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METODOLOGIA DE ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Programa de Pós-Graduação EAD UNIASSELVI-PÓS Autoria: Márcia Maria Junkes CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Norberto Siegel Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz Prof.ª Kelly Luana Molinari Corrêa Prof. Norberto Siegel Revisão de Conteúdo: Prof.ª Elisabeth Penzlien Tafner Revisão Gramatical: Prof.ª Iara de Oliveira Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI 469.5 J956m Junkes, Márcia Maria. Metodoligia de Ensino de Lingua Portuguesa/ Márcia Maria Junkes. Centro Universitário Leonardo da Vinci – Indaial: Grupo UNIASSELVI, 2009.x ; 78 p.: il. Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7830-787-5 1. Lingua Portuguesa - Gramática 2. Didática e Ensino I. Centro Universitário Leonardo da Vinci. II. Núcleo de Ensino a Distância III. Título Copyright © UNIASSELVI 2009 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Márcia Maria Junkes Doutoranda em Educação UDE – Universidad de la Empresa UY. Mestre em Linguística – Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Língua Portuguesa – Centro Universitário do Cerrado – Patrocínio (UNICERP). Graduada em Letras – Fundação Universidade Regional de Blumenau (FURB). Atualmente é professora de Comunicação e Expressão no curso de Ciências Contábeis na Assevim/Uniasselvi e de outras instituições de Ensino Superior. Professora orientadora de Estágio Supervisionado na Licenciatura em Letras. Tem experiência na Educação Superior a Distância; na Formação de Professores do Ensino Básico na área de Letramento, Produção Textual e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. Ministra cursos de oratória e produção de texto acadêmico. Sumário APRESENTAÇÃO ......................................................................7 CAPÍTULO 1 Língua Falada e Língua Escrita .............................................9 CAPÍTULO 2 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa ...........................29 CAPÍTULO 3 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio ..........................................43 CAPÍTULO 4 Avaliação de Leitura e Escrita no Ensino Fundamental e Médio ...............................................67 APRESENTAÇÃO A disciplina de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa apresenta algumas propostas de práticas linguístico-pedagógicas e reflexões teóricas para os educadores de língua materna ampliarem suas ações pedagógicas no processo de ensino-aprendizagem. Vamos direcionar nossos estudos, nessa disciplina, para a conquista de um espaço em sala de aula que valorize o processo de interlocução, privilegiando o enfoque interativo-textual, por meio de estudos, discussões e análises sobre a real possibilidade de unir teoria e prática. Investiremos, aqui, em uma tentativa de refletir sobre os problemas que implicam o ensino de Língua Portuguesa, considerando que é muito presente a ideia de que a escola não valoriza a realidade linguístico-social de seus educandos. Para realizar uma boa prática pedagógica quanto ao ensino da língua materna, necessitamos compreender os aspectos que englobam a natureza da linguagem oral e da linguagem escrita, pois: “Há hoje um interesse renovado pelo estudo da linguagem escrita, já com base no que se pensa saber sobre a linguagem oral”. (KATO, 2003, p.71). Da mesma forma, precisamos compreender que ensinamos e também aprendemos português brasileiro, o que pressupõe ensinarmos uma língua, segundo Bagno (2001, p.10), “falada e escrita aqui, neste país chamado Brasil, 92 vezes maior que Portugal, habitado por uma população quase 17 vezes mais numerosa”. Também não podemos esquecer que todas as línguas passam por constantes mudanças, que toda língua é comparada a um corpo em infinito movimento. No primeiro capítulo, estudaremos com mais profundidade a dicotomia entre língua falada e língua escrita e as variações linguísticas comuns ao português brasileiro. No segundo capítulo, veremos os tipos e gêneros textuais e suas possibilidades de fundamentar o processo ensino-aprendizagem de Língua Portuguesa. Depois, no próximo capítulo, estudaremos a prática de análise linguística e exploraremos algumas sugestões para aplicação em sala de aula e, no quarto capítulo, abordaremos a avaliação da produção textual no Ensino Fundamental e Médio. A autora. CAPÍTULO 1 Língua Falada e Língua Escrita A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Compreender o fenômeno da comunicação humana e suas variações linguísti- cas. Associar funcionalmente a fala e a escrita dentro de um quadro mais amplo das práticas sociais e dos gêneros literários. Relacionar funcionalmente elementos da comunicação aos objetivos que a originam. 10 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa 11 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 Contextualização Possivelmente, você já sentiu na prática que não podemos escrever do jeito que falamos. Ou ainda, durante as aulas que você lecionou, já deve ter comentado com seus alunos que não é possível escrever da mesma forma como falamos. Essas considerações sugerem, então, que fala e escrita são modalidades de uso da mesma língua, contudo, apresentam algumas características próprias. Essas características surgem em virtude das diversas necessidades dos falantes. Aspectos como estrutura e formalidade fazem significativa diferença no contexto de uso, já que a linguagem humana, normalmente, é determinada pelas condições e situações em que é usada. Assim, neste primeiro capítulo, você estudará as diferenças entre fala e escrita e como estas implicam o processo de ensino-aprendizagem da língua. Dicotomia Entre Fala e Escrita Para iniciar esta seção, é importante ler a citação a seguir, que apresenta um rápido panorama em relação à oralidade e à escrita: [...] todos os povos, indistintamente, têm ou tiveram uma tradição oral, mas relativamente poucos tiveram ou têm uma tradição escrita, isto não torna a oralidade mais importante ou prestigiosa que a escrita. Trata-se apenas de perceber que a oralidade tem uma “primazia cronológica” indiscutível sobre a escrita (cf. STUBBS,1980). Os usos da escrita, no entanto, quando arraigados numa dada sociedade, impõem-se com uma violência inusitada e adquirem um valor social até superior à oralidade. (MARCUSCHI, 2001, p. 17). Exitem vários sites que publicam pesquisas sobre a história da língua escrita. Se você quiser aprofundar seus estudos, sugerimos uma visita ao site da Revista D.E.L.T.A – Documentação de Estudos e Linguística Teórica e Aplicada. Basta acessar: http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci_serial&pid=0102-4450&lng=en&nrm=iso. Depois desta pequena explanação acerca da língua escrita, vamos prosseguir nossa conversa acerca da fala e da escrita, a partir de exemplos de textos a seguir, que representam a fala cotidiana de jovens que vivem em nosso Aspectos como estrutura e formalidade fazem significativa diferença no contexto de uso, já que a linguagem humana, normalmente, é determinada pelas condições e situações em que é usada. 12 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa meio. Leia-os e depois reflita sobre o que há de diferente nos dois exemplos, visto que eles abordam o mesmo assunto. Texto I (falado) Ela tava ali, lindinha e nos conformes, cara... Fiquei olhando,imaginando um jeito de dize; bem, você sabe, né? De dizer aqueles negócios que fico pensando sem ela. Era hora, agora, vou lá, dou uma chavecada nela, buzino umas no ouvidinho dela, tá na minha... Bom, tava faltando coragem, puxa, foi me dando um frio, uma coisa, um estado... Virei as costas, meu irmão, e me mandei... (ALGO SOBRE VESTIBULAR, 2009). Texto II (escrito) Digo a você que ela estava lá, diante dos meus olhos. Perfeita. Olhei-a imaginando um jeito de dizer o quanto era importante para mim, dizer o que pensava dela quando estava a sós comigo mesmo. Pensei ser a hora certa, conversa: Mas, me faltou coragem. Fugi. (ALGO SOBRE VESTIBULAR, 2009). De forma bastante simples, podemos perceber, com clareza, as diferenças entre as duas modalidades de representação da língua. Pode-se dizer “que a escrita é um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar, ao contrário da fala que é proferida mais prontamente; é mais imediata, não havendo tempo para planejamento”. (LIMA, 2008, p.63). Apresentamos, a seguir, parte da estruturação elaborada por Koch (1997, p.31) para elucidar a dicotomia entre fala e escrita. Quadro 1 – Comparação entre fala e escrita Fala Escrita contextualizada descontextualizada implícita explícita redundante condensada não-planejada planejada predominância do “modus pragmático” predominância do “modus sintático” incompleta completa pouco elaborada elaborada predominância de frases curtas, simples predominância de frases complexas menor densidade lexical maior densidade lexical poucas nominalizações abundância de nominalizações Fonte: Elaborado com base em Koch (1997, p. 31). “A escrita é um processo mais abrangente que implica os atos de pensar e planejar, ao contrário da fala que é proferida mais prontamente; é mais imediata, não havendo tempo para planejamento”. (LIMA, 2008, p.63). 