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Capítulo 3 (PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL E O FRACASSO ESCOLAR): neste capítulo, o intuito é reconhecer as dificuldades e embates que ocorrem dentro da escola, tanto no âmbito prático e real quanto no campo ideológico, seja nas relações pessoais, seja nas institucionais. Isso implica a busca de um entendimento sobre os processos que levam ao fracasso escolar, e, assim, criar condições para realizar a crítica aos supostos “distúrbios de aprendizagem” e “problemas escolares” para refletir sobre a psicologia como profissão e as possibilidades de uma psicologia escolar crítica, a partir de uma nova significação da psicologia escolar e educacional. Capítulo 4 (EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA: FUNDAMENTOS E DEBATES): neste capítulo, vamos abordar o que é a educação especial na perspectiva da educação inclusiva, consequentemente, vamos saber quais são as legislações e documentos oficiais sobre o tema. Assim sendo, vamos identificar o público-alvo da educação especial dentro da perspectiva da educação inclusiva e refletir sobre o atendimento educacional especializado. Com isso, nós poderemos refletir sobre os limites (internos e externos) da psicologia escolar e educacional, e, também, realizar uma crítica sobre a construção da subjetividade no contexto do ensino e aprendizagem, considerando aspectos individuais (timidez) e coletivos (imitação), entre outras questões do cotidiano escolar. Desejamos uma construtiva e satisfatória jornada de estudos pela frente. Cordialmente! O autor. CAPÍTULO 1 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes objetivos de aprendizagem: Conhecer o conceito de subjetividade e sua construção histórica. Verifi car o tratamento do tema subjetividade no âmbito da fi losofi a e psicologia. Identifi car as correntes da psicologia e suas concepções acerca da subjetividade. Refl etir sobre a dimensão individual e a produção social da subjetividade. 10 Subjetividade, Cultura e Complexidade 11 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Neste capítulo, vamos conhecer um breve panorama histórico de como a subjetividade é tratada como objeto de estudo, principalmente para as várias correntes da psicologia ao longo do século XX. Provavelmente, você, pós-graduando(a), já deve ter utilizado o termo subjetividade e suas variações em algum momento da vida. Por exemplo: “Ah, mas isso é subjetivo”. “O critério do professor para correção da prova não foi objetivo, mas sim subjetivo”. “Isso pertence à sua subjetividade”. Mas antes de tratarmos das defi nições, conceitos e perspectivas sobre o que é subjetividade e o que isso representa na atualidade, vamos refl etir: O que é subjetividade para você? O que isso signifi ca e representa nas nossas vidas? Agora que já refl etimos um pouco sobre o assunto, vamos ao desenvolvimento do tema propriamente dito. O CONCEITO DE SUBJETIVIDADE De acordo com o dicionário subjetividade é: Característica, particularidade ou domínio do que é subjetivo (particular e íntimo). [Filosofi a] Estado psíquico e cognitivo do sujeito cuja manifestação pode ocorrer tanto no âmbito individual quanto no coletivo, fazendo com que esse sujeito tome conhecimento dos objetos externos a partir de referenciais próprios. (DICIO, 2016). Portanto, o conceito de subjetividade tem origem na fi losofi a, mas, segundo Filho e Martins (2007), já no fi nal do século XIX, a psicanálise vai tratar da subjetividade como um dos seus objetos de estudo. Além disso, a partir do século XX, a psicologia trará a questão da subjetividade para o seu campo, explorando as diversas maneiras e perspectivas: histórica, social, cultural, política, etc. E isso tornará a subjetividade um elemento importante no processo de singularização do indivíduo, consequentemente, a subjetividade se tornou um dos focos de estudos de todas as correntes da psicologia contemporânea. Numa primeira aproximação, talvez se possa tributar a especifi cidade das psicologias a uma suposta “descoberta” do sujeito psicológico; melhor, ao nascimento deste sujeito 12 Subjetividade, Cultura e Complexidade nos domínios do discurso ocidental moderno, científi co, ou à sua emergência como fi gura correlata deste discurso, considerando que esta era uma fi gura inexistente na cultura ocidental antes do surgimento da psicologia científi ca na passagem do século XIX ao XX. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 14). Ou seja, de acordo com Filho e Martins (2007), o indivíduo psicológico é uma construção da psicologia, ou seja, trata-se de um sujeito presente no discurso ocidental moderno, logo, esse sujeito possui várias instâncias psicológicas, cada corrente tem o seu conjunto, mas refere-se, por exemplo, a um psiquismo, uma cognição, uma “mente”, consciência, identidade, percepções, leituras e interpretações do mundo, emoções, desejos e inconsciente (no caso da psicanálise). E isso responde a um modelo de ciência que busca tratar dessas instâncias como realidade, no caso, “realidade psíquicas”, para tentar universalizar e naturalizar essa realidade no corpo e na natureza. Contudo, cabe ressaltar que o indivíduo, homens e mulheres, não é apenas um objeto de estudo da psicologia, mas da área de ciências humanas, mas aqui vamos fazer o recorte na psicologia, para buscar entender como esta área trata da questão da subjetividade. Em seu livro “A invenção do psicológico”, Figueiredo (1994) trata da produção histórica desta dimensão de existência subjetiva ligada aos jogos do conhecimento moderno, que designa um campo de experiências do sujeito, apontando que antes do nascimento das psicologias a experiência psicológica não existia, bem como não existiam a própria materialidade da “substância psíquica”, a existência psicológica e a percepção de si mesmo como ente subjetivo, que dão forma ao campo de experiências do sujeito moderno, compondo sensações de privacidade e intimidade que ele vivencia como “reais” e “naturais”. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 14). Por sua vez, a construção social do sujeito psicológico possuidor de subjetividade está ligada diretamente com o discurso da psicologia moderna. Segundo Figueiredo (1994), para o nascimento desse sujeito psicológico remetido a uma instância de subjetividade, correlativamente ao surgimento de um discurso psicológico na modernidade: [...] a emergência do humanismo renascentista nas artes e na fi losofi a dos séculos XIV e XV; a reforma pastoral da Igreja Católica no século XVI; e o centramento da cultura moderna na fi gura do “homem” a partir do século XVII com o Iluminismo, resultando numa recorrente problematização moderna do sujeito na fi losofi a, nas ciências, mas também na vida cotidiana. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 14-15). A construção social do sujeito psicológico possuidor de subjetividade está ligada diretamente com o discurso da psicologia moderna. 