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Felipe Lima Santos – MED 5º SEM DOR SP3 – NÃO ME TOQUE! Nessa situação problema, temos como objetivo os seguintes pontos: • Definir dor profunda; • Elucidar a fisiopatologia, quadro clínico, fatores agravantes e atenuantes e semiologia da fibromialgia; • Conhecer os possíveis diagnósticos diferenciais da fibromialgia; • Entender o mecanismo de ação dos seguintes fármacos: infiltração de anestésicos, antidepressivos tricíclicos e AINEs no contexto da fibromialgia, incluindo contraindicações e indicações gerais. DOR PROFUNDA Em relação aos tipos de dor, temos a classificação quanto a região da qual provêm, podendo ser somática ou visceral. As dores somáticas são causadas por lesão tecidual decorrente de cortes, traumatismos diversos ou isquemias, e seus estímulos desencadeantes provêm da periferia do corpo (pele, músculos, periósteo, articulações. É transmitida de acordo com a distribuição anatômica das vias nociceptivas e pode ser superficial e profunda de acordo com a estrutura envolvida na lesão. FIBROMIALGIA Fibromialgia é uma síndrome complexa, que incorpora uma larga escala de sintomas e alterações funcionais em vários sistemas, mas o envolvimento do sistema nervoso central é o elemento chave. Portanto, o maior desafio é classificar quais das várias alterações descritas são patogênicas e quais simplesmente representam epifenômeno (sintoma excepcional ou acidental que aparece no transcurso de uma doença ou de um surto). Essa missão é complicada posteriormente pelos vários fatores desencadeantes potenciais e comorbidades a fibromialgia, como estressores, infecções, depressão, ansiedade, trauma, sedentarismo e obesidade. Na literatura atual, centralização da dor representa a hipótese patofisiológica mais proeminente. FATORES GENÉTICOS Estudos atuais: reforçam a relação de fatores genéticos no desenvolvimento da fibromialgia (como na maioria das outras condições de dor crônica). Parentes de primeiro grau de pacientes com fibromialgia apresentam um risco oito vezes maior de desenvolver a síndrome; membros da família tem mais “tenders point” e possuem risco aumentado de ter outras desordens funcionais (desordens que afetam a função corporal, mas não a estrutura) incluindo síndrome do Felipe Lima Santos – MED 5º SEM intestino irritável, desordem temporomandibular, dor de cabeça e outras síndromes regionais de dor. Essa relação familiar é suspeito de representar uma sobreposição entre síndromes clínicas que são caracterizadas pela dor central e sinais compartilhados, como dor, fadiga, dificuldades cognitivas e sentimentos afetados. A base genética para essas desordens funcionas foram destrinchadas por dois estudos gêmeos, que demonstraram que diferentes síndromes somáticas funcionais se unem e fatores genéticos contribuem quase em 50% o risco de desenvolve-las. Vários polimorfismos foram identificados como marcadores específicos desse risco genético. Muitos desses marcadores específicos estão relacionados com o metabolismo e quebra de neurotransmissores que são envolvidos na modulação da dor: polimorfismos nos genes que codificam a catecolamina-o-metil-transferase, o receptor tipo 4 da dopamina, o receptor 2ª de serotonina 5 hidroxitriptamina e os carregadores de serotonina foram descobertos. Contudo, o risco atribuído a esses marcadores genéticos parece modesto. ESTRESSORES E FATORES AMBIENTAIS Várias infecções foram ligadas a fibromialgia. Infecções com o vírus Epstein-Barr ou parvovírus, brucelose e doença de Lyme são amplamente citadas, apesar de qualquer desordem febril, particularmente se acompanhada de repouso prolongado na cama pode agir como gatilho. Trauma físico, particularmente se afeta a coluna, também é um gatilho descrito frequentemente a fibromialgia. Contudo, em vários pacientes não foram identificados gatilhos e a importância de infecções particulares e traumas físicos na sua etiologia é contestada. Fibromialgia é muito mais comum em indivíduos que tem dor crônica que é ligada a geradores de dor periférica. Portanto, pacientes com inflamação nas articulações, como artrite reumatóide ou espondilite anquilosante ou duplo articulado comumente desenvolvem sintomas típicos de fibromialgia. Médicos que tratam desses pacientes devem diferenciar entre aspectos periféricos e centrais da dor, e trata-los propriamente. Fibromialgia também foi associado com uma variedade de estressores psicológicos, incluindo trauma na infância e abuso, aborrecimentos da vida diária, exposição a guerra, eventos catastróficos e perseguição. Essas ligações levam a pesquisas