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Sobre princípios e regras

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Sobre princípios e regras – Humberto Ávila
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos.13ª ed., revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 85)
A distinção entre princípios e regras com base no grau de generalidade e abstração (a “distinção fraca”) padece de inconsistências semântica e sintática. Inconsistência semântica está na impropriedade da definição de princípio com base no elevado grau de abstração e generalidade e no conteúdo valorativo (que leva ao apequenamento das regras e seus valores ínsitos – valor formal de segurança e valor substancial específico – e, em contrapartida, leva a uma supervalorização dos princípios). A inconsistência sintática diz respeito a uma aplicação do princípio tendo em vista um elevado grau de subjetividade. Já a distinção forte entre princípios e regras, feita por Alexy e Dworkin e baseada no modo final de aplicação e no modo de solução de antinomias, também é inconsistente. Em relação ao modo final de aplicação (se ponderação ou subsunção), a distinção forte é inconsistente porque toda norma jurídica é aplicada mediante um processo de ponderação. Até mesmo regra o são, sendo inadequado falar em aplicação de regras de modo automático e sem necessidade de ponderação das razões que as informam. Quanto ao modo de solução de antinomias, nem sempre conflitos entre regras geram a invalidação de uma delas. Diante disso, pode-se dizer que o descumprimento de regras, porque elas têm pretensão de decidibilidade e prescrevem comportamentos determinados, é mais grave que descumprimento de princípios.
Os princípios exigem algumas etapas analíticas para delimitação dos meios de comportamentos necessários à realização de um estado ideal de coisas finalisticamente almejado. Essas etapas são: (i) especificação do fim ao máximo (trocar o fim vago pelo fim específico) – progressiva delimitação do fim a partir da leitura do texto constitucional para que quanto mais específico for o fim, mais controlável seja sua realização; (ii) pesquisa de casos paradigmáticos cujos elementos constitutivos e conteúdo valorativo possam ser generalizados e sirvam de ponto de partida do processo de esclarecimento das condições que compõem o estado ideal de coisas finalisticamente almejado a ser buscado pelos comportamentos necessários à sua realização (substituir o fim vago por condutas necessárias à sua realização); (iii) investigar os problemas jurídicos e os valores envolvidos nos casos modelos em busca de similaridade capazes de possibilitar a constituição de grupos de casos que girem em torno da solução de um mesmo problema central; (iv) verificar a existência de critérios capazes de delimitar quais são os bens jurídicos que compõem o estado ideal de coisas e quais são os comportamentos considerados necessários à sua realização; (v) realizar um teste final de consistência e de crítica do estado de coisas e dos comportamentos necessárias à sua promoção que foram descobertos.
Os princípios têm eficácia interna (dentro do sistema normativo) e externa (sobre a compreensão de fatos e provas). A eficácia interna pode ser direta – em que o princípio atua sobre outras normas de modo direto, sem intermediação ou interposição de outros princípios ou regras, e com função integrativa (agregação de elementos não previstos em outras espécies normativas); ou indireta – em que o princípio atua sobre outras normas com intermediação ou interposição de outros princípios ou regras para cumprir ou (i) uma função definitória (delimitar e especificar o comando mais amplo de um sobreprincípio axiologicamente superior), ou (ii) uma função interpretativa (servem para delimitar ou direcionar o sentido de outras normas), ou (iii) uma função bloqueadora (porque afastam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido). Ávila destaca, ainda, os sobreprincípios (Estado de Direito, devido processo legal, segurança jurídica, dignidade humana) não exercem essas funções internas típicas dos princípios, mas, sim, uma função rearticuladora, “já que eles permitem a interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado” (p. 106). Quanto à eficácia externa, os princípios atuam sobre a compreensão de fatos e provas e fornecem parâmetros para os exames de pertinência e de valoração (adequação) deles. Em razão disso, o intérprete trabalha os princípios na seleção dos fatos (fatos não são dados brutos, mas construídos); daí os princípios terem função seletiva. Eles têm, ainda, eficácia argumentativa, quando da valoração dos fatos selecionados que sejam pertinentes. Eles têm, também, eficácia externa subjetiva quando proíbem intervenções estatais em direitos de liberdade (função de defesa ou de resistência) ou quando possibilitam medidas para proteção desses direitos (função protetora).