13 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 Você sabe o que é dicotomia? Este conceito é essencial para ampliar sua compreensão. Segundo o Dicionário Aurélio (2001, p.235), “Dicotomia: divisão de um conceito em dois elementos, em geral, contrários”. Nas próximas linhas, você compreenderá que, apesar de haver diferenças, fala e escrita podem compartilhar muitas características, aguarde! A Oralidade na Aprendizagem da Escrita Mesmo com tantos estudos sobre o tema das diferenças entre fala e escrita, não se tem levado em conta, na esfera escolar, as diferenças básicas que existem entre ambas, o que nos leva a justificar ser a falta desse conhecimento, uma das razões que, muitas vezes, gera o fracasso no processo de ensino-aprendizagem da língua escrita. É através da compreensão das diferenças entre fala e escrita que o professor pode conduzir o aluno das formas conhecidas da fala para as formas desconhecidas na escrita. É nesse sentido que concebemos o professor como mediador do conhecimento. E, é por isso, também, que o pesquisador Paulo Freire (1984), conhecido pelas concepções freirianas em educação, diz, em seus estudos sobre alfabetização, que é extremamente significativo ao aluno o fato de se trabalhar com palavra geradora do conhecimento do alfabetizando, ou seja, a palavra que faz parte de seu mundo social. Ainda, com base nas informações apresentadas no quadro 1, sobre o que ocorre na prática entre língua falada e escrita, acrescentamos o que Lima (2008, p. 82) traz em seu artigo: A fala e a escrita apresentam diferentes funções. À fala é mais comum a função de informar e possui marcas que mostram certas intimidades, além de usar expressões mais coloquiais. Já, a escrita exige uma certa hierarquia em sua estrutura e possui marcas mais formais, tanto que a habilidade para escrever depende muito do domínio de alguns recursos linguísticos. Para se desenvolver a escrita, é preciso um tema, algo para ser escrito e o material deve ser cuidadosamente organizado, formando um todo coerente, unificado, com mudanças de tópicos justificados e explícitos. 14 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Sobre as funções de fala e escrita, segundo Lima (2008), podemos entender que a fala tem uma característica mais simples de organização, voltada para o ato de informar, porém, de maneira coloquial; enquanto que a escrita, precisa de uma hierarquia com marcas mais formais que exigem recursos linguísticos como: tema e estrutura gramatical. No entanto, é muito importante o educador entender que a língua falada não é melhor que a língua escrita, elas são apenas diferentes. E, é sobre essa diferença que incide uma discussão bastante séria apresentada por Marcuschi (2001, p.47): “[...] entre oralidade e escrita não existem diferenças quanto aos conhecimentos que podem ser por elas transmitidos ou gerados [...] a fala e a escrita não são dois modos qualitativamente diversos de conhecer ou dar a conhecer”. Marcuschi (2001), quando discute sobre a passagem da língua falada para a língua escrita, chama a atenção para o processo que ele denomina de retextualização: “Trata-se de um processo que envolve operações complexas que interferem tanto no código como no sentido e evidenciam uma série de aspectos nem sempre bem compreendidos da relação oralidade- escrita”. (MARCUSCHI, 2001, p. 46). Na verdade, o autor está nos chamando a atenção ao fato de que, como educadores, não devemos valorizar somente a modalidade escrita da língua, pois, quando transformamos uma fala em escrita, realizamos um processo cognitivo importantíssimo: a interpretação. Então, num primeiro plano, valoriza-se a fala, que num segundo plano promove a interpretação e, consequentemente, a escrita. Muitos educadores de língua materna incorrem no erro de, além de examinarem o conhecimento de seus alunos somente por meio da língua escrita, ainda, valorizar apenas a escrita formal. Discutiremos com mais especificidade sobre os aspectos que envolvem retextualidade (a passagem da língua oral para escrita), na perspectiva de Marcuschi (2001), no capítulo 3, quando trabalharemos com exercícios práticos. Franchi (2003, p.49) considera a prática oral dos educandos como contexto aos primeiros textos escritos: “é no âmbito da oralidade que os escritos dos alunos, quer enquanto representação de pedaços de sua fala, quer como contexto de vida É muito importante o educador entender que a língua falada não é melhor que a língua escrita, elas são apenas diferentes. Como educadores, não devemos valorizar somente a modalidade escrita da língua, pois, quando transformamos uma fala em escrita, realizamos um processo cognitivo importantíssimo: a interpretação. 15 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 para interpretação, ganham significação, por menores e mais fragmentários que sejam”, o que nos leva a compreender a importância da oralidade no processo de transição para a escrita. Uma pesquisa acadêmica, realizada por Amaral e Silva (2003), apresenta uma atividade muito significativa para ilustrar a afirmação da citação anterior. As pesquisadoras analisaram textos escritos, produzidos por educandos com dois anos de escolaridade, da Escola Domingos Sávio, situada à margem esquerda do Rio Madeira em Porto Velho – RO. Essa pesquisa teve o objetivo de testar a valorização da língua oral para ampliar a prática em produção escrita. Vamos saber um pouco mais sobre o contexto da pesquisa: Nessa pesquisa, foram realizadas atividades em que os alfabetizandos, inicialmente, expressavam-se oralmente sobre o assunto de um texto lido em sala de aula; havia a discussão sobre a história e, logo após, faziam a produção de um texto escrito para ser socializado com a turma. Privilegiaram-se histórias diversificadas que envolviam situações vivenciais do aluno, como contos e lendas, por exemplo. Como objeto de análise, para aprofundar a pesquisa, as autoras escolheram o texto “A Lenda do Preguiçoso”, do autor Giba Pedroza, que apresentaum personagem muito preguiçoso que vivia às custas de outras pessoas. Para seu conhecimento, extraímos o conto “A Lenda do Preguiçoso” a seguir. Na produção textual, o aluno Gabriel também contou uma história de um personagem com características bem distintas, estranhas, lendárias da sua região, pois, a ideia era contar uma história (lenda) que fizesse parte da sua vivência. Durante a aplicação dessa atividade, destacou-se o dialogismo entre pesquisadoras e aluno, ressaltando que o papel principal do educador é de estimular a linguagem e a livre expressão do educando. A lenda do preguiçoso Diz que era uma vez um homem que era o mais preguiçoso que já se viu debaixo do céu e acima da terra. Ao nascer nem 16 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa chorou, e se pudesse falar teria dito: “Choro não. Depois eu choro”. Também a culpa não era do pobre. Foi o pai que fez pouco caso quando a parteira ralhou com ele: “Não cruze as pernas, moço. Não presta! Atrasa o menino pra nascer e ele pode crescer na preguiça, manhoso”. E a sina se cumpriu. Cresceu o menino na maior preguiça e fastio. Nada de roça, nada de lida, tanto que um dia o moço se viu sozinho no pequeno sítio da família onde já não se plantava nada. O mato foi crescendo em volta da casa e ele já não tinha o que comer. Vai então que ele chama o vizinho, que era também seu compadre, e pede pra ser enterrado ainda vivo. O outro, no começo, não queria atender ao estranho pedido, mas quando se lembrou de que negar favor e desejo de compadre dá sete anos de azar... E lá se foi o cortejo. Ia carregado por alguns poucos, nos braços de Josefina, sua rede de estimação. Quando passou diante da casa do fazendeiro mais rico da cidade, este tirou o chapéu, em sinal de respeito, e perguntou: “Quem é que vai aí? Que Deus o tenha!” “Deus não tem ainda não, moço. Tá vivo.” E quando o fazendeiro soube que era porque não tinha mais o que comer, ofereceu dez sacas de arroz. O preguiçoso levantou a aba do chapéu e ainda da rede cochichou no ouvido do homem: “Moço, esse seu arroz tá escolhidinho, limpinho e fritinho?” “Tá não.” “Então toque o enterro, pessoal.” E é por isso que se diz que é preciso prestar atenção nas crendices e superstições da ciência popular. Vejamos, na sequência, o texto produzido pelo aluno Gabriel, no qual ele relatou uma história, que trata de uma lenda que é veiculada na comunidade em que mora. Muitos anos atras adaro de remo e canoa tinha um riu nu lugar ele dormia naquele canto ai o casião um dia andado chagaro onde comi agente la quando um aqui ta vivo foi ver quem ta levando o companheiro aí ele viu puronde o bicho tinha levado o seu companhe Ele ando ando ando Aí viu uma casa aí ele se aprocim de viu as banda do seu colega viu u rabo e um grande bicho deitando i uma mulhe na cosia ele se aproximo i atiro no bicho mato o bicho e a mulhe aí pega o companheiro e entero aí nunca mas cumia niegem. Fonte: Amaral e Silva (2004). 