13 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 Neste mesmo sentido, Figueiredo e Santi (2002) apontam para o surgimento da subjetividade como campo de experiência histórica, individual e cotidiana, na passagem para modernidade. Já dissemos que a subjetividade passa a ser objeto de estudo da psicologia no fi nal do século XIX e início do século XX, mas isso ocorre em todas as correntes da psicologia, o que levou para uma noção de subjetividade que não tem uma unidade, nem linearidade, mas sim diversidade e divergência de abordagem dos “fenômenos psicológicos”. Estes acontecimentos são fundamentais para o nascimento de um conhecimento psicológico de cunho científi co justamente porque demonstram uma primazia de atenção ao sujeito. A reforma protestante, por exemplo, não deve ser tomada como problema meramente religioso, mas centralmente social, implicando uma recusa dos modos de condução pastoral da Igreja Católica e dos modos de subjetivaçãoe individuação ligados à ética católica, caracterizando aquilo que Foucault (2002) denomina “revolta das condutas”, ou, um exercício de liberdade do sujeito no terreno religioso. Por outro lado, a fi gura nietzschiana da “morte de Deus” deve ser encarada não como o fi m do dogma cristão, mas como o fi m da hegemonia do pensamento mágico religioso e surgimento de um pensamento humano, de uma fi losofi a e uma ciência centradas no homem, no sujeito cognoscente. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 15). Para aprofundar seus estudos sobre o tema subjetividade, faça a leitura da seguinte obra: SARTRE, Jean-Paul. O que é subjetividade? 1. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015. Síntese: este livro do Jean-Paul Sartre é fruto de uma conferência realizada no encontro de intelectuais na Itália. Sartre discute um problema que sempre foi presente para ele: o conhecimento da subjetividade. 14 Subjetividade, Cultura e Complexidade O conceito de subjetividade é muito amplo e pode ser defi nido como a maneira particular de um indivíduo elaborar e organizar seus pensamentos, sentimentos, ideias, personalidade, etc., o que pode revelar o modo como este indivíduo percebe e organiza o mundo a sua volta, como ele busca defi nir a sua fi nalidade, seu estar no mundo. Contudo, isso não é apenas um evento interno, mas também uma construção social. Portanto, o conceito de subjetividade é variável para cada indivíduo, ou seja, podemos falar de “subjetividades”, no plural. Assim, é preciso compreender a construção da subjetividade a partir do comportamento humano como um todo, o qual é possuidor de unidade, e, também, como subjetivação da dimensão cultural de um indivíduo e sua forma de se relacionar com o meio social. PANORAMA HISTÓRICO SOBRE AS TEORIAS DA SUBJETIVIDADE NA PSICOLOGIA Antes do surgimento do conceito de subjetividade, muitas instâncias psicológicas foram e ainda são objetos científi cos de diversas correntes da psicologia. Assim sendo, agora, vamos conhecer algumas destas instâncias psicológicas que têm papel fundamental no nascimento da subjetividade como objeto científi co da psicologia. Na Grécia antiga, por volta de 700 a.C., já existia um conceito de Psyché (alma) e Logos (razão), portanto, etimologicamente, a palavra psicologia signifi ca “estudo da alma”. Mas, o conceito de alma não é religioso, trata-se do que podemos chamar de parte imaterial (pensamento, percepção, desejo e sentimentos). Assim sendo, o corpo seria apenas a parte física. Ao longo da história da humanidade, tivemos muitos entendimentos do que seria o ser humano e se existia uma alma, e mais, o que seria essa alma. Vejamos alguns exemplos: • Sócrates (469-399 a.C.): preocupa-se com o limite que separa o homem dos animais. A razão era concebida como principal característica humana. • Platão (427-347 a.C.): divide o homem em corpo e alma. Defi niu a cabeça (alma) como sendo o lugar da razão. A medula como ligação entre a alma e 15 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 o corpo. Assim, ao morrer, a matéria desapareceria e a alma fi caria livre para ocupar outro corpo. Acreditava na imortalidade da alma, sendo essa separada do corpo. • Aristóteles (384-322 a.C.): alma e corpo não poderiam ser dissociados. A psyqué é o princípio ativo da vida; tudo que cresce, reproduz-se e se alimenta, possui sua alma. Aristóteles concebia a mortalidade da alma. • Santo Agostinho (354-430 d.C.): estabelecia separação entre corpo e alma. Porém, a alma era sede da razão e comprovação de uma manifestação divina no homem. A alma era tida como imortal. Ligação entre homem e deus. Segundo Moreira e Silveira (2011), a fi losofi a foi responsável pelas primeiras noções sobre subjetividade, isto porque tratava o tema da consciência e a considerava a produtora da verdade, desde a Grécia antiga. Porém a fi losofi a humanista leva isso adiante: A verdade não é simplesmente reconhecida, mas produzida pelo homem nesse processo de percepção de si próprio. O “eu penso” é a primeira verdade, a de acesso mais imediato e o ponto de partida de todas as outras evidências que serão produzidas por esse mesmo “eu penso”. (BRANDÃO, 1998, p. 34). Essa é uma concepção cartesiana da subjetividade. Descartes já dizia “penso, logo existo”, ou seja, dentro dessa perspectiva, a subjetividade é a responsável pela existência, pela construção do conhecimento do indivíduo e sua ação no mundo. O problema disso é que se tudo que existe é por eu pensar que é, logo, o indivíduo seria produtor de verdades absolutas, portanto, o que julgar ser bom é bom e o que julgar ser ruim é ruim, e, assim, teríamos uma visão maniqueísta (e equivocada) da sociedade. Por trás dessa ideia está o princípio profundamente racional de caráter universal das crenças que permite uma divisão estática entre o mundo “bom” e outro “mal”, o que tem escasso valor ético e moral, pois todos sentimos que somos parte do mundo “bom”, assumindo muito pouco a identidade do mal. A ideia de um sujeito universal apresenta-se muito associado à do sujeito ideal que inspirou boa parte das construções éticas, políticas e religiosas do pensamento ocidental e que continuam muito arraigadas até hoje. (REY, 2003, p. 21). A fi losofi a foi responsável pelas primeiras noções sobre subjetividade. 