As regras têm, igualmente, eficácia interna e externa. Do ponto de vista interno, regras possuem eficácia preliminarmente decisiva, porque oferecem solução provisória para determinado conflito e preexcluem livre ponderação principiológica. Regras têm função definitória (de concretização) porque delimitam o comportamento que deverá ser adotado; em razão disso, regras só podem ser superadas por razões extraordinárias avaliadas com uso do postulado da razoabilidade (função também chamada de “trincheira das regras”). Regras, portanto, possuem caráter prima facie forte e superabilidade mais rígida (o que exige um ônus argumentativo maior para serem superadas), com o que a violação de uma regra é muito mais grave que a de um princípio. Já quanto à eficácia externa, regras possuem eficácia seletiva (prescrevem condutas ou estabelecem competências) e eficácia argumentativa. Quanto a essa eficácia, a pretensão de decidibilidade das regras, com o estabelecimento do que deve ser feito, afasta considerações morais (eficácia direta) e excluem razões que seriam consideradas caso não houvesse sido escolhida a técnica de normatização por meio da regra (eficácia indireta). Regras, porque são a própria razão de decidir, bloqueiam ou excluem a ação na ponderação de razões. A eficácia bloqueadora das regras elimina a interpretação baseada na ponderação livre e horizontal e impõe uma ponderação interna da própria hipótese da regra.
Regras devem ser obedecidas não porque são regras, mas porque há algumas razões positivas para obedecê-las.  Primeiro, regras afastam incertezas, controvérsias e custos morais, principalmente quando predefinem o meio de exercício do poder. Segundo, regras eliminam ou reduzem a arbitrariedade que pode potencialmente surgir no caso de aplicação direta de valores morais; elas têm uma qualidade resolutiva para restringir a discricionariedade. Tanto a possuem que, até como forma de prestigiar a segurança jurídica e reduzir a possibilidade de arbitrariedades, só existem tipo penais estruturados por meio de regra descritiva. Não existem tipos penais por violação a um princípio. Terceiro, regras evitam problemas de coordenação, deliberação e conhecimento porque cortam custos demasiados ao generalizar uma solução (em vez de construir inúmeras soluções individuais a cada caso que surgir) e garantir o valor igualdade. Elas, ainda: (a) eliminam conflitos para prevalência de ponto de vista pessoal ao estabelecer um critério para todos(valor paz) e; (b) desincentivam pessoas a agir em casos em que sua inabilidade técnica pode gerar externalidades negativas com riscos para outros e/ou ineficiência das decisões (valor segurança). Logo, a obediência às regras é devida não porque elas são regras, mas porque é moralmente bom obedecê-las. A obediência às regras é moralmente valoroso para a igualdade, paz e segurança: regras são soluções previsíveis, eficientes e geralmente equânimes de solução de conflitos sociais.
Mas em quais situações excepcionais as regras podem ser superadas? Quais as condições necessárias para superação do grau de resistência das regras? Primeiro, a superação da regra será tanto mais flexível quanto menos imprevisibilidade, ineficiência e desigualdade geral essa superação acarretar. Regras podem ser razoavelmente superadas quando a falta de adoção do comportamento nela previsto não comprometa a promoção do fim que a justificava. Quando a tentativa de fazer justiça para um caso mediante superação de uma regra não afetar a promoção da justiça para a maior parte dos casos (principalmente pela pouca probabilidade de reaparecimento frequente de situação similar, com o que o valor segurança jurídica estará preservado) e a não superação da regra provocar mais prejuízo valorativo que benefício, a regra deve ser superada. Assim, o grau de resistência de uma regra está vinculado tanto à promoção do valor subjacente à regra (valor substancial específico) quanto à realização do valor formal subjacente às regras (valor formal de segurança jurídica).  Quanto ao valor segurança jurídica, a resistência à superação será muito pequena naqueles casos em que o alargamento ou a restrição da hipótese da regra em razão da sua finalidade forem indiferentes a esse valor; e será tanto maior quanto mais a superação comprometer a realização dele. Além disso, do ponto de vista procedimental, a superação da regra deverá ter: (a) uma justificação condizente, em que se demonstrem tanto a incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente como a probabilidade de não ocorrer expressiva insegurança jurídica com o afastamento da regra; (b) uma fundamentação condizente, em que se exteriorizem, de modo racional e transparente, as razões que permitem a superação; e (c) uma comprovação condizente, não sendo necessárias, notórias nem presumidas, a ausência do aumento excessivo das controvérsias, da incerteza e da arbitrariedade e a inexistência de problemas de coordenação, altos custos de deliberação e graves problemas de conhecimento, que devem ser comprovadas por meios de prova adequados. Com esse modelo, Ávila não propugna uma obediência incondicional às regras; seu modelo não é formalista puro, tampouco um modelo particularista puro. É, isso sim, um modelo moderado e procedimentalizado.