17 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 As respostas mais significativas que as autoras constataram com essa pesquisa foram: Entendemos que, no caso de Gabriel, as suas vivências e o conhecimento de sua comunidade estão sendo criados como um todo integrado. Sua escrita pode não ter a perfeição gráfica (ortográfica) desejada pela escola, mas tem a marca de sua própria identidade. Como já sabemos, o modelo de texto que a criança possui é o do texto oral, pois são as marcas da oralidade que aparecem nas primeiras produções escritas da criança. É esse fato que chama a atenção no texto de Gabriel: a forte influência da oralidade na sua escrita, como por exemplo: Estrutura dos contos orais / muitos anos atrás /; juntura vocabular / puronde / agente /; repetição de palavras que dá ideia de passagem de tempo / Ele ando ando ando/; queda do “r” final / mulhe /; transformação do “e” em “i” e do “o” em “u”: / nu lugar / no lugar / comi / come / qui / que / u rabo / o rabo /i uma/e uma /i atiro / e atirou No decorrer do desenvolvimento das atividades, percebemos o quanto a criança trabalha, naturalmente, com a oralidade e a escrita. Fora do ambiente escolarizado, os alunos conseguem se expressar com naturalidade e desenvoltura. Isso mostra o quanto é importante a valorização da oralidade para que o aluno possa ter segurança no processo de transcrição para a escrita. 18 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Os resultados obtidos foram significativos, porque as atividades que desenvolvemos contribuíram para uma reflexão da prática pedagógica. As atividades tomavam sempre como ponto de partida o aspecto de que a escrita funciona como sistema de representação da linguagem oral das crianças. Fonte: Amaral e Silva (2004). Como professores de língua materna, muitas vezes, somos incumbidos de dar conta da árdua tarefa de fazer com que nossos alunos dominem a leitura e a escrita. Faço uma ressalva aqui: ensinar a ler e escrever é tarefa de todas as áreas, um compromisso da escola e não, exclusivamente, do professor de português. No próximo capítulo, trataremos com maior ênfase essa questão. Com os estudos realizados até esse momento, podemos começar a refletir sobre a prática pedagógica que o educador de língua materna precisa desenvolver para garantir o sucesso do processo de aprendizagem da língua oral para a língua escrita. Atividades de Estudos: 1) Reescreva o texto do aluno Gabriel, apresentado acima, tentando eliminar todas as marcas da oralidade. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 19 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Observando, agora, o texto do aluno Gabriel e o texto que você reescreveu, identifique, segundo a estruturação elaborada por Koch (1997, p. 31), apresentada no quadro 1 para elucidar a dicotomia entre fala e escrita, quais as diferenças entre os dois textos. Por exemplo: Fala Escrita Não-planejada: “Muitos anos atras adaro de remo e canoa tinha um riu” Planejada: “Faz muitos anos, andava-se de canoa a remo, aqui, no Rio Madeira em Porto Velho.” Predominância de frases curtas, simples: “Aí viu uma casa aí ele se aprocim” Predominância de frases complexas:” Depois de longas horas navegando naquele rio, ele avistou uma pequena casa à margem; então, com remadas silenciosas, vagarosamente, foi aproximando-se. Agora, continue a comparação com o seu texto. Procure identificar as diferenças entre o texto com marcas de oralidade (Gabriel) e o texto que você escreveu. 20 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Variação Linguística Todas as línguas possuem um dinamismo próprio que as tornam heterogêneas. A variabilidade linguística presente nas línguas naturais humanas, ou seja, a variação linguística é o objeto de estudo da sociolinguística e funciona como um princípio geral e universal, passível de ser descrita e analisada cientificamente. Sociolinguística é a ciência que estuda a língua da perspectiva de sua estreita ligação com a sociedade onde se origina. O uso de uma determinada expressão ou palavra em língua sofre variações por algum tempo e, algumas vezes, após esse tempo, ocorre a mudança. Para ilustrar um caso de variaçãoe mudança, você deve lembrar o que ocorreu com o pronome você. Inicialmente era escrito vossa mercedes, depois, transformou- se em vossa mercê, mais tarde, vosmicê, vossuncê, até chegar a você. No entanto, já ouvimos ocê e ce e na internet, vc. A variação linguística também é fortemente marcada, além dos aspectos sociais, pelo tempo; também por diferenças de região, idade, sexo, formação profissional e cultural. Escolhemos alguns exemplos de variação linguística marcados pela época, por formação profissional e por região, a fim de entendermos como ocorre esse processo na língua portuguesa. Vamos a estes exemplos: a) Variação linguística marcada pela época Antigamente ANTIGAMENTE, os pirralhos dobravam a língua diante dos pais, e se um se esquecia de arear os dentes antes de cair nos braços de Morfeu, era capaz de entrar no couro. Não devia também se esquecer de lavar os pés, sem tugir nem mugir. Nada de bater na cacunda do padrinho, nem de debicar os mais velhos, pois levava tunda[...] Fonte: Propostas de atividades (2009). 21 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 b) Variação linguística marcada pela formação profissional Fala de um advogado, explicando a linguagem que ele usa no fórum. As expressões são data venia, permissa venia, concessa venia. O senhor, para não usar de aspereza com o juiz, o senhor bota data venia, que quer dizer ‘com o devido respeito’, bota antes data venia e aí fala o que quiser para o juiz. Os sinônimos de data venia seriam permissa venia, concessa venia. Eu jamais repito data venia no mesmo processo. Só data venia, data venia, fica enfadonho, né? Fonte: Propostas de atividades (2009). c) Variação linguística marcada pela região Falar gaúcho “Vancê pare um bocadinho: componha seus arreios, que a cincha está muito pra virilha. E vá pitando um cigarro, enquanto eu dou dois dedos de prosa àquele andante ... que me parece que estou conhecendo ... e conheço mesmo! ... É o índio Reduzo, que foi posteiro dos Costas, na estância do Ibicuí.” Fonte: Neto (2009). Espero que os exemplos tenham ajudado você a entender melhor como ocorre a variação linguística. Agora, vamos nos concentrar um pouco no conceito de variável linguística. Para termos uma variável linguística, é necessário que duas ou mais variantes tenham o mesmo significado e devam dizer o mesmo, de modos diferentes. Conforme Monteiro (2000, p.59): duas ou mais formas distintas de se transmitir um conteúdo informativo constituem, pois, uma variável linguística. As formas alternantes que expressam a mesma coisa num mesmo contexto e com o mesmo valor de verdade são denominadas de variantes linguísticas. Um exemplo muito usado tanto na fala quanto na escrita é a variação dos pronomes pessoais sujeitos Nós e A gente; o pronome A gente tem sido usado frequentemente, não só em falas formais, como também em textos escritos, para expressar o pronome nós. Em textos publicados nos livros didáticos para alunos de Ensino Fundamental e Médio, encontramos, com frequência, a ocorrência da variação dos pronomes Nós e A gente, conforme se demonstra na figura a seguir. 22 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Figura 2 – Uso de Nós e A gente Fonte: Junkes (2008, p. 95). Nem todos os fatos da língua sofrem variação. Existem regras gramaticais categóricas. Sabemos, por exemplo, que na língua portuguesa o artigo se antepõe ao nome, enquanto que em romeno ele se pospõe. De acordo com Junkes (2008, p.12), “qualquer alternância nessa regra denotaria agramaticalidade, pois se trata de uma regra que não pode ser infringida porque dificultaria a compreensão do enunciado, trata-se, portanto, de leis internas da língua que são denominadas de regras invariantes”. 23 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 Veja o exemplo da língua romena para compreender melhor os conceitos apresentados sobre artigo pós-posto ao nome. Uma das definições do substantivo masculino singular em romeno se dá através da adição do artigo ul, ou le ao final do substantivo: bărbat (homem em romeno), bărbatul ( o homem); câine (cão em romeno), câinele (o cão). Considerando a ampla variação nos fenômenos linguísticos, que posição assumir frente aos procedimentos didáticos do ensino de Língua Portuguesa do alunado brasileiro? A escola deve insistir em ensinar a norma padrão da língua ou sensibilizar os alunos para a percepção da variabilidade linguística? Para encontrar uma resposta à latente questão, precisamos entender o que é considerado por norma. Conforme Castilho (2002, p.26), “entende-se por norma os usos e atitudes de uma classe social de prestígio, sobre o que se erguem as chamadas regras do bom uso”. No entanto, em uma sociedade diversificada como é a brasileira, esse conceito pode assumir outras formas, conforme sugere Faraco (2002, p.38): “a norma característica de comunidades rurais de determinada ascendência étnica, a norma característica de grupos juvenis urbanos, a(s) norma(s) características de populações de periferias urbanas, a norma informal da classe média e assim por diante”. A escola é considerada uma das entidades mais influentes na formação de uma pessoa, nela e implicitamente nos livros que utiliza, podemos criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem, que satisfaça as necessidades de relacionamento no ambiente social em que se vive. O preconceito disseminado na sociedade em relação à variação linguística deve ser enfrentado nas aulas de língua materna como um objetivo educacional mais amplo para a observação sobre o fato de que uma língua está em constante mudança. Para tanto, o professor deve entender que a escrita é reflexo da fala e, consequentemente, não seria possível “consertar” a fala de nossos alunos para que eles escrevessem melhor. A escola deve insistir em ensinar a norma padrão da língua ou sensibilizar os alunos para a percepção da variabilidade linguística? A escola é considerada uma das entidades mais influentes na formação de uma pessoa, nela e implicitamente nos livros que utiliza, podemos criar condições para o desenvolvimento da capacidade de uso eficaz da linguagem, que satisfaça as necessidades de relacionamento no ambiente social em que se vive. 24 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Para aprofundar o tema variação linguística, a obra a seguir é uma leitura enriquecedora: BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola, 2004. Atividade de Estudos: 1) Você deve se lembrar da música que apresentamos a seguir. Ela se tornou famosa na década de 1990 porque fazia crítica à precária situação social da maioria do povo brasileiro. Observe quantas vezes o pronome de primeira pessoa do plural (nós) foi substituído pelo pronome a gente. Leia com atenção e reorganize o texto de forma que a variação do pronome não fique centrada somente no pronome a gente. Como sugestão, você poderá variar com o uso de (nós, as pessoas, todo mundo, a humanidade). Pode até ser que fique estranho, pois, se você conhece o ritmo da música vai perceber que, após as mudanças, ficará mais difícil de cantá-la. Note que ao substituir os pronomes a gente, que estão sublinhados no texto, você também deverá flexionar o verbo para realizar a concordância verbal. 