explicações do universo, sendo assim, considerados mestres, os professores mais primitivos. O rito ou cerimônia de iniciação e o sacerdócio podem ser compreendidos, nesse contexto, como uma forma de ensino. Ritos de iniciação Cidades indígenas marcam a passagem de jovem para a vida adulta, onde vai gozar da plenitude dos seus direitos, com certos ritos, chamados de iniciação, os quais constituem também, ritos de passagem. Entre os índios Apinayé, a transformação dos meninos em guerreiros se dá em duas etapas, cobrem o espaço de um ano. E cada uma destas etapas constitui ritos de passagem. A primeira etapa é como que uma preparação para segunda, a qual constitui realmente a passagem para a classe dos guerreiros. Vamos escrever aqui esses escritos em seus detalhes por serem demasiado complexos. De qualquer modo, vamos fazer notar aqui que as duas fitas e tapas constituem ritos de passagem, porque podem ser divididos nas três fases que caracterizam esses ritos: a) separação; b) transição;e c) incorporação. Na primeira etapa os meninos que tem por volta de 15 anos de idade são separados dos demais por uma cerimônia que pode ser considerada um rito de separação. Daí por diante, durante alguns meses, embora durmam em suas casas maternas, os jovens iniciação passam praticamente os dias separados da aldeia: têm um acampamento próprio, local de banho só para eles, um pátio deles a leste da aldeia, caminho circular em torno da aldeia pelo qual vem buscar alimento em suas casas maternas. Recebe instrução todos os dias de dois índios maduros. Levam uma vida a parte da dos demais moradores, voltando para a aldeia quase que somente para dançar a noite dormir. Tal fase é marcada pelos ritos de transição. Durante esse período que os jovens têm suas orelhas e seu lábio inferior perfurados para uso de batoques. Finalmente, depois de algum tempo são de novo trazidos à vida da aldeia por uma cerimônia é constituída de ritos de incorporação. A segunda etapa começa também por um rio de separação. Jovens a partir de então são chamados de pemb, isto é, guerreiros. Nessa segunda etapa, os jovensficam numa reclusão religiosa, sendo feito para cada um deles um pequeno quarto totalmente fechado dentro de uma casa materna. Os jovens não devem ser vistos: ou estão em seus quartos ou então longe da aldeia. Nesta fase, seus instrutores dão conselho sobre como escolher e como tratar a esposa, como tratar os seus colegas, como confeccionar seus enfeites, exortam-nos a obedecer a seus chefes. Nesta fase os rituais de transição. Finalmente eles voltam outra vez a vida da aldeia através dos ritos de incorporação. Ao serem novamente incorporados à vida aldeia, os jovens já não são mais os mesmos. Já não são considerados meninos, são tratados como adultos e podem casar-se. As mulheres não passam por esses ritos, a não ser algumas, por privilégio especial. MELATTI, Julio Cezar. Índios do Brasil. 3.ed. São Paulo: Hucitec, 1980. pp. 123-124. 2.2 A Organização do Estado Com o crescimento populacional dentro das comunidades denominadas primitivas, as necessidades, assim como o que fazer com o excedente de produção, foram aumentando e exigindo adaptação por parte dos habitantes dessas comunidades. Para solucionar o “problema” dos produtos excedentes e complementar o que não era produzido por razões climáticas ou por desconhecimento de técnicas, as comunidades começaram a permutar o que tinham de bom e em excesso, dando origem ao que hoje denominamos comércio. Para a maioria das comunidades antigas, metais preciosos raros e bonitos, como ouro, prata e até o cobre, eram muito valiosos. Então, os comerciantes passaram a querer receber e pagar com pedaços de metais preciosos. Esses pedaços valiosos que todos aceitavam era o dinheiro. O dinheiro foi inventado exatamente para facilitar o comércio. Com ele, era possível comprar qualquer mercadoria. Buscando atender as necessidades surgidas com o crescimento populacional, tais como a construção de templos religiosos, abertura de estradas, escavação de canais de irrigação e construção de muros para defesa territorial, as comunidades, antes governadas por homens ligados pelos laços de parentesco, precisavam de líderes para comandar e organizar o trabalho de centenas e até milhares de pessoas. Como planejar tudo, como controlar as pessoas que administravam as obras, como arrumar braços para fazê-las? Como conseguir comida para esses trabalhadores? Gradativamente, em muitas sociedades, foi surgindo um tipo de instituição que cumpria todas essas tarefas de administração das obras públicas e, também, de controle da população, surgia o Estado. O Estado passa, então, a ser formado por grupos de pessoas que tinham, ao longo do tempo, se especializado em tarefas muito importantes, como a organização e administração de obras públicas. Além dessa administração, essa nova instituição tinha como incumbência cobrar impostos, para financiar todas as suas atividades