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37Homem e Sociedade 2.1 Contextualizando A história da humanidade se constitui por meio do trabalho. Como bem analisa Karl Marx (1986), o primeiro ato histórico que distingue os homens dos animais é o fato de que o homem produz seus meios de vida. Nessa perspectiva, o estudo de uma sociedade deve, entre outros aspectos, proceder à análise das relações materiais que a caracterizam. Nesse sentido, este capítulo situa a relação do homem com a vida econômica da sociedade, considerando as transformações pelas quais vem passando o mundo do trabalho, principalmente a partir das transformações impostas pelo modo de produção capitalista. Assim, o objetivo geral do capítulo é analisar a maneira pela qual a sociedade produz seus bens e serviços, como os utiliza e os distribui, isto é, quais são os diversos modos de produção vivenciados pela humanidade ao longo da história, bem como destacar o capitalismo como modo de produção no qual estamos inseridos. São objetivos específicos explicitar o significado do trabalho humano, seu desenvolvimento na história e as transformações por que passa nos diversos modos de produção. Esperamos que ao concluir a leitura do capítulo você seja capaz de: • entender o significado do trabalho na vida do homem; • situar o processo de desenvolvimento do trabalho na história; • perceber as transformações científicas, tecnológicas e seu impacto no mundo das organizações e do trabalho. ESTRUTURA SOCIAL E MODOS DE PRODUçãO CAPÍTULO 2 Capítulo 2 38 Homem e Sociedade38 2.2 Conhecendo a teoria 2.2.1 Conceitos de produção, relações de produção, classes sociais e modos de produção A reflexão sobre a relação entre homem e sociedade nos remete, de imediato, à compreensão de que o homem é um ser essencialmente social. Ao longo de sua história, ele sempre esteve ligado a grupos. Inicialmente ligou- se a pequenos grupos – a família, o clã. Com as transformações ocorridas na sociedade, ligou-se a grupos maiores: cidade, estado, país. Ao viver em sociedade, o homem participa diretamente da produção, da distribuição e do consumo de bens e serviços, ou seja, participa da vida econômica da sociedade. A participação do homem na vida econômica da sociedade acontece desde seu nascimento até a sua morte. Na medida em que trabalha, o homem garante a produção de bens e serviços. Quando usa o salário que recebe para comprar algo, participa da distribuição, pois está comprando bens e serviços. A compra implica o consumo e participação na atividade econômica de consumo de bens e serviços. SAIBA QUE Assim, ao participar da vida econômica, o homem participa da produção de bens e serviços e, nesse sentido, participa da transformação da natureza da qual resultam bens de consumo que vão satisfazer as necessidades humanas. O processo de produção compõe-se de três elementos associados: a) trabalho; b) matéria-prima; c) instrumentos de produção. Vamos estudar como esses elementos se relacionam no processo de produção. Capítulo 2 39Homem e Sociedade Trabalho Trabalho é toda a atividade desenvolvida pelo homem, seja ela física ou mental, da qual resultam bens e serviços. O trabalho tem, desde o seu nascimento, uma intenção voltada ao processo de humanização do homem em seu sentido amplo – nas inter(ações) que realiza. É através do trabalho que o homem se reconhece como sujeito histórico capaz de agir e transformar sua realidade. Nas palavras de Erich From (2010), O trabalho é a auto-expressão do homem, uma expressão de seu poder individual física e mental. Nesse processo de atividade genuína o homem desenvolve-se, toma-se a si mesmo; o trabalho não é apenas um meio para um fim – o produto – mas um fim em si, a expressão significativa da energia humana [...]