25 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 COMIDA Marisa Monte Composição: Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer e Sérgio Brito Bebida é água. comida é pasto. você tem sede de que? você tem fome de que? a gente não quer só comida a gente quer comida, diversão e arte. a gente não quer só comida, a gente quer saída para qualquer parte. a gente não quer só comida, a gente quer bebida, diversão, balé. a gente não quer só comida, a gente quer a vida como a vida quer. bebida é água. comida é pasto. você tem sedede que? você tem fome de que? a gente não quer só comer, a gente quer comer e quer fazer amor. a gente não quer só comer, a gente quer prazer pra aliviar a dor. a gente não quer só dinheiro, a gente quer dinheiro e felicidade. a gente não quer só dinheiro, a gente quer inteiro e não pela metade. bebida é água. comida é pasto. você tem sede de que? você tem fome de que Fonte: Disponível em: <http://letras.terra.com.br/marisa- monte/26826/>. Acesso em: 14 maio 2009. Comida - Marisa Monte Adaptação: 26 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Algumas Considerações Neste capítulo, observamos algumas das diferenças entre fala e escrita e como isso afeta o processo de ensino-aprendizagem. Vimos também a estrutura teórica que sustenta a dicotomia entre fala e escrita. Observamos exemplos práticos dessas diferenças e como funciona a influência da oralidade no texto de alunos com 2 anos de escolaridade, bem como a variação linguística presente também nos textos escritos. Além disso, compreendemos também que os educadores não devem valorizar somente a modalidade escrita da língua, pois, quando se dá a transformação de uma fala para a escrita, realiza-se um processo cognitivo importantíssimo para todas as áreas de conhecimento, que é a interpretação. No próximo capítulo, estudaremos estratégias para o ensino da Língua Portuguesa e daremos ênfase à modalidade escrita da língua com base nos gêneros textuais e como eles podem contribuir para as aulas de produção de texto. Referências ALGO sobre vestibular. Disponível em: <http://www.algosobre.com.br/redacao/as- diferencas-entre-fala-e-escrita.html>. Acesso em: 3 nov. 2009. AMARAL, Nair Ferreira Gurgel do; SILVA, Élica do Espírito Santo. Marcas da oralidade na escrita do aluno ribeirinho. 2005. Disponível em: <http://goo. gl/8EHRY1>. Acesso em: 27 maio 2009. 27 Língua Falada e Língua Escrita Capítulo 1 BAGNO, Marcos. Português ou brasileiro? (um convite à pesquisa). São Paulo: Parábola Editorial, 2001. CASTILHO, Ataliba Teixeira. Gramática do português falado. Campinas, SP: Unicamp, 2002. FARACO, Carlos Alberto. Questões de política de língua no Brasil: problemas e implicações. Educar em Revista, Curitiba, v. 20, p. 13-22, 2002. FERREIRA , Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. FRANCHI, Eglê Pontes. Oralidade: mediação necessária para a escrita. In: BARBOSA, Raquel Lazzari et al. (Org.). Formação de professores. São Paulo: UNESP, 2003. p.57-70. FREIRE, Paulo. Sobre educação: (diálogos). v. 2. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984. JUNKES, Márcia Maria. Os pronomes nós e a gente em livros didáticos de língua português. 2008. 93 f. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação e Expressão, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008. KATO, Mary A. No mundo da escrita. 7. ed. São Paulo: Ática, 2003. KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos sentidos. São Paulo: Contexto, 1997. LIMA, Vânia Carmem. As marcas da oralidade na produção escrita do aluno. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/anais/anais%20III%20CNLF%2016. html>. Acesso em: 10 maio 2009. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. 4.ed. São Paulo: Cortez, 2003. MONTEIRO, José Lemos. Para compreender Labov. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000. NETO, Simões Lopes. Contos gauchescos e lendas do sul. Disponível em: <http://www.unifin.com.br/artigos/saiba_mais.php?Id=144>. Acesso em: 10 maio 2009. PROPOSTAS de atividades. Disponível em: <http://acd.ufrj.br/~pead/tema01/ propostas.html#8>. Acesso em: 21 maio 2009. CAPÍTULO 2 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Distinguir gêneros e tipos textuais. � Compreender a importância dos gêneros textuais no ensino da Língua Portuguesa. � Elaborar atividades textuais com base no estudo dos gêneros. 30 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa 31 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa Capítulo 2 Contextualização Como professor(a) da disciplina de Língua Portuguesa, você já realizou muitas produções textuais com os(as) aluno(as) e já corrigiu muitas também. Quantas vezes o momento da correção dos textos foi de extrema alegria e prazer e quantas vezes de frustração? Pense! Vamos ser otimistas: foram mais os momentos de satisfação! Mas, o que realmente é necessário para que nossos estudantes escrevam com qualidade, clareza, correção gramatical e tudo mais que lançamos como objetivo quando preparamos nossas aulas? A resposta é aparentemente simples para nós, mas não para nossos alunos: para escrever textos de qualidade, os alunos precisam ter noção de três aspectos fundamentais: o que querem dizer; para quem vão escrever; qual é o gênero que melhor traduz suas idéias, ou seja, o quê, para quê, para quem. Assim, neste capítulo, estudaremos os gêneros textuais e como eles podem contribuir para as aulas de produção de texto. Os Gêneros Textuais na Esfera Escolar Por muito tempo, o ensino de produção escrita em Língua Portuguesa ficou restrito a três tipos de texto: narração, descrição e dissertação. Esse trio, por longa data, foi o único tipo de texto que a escola ensinou ou tentou ensinar. As consequências dessa metodologia são o grande número de alunos que não possuem proficiência na língua materna escrita quando participam de seleções e avaliações mais criteriosas fora do ambiente escolar. Mas, antes de planejarmos nossas próximas aulas de língua materna, usando como estratégia uma produção textual, vamos compreender bem a distinção entre tipologia textual e gênero textual. A definição de gênero textual tem a ver com a sua inserção na vida social dos indivíduos, como “[...] as diversas esferas de comunicação (cotidiana, científica, escolar, religiosa, jornalística), é necessário distingui-la aqui, de outra noção, a das sequências textuais possíveis, como: a narrativa, a descritiva, a expositiva e argumentativa [...]”. (TAFNER, 2008, p.111). Quando um adolescente, por exemplo, tem de escrever um texto como tarefa escolar e, com essa tarefa, tem a oportunidade de que seu texto saia das quatro Para escrever textos de qualidade, os alunos precisam ter noção de três aspectos fundamentais: o que querem dizer; para quem vão escrever; qual é o gênero que melhor traduz suas idéias, ou seja, o quê, para quê, para quem. 32 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa paredes da sala de aula e seja efetivamente significativo, o valor atribuído a essa produção textual é diferente. O sentimento de produtividade é maior em relação ao que o aluno sente quando escreve, somente para seu professor ler e dar uma nota. Quando o professor consegue inserir o aluno, de forma eficiente, nas atividades da vida social, por meio de seus textos, as tarefas tão árduas de ler e escrever, na escola, mudam de cenário. Escrever uma pequena nota sobre a sua escola para o jornal local, publicar um anúncio de venda de games, redigir um requerimento ao presidente da Associação de Pais e Mestres da escola, por exemplo, envolvem produções textuais com finalidades, que necessitam de um suporte e um meio de veiculação. Saber sobre esses aspectos é o mínimo para se decidir o que escrever, de que forma e para quem. Agora, explicamos porque a tradicional estratégia de composições e redações escolares – do tipo “Minhas férias” – tem uma fragilidade essencial, pois, ela “não garante o conhecimento necessário para produzir textos que os alunos terão de escrever ao longo da vida”. (GURGEL, 2009). De forma bastante simples de compreender, reelaboramos um quadro, com base em Marchuschi (2002 apud TAFNER, 2008, p. 113), que dá maior visibilidade às duas definiçõese, ao mesmo tempo, contrasta suas diferenças. Quadro 2 – Diferenças entre tipo textual e gênero textual Diferenciadores Definições Tipologia textual Gênero textual Constituição Textos com sequências linguísticas (enunciados) que se apresentam no interior de um gênero textual. Textos com situações comunicativas que apresentam atribuições de funções que se cumprem na vida cotidiana. Exemplos Narração, argumentação, exposição, descrição e injunção. Carta pessoal, receita culinária, inquérito policial, aulas virtuais, biografia, editais, telefonema, resenha, cardápios, memorando, entre outros. Determinadores Aspectos de natureza linguística como o léxico (ortografia), sintaxe (concordância, regência), acentuação, pontuação, entre outros. Além dos aspectos linguísticos, ainda: o estilo, o conteúdo, o canal, a composição e a função. Fonte: Marcuschi (2002 apud TAFNER, 2008, p. 113). A tradicional estratégia de composições e redações escolares – do tipo “Minhas férias” – tem uma fragilidade essencial, pois, ela “não garante o conhecimento necessário para produzir textos que os alunos terão de escrever ao longo da vida”. (GURGEL, 2009). 