16 Subjetividade, Cultura e Complexidade Atividade de Estudos: 1) A história da fi losofi a e da psicologia é muito antiga, assim como a relação destas duas áreas do conhecimento com o tema da subjetividade. Assim sendo, é possível considerar que a subjetividade: I – Era um objeto de estudo da fi losofi a e que migrou também para psicologia. II – Era um objeto de estudo tanto da fi losofi a quanto da psicologia, desde a origem de ambas. III – A fi losofi a nunca se interessou pela subjetividade, que foi ganhar foco nos estudos apenas na psicologia. Com base nos estudos realizados até o momento, assinale a alternativa correta: ( ) A – Apenas a sentença I está correta. ( ) B – Apenas a sentença II está correta. ( ) C – Apenas a sentença III está correta. ( ) D – Apenas as sentenças II e III estão corretas. Caro(a) pós-graduando(a), será que a nossa visão de mundo é a correta? No que você acredita é o certo e quem acredita em algo diferente está errado? Quais são os seus defeitos? Você é bom em que e no que é ruim? O que as pessoas pensam sobre você é a mesma coisa que você pensa sobre si mesmo? Enfi m, a ideia de um sujeito universal é complicada, pois sabemos que existem contradições, existem divergências que não signifi cam que uma é melhor que outra, mas que há posições e perspectivas diferentes. Portanto, há uma dialética da realidade e da subjetividade. Para Moreira e Silveira (2011), Foucault é um dos autores que apresentam uma ideia de negação desse sujeito universal, logo, que a subjetividade não é produtora de verdades universais, pois somos seres contraditórios, e mais, somos sujeitos dispersivos, pois ocupamos diversos lugares no mundo e agimos de diferentes maneiras em vários lugares. As diversas modalidades de enunciação em lugar de remeter à síntese ou à função unifi cante do sujeito, manifestam sua 17 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 dispersão. Aos diversos estatutos, aos diversos lugares, às diversas posições que pode ocupar ou receber quando tem um discurso. À descontinuidade dos planos de onde fala. (FOUCAULT, 1972, p. 69-70). Segundo Moreira e Silveira (2011), outro autor que desconstrói a ideia cartesiana é Kant, pois, para ele, não basta apenas o pensar para determinação da existência no mundo e do mundo, mas o que também é determinante é pela relação que este indivíduo estabelece com o meio em que vive. E, sim, a relação é algo individual, mas nós somos construídos pelo mundo ao mesmo tempo em que o construímos. Temos querido provar que todas as nossas instituições só são representações defenômenos, que não percebemos as coisas como são em si mesmas, nem são as suas relações tais como se nos apresentam, e que se suprimíssemos nosso sujeito, ou simplesmente a constituição subjetiva dos nossos sentidos em geral, desapareceriam também todas as propriedades, todas as relações dos objetos no espaço e no tempo, e também o espaço e o tempo todo, porque tudo isso, como fenômeno, não pode existir em si, mas somente em nós mesmos. (KANT, 2016, p. 25). Mais um fi lósofo que, para Moreira e Silveira (2011), problematiza essa posição cartesiana é Husserl (1929). Mesmo reconhecendo que o pensamento cartesiano tem infl uência na fenomenologia, esse fi lósofo destaca que o sujeito cartesiano é abstrato e desvinculado do mundo, o que desqualifi ca o conceito e exige uma reformulação. Infelizmente, é o que acontece em Descartes com a viragem discreta, mas funesta, que transforma o ego em substantia cogitans, em animus humano separado, em ponto de partida para raciocínios segundo o princípio da causalidade, em suma, com a viragem pela qual se tornou o pai do contraditório realismo transcendental. (HUSSERL, 1929, p. 8). Sob esta perspectiva, Husserl considera que Descartes falhou ao tratar o ego como algo vago e que deveria ter avançado na compreensão. E foi na psicologia que esse ponto foi tratado de modo mais aprofundado. A subjetividade e o sujeito não aparecem na Psicologia como resultado de seu trânsito pela modernidade, mas como resultado de sua assimilação da dialética marxista, enriquecida no processo de desenvolvimento da Psicologia pela infl uência crescente do pensamento complexo nas ciências do homem. (REY, 2003, p. 222). 18 Subjetividade, Cultura e Complexidade Ou seja, a psicologia não tratou da subjetividade desde a sua origem. Como vamos verifi car, o surgimento da psicologia como uma área do conhecimento independente e autônoma e os seus objetos de estudo são defi nidos ao longo do tempo, mais precisamente no fi nal do século XIX. E no século XX, aos poucos, a subjetividade vai ser um dos objetos de estudo da psicologia. E foi somente no século XIX que a psicologia moderna surgiu. O nome ainda era psicofísica em 1860. E a lei de Fechner-Weber estabelecia a relação estímulo e sensação. Com isso, nasce a psicologia moderna. Wilhelm Wundt (1832-1926): 1875 – 1º laboratório de psicologia em Leipzig, na Alemanha. Paralelismo psicofísico: fenômenos mentais correspondem a orgânicos. Método do introspeccionismo. Wundt é considerado o pai da psicologia moderna. Ele criou o que mais tarde seria chamado, por Edward Titchener, de estruturalismo, cujo objeto de estudo era a estrutura consciente da mente (sensações). Segundo essa perspectiva, o objetivo da psicologia seria o estudo científi co da experiência consciente por meio do método da introspecção (relatos das experiências conscientes). ESTRUTURALISMO: Edward Titchner (1867-1927) - estuda a estrutura da consciência, estruturas do sistema nervoso central. Usou o método de Wundt, o introspeccionismo, fazendo experimentos em laboratório. FUNCIONALISMO: William James (1842-1910) - é considerado como a primeira sistematização genuinamente americana de conhecimento em psicologia. Interessado em saber “o que fazem os homens” e “por que o fazem”. Elege a consciência como centro e busca a compreensão de seu funcionamento. O funcionalismo é modelo que substitui o estruturalismo na evolução histórica da psicologia, sendo o seu principal impulsionador William James. O principal interesse dessa corrente teórica residia na utilidade dos processos mentais para o organismo, nas suas constantes tentativas de se adaptar ao meio. O ambiente é um dos fatores mais importantes no desenvolvimento. Os funcionalistas queriam saber como a mente funcionava, e não como era estruturada. ASSOCIACIONISMO: Edward L. Thorndike (1874-1949) - a aprendizagem se dá por associação de ideias, das mais simples as mais complexas. Lei do efeito, em que o comportamento se repete com o reforço e se retrai com a punição. Início da teoria comportamental. A psicologia não tratou da subjetividade desde a sua origem. 19 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 Enfi m, a partir disso, a psicologia que conhecemos se estruturou e, assim sendo, a seguir, apresentaremos as principais correntes que possuem alguns pontos fundamentais na sua relação com a subjetividade, cultura e educação. Quadro 1 – Correntes e conceitos da psicologia escolar/educacional CORRENTES CONCEITOS Psicodrama Trabalha com a recuperação da espontaneidade e criatividade inatas, tornando as pessoas mais aptas a transformarem condições insatisfatórias de vida e a viverem em relações de compreensão mútua. É um método de grande valor preventivo, principalmente, se considerarmos a sua aplicabilidade em grandes comunidades, como é o caso do ambiente escolar. Um conceito do psicodrama é o de que representar papéis tem um poder terapêutico, uma vez que permite que as pessoas vivenciem os seus dramas internos e refl itam sobre as possíveis soluções para quebrar padrões repetitivos de conduta, conseguindo dar novas respostas para as situações da vida, inclusive na escola. Assim, situações, por exemplo, de confl ito entre alunos ou alunos e professores podem ser bem traba- lhadas dentro deste modelo, pois, além de desenvolver percepção e compreen- são do fato ocorrido, possibilita a busca de soluções de forma