. (FROM, 2010). Sem o trabalho, não haveria a produção e a reprodução (histórico-social) da vida humana. O trabalho humano se encontra na base de toda vida social. Os homens impulsionados pelas necessidades vitais apropriam-se da natureza e produzem os bens necessários a sua manutenção, que lhes dão condições de existir, de se reproduzir de fazer história. (MARX; ENGELS, 1982, p. 19). Através do trabalho, o homem transforma a natureza, adaptando-a às suas necessidades, ao mesmo tempo em que se transforma, na medida em que desenvolve suas faculdades. Pelo trabalho “o homem se autoproduz” (ARANHA; MARTINS, 2005, p. 5). Na medida em que é a atividade humana por excelência, o trabalho sempre esteve presente nas diversas civilizações, desde os tempos pré-históricos até a atualidade. Entretanto, profundas modificações em sua estrutura e relações aconteceram no decorrer de toda a evolução humana. Formas distintas foram desenvolvidas, variando nas sociedades primitivas, no período da escravidão, na inserção do capitalismo e com todo o advento da tecnologia, cada vez mais mecanicista. É o que veremos a seguir, quando formos tratar dos diversos modos de produção. Apesar da importância na vida do ser humano, o trabalho nem sempre foi pensado de forma positiva. Se tomarmos sua etimologia, a concepção de trabalho liga-se a uma visão negativa, significando uma forma antiga de tortura. Capítulo 2 40 Homem e Sociedade Etimologia (do grego antigo ἐτυμολογία, composto de ἔτυμον e -λογία “-logia”) é a parte da gramática que trata da história ou origem das palavras e da explicação do significado de palavras através da análise dos elementos que as constituem. Por outras palavras, é o estudo da composição dos vocábulos e das regras de sua evolução histórica. Trabalho deriva do vocábulo latino tripaliare e do substantivo tripalium, um instrumento romano de tortura formado por três paus onde se amarravam os escravos e alguns animais difíceis de ferrar. (ARANHA; MARTINS, 2005). CURIOSIDADE O homem moderno vincula sua realização ao trabalho, uma vez que este passa a ser ao mesmo tempo fator de sobrevivência, de humanização, de integração social, de autoestima e de utilidade social. PRATICANDO Na música intitulada Guerreiro menino, o compositor Gonzaguinha, descreve em alguns versos a relação do homem com o seu trabalho e os valores atribuídos a ele. Um homem se humilha Se castram seu sonho Seu sonho é sua vida E vida é trabalho E sem o seu trabalho Um homem não tem honra E sem a sua honra Se morre, se mata ... Há implícito na música um valor positivo do trabalho que soma com a afirmação de que “O trabalho dignifica o homem”. Qual a interpretação que você dá a essa afirmação? Em nossa sociedade, podemos usá-la para todas as formas de trabalho? Capítulo 2 41Homem e Sociedade Matéria-prima Os objetos que, no processo de produção, são transformados para constituírem o bem final são chamados de matéria-prima. Por exemplo, se tomarmos como referência uma costureira, suas matérias primas são o tecido, a linha, os botões, os colchetes. Todos esses elementos passam a constituir a roupa, de uma maneira ou de outra; se faltar uma dessas matérias-primas, a costureira não poderá produzir o vestido. Antes de serem matérias-primas, esses elementos encontram-se na natureza em forma de recursos naturais. Recursos naturais: são os elementos da natureza acessíveis e que podem ser incorporados à atividade econômica do homem. Durante muito tempo o homem utilizou os recursos naturais de forma irresponsável, sem levar em conta que um dia poderiam se esgotar. Há algumas décadas parece ter aumentado a preocupação do homem com o meio ambiente, ou melhor, com os recursos naturais disponíveis no planeta. Instrumentos de produção Todas as coisas que direta ou indiretamente nos permitem transformar a matéria-prima num bem final são chamadas de instrumentos de produção. A partir do exemplo da costureira anteriormente citado, seus instrumentos de produção são a tesoura, a agulha e a máquina de costura. Você pode constatar que sem matéria-prima e sem instrumentos de produção não se pode produzir nada, o trabalhonão se efetiva. Eles são os meios materiais para realizar qualquer tipo de trabalho. Por isso, são chamados meios de produção. Ao conjunto dos meios de produção mais o trabalho humano, damos o nome de forças produtivas. Capítulo 2 42 Homem e Sociedade “Força produtiva não é senão a capacidade de trabalhar real dos homens vivos: a capacidade de produzir por meio do seu trabalho e com a utilização de determinados meios materiais de produção e numa forma de cooperação determinada por eles, os meios materiais para a satisfação das necessidades sociais da vida, o que quer dizer, em condições capitalistas, a capacidade de produzir mercadorias.” (KORSCH, 2010). FORçAS PRODUTIVAS = MEIOS DE PRODUçãO + HOMEM A produção de bens de consumo para nossa sobrevivência exige que os homens estabeleçam entre si relações. As