33 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa Capítulo 2 Na prática, essas definições e diferenças são fáceis de perceber. Porém, é comum algum livro didático ainda não abordar o assunto. Na sequência, apresentamos dois exemplos de textos. O primeiro representa um tipo textual e o segundo representa o gênero textual. Exemplo 1 – Tipo de Texto Produção de Tipologia Textual - Descrição, realizada em sala de alunos do 1º ano do Ensino Médio. Fonte: Santos, Albino e Neumann (2009, p.57). A produção do texto que acabou de ler foi realizada após a leitura de dois textos de um livro didático, Cartas de Pero Vaz de Ca minha e A nova carta de Pero Vaz de Caminha. Os alunos foram solicitados a escreverem uma Descrição de como está o Brasil, hoje. Tarefa elaborada para nota de Redação. Nesta produção textual, o tempo de conhecimento do conteúdo norteador (as cartas e a nova carta) foi de 2h/aulas. Os alunos leram as cartas e já produziram o texto de descrição. 34 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Observe que na produção textual (exemplo 1), o aluno utilizou recursos do texto descritivo, em que predomina a utilização de adjetivos e advérbios de modo e intensidade (bem, interessados, fraca, menos, muito). Mesmo assim, o aluno também acabou realizando as estratégias do texto dissertativo, pois argumentou sobre os comportamentos dos alunos e motoristas. Exemplo 2 – Gênero texto Produção do Gênero textual – Resenha Crítica - realizada em sala de alunos da 6ª série do Ensino Fundamental. Fonte: Santos, Albino e Neumann (2009,p.64). 35 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa Capítulo 2 A atividade foi realizada para leitura em sala de aula. Na produção textual do exemplo 2, houve um processo de amadurecimento para a produção escrita. Os alunos escolheram os livros durante uma aula de visita à biblioteca e, após a leitura do livro, por um período de duas semanas, realizaram em sala de aula a Resenha Crítica do livro. Essa produção escrita tinha o objetivo de apresentar o entendimento da trama e atrair novos leitores. Considerando que os alunos que produziram a descrição já tinham 9 anos de escolaridade e os alunos que produziram a resenha crítica tinham 6 anos de escolaridade, podemos afirmar que a produção textual quando realizada com base nos gêneros textuais alcança uma dimensão maior, pois, no caso do exemplo 2, os alunos tinham o compromisso de demonstrar conhecimento adquirido com a leitura e realizar uma tarefa de interação social com os colegas de turma. Do ponto de vista do domínio da língua escrita, visualizamos que a assimilação das regras de concordância, regência, acentuação e pontuação estão equivalentes; ou seja, alunos com 6 anos de escolaridade que leem e escrevem com estímulos significativos ao seu cotidiano, equiparam-se aos alunos com 9 anos de escolaridade, cuja leitura e escrita são realizadas apenas para o retorno das notas escolares. Atividade de Estudos: 1) Faça uma pesquisa com os professores de Língua Portuguesa na sua escola, podem também participar os professores do 4º e 5º ano do Ensino de 9 anos. Realize a pesquisa em forma de entrevista, solicitando-lhes que definam gênero textual. Colete as respostas de forma espontânea, de preferência oral (gravada, se possível). Depois as transcreva e faça um comparativo com os conceitos que estamos estudando. Para finalizar, emita um parecer crítico. Sugerimos, a seguir, um quadro para organizar a sua pesquisa: 36 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Informantes Conceito de gênerotextual Parecer Professor 1 Professor 2 Professor 3 Professor 4 Obs.: Caso você não esteja atuando em uma escola, visite uma escola próxima para realizar a pesquisa. Os Gêneros Textuais nos Documentos Oficiais de Ensino de Língua Portuguesa Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), tanto de Ensino Fundamental como de Ensino Médio, apresentam fundamentação teórica e proposta pedagógica, no que diz respeito ao ensino da língua materna, que não contempla mais o tradicional esquema das estruturas textuais (narração, descrição e dissertação). Os PCN adotaram a perspectiva de que a escola deve incorporar em sua prática os gêneros textuais, pois são práticas textuais vinculadas à vida social do educando. Assim, o trabalho pedagógico com os gêneros presentes na sociedade torna as aulas mais interessantes e promove nos alunos a competência textual necessária para as relações nas diversas esferas da comunicação humana. Os gêneros textuais apresentados nos PCN (veja a seguir) estão enumerados segundo a perspectiva sociointeracionista, que atribui à linguagem e à interação o papel de instrumentos essenciais na construção do conhecimento e na formação dos indivíduos. As ideias apresentadas nesse documento oficial estão, também, relacionadas com os pressupostos da teoria bakhtiniana e têm como parâmetro a linguagem, sendo o agente construtor de conhecimento e transformadora da atividade humana no mundo. (BAKHTIN, 1992). Os PCN adotaram a perspectiva de que a escola deve incorporar em sua prática os gêneros textuais, pois são práticas textuais vinculadas à vida social do educando. Assim, o trabalho pedagógico com os gêneros presentes na sociedade torna as aulas mais interessantes e promove nos alunos a competência textual necessária para as relações nas diversas esferas da comunicação humana. 37 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa Capítulo 2 Vamos relembrar rapidamente dois conceitos antes de continuar nossos estudos: Sociointeracionismo: o teórico Lev S. Vygotski (1895 – 1975) construiu o conceito de sociointeracionismo na psicologia. Em sua obra, defende que o ser humano é o resultado da interação com o meio em que vive. Outro teórico, Mikhail M. Bakhtin (1896 – 1934), filósofo da linguagem, também se utilizou deste conceito aplicando-o na linguagem. Em sua obra, defende que não se pode entender a língua isoladamente, precisa-se considerar o contexto de fala, a relação do falante com o ouvinte, o momento histórico. Para saber mais sobre estes dois importantes autores, indicamos: BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992 VYGOTSKI, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1991. Nos PCN (1997, p.67), encontramos uma sugestão dos gêneros discursivos para língua oral e escrita aos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental: Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: • contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares; • poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas,trava- línguas, piadas; • saudações, instruções, relatos; • entrevistas, notícias, anúncios (via rádio e televisão); • seminários, palestras. Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: • receitas, instruções de uso, listas; • textos impressos em embalagens, rótulos, calendários; 38 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa • cartas, bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem etc.); • quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis: títulos, lides, notícias, classificados etc.; • anúncios, slogans, cartazes, folhetos; • parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava- línguas, piadas; • contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares, folhetos de cordel, fábulas; • textos teatrais; • relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros de consulta, didáticos etc.) Em relação aos gêneros discursivos para os anos finais do Ensino Fundamental, a sugestão dos PCN (1997, p.77) é: Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem oral: • contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares; • poemas, canções, quadrinhas, parlendas, adivinhas, trava- línguas, piadas, provérbios; • saudações, instruções, relatos; • entrevistas, debates, notícias, anúncios (via rádio e televisão); • seminários, palestras. Gêneros adequados para o trabalho com a linguagem escrita: • cartas (formais e informais), bilhetes, postais, cartões (de aniversário, de Natal etc.), convites, diários (pessoais, da classe, de viagem etc.); quadrinhos, textos de jornais, revistas e suplementos infantis: títulos, lides, notícias, resenhas, classificados etc.; • anúncios, slogans, cartazes, folhetos; • parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava- línguas, piadas; • contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares,folhetos de cordel, fábulas; • textos teatrais; • relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário, textos expositivos de diferentes fontes (fascículos, revistas, livros de consulta, didáticos, etc.), textos expositivos de outras áreas e textos normativos, tais como estatutos, declarações de direitos etc. (PCN, 1997, p.77). 