extensas na resposta humana ao stress, que revelaram alterações no eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal e no sistema nervoso simpático em pacientes com fibromialgia e essas condições relatadas. Uma revisão atual reportou a diminuição da variação da frequência cardíaca, hiperatividade simpática e uma resposta autonômica embotada ao stress em pacientes com fibromialgia. Felipe Lima Santos – MED 5º SEM CENTRALIZAÇÃO DA DOR A centralização da dor emergiu como uma hipótese proeminente para a patogenia da fibromialgia. Esse termo simplesmente significa que o sistema nervoso central ocupa o papel principal no aumento ou amplificação da dor, e no desenvolvimento de outros sintomas (sono perturbado, fadiga, memória e humor depressivo). Existem dois grupos amplos de indivíduos com dor centralizada. O primeiro (que antes era referido como fibromialgia primária) são indivíduos com nenhum estímulo nociceptivo identificável em progressão que pudesse transmitir dor, como dano ou inflamação. Esses indivíduos comumente desenvolvem condições com dores regionais (dor de cabeça, desordem temporomandibular, síndrome do intestino irritável, dismenorreia e síndrome da bexiga irritada) como também outros sinais somáticos e psicológicos (fadiga, ansiedade e depressão) muito cedo na vida. Com o tempo, essa dor se espalha e é reconhecida como fibromialgia. A segunda categoria de fibromialgia ocorre como uma comorbidade em indivíduos que possuem um estímulo nociceptivo em progresso identificável (osteoartrite, desordens autoimunes e anemia falciforme). Ainda não sabemos se são a mesma coisa ou condições diferentes (fibromialgia primária e secundária). É possível que a fibromialgia primária seja o processo descendente e a secundária o ascendente. A centralização da dor pode ser comandada por estímulos nociceptivos em processo, como evidenciado em cirurgias de substituição do joelho, na osteoartrite; de qualquer forma, essa evidencia parece ser menos confiável no quadro de osteoartrite com fibromialgia concomitante. Vários mecanismos foram descritos e incorporados no conceito de dor centralizada, incluindo mecanismos que agem no nível espinal e também as interações e conexões alteradas entre as áreas do cérebro relacionadas e não relacionadas com a dor. A nível espinhal, a centralização da dor engloba amplificação ativa do estímulo sensorial (hiperalgesia), o que invoca resposta ao estímulo nervoso, e recrutamento de estímulos sensoriais de baixo limiar, que podem então ativar o circuito da dor. Há nesse contexto também o windup. Pacientes com fibromialgia demonstram windup aumentado. Outro mecanismo intimamente ligado envolve a redução da capacidade do sistema nervoso central em modular “pra baixo” a dor. Esse efeito – modulação da dor - é atenuado em vários pacientes com fibromialgia. Interessantemente, expectativas positivas para alívio da dor podem ser alcançadas por analgesia efetiva, mesmo essas não alterando a hiperexcitabilidade espinhal nem inibindo a modulação da dor, o que implica dizer que as áreas corticais altas podem compensar o controle inibitório deficitário. Modulação da dor é mediada tanto por vias opióideas e serotoninergia- noradrenérgica descendente. Ainda que esses dois sistemas inibitórios poderiam teoricamente estar envolvidas na atenuação da modulação na fibromialgia, há a atividadediminuída de vias serotoninérgicas-noradernérgicas. Felipe Lima Santos – MED 5º SEM Estudos confirmam essa hipótese, revelando que no fluido cérebro- espinhal de pacientes com fibromialgia os níveis dos principais metabólitos de noradrenalina e os níveis séricos de serotonina são menores em pacientes com fibromialgia do que em pacientes fisiológicos. Inibidores dos recaptadores de serotonina-noradrenalina mostram alcançar uma diferença mínima clinicamente importante em testes para tratar pacientes com fibromialgia. Não é claro se esse feito é resultado direto da restauração da modulação da dor ao aumentar as concentrações desses neurotransmissores, mas os achados em pacientes com dor neuropática crônica e modulação diminuída respondem preferencialmente a duloxetina e a inibidores dos recaptadores de serotonina e noradrenalina se comparado a pacientes com um padrão de modulação eficiente. Na fibromialgia temos uma atividade endógena de opioides hiperativa. Esse achado pode ser relacionado com a chamada hiperalgesia induzida por opioides (diminui o limiar da dor), um fenômeno atribuído ao receptor toll-like induzido por opioides mediante ativação das células gliais. Isso explica porque o uso de opioides exógenos são