e controlar um exército que tinha a dupla função de defender o território e conter a população. Com a organização do Estado verificamos também o isolamento das famílias, pois a comunidade não era mais chefiada por um líder familiar. Aos poucos, as famílias que prosperavam não desejavam mais partilhar suas riquezas com as outras, nascia, assim, a propriedade privada. As terras, as casas e os rebanhos passaram a pertencer a uma única família, separando ainda mais as pessoas umas das outras. A consequência mais nítida da propriedade privada foi a surgimento das diferenças sociais, pois como a propriedade privada era hereditária, os pais passaram suas riquezas para seus filhos e os filhos dos pobres herdavam o trabalho duro, a fome e o cansaço. Como surgiram as diferenças sociais: a) Divisão entre o trabalho intelectual e o trabalho manual. Umas poucas famílias começaram a dar ordens para o restante da comunidade; b) Crescimento da população e o isolamento das famílias enriqueceram algumas e empobreceram outras; c) Formação do Estado para fazer obras públicas e organizar o exército; d) Guerra para tomar a riqueza de outros povos e escravizar os inimigos. Os generais ficavam com os melhores bens e escravos. A descoberta da agricultura, a estruturação do comércio e a organização do Estado, causaram grande transformação na sociedade humana, que até então sobrevivia da caça e da coleta. O trabalho foi responsável por uma vida mais estável, com maior segurança, sem tantas mudanças como no nomadismo. O início da agricultura e da criação de animais proporcionou condições para que as sociedades, como já destacamos, se tornassem mais complexas, organizadas e criativas. As primeiras civilizações com Estado organizado tiveram origem no Oriente Próximo, há mais de cinco mil anos. Alguns povos desenvolveram a escrita, criaram cidades, formas mais complexas de exploração econômica, de trabalho e de organização social, governos com instituições bem determinadas e organizadas, leis que disciplinavam as relações sociais e os interesses, bem como produziram importantes obras artísticas. Apesar de alguns estudos históricos enfatizarem uma abordagem Ocidental da História, e, consequentemente, da história da educação, partindo sempre do estudo da grandiosa civilização grega. Acreditamos que essa abordagem mascara as contribuições do que denominamos civilizações orientais. A cultura construída por essas civilizações (Egito, Mesopotâmia, Índia, China e o povo Hebreu), em muitos aspectos, foi incorporada pela cultura transmitida pelos gregos e romanos ao mundo ocidental. Os povos que viveram no Norte da África e na Ásia (Oriente Próximo, Oriente Médio e Extremo Oriente), constituíram sociedades mais complexas e deram mais atenção à formação de seus homens. Apesar da forte influência da religião, tiveram uma preocupação com a formação de algumas camadas da sociedade. Essas civilizações apresentaram alguns pontos em comum que merecem destaque por atingirem o campo educacional. Todas essas sociedades apresentavam uma nítida distinção das camadas sociais, um Estado teocrático e centralizador, o que conduziu, no campo da educação, a uma educação que denominamos tradicionalista; tradicionalista no sentido de não viabilizar grandes mudanças, de permanecer estática por um longo período. Quando as sociedades tornaram-se mais complexas, as mudanças exigiram uma revolução na educação, que deixou de ser igualitária, como nas antigas tribos. Teve início, então, o dualismo escolar que destinavaum tipo de educação para o povo e outro para os filhos dos nobres e dos altos funcionários; uns eram destinados ao ensino do sagrado, tendo em vistas que essas sociedades eram teocráticas, e da administração, e outros ao “adestramento” para o exercício dos mais variados ofícios manuais. Apesar da preocupação com a formação dos homens, o que nos leva a considerar essas como sendo as primeiras tentativas de organização do ensino, não havia propriamente uma reflexão pedagógica e nem uma institucionalização do ensino, as orientações sobre como educar eram retiradas dos livros sagrados de cada uma dessas civilizações e o ensino acontecia, na maior parte das vezes, no templo religioso. A invenção da escrita, creditada aos povos da Mesopotâmia, é o ponto de partida para a compreensão das civilizações, tanto orientais como ocidentais. O uso da escrita provocou a organização de um processo educativo um pouco mais formalizado, entregue a uma classe de especialistas, com o objetivo primeiro de conservar o passado coletivo e o poder de poucas pessoas. Assim, com essas civilizações, surge a educação formal, apesar do forte teor religioso e do caráter tradicionalista, as preocupações com a educação, mesmo retiradas dos livros sagrados, foram incorporadas a essas sociedades. Em suma, podemos dizer que as civilizações orientais passaram pelas seguintes transformações, que possibilitaram a estruturação cultural e, consequentemente, educacional: • Formação de uma linguagem escrita; • Substituição da organização genética da sociedade por uma organização política; • Especialização do trabalho; • Com a escrita as sociedades passam a ter consciência do seu passado, buscando meio para conservá-lo. A educação das crianças e dos jovens, antes aberta a todos os membros da comunidade foi institucionalizada na escola e tornou-se patrimônio e privilégio da camada dominante que elitizou o saber e excluiu a maioria. 