39 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa Capítulo 2 Nessa perspectiva, a língua é um sistema que possibilita ao educando significar o seu mundo e a sua realidade, comunicar ideias e, assim, compreender outras formas de representação da sociedade em que está inserido. Entendemos que os tipos textuais sempre estarão presentes dentro dos gêneros textuais. De fato, para produzir um anúncio, por exemplo, estaremos descrevendo algum produto ou objeto. Logo, a descrição estará presente no gênero textual anúncio em jornal escrito. Para complementar a indicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, com base no quadro elaborado por Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004, p. 121) apresentamos uma proposta de integração dos tipos textuais na produção de gêneros textuais orais e escritos: Quadro 3 - Aspectos Tipológicos DOMÍNIOS SOCIAIS DE COMUNICAÇÃO CAPACIDADES DE LINGUAGEM DOMINANTES EXEMPLOS DE GÉNEROS ORAIS E ESCRITOS Cultura literária ficcional NARRAR Mimeses da ação através da criação de intriga Conto maravilhoso Fábula Lenda Narrativa de aventura Narrativa de ficção científica Narrativa de enigma Novela fantástica Conto parodiado Documentação e memorização de ações humanas RELATAR Representação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo. Relato de experiência vivida Relato de viagem Testemunho Curriculum vitae Notícia Reportagem Crônica esportiva Ensaio biográfico Discussão de problemas sociais controversos ARGUMENTAR Sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição. Texto de opinião Diálogo argumentativo Carta do leitor Carta de reclamação Deliberação informal Debate regrado Discurso de defesa Discurso de acusação Transmissão e construção de saberes EXPOR Apresentação textual de diferentes formas dos saberes. Seminário Conferência Artigo ou verbete de enciclopédia Entrevista de especialista Tomada de notas Resumo de textos explicativos Relatório científico Relato de experiência científica Instruções e prescrições DESCREVER AÇÕES Regulação mútua de comportamentos. Instruções de montagem Receita Regulamento Regras de jogo Instruções de uso Instruções Fonte: Adaptado de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004). 40 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Nas diversas condições de uso dos gêneros textuais, podemos perceber, conforme afirma Marcuschi (2001, p.40), que há um “contínuo dos gêneros no contexto da Fala e da Escrita”. Esse contínuo faz com que ocorra uma situação intermediária representada por gêneros que são mistos, ou seja, pertencem tanto à fala quanto à escrita. Este misto de gêneros pode ser visualizado no quadro abaixo, no qual está a circunferência. Os gêneros textuais: convocações, comunicados, anúncios classificados, noticiário de rádio, noticiário de Tv e explicações técnicas são exemplos claros do contínuo entre a fala e a escrita. Quadro 4 - Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita Fonte: Marcuschi (2001, p. 41). O quadro 4, como você deve ter percebido, relembra-nos das características da fala e da escrita e evidencia que essas modalidades de língua têm sim características comuns, conforme o gênero textual. Nas diversas condições de uso dos gêneros textuais, podemos perceber, conforme afirma Marcuschi (2001, p.40), que há um “contínuo dos gêneros no contexto da Fala e da Escrita”. Esse contínuo faz com que ocorra uma situação intermediária representada por gêneros que são mistos, ou seja, pertencem tanto à fala quanto à escrita. 41 Gêneros Textuais: Uma Estratégia Eficaz no Ensino da Língua Portuguesa Capítulo 2 Atividade de Estudos: 1) Após o estudo dos tipos e gêneros textuais, procure responder o questionamento a seguir, proposto por Bunzen (2006, p. 161): “Quando os autores de Livros Didáticos de língua portuguesa nos informam, no manual do professor, que vão construir um modelo didático com base nos gêneros diversos (notícia, reportagem, entrevista etc.), no entanto, desenvolvem um trabalho que prioriza a progressão curricular baseada na tipologia escolar clássica (narração, descrição, dissertação), que conflito presenciamos?” ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ Algumas Considerações Neste capítulo, estudamos a dicotomia entre gênero e tipo textual, bem como as perspectivas teóricas que apontam o sucesso na aprendizagem da escrita por meio dos gêneros textuais. Analisamos na prática os resultados da aplicação dos gêneros textuais no ensino e observamos as indicações dos documentos oficiais de educação vigentes no Brasil, que convergem com a teoria dos gêneros textuais. No próximo capítulo veremos como trabalhar na prática com os conteúdos formais de língua portuguesa, para o ensino fundamental e médio, utilizando os gêneros textuais, bem como questões relacionadas à gramaticalidade, à coesão e coerência textual. 42 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criaçãoverbal. São Paulo: Martins Fontes, [1979] 1992. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Língua Portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental: Brasília,1997. BUNZEN, Clécio. Da era da composição à era dos gêneros: o ensino de produção de texto no ensino médio. In: BUNZEN, Clécio; MENDONÇA, Márcia. Português no ensino médio e formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 139-162. DOLZ, Joaquim; NOVERRAZ, Michele; SCHNEUWLYE, Bernard. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2004. p. 95-128. GURGEL, Thais. Produção de texto: como ensinar os alunos a escrever de verdade. Disponível em: <http://goo.gl/FocCgW>. Acesso em: 20 maio 2009. MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. São Paulo: Cortez, 2001. SANTOS, Francineide D.; ALBINO, Ieda M.; NEUMANN, Lenite Passos. A importância da leitura na aprendizagem de língua materna.2009. 63 f. Relatório de Estágio (Graduação) - Centro Universitário de Brusque, Brusque, 2009. TAFNER, Elisabeth Penzlien. Língua portuguesa: laboratório de texto. Indaial: Asselvi, 2008. CAPÍTULO 3 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: � Compreender a língua padrão por meio da produção textual. � Refletir sobre organização do texto escrito com ênfase nos gêneros textuais. � Desenvolver atividades práticas contemplando as estratégias estudadas. 44 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa 45 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Contextualização É momento de pensarmos em como vamos trabalhar com nossos alunos do Ensino Fundamental e Médio no que diz respeito ao ensino da língua materna. Sabemos que não é fácil planejar aulas visando ao desenvolvimento da leitura, interpretação e produção textual sem ficarmos preocupados com a extensa lista de conteúdos que sempre temos de “trabalhar”. Contudo, apesar de difícil, esta tarefa não é impossível. Para tanto, neste capítulo, estudaremos os aspectos linguísticos do texto, as questões relacionadas à gramaticalidade, à coesão e à coerência textual. Apresentaremos uma estratégia pedagógica, embasada em conceitos atuais que circulam na esfera acadêmica, em que se aborda o ensino da língua materna de forma vinculada às práticas sociais dos alunos, por meio dos gêneros textuais, no intuito de tornar as aulas mais atraentes e diversificadas, garantindo o desenvolvimento da aprendizagem. Neste capítulo, vamos explorar como trabalhar, na prática, com os conteúdos formais de língua portuguesa para o ensino fundamental e médio, utilizando os gêneros textuais como estratégia do fazer pedagógico. Praticando a Retextualização Uma estratégia bastante interessante para ser trabalhada em sala de aula, tanto com alunos do Ensino Fundamental quanto do Médio, vem ao encontro do assunto que tratávamos no capítulo 1, quando discutíamos a valorização da língua oral nas atividades de aprendizagem da língua escrita. Trata-se do tema que Marcuschi (2001), denomina de retextualização. Esta estratégia pode ser entendida pelos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental como uma reescritura de texto, transformando um texto oral em um texto escrito. Porém, nós, professores, devemos ter conhecimento de como esse processo ocorre para conduzir a atividade a fim de contemplar o que ela apresenta de mais significativo: a interpretação. O autor apresenta um conjunto de aspectos envolvidos no processo de retextualização que devem ser seguidos para que não haja livre arbítrio sobre a informação inicial e a versão final, ou seja, que o escritor ou retextualizador, ao realizar a passagem do texto original (texto oral), não saia do foco quando chegar ao texto final (texto escrito). Vejamos, a seguir, o quadro proposto por Marcuschi (2001, p.69): Retextualização. Esta estratégia pode ser entendida pelos alunos dos anos iniciais do ensino fundamental como uma reescritura de texto, transformando um texto oral em um texto escrito. 