geralmente ineficazes (ou em dosagens absurdas) para tratamento da dor crônica associada a fibromialgia, enquanto pequenas doses de naltrexona (um inibidor de opioides) mostra um modesto benefício. Os níveis de glutamato no fluido cérebro-espinhal estão aumentados na fibromialgia. E estudos sugerindo a eficácia da memantina (medicamento usado no Alzheimer) que age no sistema glutamatérgico como antagonista do receptor de NMDA indica que o glutamato pode ser um agente importante na centralização da dor observada da fibromialgia. Fator de crescimento nervoso e substancia P são neurotransmissores pró- nociceptivos adicionais que estão aumentados na fibromialgia. Os níveis do fator de crescimento nervoso particularmente aparecem aumentar na fibromialgia primária, mas não na secundária, o que suporta a distinção entre mecanismos ascendentes e descendentes. ANORMALIDADES PATOFISIOLÓGICAS EMERGENTES Mesmo que a fibromialgia tenha evoluído historicamente de ser considerada uma síndrome inflamatória para não-inflamatória, evidencias intrigantes apontam para a possibilidade que fatores imunológicos e inflamatórios tenham um papel sutil na doença. Células glias tem atribuídas a eles a manutenção da sensitização central e parecem participar na dor crônica, através da produção de vários quimiocinas e citocinas, que estão em leveis aumentados em pacientes com fibromialgia. Outra linha de estudo interessante recentemente fala de anormalidades nos nervos periféricos. Através de testes de dor evocada e biópsia de pele demonstram pequenos nervos com função prejudicada e pouca densidade da fibra em pacientes com fibromialgia. Portanto, fatores centrais e periféricos podem interagir juntos no desenvolvimento da dor crônica (o que sumariamente exclui a classificação de fibromialgia primária e secundária). Felipe Lima Santos – MED 5º SEM QUADRO CLÍNICO E CRITÉRIO DIAGNÓSTICO A enumeração abaixo segue ordem de incidência: • Dor generalizada, crônica e gradual, além de proporcional; • Fadiga; • Distúrbio do sono; • Alterações de humor. O diagnóstico segue um checkup com os seguintes critérios: • Dor em 4/5 regiões do corpo; • Sintomas há mais de 3 meses; • Outro sintoma associado (fadiga, sono não restaurador, cefaleia, depressão, sintomas cognitivos). Importante lembrar que o achado de tender points deixou de ser critério obrigatório, e a indicação de exames laboratoriais é utilizado com o objetivo de descartar possíveis diagnósticos diferenciais. CONDUTA TERAPÊUTICA • Atividade física; • Evitar fatores estressantes • Farmacoterapia com antidepressivos (ex.: amitriplina 10-50mg/dia), principalmente para melhorar a qualidade do sono. DIAGNÓSTICO DIFERENCIAIS DA FIBROMIALGIA: SD.MIOFASCIAL É, resumidamente, uma afecção dolorosa localizada que acomete fáscias e músculos, causada pela presença de pontos de gatilho entre o músculo e sua fáscia. A melhor forma de entender, é pelo ciclo abaixo descrito: Micro traumatismos geram ruptura do tecido sarcoplasmático >> acúmulo de cálcio no sarcoplasma >>> reação do cálcio com ATP >> encurtamento do sarcômero (espasmo). Atividade contrátil não controlada >> consumo energético maior >> microcirculação local colapsada (fica comprimida) >> +consumo energético sem chegar mais sangue: depleção de ATP >> falha na recaptação do cálcio >> gera o ciclo muscular-isquemia-contração >> deficiência metabólica tecidual >> o acumulo de substancias algiogênicas por causa do trauma, crise energética ou isquemia faz com que esses pontos fiquem hipersensíveis a palpação >>> essa dor gera espasmo muscular >> piora da condição. Ocorre aumento da excitabilidade dos neurônios na medula espinal, que passam a apresentar atividade espontânea, aumento da reação aos estímulos mecânicos, ampliação dos campos receptivos e reforço de sinapses inefetivas. A deformação plástica da membrana neuronal é a causa Felipe Lima Santos – MED 5º SEM da cronificação de dor e referida em outras estruturas profundas (músculos, tendões, articulações, ligamentos), enquanto a visceral causa referência cutânea. Ocorre, portanto, alteração na percepção e análise discriminativa das informações nas estruturas medulares e encefálicas em decorrência das particularidades funcionais das estruturas, que detectam e processam os sinais dos aferentes musculares. A aferência sensitiva inibe o sistema g do músculo lesado e compromete a atividade do fuso muscular. A ausência de controle de atividade do fuso muscular implica a necessidade de acionamento de mais fibras nervosas para ativar a motricidade com eficácia. Este mecanismo pode estar envolvido na sensação