relações que se estabelecem entre os homens na produção, na troca e na distribuição dos bens são as relações de produção. Parece complicado o que foi exposto até aqui? Veja o conteúdo até aqui apresentado de forma esquemática: O HOMEM A VIDA ECONÔMICA através do trabalho participa implica DE BENS E SERVIÇOS Da vida econômica da Sociedade Produção Distribuição Consumo ETAPA DE PRODUÇÃO O CONJUNTO compreende MEIOS DE PRODUÇÃO FORÇAS PRODUTIVAS= Trabalho Matéria prima Instrumentos de produção Meios de produção + Trabalho humano Todo esse processo que você acaba de ver retrata a maneira pela qual a sociedade estabelece relações na produção de seus bens e serviços, na sua utilização e distribuição, é o que chamamos de modo de produção. O modo de produção de uma sociedade é formado por suas forças produtivas e pelas relações de produção existentes nessa sociedade. Capítulo 2 43Homem e Sociedade Modo de produção = forças produtivas + relações de produção De acordo com Sousa (2009), alguns autores costumam, numa sequência histórica e cronológica, mostrar os modos de produção da seguinte maneira: a) Modo de produção primitivo. b) Modo de produção asiático. c) Modo de produção escravista. d) Modo de produção feudal. e) Modo de produção capitalista. f) Modo de produção socialista. g) Modo de produção comunista. Veja de forma sucinta as características de cada um desses modos de produção: a) Modo de produção primitivo (comunismo primitivo) Designa uma formação econômica e social que abrange um período muito longo, desde o aparecimento da sociedade humana. É considerado o primeiro modo de produção da história. Desenvolveu-se na pré- história, quando o homem ainda não produzia seu próprio alimento: era nômade, caçava, pescava e colhia, dividindo-o entre a tribo. Na comunidade primitiva os homens trabalhavam em conjunto. Os meios de produção e os frutos do trabalho eram propriedade de todos. Não existia ainda a ideia da propriedade privada dos meios de produção, nem havia a oposição proprietários versus não proprietários. Também não existia o Estado. Ele só passou a existir quando alguns homens começaram a dominar outros. Assim, o Estado surge como instrumento de organização social e de dominação. Foi um fato evolutivo que surgiu da simples necessidade do homem de se relacionar com os outros humanos de outros territórios e controlar seus direitos e deveres perante eles, para que a sua comunidade não fosse prejudicada. Capítulo 2 44 Homem e Sociedade Estado é uma intituição organizada política, social e juridicamente, ocupando um território definido, normalmente onde a lei máxima é uma Constituição escrita, e dirigida por um governo que possui soberania reconhecida tanto interna como externamente. O Estado é responsável pela organização e pelo controle social, pois detém, segundo Max Weber, o monopólio legítimo do uso da força (coerção, especialmente a legal). De maneira geral pode ser definido como um instrumento de organização social e de dominação. Para os contratualistas, a sociedade antecedeu o Estado. Primeiramente, os indivíduos se uniram em grupos, que eram a princípio desorganizados do ponto de vista do poder político, e onde imperava, diante da ausência de uma autoridade geral e de regras de convivência, a lei do mais forte. Nesse momento, ao surgir um conflito de interesses entre dois ou mais indivíduos, satisfaria sua pretensão aquele que fosse forte o suficiente para subjugar os demais. Foi a partir da obra de Maquiavel, que o termo Estado passou a designar uma “unidade política global”. (RIBEIRO JÚNIOR, 1995, p. 113). b) Modo de produção escravista (escravatura) Surgiu na Grécia antiga e, posteriormente, com sua dominação e assimilação por Roma, foi o modo de produção praticado por todo o Império Romano. Foi o primeiro a estabelecer o conceito de propriedade privada. Os senhores, a minoria, eram proprietários dos escravos, os quais formavam a grande massa. Neste modo de produção, os meios de produção (terra e instrumentos de produção) e os escravos eram propriedades do senhor. O escravo era considerado uma ferramenta do senhor. As relações de produção eram de domínio e sujeição: os senhores eram proprietários da força de trabalho (os escravos), dos meios de produção (terras, gado, minas, instrumentos de produção) e do produto de trabalho. Nesse contexto, o Estado está