46 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Quadro 5 – Aspectos do processo de retextualização Linguísticos-textuais-discursivos Cognitivos (A) idealização (B) reformulação (C) adaptação (D) compreensão Eliminação Completude Regularização Acréscimo Substituição Reordenação Tratamento da sequência dos turnos Inferência Inversão Generalização Fonte: Marcuschi (2001, p.69). Pensando em uma atividade de entrevista, por exemplo, vejamos como seguir os quatro aspectos que o quadro apresenta: as atividades que se representam nas colunas (A) e (B) dizem respeito aos pequenos ajustes dados às palavras originais da entrevista, apenas completa-se uma sentença, substituem- se palavras próprias da linguagem oral por vocabulário mais adequado à língua escrita, reordena-se a estrutura sintática, como sujeito, predicado e objeto, eliminam-se os vícios de linguagem, mas não se opera sobre a informação. Na coluna representada pela letra (C), eliminam-se os turnos de pergunta e resposta, transformando o texto em discurso indireto, por exemplo, ajustando aspectos relacionados ao verbo, como pessoa e tempo. Por último, na coluna representada pela letra (D), ocorre a retextualização ou transformação propriamente dita. Nessa etapa, o escritor interfere na informação, o que demonstra interpretação e escreve de modo que o leitor entenda que foram aquelas as exatas informações do entrevistado. Esse processo final deve ser realizado com muito cuidado para que não haja distorção da mensagem original. Conforme observamos no quadro 5, também é importante visualizarmos o desenho desse fluxo, desde a produção original até o texto final, pois, sempre que se transcreve um texto, desencadeiam-se problemas que dizem respeito à compreensão do conteúdo. Observemos o diagrama seguinte que trata do fluxo da ação de retextualizar: 47 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Figura 3 – Fluxo das ações PRODUÇÃO ORAL TRANSCRIÇÃO representação adaptações RETEXTUALIZAÇÃO sonora e perdas operações compreensão representação crítica TEXTO BASE TEXTO TRANSCODIFICADO TEXTO FINAL Fonte: Marcuschi (2001, p.72). Vejamos na prática como funciona a retextualização. Para tanto, apresentamos, aqui, um exemplo de uma entrevista realizada com uma jovem. Logo depois, a entrevista foi retextualizada por um professor. Esse tipo de atividade pode ser realizada passo a passo com os alunos, utilizando lâminas de transparência para mostrar a entrevista na íntegra e escrevendo coletivamente a retextualização no quadro. Observe: 48 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Quadro 6 – Retextualização de entrevista realizada com uma jovem Narrativa de uma jovem de 17 anos de idade, Rio de Janeiro, 1993. Retextualização por um professor uni- versitário da área de Letras. F1 _ e:... Claire...agora pra termi- nar...eu quero que você...dê a sua opinião pra mim...ou sobre...amiza- de...namora...vocação... vestibular... F1 _ Claire, para terminar, dê sua opin- ião sobre amizade, namoro, vocação ou vestibular. F2 _ eh...eu vou falar sobre a minha família...sobre os meus pais...o que eu acho deles...como eles me trat- am...bem...eu tenho uma família... pequena...ela é composta pelo meu pai...pela minha mãe...pelo meu irmão...eu tenho um irmão pequeno de ... de...dez anos...eh...o meu irmão não influencia em nada...a minha mãe é uma pessoa super le- gal...sabe? ela...é uma pessoa que conversa comigo...é minha amiga.... ela...me amostra sempre a realidade da vida...[...] já meu pai já é uma pessoa...ah...ele....já....éuma pes- soa muito fechada...e triste...[...] ele sabe criticar...criticar...me criticar... me recriminar...dizer que eu estou errada...entendeu? é isso que eu acho da minha família...que eu acho que não é um exemplo...só isso... (total de 350 palavras) F2 _ Vou contar a respeito de minha família, dizendo o que acho de meus pais e como me tratam. A família é pequena. Somos dois irmãos e os pais. Meu irmão tem 10 anos e não atrapalha. Minha mãe é boa e conversamos como ami- gas. Minha mãe é alegre e mostra a vida como ela é. [...] Meu pai não fala comigo, só pensa em trabalhar e estudar. Não diz o que pensa sobre a vida. Eu creio que nossa família não é um bom exemplo. (total de 134 palavras) Fonte: Adaptado de Marcuschi (2001, p. 112 -113). Mesmo realizando alguns cortes na fala da jovem, foi possível perceber os quatro aspectos que devem ser contemplados em uma retextualização (idealização, reformulação, adaptação e compreensão). A versão original desse exemplo apresenta 350 palavras no texto da entrevistada e 134 palavras no texto retextualizado. Foram eliminadas as redundâncias e repetições, reduziram- se os pronomes e formas pronominais e, no interior do texto original, houve a reordenação de tópicos. 49 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 As alterações que você acabou de acompanhar estão relacionadas à modalidade oral da língua e ao gênero entrevista. Não significa que na modalidade escrita e em outros gêneros textuais ocorra tão significativa mudança. Atividade de Estudos: 1) Apresentamos, a seguir, a tomada de um depoimento em um inquérito policial. Trata-se da fala de uma testemunha que estava presente em um crime. Transcrevemos para você o que disse o entrevistado e a sua tarefa é retextualizar a informação com base nos estudos realizados até o momento. Quadro 7 – Retextualização de um depoimento Tomada do depoimento (texto oral) Retextualização (texto escrito) Juiz _ mas o senhor tem certeza que ele num fez...que ele saiu com o senhor no ônibus e a morte dele aconteceu? Depoente _ aí num ...aí Juiz _ Ocorreu naquele momento... Depoente _ aí pode ser até...eu... Juiz _ ele sempre acompanhado pelo senhor heim? Depoente _ justamente. Juiz _ Heim? Depoente _ aí eu deixei ele na casa dele e eu parti pra minha. Juiz _ é... então o senhor tem certeza que não foi ele? Depoente _ tá vendo senhor? ...eu tenho tan- ta certeza que num foi ele que ele ficou em casa e como é que no outro dia... Juiz _ Depoente _ Fonte: Mascuschi (2001, p. 84). 50 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Esta atividade pode ser desenvolvida nas aulas de Língua Portuguesa, basta adaptá-la ao grau de dificuldade de cada turma e utilizar os vários gêneros textuais. Não é necessário que a retextualização permaneça no mesmo gênero do texto que está sendo retextualizado, conforme apresentamos nos exemplos citados. Dependendo do nível da turma, principalmente no Ensino Médio, é possível transformar uma entrevista, por exemplo, em uma notícia de jornal ou em uma história em quadrinhos. Considerando atividade de fala e escrita, há, ao menos, quatro possibilidades de retextualizar textos, conforme Marcuschi (2001): a) Fala (entrevista oral) para Escrita (entrevista impressa). b) Fala (conferência) para Fala (tradução simultânea). c) Escrita (texto escrito) para Fala (exposição oral). d) Escrita (texto escrito) para Escrita (resumo). Pensemos, agora, em algumas ideias para serem desenvolvidas em sala de aula, envolvendo as duas modalidades de língua (oral e escrita) e os diversos gêneros textuais. Retomando as indicações que os PCN nos apresentam para os alunos do Ensino Fundamental e Médio existe a real possibilidade de trabalhar com os seguintes gêneros textuais: Quadro 8 – Gêneros para atividades com fala e escrita ENSINO FUNDAMENTAL Texto oral Texto escrito Notícia de rádio Notícia impressa Slogan Conto de fada ou de assombração História em quadrinhos Carta Instruções de uso (chá caseiro) Bula Rótulo Anúncio (via TV) Anúncio (mural) Cartazes ENSINO MÉDIO Texto oral Texto escrito Canções (CD, DVD) Poema Texto teatral Provérbios Slogan Crônica Entrevista (TV) Resenha Canção/paródia Palestra (preservativos/DST) Texto de Jornal Instrução de uso Fonte: A autora. 51 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Atividades de Estudos: 1) Faça um relato de sua experiência. Se já trabalha na perspectiva dos gêneros ou se passou a adotá-la, que mudanças notou? Registre aqui. ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ ______________________________________________________ 2) Apresentamos, a seguir, uma notícia impressa sobre um assunto (por enquanto) polêmico em todo o mundo, a gripe Influenza A (H1N1). Influenza A (H1N1) Influenza A (H1N1) é uma doença respiratória causada pelo vírus A. Devido a mutações no vírus e transmissão de pessoa a pessoa, principalmente por meio de tosse, espirro ou de secreções respiratórias de pessoas infectadas, o Ministério da Saúde traz uma série de recomendações. a) Aos viajantes que se destinam às áreas afetadas: • Usar máscaras cirúrgicas descartáveis durante toda a permanência em áreas afetadas. Substituir as máscaras sempre que necessário. • Ao tossir ou espirrar, cobrir o nariz e a boca com um lenço, preferencialmente descartável. • Evitar locais com aglomeração de pessoas. • Evitar o contato direto com pessoas doentes. • Não compartilhar alimentos, copos, toalhas e objetos de uso pessoal. • Evitar tocar olhos, nariz ou boca. 52 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa • Lavar as mãos frequentemente com água e sabão, especialmente depois de tossir ou espirrar. • Em caso de adoecimento, procurar assistência médica e informar história de contato com doentes. • Não usar medicamentos sem orientação médica. b) Aos viajantes procedentes de áreas afetadas: • Viajantes procedentes, nos últimos 10 dias, de áreas com casos confirmados de influenza A (H1N1) em humanos e que apresentem febre alta repentina, superior a 38ºC, acompanhada de tosse e/ ou dores de cabeça, musculares e nas articulações, devem: - Procurar assistência médica na unidade de saúde mais próxima. - Informar ao profissional de saúde o seu roteiro de viagem. Para informações adicionais sobre medidas preventivas estabelecidas pelas autoridades de saúde das áreas afetadas, acesse: INFLUENZA A (H1N1). Fonte: Disponível em: <http://pmvc.ba.gov.br/ gripea/?pg=gripe_a>. Acesso em: 29 jun. 2009. Solicitamos que você retextualize o gênero textual notícia, que se apresenta na modalidade de língua escrita, para: gênero textual cartaz, na modalidade de língua escrita. Use o espaço a seguir. 