subjetiva de diminuição da força em casos de doenças musculares e de SDM. As miofibrilas intrafusais são ajustadas para padrões de atividade mais elevados, fenômeno que contribui para a sensação de tensão muscular e de aumento do reflexo de estiramento (resposta contrátil localizada), observada em casos de SDM. A ativação das fibras IV é responsável pela dor durante os movimentos, estiramento ou compressão muscular e a das fibras III, pelas parestesias e pela dor espontânea. MECANISMO DE AÇÃO DOS FÁRMACOS ANALGÉSICOS LOCAIS: Em termos simples, a anestesia local refere-se a perda de sensação em uma região limitada do corpo. E obtida pela interrupção do fluxo neural aferente por meio da inibição da geração ou propagação de impulsos. Esse bloqueio pode produzir outras alterações fisiológicas, como paralisia muscular e supressão dos reflexos somáticos ou viscerais, e esses efeitos podem ser desejáveis ou indesejáveis, dependendo das circunstancias especificas. Todavia, na maioria dos casos, o principal objetivo e a perda de sensação ou, pelo menos, a obtenção de analgesia localizada. ALTERAÇÃO DO POTENCIAL DE MEMBRANA O principal mecanismo de ação dos anestésicos locais consiste em bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem. Em situações normais, a membrana excitável dos axônios nervosos mantém um potencial transmembrana em repouso de -90 a -60 mV. Durante a excitação, ocorre abertura dos canais de sódio, e uma rápida corrente de sódio internamente dirigida despolariza com rapidez a membrana para o potencial de equilíbrio do sódio (+40 mV). Em consequência desse processo de despolarização, ocorre fechamento dos canais de sódio (inativação), enquanto os canais de potássio se abrem. O fluxo de potássio para fora repolariza a membrana para o potencial de equilíbrio do potássio (cerca de -95 mV); a repolarização faz os canais de sódio retornarem ao estado de repouso, com um tempo de recuperação característico que determina o período refratário. Essa despolarização leva diferentes sinais (nessecaso, o de dor), alterar o potencial de membrana acaba por impedir a despolarização do axônio e assim não gerar o sinal nociceptivo. Felipe Lima Santos – MED 5º SEM OUTRAS MUDANÇAS Quando são aplicadas concentrações progressivamente crescentes de determinado anestésico local a uma fibra nervosa, o limiar de excitação aumenta, a condução de impulsos torna-se mais lenta, a taxa de elevação do potencial de ação declina, a amplitude do potencial de ação diminui e, por fim, a capacidade de geração de um potencial de ação é totalmente abolida. ANTIDEPRESSIVOS TRICÍCLICOS Os ADTs assemelham-se aos IRSNs na sua função, e acredita-se que a sua atividade antidepressiva esteja relacionada principalmente com a inibição da receptação de 5-HT e norepinefrina. Dentro da classe dos ADTs, observa-se uma considerável variabilidade na afinidade com SERT versus NET. Por exemplo, a clomipramina apresenta uma afinidade relativamente muito pequena com NET, porem liga-se fortemente ao SERT. Essa seletividade quanto ao transportador de serotonina contribui para os benefícios conhecidos da clomipramina no tratamento do TOC. Por outro lado, os ADTs de aminas secundarias, a desipramina e a nortriptilina, são relativamente mais seletivos quanto ao NET. Embora a imipramina, um ADT de amina terciaria, exerça mais efeitos serotoninérgicos no início, o seu metabolito, a desipramina, equilibra esse efeito com maior inibição do NET. AINEs – ANTIINFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDAIS A atividade anti-inflamatória dos AINEs e mediada principalmente pela inibição da biossíntese de prostaglandinas. Vários AINEs apresentam possíveis mecanismos adicionais de ação, incluindo a inibição da quimiotaxia, a infrarregulacao da produção de interleucina-1 (IL-1), a produção diminuída de radicais livres e superóxido e a interferência nos eventos intracelulares mediados pelo cálcio. Felipe Lima Santos – MED 5º SEM REFERÊNCIAS OLIVEIRA, Cláudia Clarindo et al. A dor e o controle do sofrimento. Rev Psicofisiologia, v. 1, n. 1, p. 1-26, 1997. Häuser, W., Ablin, J., Fitzcharles, MA. et al. Fibromyalgia. Nat Rev Dis Primers 1, 15022 (2015). https://doi.org/10.1038/nrdp.2015.22 YENG, L.T.; KAZIYAMA, H.H.; TEIXEIRA, M.J. Síndrome dolorosa miofascial. JBA, Curitiba, v.3, n.9, p.27-43, jan./mar. 2003 KATZUNG, Bertram G.; TREVOR, Anthony J. (Orgs.). Farmacologia básica e clínica. https://doi.org/10.1038/nrdp.2015.22 https://www.passeidireto.com/lista/88661022 https://www.passeidireto.com/perfil/88660480/
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