voltado a garantir o interesse dos senhores. c) Modo de produção asiático Também chamado de sociedade hidráulica, o modo de produção Capítulo 2 45Homem e Sociedade asiático predominou na Índia e no Egito da Antiguidade, bem como nas civilizações pré-colombianas dos Incas (nos países andinos), Maias (leste do México) e Astecas (do México à Nicarágua). São chamadas de sociedades hidráulicas certas civilizações cuja organização foi ligada aos ciclos de enchentes e secas de alguns dos grandes rios ou sistemas fluviais antigos, como os Shang na China, os Indos na Índia, os mesopotâmicos e os mais conhecidos, os egípcios. Os meios de produção e a força de trabalho pertenciam ao Estado, encarnado no Imperador. Os grupos mais privilegiados eram os sacerdotes, os nobres e os guerreiros. O esgotamento desse modo de produção ligou-se, entre outros fatores, à rebelião dos escravos. d) Modo de produção feudal Esse modo de produção tem suas origens na decadência do Império Romano. Predominou na Europa durante a Idade Média, entre o século V e o século XVI. Em alguns casos, prolongou-se até o século XVIII ou mesmo XX. As relações de produção no feudalismo baseavam-se na propriedade do senhor sobre a terra e no trabalho do servo. Os servos não viviam como os escravos, eles tinham o direito de cultivar a terra cedida pelo senhor, e não podiam comprá-la ou vendê-la, sendo obrigados, em troca, a pagar-lhe impostos, rendas, e ainda a trabalhar nas terras do senhor sem nada receber. Além do poder econômico (eram os proprietários das terras), os senhores feudais tinham o poder político – faziam as leis do feudo e obrigavam os servos a cumpri-las. A economia feudal, como a escravista, baseava-se no campo. Vários foram os fatores que determinaram o fim do feudalismo, entre eles as guerras prolongadas e epidemias, como a Guerra dos Cem Anos, entre a França e a Inglaterra (1337-1453), e a peste negra, que matou um terço da população europeia no século XVI. Esses acontecimentos deram origem a uma nova classe social – a burguesia mercantil, cujos interesses entraram em choque com os privilégios da nobreza e com algumas das características centrais do modo feudal de produção. Capítulo 2 46 Homem e Sociedade e) Modo de produção capitalista Na historiografia ocidental, a ascensão do capitalismo está associada ao fim do feudalismo ocorrido na Europa no final da Idade Média. As relações de produção, nesse modo de produção, baseiam-se na propriedade privada dos meios de produção pela burguesia e no trabalho assalariado. Elas geram a riqueza por meio da exploração da mão de obra. Essa exploração gera a reação dos trabalhadores denominadade luta de classes. A sociedade capitalista é dividida em classes. Para Marx, essa divisão, ao invés de relacionada à posição social ou ao prestígio de seus membros, está relacionada à propriedade produtiva, ou seja, de um lado encontram- se os detentores do capital, de outro os detentores da força de trabalho. Constituem-se, assim, as duas classes sociais fundamentais desse modo de produção: a burguesia e os trabalhadores assalariados. A história da humanidade seria constituída por uma permanente luta de classes, como Marx deixa bem claro na primeira frase do primeiro capítulo de O Manifesto Comunista. No modo de produção capitalista, a propriedade particular dá lugar à propriedade privada. Como os meios de produção são de propriedade privativa da burguesia, ela orienta toda a produção com vistas à obtenção do lucro. No capitalismo, o único objetivo da produção é o lucro, não a necessidade. f) Modo de produção socialista A base econômica no modo de produção socialista é a propriedade social dos meios de produção, ou seja, os meios de produção são públicos ou coletivos. A estatização dos meios de produção constitui uma das mais importantes características do socialismo. A sociedade socialista tem como finalidade a satisfação completa das necessidades materiais e culturais da população: emprego, habitação, educação, saúde. O modo de produção socialista se desenvolveu na União Soviética, na China e nos países da Europa Oriental – Iugoslávia, Albânia, Alemanha Oriental, entre outros. Na América Latina, só Cuba adota o socialismo. Capítulo 2 47Homem e Sociedade g) Modo de produção comunista É a etapa posterior ao socialismo. Nesse modo de produção, desapareceriam as diferenças