2.3 A Antiguidade Oriental Antes de falarmos do berço da civilização ocidental, vamos falar da educação das crianças daqueles que foram os responsáveis pela estruturação das primeiras sociedades hierárquicas de que temos conhecimento. Vamos analisar as civilizações egípcia, mesopotâmica, hebraica, indiana e chinesa. 2.3.1 Egito O afamado Egito deixou para os historiadores algumas informações relevantes para a compreensão de sua educação. Nessa civilização, os conhecimentos eram transmitidos sem que questionamentos fossem levantados e não havia uma preocupação com questões teóricas de demonstração nem de princípios ou leis científicas. Em virtude do controle de um Estado centralizador e teocrático, a transmissão do saber era restrita a poucos, os sacerdotes. Esses sacerdotes representavam o grupo intelectual de uma sociedade hierárquica. As escolas eram frequentadas por pouco mais de vinte alunos cada uma. Apesar de percebermos aqui a institucionalização do ensino, as escolas não funcionavam em prédios específicos, mas em templos e em algumas casas. Os mestres sentavam-se em uma esteira e os alunos ao redor dele e os textos eram aprendidos mediante a repetição e ao castigo. A atenção dos educadores também se voltava para os exercícios físicos, destinados aos nobres e aos guerreiros. Essa forma de ensino pode parecer, ao primeiro olhar, descontraída, mas era autoritária e visava apenas à obediência do aluno. Deste modo, podemos perceber que a educação egípcia esteve articulada segundo modelos de classe e especializada para aceder à profissão intelectual sacerdotal. As crianças no Egito Antigo acompanhavam os pais nas mais diversas atividades, os filhos dos pastores acompanhavam seus pais ao campo, os filhos dos artesãos circulavam pelas oficinas tentando ajudar em alguma coisa, até mesmo os soberanos viviam rodeados pelos filhos. “Ao lado da educação escolar, havia a familiar (atribuída primeiro à mãe, depois ao pai) e a dos “ofícios”, que se fazia nas oficinas artesanais e que atingia a maior parte da população. Este aprendizado não tinha necessidade de nenhum “processo institucionalizado de instrução” e “são os pais ou os parentes artesãos que ensinam a arte aos filhos”, através do “observar para depois reproduzir o processo observado”, como nos lembra Manacorda. Os grupos populares são também excluídos da ginástica e da música, reservadas apenas à casa guerreira e colocadas como adestramento para a guerra. Tanto na Mesopotâmia como no Egito, a educação aparece nitidamente articulada segundo modelos de classe (grupos dominantes e povo), já escandida entre família e escola, especializada para aceder à profissão intelectual e desenvolvida em torno da aprendizagem escrita: serão estes os caracteres estruturais de quase toda a tradição antiga, também grega, helenística e romana.” (CAMBI, 1999, pp. 67-68) 2.3.2 Mesopotâmia A Mesopotâmia é uma região de planícies no Oriente Médio (atual Iraque), entre os rios Tigre e Eufrates. A cheia que fertilizava as terras das proximidades desses rios facilitou a ocupação dessa localidade. Para que a permanência fosse mais cômoda os povos que se fixaram nessa região realizaram inúmeras obras hidráulicas, como diques e canais de irrigação. Na Mesopotâmia a religião era politeísta e caminhava lado a lado com a política, favorecendo, como no Egito, o fortalecimento do Estado Teocrático. Os sacerdotes eram funcionários do Estado, os templos religiosos tinham terras e cobravam impostos das famílias que trabalhavam nelas. A região não foi constituída por um só povo, mas por sucessivos povos que se revezaram no comando, como os sumérios, os semitas, os assírios e os babilônios. Temos poucas informações sobre os métodos educativos da civilização mesopotâmica, o que podemos afirmar com certo grau de certeza é que como no Egito, dada a função da religião, centralíssima era a função social dos sacerdotes e também de sua formação escolar. De início predominava a educação doméstica, posteriormente, foram criadas escolas públicas com a intenção de impor os valores aos povos conquistados. Essa escola pública, com o tempo deu origem ao primeiro ensino superior de que se tem notícia na história, que fora denominado Universidade Palatina da Babilônia. A Escrita cuneiforme Na Mesopotâmia surgiu o sistema de escrita que é, provavelmente, o mais antigo da humanidade. Segundo os historiadores, a
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