prática e dentro das possibilidades de cada participante. Behaviorismo ou comporta- mental A abordagem comportamental apregoa que a aprendizagem é regulada por fa- tores chamados “contingenciais” (situacionais): a situação em que o comporta- mento ocorre (em que momento o aluno se comporta de determinada maneira), o próprio comportamento (que comportamento ele manifesta) e as suas conse- quências (o que acontece com o aluno quando ele se comporta assim). O efeito da interação dessas contingências sobre o aluno depende de suas característi- cas internas, somadas a sua história de vida e ao momento específi co em que a aprendizagem está ocorrendo. A abordagem comportamental trabalha com modifi cações de comportamento, utilizando-se de técnicas próprias. É especial- mente utilizada quando é necessário clarifi car e estabelecer limites, extinguir comportamentos inadequados ou para desenvolver comportamentos novos. Geralmente suas técnicas, de forte impacto, são utilizadas com outras aborda- gens complementares. O Behaviorismo salienta a importância do planejamento da ação pedagógica de forma a fazer com que a aprendizagem do aluno gere consequências naturalmente reforçadoras (positivas) ao aprender. 20 Subjetividade, Cultura e Complexidade Neuropsico- logia Pode auxiliar o psicólogo escolar/educacional na compreensão do funciona- mento do sistema nervoso e sua aplicação na educação. Várias atuações e treinamentos de professores podem ser pautados no modelo neuropsicológi- co da aprendizagem, considerando, assim, todos os fatores que infl uenciam o processo ensino e aprendizagem. Na escola, a neuropsicologia pode ser de grande ajuda para organizar programas de estimulação das crianças de modo a desenvolver as inteligências múltiplas dos estudantes. A neuropsicologia mostra que cada aluno aprende de maneira específi ca, formando sua rede neuronal, de acordo com a interação com o ambiente educacional. Sabendo como é o funcio- namento neuronal do educando, o professor - com auxílio do psicólogo - poderá potencializar a aprendizagem, superar as limitações de cada aluno, reduzir suas difi culdades e, principalmente, identifi car as potencialidades latentes. Sistêmica A abordagem sistêmica leva em conta as relações e interações no ambiente escolar: professor-aluno, aluno-aluno, funcionário-aluno, pai-fi lho, pais-profes- sores, comunidade-escola; sendo que cada um desses elementos ou partes é um “subsistema”. É a interação entre eles e a forma como interagem quenos mostram as regras que governam o todo (a escola). Se conhecermos as regras do todo, poderemos levantar hipóteses sobre os efeitos, sobre as partes e vice-versa. Quando se pensa sistemicamente, a realidade é compreendida de forma diferente. É percebido o “para que” de uma determinada situação, consi- derando-se que quando se muda uma das partes o todo também é alterado. A refl exão é feita de forma circular e não linear, pois não se atribui causa e efeito, nem culpado ou responsável, mas envolvido e “contribuinte”. Psicanálise O trabalho educativo orientado pela psicanálise reconhece a individualidade de cada aluno e que não existe modelo único, nem um sistema fi xo de representa- ções. Utiliza-se uma ética baseada no respeito às diferenças individuais como único meio de se atingir a igualdade social. A ética do respeito e do reconheci- mento. O sujeito, que é um ser singular, único e dotado de um psiquismo regido por uma lógica específi ca, é também um indivíduo que participa das relações interpessoais e ocupa um lugar, estabelecendo laços com o contexto social no qual está incluído. Sendo assim, a psicanálise está muito atenta para a relação que se constrói entre professor e aluno, que é o que estabelece as condições para o aprender, com vistas à transmissão e à apreensão do conhecimento. Cabe ao educador, na atividade educativa, a responsabilidade por construir e transmitir o mundo da convivência humana em que seu aluno está ou estará inserido. Esta é a tarefa daquele que quer educar, humanizar o mundo dos seres humanos e, de alguma maneira, implicar os sujeitos que o habitam. 21 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 Gestalt peda- gogia A premissa básica da psicologia da Gestalt é que a natureza humana é orga- nizada em partes ou todos, formando um todo signifi cativo. Com base nisso, o ensino escolar normal não deve menosprezar o aspecto integrativo de todo co- nhecimento e de todas as matérias a serem interligadas, que acabam divididas visando a fi ns didáticos. Deve conservar o caráter integrativo do conhecimento, pois, dessa forma, o conhecimento do ambiente e do mundo chegará ao aluno integrado, constituindo-se num todo signifi cativo. A visão de homem da Gestalt é de um ser unifi cado que tem milhares de necessidades que vão surgindo ao longo da vida, sendo de ordem fi siológica, emocional e social e que tenta sa- tisfazê-las na busca de um equilíbrio. Para tanto, deve ser capaz de perceber adequadamente a si próprio e a seu meio, pois as necessidades só poderão ser satisfeitas mediante a interação do indivíduo com o meio. Esta teoria acredita que o ser humano não se compõe de uma cabeça a ser treinada, ele também é dotado de uma psique e sentimentos que vivem num corpo. Esta unidade corpo-mente-alma-meio se infl uencia mutuamente. A partir desta concepção, o ensino regular deve valorizar os aspectos psicológicos e sociais do aluno, além dos aspectos cognitivos. A Gestalt condena o aprendizado somente cognitivo, especialmente se reduzido ao processo mnemônico, pois este ignora o aspec- to emocional. As emoções podem e devem ser trabalhadas de forma positiva, fazendo-as objeto de conversa e discussão, permitindo ao aluno efetivamente alcançar uma aprendizagem integrativa. Fonte: Cassins et al. (2007, p. 27-30). A partir desse quadro, caro(a) pós-graduando(a), podemos verifi car a diversidade presente na psicologia, em termos de correntes, conceitos, perspectivas, teorias, enfi m, mas em todas elas há uma crítica ao sistema escolar e processos de aprendizagem. Portanto, independente da teoria e corrente psicológica, o que parece fundamental é criar um modelo que permita o desenvolvimento pleno dos indivíduos, que especifi camente no contexto escolar/educacional vai tratar da crítica e da tentativa de superação de antigos modelos por algo diferente, com uma diversidade de diretrizes pedagógicas, com valorização no desenvolvimento humano e aprendizagem, a formação do indivíduo e sua conscientização em relação à sua formação e o seu contato com o meio, ou seja, uma construção tanto interna quanto social da subjetividade e da formação dos indivíduos. Por fi m, talvez, você tenha estranhado o uso do termo psicologia escolar/ educacional e esteja se perguntado: por que não psicologia escolar ou psicologia educacional? Enfi m, nós vamos discutir sobre isso no próximo capítulo, buscando não uma resposta defi nitiva, mas uma compreensão desse fenômeno e seus sentidos e signifi cados. 