sociais e o Estado. Através da organização popular o povo se autogovernaria. Todos são produtores indistintamente e não há excedente em mãos privadas. Para Marx e Engels, o comunismo seria dividido em duas fases. Na primeira fase, socialismo, a divisão da produção se daria segundo o trabalho, uma vez que não haveria produção suficientemente para distribuir por todos. Nessa fase, a mentalidade coletiva ainda estaria vinculada à moral burguesa e, por isso, o homem não poderia trabalhar a quantidade de horas que quisesse pela sua própria consciência e, mesmo assim, iria requerer mais do que os outros. Assim, nesse momento, a produção deveria ser distribuída segundo o trabalho. Só em um segundo momento, o comunismo em si, haveria uma nova forma de produção: a cada um segundo suas necessidades. Agora que você conheceu os diversos modos de produção, veja de forma sintetizada como se dá a relação entre os homens no processo de trabalho: à Modo de produção comunal primitivo – a organização do trabalho é coletiva, não há uma classe explorando outra. à Modo de produção asiático – o Estado explora os camponeses. à Modo de produção escravista – o senhor explora os escravos. à Modo de produção feudal – a nobreza explora os servos. à Modo de produção capitalista – o burguês explora o operário. à Modo de produção comunista – tudo é comum a todos. 2.2.2 O surgimento do capitalismo Antes de ler este material, você já tinha ouvido falar em capitalismo? Tem alguma ideia formada a respeito do que seja? O capitalismo é um sistema econômico e social baseado na propriedade privada dos meios de produção, cujo objetivo é o lucro do qual os trabalhadores não participam (eles recebem um salário em troca do seu trabalho). O elemento principal do capitalismo é a mercadoria. O capitalismo transforma tudo em mercadoria, inclusive o trabalhador. A sociedade é, portanto, uma sociedade de consumo. Capítulo 2 48 Homem e Sociedade Essa sociedade cristalizou a ideia de que ter é mais importante que ser. Numa sociedade de consumo, o que acontece com o homem? Sem a preocupação do ser, o homem perde sua consciência crítica, sua capacidade de reflexão e torna-se uma pessoa controlada pelas necessidades e interesses do mercado. Saiba que o capitalismo foi evoluindo gradativamente; aos poucos foi se sobrepondo a outras formas de produção até ter sua hegemonia, que ocorreu em sua fase industrial. Seu desenvolvimento foi impulsionado pela Revolução Industrial, momento da história em que as ferramentas foram substituídas pela máquina. Só quem possuía capital, só quem o acumulou durante séculos, só uma classe, exclusivamente a burguesia, era a proprietária dos meios de produção. Ocorreu uma completa separação entre o capital e o trabalho; quer dizer, o trabalhador, o produtor direto, não tinha mais a propriedade dos meios de produção. Eles passaram a ser propriedade exclusiva dos detentores do capital. Para Marx, a vida na sociedade capitalista, apresenta numerosas contradições. A principal delas, porém, aquela que afeta de maneira mais constante e socialmente mais decisiva a existência dos indivíduos, é “a contradição entre o trabalho e o capital, quer dizer, entre o proletariado e a burguesia [...]”. (KONDER, 1998, p. 48). Rodrigues e Novaes (1984), nesse sentido, afirmam que o capitalismo é um monstro de duas cabeças, ou seja, na prática tem produzido uma dicotomia na sociedade. De um lado a sociedade dos detentores dos meios de produção – os ricos, os capitalistas; de outro lado, produz a sociedade dos pobres, da classe trabalhadora. Se você olhar ao seu redor, identificará o que estamos discutindo aqui. Há hospitais para quem pode pagar planos de saúde e hospitais para os pobres, aqueles que não têm plano de saúde (hoje representados pelo Sistema Único de Saúde); há educação para aqueles que podem pagar e educação pública destinada àqueles que não podem estudar na rede privada de ensino. Na sua trajetória, o capitalismo tem produzido uma realidade de pobreza, miséria e exclusão. Capítulo 2 49Homem e Sociedade As principais fases do capitalismo são: a) Capitalismo comercial ou pré-capitalismo – período que se inicia com as grandes navegações e expansões marítimas europeias (séculos XVI ao XVIII). Verifica-se, nesse período, a figura do artesão; no entanto, generaliza-se o trabalho assalariado. O lucro estava