53 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Agora que você já trabalhou um pouco os processos de retextualização, é oportuno resgatarmos a coesão textual. Explicar aos alunos como os mecanismos de coesão ajudam a estabelecer as relações de sentido no interior dos textos é fundamental para as práticas de produção textual. Alguns Aspectos Sobre Coesão Textual Quando estamos falando com outra pessoa, normalmente usamos muitos recursos que facilitam o processo de comunicação, por exemplo: nossa expressão facial, entonação da voz, o olhar e alguns gestos. Mas, quando escrevemos, não dispomos desses recursos para informar nosso interlocutor.Na comunicação escrita, os mecanismos de coesão (entre outros aspectos) é que auxiliam o leitor a compreender os sentidos que texto traz. Treinar em sala de aula os recursos de coesão textual é uma tarefa que desenvolve a habilidade do aluno/autor de organizar seu texto escrito, a fim de permitir que o leitor/interlocutor tenha a compreensão clara do que leu. Há controvérsias no campo da teoria sobre a definição de coesão textual. Mas, para você aprofundar seus estudos, indicamos a leitura de: KOCH, Ingedore Villaça Grunfeld. A coesão textual. 19. ed. São Paulo: Contexto, 2004. Para a seção deste capítulo, assumimos a definição de coesão, conforme afirma em seus estudos, Tafner (2008, p. 49): A coesão fornece as pistas para orientar o leitor na construção de sentido (explicita as relações estabelecidas entre os elementos linguísticos que formam o texto), porém, não é condição necessária, nem suficiente, para considerar que um texto seja um texto. Para elaborar um texto coeso, é importante estar atento(a) a três pontos fundamentais: a) Conectividade: utilização das conjunções que criam a conexão ideal entre as orações. Para um texto coeso, é importante estar atento(a) a três pontos fundamentais: a) Conectividade. b) Estruturação. c) Tamanho dos períodos. 54 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa b) Estruturação sintática: disposição e significação dos verbos e complementos verbais, bem como as preposições. c) Tamanho dos períodos: quanto mais curtos e objetivos os períodos, menores os problemas de coesão. Mas, só isso não garante coesão ao texto. Para garantir a perfeita harmonia ou ligação entre as orações de um texto, Halliday e Hasan (1976 apud KOCH, 2004) apontam alguns elementos de coesão textual, dos quais selecionamos quatro, que não podemos deixar de observar nas aulas de língua materna: referência, substituição, elipse e conjunção. Para analisar na prática os elementos de coesão, vamos observar as ocorrências em uma conhecida fábula de Esopo: Fábula Um cão de caça espantou uma lebre para fora de sua toca, mas depois de longa perseguição, ele parou a caçada. Um pastor de cabras, vendo-o parar, ridicularizou-o dizendo: “Aquele pequeno animal é melhor corredor que você.” O cão de caça respondeu: “Você não vê a diferença entre nós: estava correndo apenas por um jantar, mas ele por sua vida.” Fonte: Disponível em: <http://goo.gl/sw2YG8>. Acesso em: 25 jun. 2009. Agora, vamos aos exemplos: a) Referência: “Sua toca”: o pronome possessivo refere-se à casa da lebre. b) Substituição: “vendo-o”: vendo o cão. Para não repetir a palavra ”cão”, utlizou- se o pronome pessoal. c) Elipse: “Você não vê a diferença entre nós: (zero) estava correndo apenas por um jantar.” É a substituição por zero. d) Conjunção: “eu estava correndo apenas por um jantar, mas ele por sua vida.” A conjunção mas indica um contraste: o cão corria por um jantar enquanto a lebre corria para salvar a vida. A referência se divide em dois tipos: referência exófora e endófora. 55 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Estes termos são um tanto estranhos, mas significam conceitos bem simples. A referência exofórica ocorre quando mencionamos algo que está fora do texto, observe o exemplo da propaganda: “Seus problemas de transporte estão resolvidos com a Via Expresso.” Pergunta-se: Seus problemas - são de quem? Responde-se: de qualquer um que ler o texto da propaganda. Essa referência é de alguém que não está no texto. Já a referência endofórica ocorre quando mencionamos algo que está dentro do texto, ainda se divide em mais dois tipos: catáfora e anáfora. Vejamos os exemplos: • Catáfora: “Pedro olhou-a e disse: Vamos embora, Ana!” O pronome a ocorreu antes de sua referência: Ana. Neste caso, o leitor só descobre a quem o a se refere prosseguindo a leitura. • Anáfora: “Pedro e Ana cursam Informática; ele adora, ela nem tanto”. Os pronomes ele e ela estão depois de Pedro e Ana – estão atrás de ou após seus referentes. Neste caso, os pronomes auxiliam o leitor a resgatar os referentes. Reorganizamos, a seguir, um quadro representativo dos elementos de coesão textual, estudados nesta seção: Quadro 9 – Elementos de coesão textual ELEMENTOS DE COESÃO TEXTUAL 1) Referência Exófora Referência fora do texto. Endófora Catáfora Referência dentro do texto, para frente. Anáfora Referência dentro do texto, para trás. 2) Substituição Pronomes, substantivos. 3) Elipse Zero, omissão. 4) Conjunção Mas, todavia, assim, pois, conforme. Fonte: A autora. 56 Metodologia de Ensino de Língua Portuguesa Atividades de Estudos: 1) Selecione gêneros adequados a sua turma e peça que identifiquem os tipos de coesão que foram empregados ao longo do texto (referência, substituição, elipse, conjunção). Esta mesma atividade pode ter outros desdobramentos: você pode dividir a sala em grupos, os quais trabalharão com gêneros diferentes, por exemplo, uma notícia e parte de uma biografia. Após terem identificado os mecanismos de coesão, agora os grupos podem reescrever o texto sem empregar os mecanismos de substituição, como pronomes, elipses etc., fazendo com que o texto fique repetitivo. A seguir, as equipes trocariam de texto. Com o novo texto em mãos, a equipe deve refazer as conexões, com o auxílio de dicionários (para procurar sinônimos), e até mesmo da internet, no caso de não conhecer muito bem a personalidade, no caso da biografia. Ao longo das substituições, conforme o nível da turma, você também pode chamar a atenção de seus alunos para as leituras que vão surgir com as novas formas empregadas. Por exemplo, a troca de Lya Luft, por “a colunista de Veja” ou “a professora” ou “a escritora” pode estar a serviço de diferentes intenções ao longo do texto. 2) Na oração: “Qualquer que tivesse sido seu trabalho anterior, ele o abandonara, mudara de profissão e passara pesadamente a ensinar no curso primário: era tudo o que sabíamos dele, o professor, gordo e silencioso, de ombros contraídos.” A coesão textual ocorre por referência endofórica anáfora ou catáfora? Explique. 57 Práticas Textuais e Análise Linguística no Ensino Fundamental e Médio Capítulo 3 Gramaticalidade O termo gramaticalidade, de forma bastante simples, diz respeito à aplicação da gramática (normas internas de uma língua) em seus contextos de fala e escrita, atribuindo-lhe sentido. Como sabemos, a língua portuguesa tem uma gramática, ou seja, regras que a regem, assim como as demais línguas existentes. Articular todos os aspectos gramaticais na produção oral e escrita também é um dos objetivos das aulas de língua materna. Embora muitos alunos encontrem dificuldades em assimilar algumas regras que garantem gramaticalidade em seus textos escritos, normalmente, não têm problemas com a gramaticalidade dos textos orais. Com base nos estudos de Possenti (2000, p. 35-36), vejamos o que ocorre, naturalmente, com os falantes da língua portuguesa brasileira: [...] ouvem-se pronúncias alternativas de palavras como caixa, peixe e outro. Sabemos que se podem pronunciar caxa, pexe e otro; eliminando a semivogal i. Mas, isso não mudaria a compreensão do enunciado. No entanto, não ouvimos a pronúncia de peto ou jeto ao invés de peito ou jeito; nesse caso, o falante não elimina a semivogal i. [...] Por quê? Como explicar o fato de um falante nativo, brasileiro, de língua portuguesa, omitir a semivogal antes de algumas consoantes e não omitir em outras? Ainda podemos pensar em outros exemplos: podemos ouvir alguém falando os boi; dois cara; mas, nunca ouviremos o bois; um caras. Isso acontece porque existe uma gramática para a língua, não a gramática que aprendemos/decoramos na escola, mas, uma gramática interna à língua, que a rege naturalmente. Não é necessário ir às aulas para aprender essa gramática, ela está internalizada
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