22 Subjetividade, Cultura e Complexidade Retomando ao tema da subjetividade e psicologia, Rey (2003) destaca que a psicanálise será fundamental para que a subjetividade se torne um tema de estudo na psicologia. E Filho e Martins (2007, p. 15) destacam sete pontos fundamentais para o entendimento de como a subjetividade surgiu e é tratada dentro de todas as psicologias: 1. O “objeto primordial”, quase mítico, senão místico, é a “mente”; esta abstração idealista, subjetivista, com fortes infl uências da concepção cristã de alma como sinônimo de existência imaterial e do pensamento dicotômico cartesiano, que bebe da mesma fonte. Ao longo da primeira metade do século XX este termo ainda era admitido como objeto científi co, mas passa a ser questionado posteriormente por suas imprecisões e impregnações metafísicas, perdendo confi abilidade na segunda metade do período. 2. Outro objeto a surgir é o fragmento psíquico – com Wundt – unidade do psiquismo, do funcionamento psíquico ou do processo psicológico: as capacidades, a cognição, recusa do animismo cristão, mas confi rmação do idealismo. O fragmento psíquico é tributário da concepção mecanicista de que é possível compreender o todo desmontando-o, analisando suas partes e remontando-o, predominante no modelo clássico de ciência vigente à época. 3. Depois surge o comportamento, inaugurado por Watson em 1910 e depois recolocado por Skinner com a introdução da noção de “operante”: exterioridade, mecanicismo, objetivismo e sujeição estrita ao método científi co. No entanto, apesar de reproduzirem o fragmentarismo e o mecanicismo da época, o trabalho de Wundt e o behaviorismo apontam para diferentes direções: enquanto o primeiro busca fazer um mapeamento da consciência a partir de uma composição dos processos psíquicos e das capacidades cognitivas, o segundo centra sua atenção na relação “estímulo-resposta” e nos aspectos operantes do comportamento, recusando os conceitos de consciência e de subjetividade. 4. Emergem as percepções, o campo perceptivo que confi gura o campo psicológico, que por sua vez singulariza o sujeito. Objeto colocado pela gestalt que, apoiada no método fenomenológico, busca superar o fragmentarismo e o mecanicismo vigentes, propondo uma psicologia e um sujeito mais integrados. 5. O próprio corpo surge como objeto para a ciência psicológica com Reich, também na primeira metade do século XX, numa tentativa de superar o mentalismo. Esta perspectiva é retomada e renovada no fi nal do século, atualizando este esforço no sentido de quebrar a força da dicotomia cartesiana corpo x mente nos domínios do discurso psicológico. 6. Os discursos são um tradicional alvo de atenção de várias psicologias, analisados e interpretados de múltiplas perspectivas, buscando captar signifi cados atribuídos a objetos e experiências, além de sentidos psicológicos subjacentes às falas dos sujeitos. 7. As relações também emergem como objeto para algumas psicologias, num esforço de superar o individualismo, o A psicanálise será fundamental para que a subjetividade se torne um tema de estudo na psicologia. 23 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 mentalismo e as naturalizações ancoradas na neurofi siologia e atualizadas pela neurociência dos anos 1990, buscando fundar tanto o conhecimento quanto o sujeito psicológico em concepções materialistas, sociais e históricas. Mostra-seaqui toda uma diversidade de jogos operando no discurso psicológico: fragmentarismo e mecanicismo x perspectivas mais amplas e integradas; subjetivismo x objetivismo; mentalismo x materialismo; individualismo x coletivismo; naturalismo biologicista x perspectivas sociais e históricas. Para Filho e Martins (2007), tudo isso apresenta alguns movimentos importantes da psicologia, como a mudança de uma perspectiva biológica para social, o que levou também a um deslocamento do entendimento de natureza humana para uma concepção de construção histórica, e mais, o indivíduo ainda é importante, mas o coletivo ganha maior espaço, ou seja, os campos social, histórico e político são focos nas relações pessoas e materiais. Assim sendo, de acordo com Filho e Martins (2007), a subjetividade foi ganhar visibilidade a partir da década de 1980, pois, anteriormente, as instâncias psicológicas que mais tinham visibilidade eram a consciência, o comportamento e a personalidade. Em verdade o conceito de subjetividade passa do campo da psicanálise para os domínios das psicologias na primeira metade do século passado, mas é somente no seu fi nal que ele se despe de um sentido naturalizado e substancializado de interioridade, passando a ser pensado em termos históricos, sociais e políticos – como produção de subjetividade – apresentando-se contemporaneamente como objeto possível para muitas psicologias de cunho crítico, como alternativa a uma problematização da “identidade”, exatamente por buscar dar conta das diferenças. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16). Como já vimos, o conceito de subjetividade tem origem na fi losofi a, mais precisamente na fi losofi a moderna. E segundo Filho e Martins (2007), Kant apresenta essa problemática quando discute: como seria possível a produção de conhecimento como verdades absolutas, sólidas, objetivas, ou seja, universais e que são válidas para todos e todas, se o que ocorre é a produção de conhecimento por meio de sujeitos singulares que respondem a momentos históricos, políticos e sociais diferentes? A questão da subjetividade surge, portanto, no contexto fi losófi co das preocupações epistemológicas quanto à produção do conhecimento, de forma negativa: como aquilo que precisa ser neutralizado e superado para se ter acesso a uma verdade objetiva. Esta conotação negativa persistiu ao longo de todo o século XX, enfatizando a contaminação do 24 Subjetividade, Cultura e Complexidade conhecimento por ela, mas as epistemologias contemporâneas argumentam que a subjetividade faz parte do jogo e precisa ser contemplada na produção do conhecimento, por não se opor necessariamente ao critério de objetividade. Além da subjetividade, o poder também tem sido tradicionalmente apontado como contaminador da neutralidade científi ca, porém Foucault, já na década de 1960, critica esta separação quando liga indissociavelmente em suas análises saber, poder e subjetividade. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16). Temos que destacar aqui a fi gura do sujeito cognoscente, ou seja, aquele que conhece, que pode desvendar e enunciar verdades. E isso pertence tanto à fi losofi a quanto à ciência moderna. E esse sujeito passa a ser tanto sujeito e objeto do conhecimento, como veremos a seguir. Apesar da tradição crítica que liga Nietzsche e Foucault levantar esta questão ao longo do século XX, ainda não foi superado esse lugar central do sujeito nos jogos de produção do conhecimento, onde toda a verdade ainda remete e retorna a ele. Sujeito cognoscente, transcendental e universal, porque não é nenhum sujeito concreto em especial e sim, uma abstração genérica que se refere a uma posição e não de um indivíduo, um “descobridor genial”. Após mais de um século o termo migra para o campo dos conhecimentos “psi” pelas mãos de Freud passando a designar uma instância de interioridade, constituindo objeto de estudo científi co e campo de experiências do sujeito. De certa forma, a psicanálise freudiana naturaliza e essencializa a subjetividade ao considerá-la inerente ao sujeito, reproduzindo a matriz cristã da interioridade e fazendo dela um enunciado. Nasce agora, correlativamente ao discurso psicanalítico, o sujeito – também universal – do inconsciente e do desejo, remetido à sexualidade posta como invariante: este é o contexto do debate de Michel Foucault (1988, 1989, 1990) com a psicanálise na sua “História da sexualidade”. Mas não é da perspectiva psicanalítica que está sendo abordada a questão, até porque uma problematização da subjetividade não é monopólio nem privilégio da psicanálise, e sua importância arqueológica aqui apontada refere-se justamente a este ato de importação do conceito da fi losofi a para os domínios psi – pelas mãos de Freud – e não exatamente ao novo signifi cado a ele atribuído nos domínios da psicanálise. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16). Portanto, na perspectiva contemporânea, para Filho e Martins (2007), mesmo que a subjetividade seja tratada como objeto construído pela experiência e pelo conhecimento, não podemos ligá-la diretamente com questões simplesmente internas. Tradicionalmente as concepções psicológicas apontam para um núcleo, um centro da “consciência”, da “personalidade”, da “identidade”, que pressupõe certa regularidade, previsibilidade Mesmo que a subjetividade seja tratada como objeto construído pela experiência e pelo conhecimento, não podemos ligá-la diretamente com questões simplesmente internas. 25 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 e permanência – quando não, “essência” e interioridade – o que permite distinguir os indivíduos uns dos outros. Descentrar a análise da subjetividade deste eixo habitual do desenvolvimento da personalidade e da identidade, tomando-a como resultado da dispersão de forças sociais, implica tratá- la como fi gura histórica que não tem centro, permanência, inerência ou substância, nem qualquer sentido, naturalizante, biológico, genético ou determinista, e pensá-la em movimento, como virtualidade, efeito holográfi co que existe concretamente ali onde não há nada de palpável. Vista desta perspectiva tem menos a ver com uma suposta natureza humana do que com o instável jogo de forças dos enunciados e dispositivos. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 16). Então, caro(a) pós-graduando(a), lembra-se de que no início deste capítulo nós refl etimos sobre o que é subjetividade e como você já ouviu ou utiliza esse termo no dia a dia? Enfi m, em geral, a ideia e os exemplos que temos tratam da subjetividade como algo interno do indivíduo, mas agora já conseguimos desconstruir ou, pelo menos, problematizar essa ideia, pois: Subjetividade parece sugerir imediatamente interioridade, mas não há nada de natural nessa relação: percebe-se, que subjetividade e interioridade nem dizem respeito a instâncias psicológicas inerentes aos seres humanos, nem se referem a campos equivalentes de experiência ou a termos sinônimos. São enunciados de proveniências diversas que são posteriormente superpostos pelos discursos psicológicos, não necessariamente implicando uma relação de reciprocidade, ao contrário, a subjetividade, além de ser da ordem dos efeitos, é também da ordem da exterioridade – fi gura da “dobra”, que para Deleuze (1988) é produzida em relações saber/poder e também dos sujeitos consigo mesmos, quando estes se colocam como objetos para um trabalho sobre si. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17). Então, segundo Filho e Martins (2007), o que podemos afi rmar é que a subjetividade (até mesmo a interioridade) é produção histórica. E, posteriormente, vamos explorar mais alguns autores, como Michel Foucault, o qual destacará que essa produção histórica da subjetividade pertence à modernidade. Isso porque: [...] assim como o cristianismo inventou a interioridade, a modernidade inventou a subjetividade – essa é a relação entre estas duas fi guras do discurso: a noção de interioridade é anterior a de subjetividade,indicando que o moderno conceito de subjetividade se apoia na ideia cristã de interioridade encontrando-se, por isso mesmo, totalmente contaminado por esta concepção, este enunciado. Se os ocidentais cristãos se percebem como seres subjetivos e interiorizados é porque se encontram presos a estes dois enunciados que nascem nessa cultura em diferentes momentos e contextos, mas que são colados posteriormente, universalizando-se 26 Subjetividade, Cultura e Complexidade como natureza humana. Esse é, de certa forma, o trajeto da formação de uma tecnologia confessional no Ocidente, por ele percorrido da hermenêutica de si à hermenêutica do desejo, que é constitutivo do sujeito moderno: meio racional, meio cristão; meio sujeito da razão, meio sujeito da culpa. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17). Novamente, nós voltamos às questões e exemplos apresentados no início deste capítulo. Será que a sua resposta, caro(a) pós-graduando(a), sofreu alguma mudança ou ampliação depois da apresentação feita neste capítulo? Qual o seu entendimento a respeito da relação entre sujeito e subjetividade? A resposta é complexa, e mais, o debate está em aberto. Contudo, é preciso ressaltar que na atualidade: [...] assim como subjetividade não é sinônimo de interioridade, também não designa necessariamente um conjunto de capacidades, qualidades, sensibilidades, atitudes, reações inerentes a um sujeito tomado como unidade autocentrada, autônoma e consciente. Traçando uma genealogia do sujeito paralelamente a esta arqueologia da subjetividade percebe- se que é apenas na passagem do século XVII ao XVIII que o sujeito se torna “indivíduo”, e é apenas no fi nal do XIX que este indivíduo ganha uma subjetividade. Não há, portanto, simetria entre sujeito e subjetividade, não existe naturalmente esta unidade e esta fi delidade a si mesmo – esta relação, esta colagem das características subjetivas em um sujeito, esta individualização da subjetividade, é resultado dos jogos de normalização e de marcação da identidade, característicos das sociedades Ocidentais modernas. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17). Portanto, agora vamos tratar da subjetividade como resultado e efeito das relações de saber e poder, o que nos aproximará ainda mais do Michel Foucault, pois isto vai remeter a “[...] sujeitos diversos que não o sujeito universal da razão, da cognição, ou da consciência, nem sujeito autônomo, livre, ator ou agente”. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17). Na arqueologia do saber refere-se à categoria fi losófi ca/ epistemológica do sujeito cognoscente e ainda ao sujeito do discurso e da linguagem; na genealogia do poder, remete à fi gura do “indivíduo”, sujeito separado, individualizado, marcado pelo poder, identifi cado e normalizado, sujeito do/ para o capital, sujeito da/para a ordem social burguesa; na genealogia da ética refere-se ao sujeito moral: colocado como objeto para si mesmo, objeto de práticas de si, de modos de subjetivação, de estetização. Não há, portanto, em Michel Foucault, um sujeito universal, transcendental e genérico – mas sempre sujeitos históricos e localizados. Se existe em Kant o sujeito universal do conhecimento, em Foucault existe 27 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 toda uma multiplicidade de sujeitos: de direito, das disciplinas, da norma, da moral, da sexualidade, sujeito produzido pelo conhecimento, porque sua problematização não aponta para uma categoria genérica, mas para sujeitos concretos, regionalizados e historicamente construídos. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17). A subjetividade se produz na relação das forças que atravessam o sujeito, no movimento, no ponto de encontro das práticas de objetivação pelo saber/poder com os modos de subjetivação: formas de reconhecimento de si mesmo como sujeito da norma, de um preceito, de uma estética de si. Equivale dizer que não é sufi ciente a objetivação pelo discurso psiquiátrico e pelo jogo da norma para produzir, por exemplo, um louco, mas é necessário, ainda, que esse vá ao encontro da marcação, que ele se reconheça no diagnóstico como sujeito da loucura e o reproduza em si mesmo, subjetivando-se como louco. A resistência aos modos de objetivação e de subjetivação acaba desempenhando importante papel nesses jogos de identifi cação e reconhecimento de si. Essa diversidade dos sujeitos implica uma multiplicidade de formas de existência, modos históricos de ser: formas de subjetividade; e para além dessas decorrências em termos de saber/poder deve-se lembrar que numa sociedade capitalista estéticas de subjetividade, fetichizadas, investidas de valor, transformam-se em mercadorias a serem consumidas pelos “indivíduos”. Isso reforça a questão das “etiquetas” a serem coladas – a bricolagem no sentido original, francês, de etiquetas a partir das quais construímos uma subjetividade- mosaico num arranjo desconexo. Elas ganham lógica no nosso corpo e, por vezes, de maneira bastante incoerente, resultando numa imprevisibilidade do sujeito. Esse é um dos principais problemas do controle social moderno: como lidar com pessoas que não são regulares e previsíveis, sem uma lógica a ser capturada pelo poder? O poder vive dessa falsa unidade que o jogo das identidades constrói, o que remete à moderna política das identidades que mantém os indivíduos presos ao poder. A questão política do Estado contemporâneo não é apenas manter a ordem social do todo, mas também governar cada um, visto que não há ordem social na sociedade como um todo se cada um dos indivíduos não se submeter ao poder. As técnicas macropolíticas do Estado são conhecidas: a lei, a moral e os grandes conjuntos reguladores. No entanto, quais são as estratégias políticas do Estado em relação aos indivíduos? Elas compõem a moderna política das identidades através da qual o Estado governa cada um de nós, que é debitária da matriz do poder pastoral, a partir do qual um pastor conduz cada ovelha do rebanho de forma individualizada. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 17-18). A subjetividade se produz na relação das forças que atravessam o sujeito. 28 Subjetividade, Cultura e Complexidade E agora, caro(a) pós-graduando(a), o que isso tudo signifi ca para nós? E mais, como podemos nos reconhecer nesse contexto, como sujeitos modernos contemporâneos? Filho e Martins (2007, p. 18) têm uma contribuição importante para nos oferecer: No que diz respeito a nós, sujeitos modernos contemporâneos (se é que ainda somos modernos), estamos submetidos a formas históricas de subjetividade: a individualidade, correlativa do discurso liberal, do estatuto do indivíduo e do próprio capitalismo; a identidade, socialmente marcada e normalizada, remetida à sexualidade; a cidadania, resultante da moderna democracia com sua carta de direitos. Nos reconhecemos como sujeitos da razão, conscientes, livres e autônomos (mesmo sabendo que não o somos) – sujeitos ético-morais – além de estarmos “intimamente” ligados a valores morais cristãos (porque estes nos constituem naquilo que nos é mais íntimo). Pensamos racionalmente, agimos capitalisticamente, e sentimos como cristãos, movidos por uma moral de compaixão – somos esta bricolagem: simultaneamente competitivos, egoístas, e condescendentes com aqueles que derrotamos no jogo da ambição capitalista – e o efeito de subjetividade que isto gera em nós é a sensação de desconforto e confl ito psicológico, que pode ser tomado na verdade como confl ito ético: exposição do sujeito a éticas contraditórias, ambíguas, gerando ambivalência. Isso é ser não genérica, mas, concretamente, sujeito ocidental, cristão e moderno – estar inscrito nessa tradição cultural e histórica. Estamos sujeitos a formas históricas de problematização que se apresentam como polaridades discursivas entre: material x espiritual (dilema cristão); corpo x mente (dilema cartesiano); exterioridade x interioridade (dilema cristão, mas também freudiano); objetividadex subjetividade (dilema epistemológico e também freudiano); animal x racional (dilema fi losófi co); biológico x cultural (dilema antropológico); individual x social, coletivo (dilema sociológico); eu x os outros (dilema ético- político). Perceba, caro(a) acadêmico(a), que a questão da subjetividade não é simples, pois não são apenas questões internas do sujeito, mas construções de uma sociedade que possui uma cultura e que foi construída em determinado momento histórico. Portanto, não há uma verdade sobre o que é a subjetividade. O que temos são perspectivas, problematizações, elementos que são fundamentais para construir um objeto de conhecimento, uma concepção de sujeito e uma crítica da subjetividade, portanto, “[...] duvidar dos enunciados que sustentam nossas regularidades subjetivas A questão da subjetividade não é simples, pois não são apenas questões internas do sujeito, mas construções de uma sociedade que possui uma cultura e que foi construída em determinado momento histórico. 29 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 e sociais, pensar diferente, é ação política: transgressão do discurso, resistência ao poder e prática concreta de liberdade – as três linhas de fuga de Michel Foucault”. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 18). Esta citação aponta para uma certa política contemporânea da subjetividade, ou, para a colocação das formas de subjetividade como objetos de luta: Talvez, o objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que poderíamos ser para nos livrarmos deste ‘duplo constrangimento’ político, que é a simultânea individualização e totalização própria às estruturas do poder moderno. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 18). E mais: A conclusão seria que o problema político, ético, social e fi losófi co de nossos dias não consiste em tentar liberar o indivíduo do Estado nem das instituições do Estado, porém nos liberarmos tanto do Estado quanto do tipo de individualização que a ele se liga. Temos que promover novas formas de subjetividade através da recusa deste tipo de individualidade que nos foi imposta há vários séculos. (DREYFUS; RABINOW, 1995, p. 239). Portanto, o que nos resta é a compreensão de que é preciso superar o discurso naturalizado, desconstruir o que se apresenta como verdade, não apenas na psicologia. É uma ação política, ou seja, o saber psicológico também é político. Então, o que não é novidade, há um posicionamento teórico no campo da Psicologia que implica posição política, as práticas psicológicas são imediatamente políticas, e é necessário caminhar no sentido de uma psicologia descentrada do sujeito e para além de uma problematização da subjetividade (pelo menos no sentido mais tradicional do termo), que busque dar conta da singularização, porque, se os modos de subjetivação a sujeitam, a singularização apresenta-se como estetização de si visando resistir a esta maquinaria moderna de produção da subjetividade e da identidade individuais, construindo novas formas de vida e de ser. Se ao longo do século XX as psicologias têm se caracterizado como “disciplinas científi cas de aplicação da norma”, é também necessário que elas superem estas práticas passando a se dedicar à promoção de novas estéticas da existência. (FILHO; MARTINS, 2007, p. 18). Para concluir, o termo “subjetividade” está sendo aqui empregado de forma genérica, sem conotação demarcada, portanto, não necessariamente ligado ao sentido a ele atribuído pelo discurso psicanalítico, não designando uma instância de interioridade e recusando todas as formas de substancialização, naturalização e universalização a ele associadas. 30 Subjetividade, Cultura e Complexidade Isso porque a intenção é apresentar o conceito e o seu surgimento no campo da fi losofi a do conhecimento, sua entrada no campo da psicologia, primeiramente pelas mãos da psicanálise freudiana, e sua passagem aos domínios da psicologia onde ganha difusão e multiplicidade de sentidos ao longo do século XX. A subjetividade é um fato social construído a partir de processos de subjetivação, o qual é engendrado por determinantes sociais – históricos, políticos, ideológicos de gênero, de religião, conscientes ou não. Dessa forma, em diferentes contextos culturais, diferentes subjetividades são produzidas. (DIMENSTEIN, 2000, p. 116-117). Para enriquecer seus estudos sobre o tema subjetividade, assista ao vídeo do fi lósofo Paulo Ghiraldelli no seguinte endereço eletrônico: <https://goo.gl/onIHSA>. Portanto, neste primeiro capítulo, nós conhecemos as revisões epistemológicas feitas no âmbito da fi losofi a e da psicologia, no que tange ao tema da subjetividade, e, assim, nós podemos concluir que ela não pode ser mais compreendida nos termos de uma experiência universalista, racional e estruturada do mundo privado, mas de uma forma particular de se colocar, de ver e estar no mundo, que não se reduz a uma dimensão individual, mas como uma produção social, que responde aos momentos históricos e fatores políticos, ideológicos, entre outros elementos pertencentes a diversas culturas. Atividade de Estudos: 1) A subjetividade nasce de processos de subjetivação com origem em fatores sociais, históricos, políticos, ideológicos e religiosos, que podem ser conscientes ou não. Nesse contexto, analise as sentenças que seguem: I – Na perspectiva contemporânea, mesmo que a subjetividade seja tratada como objeto construído pela experiência e pelo conhecimento, nós não podemos ligá-la diretamente a questões simplesmente internas. II – A subjetividade se produz apenas na relação das forças 31 TEORIAS PSICOLÓGICAS E A SUBJETIVIDADE Capítulo 1 que atravessam o sujeito, no movimento, no ponto de encontro das práticas de objetivação pelo saber/poder com os modos de subjetivação: formas de reconhecimento de si mesmo como sujeito da norma, de um preceito, de uma estética de si. Assinale a alternativa que apresenta a resposta correta: ( ) A – As duas sentenças estão incorretas. ( ) B – As duas sentenças estão corretas. ( ) C – A primeira sentença está correta e a segunda sentença está incorreta. ( ) D – A primeira sentença está incorreta e a segunda sentença está correta. Na sequência, vamos abordar a subjetividade no âmbito cultural, ou seja, tratando de aspectos da cultura e as relações com individualidade, personalidade e identidade. E, assim, a partir de uma perspectiva histórico-cultural, vamos refl etir sobre a complexidade dessa temática na relação com a psicologia, a sociedade e, posteriormente, com a educação. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Caro(a) pós-graduando(a), neste capítulo, tratamos do conceito de subjetividade, das correntes psicológicas, e, principalmente, do entendimento de que subjetividade é um conceito amplo e complexo, que aceita, inclusive, o plural “subjetividades”, mas que, no entanto, uma coisa é fato: trata-se de uma construção interna e externa na formação dos indivíduos. Somos seres humanos possuidores de subjetividade. Mas, e a objetividade? A objetividade também é considerada na constituição da subjetividade, pois o contexto histórico e cultural no qual o indivíduo está inserido é que vai constituí-lo como sujeito, assim sendo, há uma relação dialética entre objetividade e subjetividade. Portanto, verifi camos que a literatura sobre o tema abordado considera que acontecimentos sociais constituíram as condições históricas para o surgimento do sujeito psicológico, que é possuidor de subjetividade, que foi construída pela mediação da cultura desse sujeito. 32 Subjetividade, Cultura e Complexidade Agora, refl ita: como você, pós-graduando(a), se percebe? Quem é você? O que fez você ser o que é hoje? Quais fatores internos e externos agiram na constituição da sua subjetividade e na sua formação como indivíduo? Talvez não seja possível responder. Contudo, a refl exão éválida. REFERÊNCIAS BRANDÃO, H. H. N. Subjetividade, representação e sentido. In: BRANDÃO, H. H. N. Subjetividade, argumentação, polifonia: a propaganda da Petrobrás. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998. CASSINS, A. M. et al. Manual de psicologia escolar – educacional. Curitiba: Unifi cado, 2007. DICIO. Dicionário online de português. Signifi cado de subjetividade. Disponível em: <https://goo.gl/ljyEhi>. Acesso em: 29 jul. 2016. DIMENSTEIN, M. A cultura profi ssional do psicólogo e o ideário individualista: implicações para a prática no campo da assistência pública à saúde. Estudos de Psicologia, Rio Grande do Norte, v. 5, n. 1, 95-121, abr. 2000. DREYFUS, H.; RABINOW, P. Michel Foucault, uma trajetória fi losófi ca: para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. FIGUEIREDO, L. C. M. A invenção do psicológico: quatro séculos de subjetivação (1500-1900). 2. ed. São Paulo: Escuta, 1994. FIGUEIREDO, L.C.M; SANTI, P. L. R. de. Psicologia, uma (nova) introdução: uma visão histórica da psicologia como ciência. 2. ed. 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