concentrado nas mãos de comerciantes intermediários, não nas mãos dos produtores. b) Capitalismo industrial – marcado, dos séculos XVIII a XIX, pela Revolução Industrial e, no final do século XIX, pela Segunda Revolução Industrial. O trabalho assalariado se instala, em prejuízo dos artesãos, separando claramente os possuidores de meios de produção e o exército de trabalhadores. c) Capitalismo monopolista financeiro – integração do capital industrial com o capital financeiro. Período em que o sistema bancário e as grandes corporações financeiras passam a controlar as demais atividades. Surgem os grandes monopólios, sendo as principais formas o Cartel (empresas concorrentes fazem acordo para dominar o mercado); o Truste (conjunto de empresas que se juntam para dominar o mercado); e o Holding (controle acionário sobre várias empresas). d) Capitalismo informacional – fase atual do capitalismo, em que se encontram os países no mundo inteiro, que continua industrial e financeiro, mas assume a incorporação de conhecimentos e informação em todas as etapas do processo de produção e distribuição. Ou seja, as operações financeiras passam a ser desenvolvidas com o aparato das novas tecnologias de informação e comunicação. A pobreza é a privação do supérfluo; a miséria é a privação do necessário. SAIBA QUE Capítulo 2 50 Homem e Sociedade Apesar de serem diferentes uns dos outros, os países capitalistas apresentam algumas características semelhantes? Barreto (2010) destaca as seguintes características: Estrutura de propriedade: predomina a propriedade privada. Em alguns países o Estado também é dono de alguns meios de produção; atua como capitalista principalmente em setores básicos e de infra-estrutura. Relação de trabalho: o trabalho assalariadoé predominante. Mas em muitas regiões subdesenvolvidas e rurais ocorrem relações de trabalho ilegais, como a escravidão, ou trabalho forçado por dívida. Objetivo: o único objetivo é ter constantemente a obtenção de lucro, não importando quem perca com isso. As empresas estatais recebem ajuda de subsídios do governo, sendo difícil ir a falência, ao passo que se uma empresa privada operar no vermelho, ela pode falir. Meios de troca: o principal meio de troca é o dinheiro, que facilitou bastante o comércio. Outros meios de troca são o cheque e o cartão de crédito, em que é possível movimentar um fundo em dinheiro depositado no banco. Com um cartão bancário é possível fazer pagamentos sem o uso de dinheiro real ou cheque. Funcionamento da economia: os agentes econômicos fazem investimentos se guiando pela lei da oferta e da procura. Investem com o objetivo de conseguir a maior rentabilidade. A lei da oferta e da procura: funciona da seguinte maneira: se houver mais oferta do que procura os preços tendem a cair; se houver mais procura que oferta os preços tendem a subir. Essa lei é a essência da economia de mercado. Relação social: há uma grande desigualdade social, principalmente nos países subdesenvolvidos, ficando a maior parte da renda com poucos. Mas nestes últimos anos, também em países desenvolvidos tem crescido a distância entre ricos e pobres. SAIBA QUE Capítulo 2 51Homem e Sociedade 2.2.3 Diferença entre estrutura social e conjuntura social Entender o movimento da sociedade implica compreender o conjunto das relações que ali se desenvolvem. A análise das relações gerais que ocorrem em uma sociedade denomina-se estrutura social. Para Bottomore (1970, p. 100) a estrutura social pode ser definida como “o complexo dos principais grupos e instituições que constituem as sociedades”. Assim o conceito de estrutura social responde à seguinte questão: Como está organizada a sociedade? A estrutura social compõe-se de ordens e esferas institucionais (ordem religiosa, ordem econômica, ordem familiar, ordem política, ordem militar, entre outras), classes sociais, castas e grupos. Em parte, a estrutura social determina a existência, as características e os comportamentos dos grupos sociais e dos indivíduos. Para uma melhor compreensão imagine que, se a sociedade fosse um edifício, as fundações, as colunas de suporte e as vigas seriam a estrutura. Para Marx (1986), cada modo de produção condiciona uma estrutura social, que faz a história do desenvolvimento social de cada sociedade. Assim, no feudalismo havia um modo de produção e uma estrutura social dividida entre senhor feudal e servos, substituída pela dinâmica inicial do capitalismo, em que a estrutura social começou a ser dividida entre burguesia e proletariado. Usualmente, a noção de estrutura social se coloca em oposição à de conjuntura social, na medida em que falar em estrutura social é falar naquilo que é estável num sistema social, e não em seus elementos variáveis: que compõem, por sua vez, a conjuntura. A conjuntura social aponta para a análise do momento vivenciado por determinada sociedade, sua economia, política, arte, literatura, etc., num dado momento. Capítulo 2 52 Homem e Sociedade 2.3 Aplicando a teoria na prática Leia o seguinte texto: “Um cartaz publicitário [...] estampa apenas a imagem de um par de olhos em que dois cifrões tomaram o lugar das pupilas. Quer dizer: o único objeto visível para esses olhos é o valor, porque os próprios olhos transformaram-se em valor; olhar só pode ser, então, avaliar e valorizar. No capitalismo, olhar é calcular o que se vê, operação que não tem sentido senão o de adicionar novas quantidades a outras quantidades abstratas. A seu modo, o cartaz publicitário é, portanto, extremamente realista, pois mostra a realidade do capitalismo – um processo em que a visão vê o que deve ser visto: a destruição de todos os códigos, de todos os territórios, de todos os sentidos, e a realização do valor.” (SANTOS apud MARTINS; ARANHA, 2000, p. 19). Essa é uma imagem longe da nossa realidade? Resposta Essa é uma imagem que bem representa a sociedade na qual estamos inseridos. O capitalismo, ao eleger o lucro como fio condutor, transformando inclusive o homem em mercadoria, cria uma realidade em que consumir passa a ser a palavra de ordem. Nesse contexto, há uma inversão de valores. O ter substitui o ser. Claro que o consumo é um ato humano através do qual o homem atende a suas necessidades orgânicas (de subsistência), culturais (educação e aperfeiçoamento) e estéticas. Ele se torna uma distorção quando o indivíduo não tem possibilidade de escolha autônoma para estabelecer preferências ou optar por consumir ou não. O problema da sociedade de consumo, expressão máxima da sociedade capitalista, é que as necessidades são artificialmente estimuladas, principalmente pela mídia, levando o indivíduo a um consumo alienado. A estimulação artificial cria necessidades artificiais: montamos uma sala de som, sem gostar de música; compramos bibliotecas deixando volumes e mais volumes intactos; mudamos de celular porque o design está ultrapassado, entre outros. A própria sociedade cria mecanismos para impedir a tomada de consciência, o que exige uma postura crítica que é construída a partir de elementos transmitidos pela educação. Capítulo 2 53Homem e Sociedade 2.4 Para saber mais Você pode aprofundar este tema na obra Capitalismo para principiantes, de Rodrigues e Novaes (1984). Nesse livro, os autores apresentam de forma lúdica, através de quadrinhos, a história do capitalismo, situando esse modo de produção de forma contraditória: por um lado como o sistema que, no mundo ocidental, movimenta a democracia; por outro, como um sistema desumano, injusto e por isso também antidemocrático. 2.5 Relembrando Vimos que sendo essencialmente social o homem participa de todas as esferas da vida em sociedade, entre elas a vida econômica. Ao participar da vida econômica, participa da produção de bens e serviços e, portanto, da transformação da natureza. O processo de produção é composto de três elementos associados: a) o trabalho; b) a matéria-prima; c) os instrumentos de produção. Matéria-prima e instru mentos de produção são chamados meios de produção. A relação dos meios de produção e trabalho humano são as forças produtivas de uma sociedade. No processo de produção, os homens estabelecem relações que configuram as relações de produção. A maneira pela qual a sociedade estabelece relações na produção de seus bens e serviços, na sua utilização e distribuição, é o que chamamos de modo de produção. Principais modos de produção na história humana: a) Modo de produção primitivo. b) Modo de produção asiático. c) Modo de produção escravista. d) Modo de produção feudal. e) Modo de produção capitalista. Capítulo 2 54 Homem e Sociedade f) Modo de produção socialista. g) Modo de produção comunista. O modo de produção capitalista é baseado na propriedade privada dos meios de produção cujo objetivo é o lucro, do qual os trabalhadores não participam, mas sim, recebem um salário em troca do seu trabalho. O capitalismo transforma tudo em mercadoria, inclusive o trabalhador. As principais fases do capitalismo: • Capitalismo comercial ou pré-capitalismo. • Capitalismo industrial. • Capitalismo monopolista financeiro. • Capitalismo informacional. A análise da sociedade exige do homem uma compreensão da estrutura e da conjuntura social. A estrutura social corresponde ao que é estável num sistema social, corresponde às ordens e esferas institucionais (ordem religiosa, ordem econômica, ordem familiar, ordem política, ordem militar, entre outras), as classes sociais, as castas e os grupos. A conjuntura social aponta para a análise do momento vivenciado por determinada sociedade, sua economia, política, arte, literatura, etc., num dado momento. 2.6Testando os seus conhecimentos 1) Explique a afirmação de que pelo trabalho o homem se autoproduz. 2) O que distingue o consumo alienado do não alienado? 3) Assinale a alternativa que se relaciona corretamente com a seguinte conceituação: Sistema econômico caracterizado pela concentração de capitais, baseado na propriedade privada dos meios de produção, cujo objetivo é o lucro. a) Desenvolvimento econômico. b) Capitalismo. Capítulo 2 55Homem e Sociedade c) Socialismo. d) Liberalismo econômico. e) Poder econômico. 4) Vivemos inseridos em uma sociedade na qual predominam o consumo e a propaganda, ampliados pelo poder da mídia. Nesse contexto, a educação: a) perdeu totalmente o sentido, pois se tornou instrumento da mídia e das grandes empresas; b) é importante caminho para reflexão e tomada de consciência; c) é um reflexo da sociedade em que se vive, produzindo um saber acrítico; d) está ultrapassada, pois não faz uso, em suas metodologias, de recursos da tecnologia atual. 5) Leia, com atenção, trechos do poema Eu, etiqueta, de Carlos Drummond de Andrade (1986): “Em minha calça está grudado um nome que não é meu de batismo ou de cartório, um nome... estranho. Meu blusão traz lembrete de bebida que jamais pus na boca, nesta vida. Em minha camiseta, a marca de cigarro que não fumo, até hoje não fumei. [...] desde a cabeça ao bico dos sapatos, são mensagens, letras falantes, gritos visuais, ordens de uso, abuso, reincidência, costume, hábito, premência, indispensabilidade, e fazem de mim homem-anúncio itinerante, escravo da matéria anunciada [...]” (Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond. Eu, etiqueta. In: ______. Corpo. Rio de Janeiro: Record, 1986). O poema de Drummond destaca: a) uma referência ao modo de produção socialista; b) a importância do consumo para o homem; c) a política de incentivo fiscal; d) o fórum econômico mundial; e) o consumo sem elementos de crítica, alienado. Capítulo 2 56 Homem e Sociedade Onde encontrar ARANHA, Maria Lucia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando. São Paulo: Moderna, 2005. BARRETO, Anelise Pires Nunes. O modo de produção capitalista, 2010. Disponível em: <http://www.mv1macedo.com.br/downloads2/capitalismo.pps>. Acesso em: 25 fev. 2010. BOTTOMORE, T. B. Introdução à sociologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1970. DIAS, G. Freire. Educação Ambiental: Princípios e Práticas. São Paulo: Gaia, 2000. KORSCH, Karl. O conceito de forças produtivas materiais, 2010. Disponível em: <http://www.velhatoupeira.hbe.com.br/korschfpi.htm>. Acesso em: 2 mar. 2010. KONDER, Leandro. Marx. São Paulo: Perez, 1998. MARGDOFF, Harry. O significado do trabalho:uma perspectiva marxista. Disponível em: <http://resistir.info/mreview/significado_do_trabalho.html> Acesso em 18 jun. 2010. MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1984. ______. Manifesto do partido comunista. Lisboa: Avante, 1982. RIBEIRO JUNIOR, João. Curso de teoria geral do Estado. São Paulo: Acadêmica, 1995. RODRIGUES, Vilmar; NOVAES, Carlos Eduardo. Capitalismo para principiantes. São Paulo: Ática, 1984. SANTOS, Laymert Garcia dos. Sociologia é o limite. Disponível em: <http:// www.planetaeducacao.com.br/novo/artigo.asp?artigo=1290>. Acesso em 18 jun. 2010. SOUSA, Luiz Gonzaga de. Modos de produção e relações de trabalho, 2009. Disponível em: <http://www.eumed.net/libros/2006b/lgs-art/3n.htm>. Acesso em: 12 fev. 2009.
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