Ávila disseca, ainda, a força normativa dos princípios: a ideia de que princípios são normas com força prima facie que irradiam uma força provisória eventualmente dissipável em razão de princípios contrários não é, na visão dele, um elemento constitutivo dos princípios. A eficácia prima facie dos princípios não é uma propriedade necessariamente presente em todos os tipos de princípios, nem é definitória deles. As teorias tradicionais (Alexy e Dworkin) sustentam que princípios são aplicados mediante ponderação, sendo esse modo de aplicação caracterizado num balanceamento entre princípios o critério que os distingue das regras (aplicadas por subsunção). Ávila entende que isso não é característica essencial dos princípios; a afastabilidade por razões contrárias é elemento apenas contingente deles. Primeiro porque, para ele, ponderação (no sentido de sopesamento de razões, que é o que ele adota) está presente na interpretação de qualquer tipo de norma. Além disso, a ponderação de princípios pressupõe concorrência horizontal entre eles e nem todos os princípios mantêm relações paralelas entre si. Aliás, nem todos os princípios exercem a mesma função (muitos princípios mantêm relação de complementariedade), se situam no mesmo nível (pode haver relação de subordinação entre princípios, com sobreprincípios e subprincípios) ou têm a mesma eficácia (princípios podem ter eficácia bloqueadora, integrativa, interpretativa ou rearticuladora). Tudo isso demonstra que o modo de aplicação dos princípios não é necessariamentea ponderação. Além disso, há princípios que são fundamentais ou estruturantes, que deverão ser sempre observados e não poderão ser afastados por razões contrárias. Princípios como o princípio federativo, o da separação de poderes, o do devido processo legal, o da igualdade, o da segurança jurídica não podem ter observância gradual; a incapacidade de afastamento deles se dá não em razão de uma “dimensão de peso”, mas por conta da própria natureza. São princípios melhor caracterizados como “condição estrutural” sem o qual não é possível afastá-los no caso concreto ou aplicá-los por um juízo de compatibilização gradual porque eles têm de necessariamente orientar a organização e a atuação estatal. Logo, a ponderabilidade, no sentido de capacidade de afastamento, não é elemento essencial, mas apenas contingente dos princípios; há princípios carecedores de ponderação, como há princípios fechados a ele.
Princípios são, então, normas com algo grau de indeterminação estrutural: são prescrições finalísticas com elevado grau de generalidade material sem consequências específicas previamente determinadas. Colocar a ponderação e a capacidade de afastamento como elementos essenciais dos princípios lhes retira a força vinculativa e os aproxima dos conselhos (algo que pode ou não ser levado em consideração) e dos valores (algo estabelecendo qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo segundo possibilidades contextuais de um sistema de valores). Entender os princípios, então, como normas carecedoras de ponderação nos conduz a um indesejado relativismo axiológico, em que todos os princípios podem ser afastados, inclusive os reputados fundamentais. Em razão disso, Ávila sustenta que o foco da distinção entre princípios e regras deve mudar: do conflito para a justificação e os elementos a serem considerados (natureza da descrição normativa, natureza da justificação e natureza da contribuição para a decisão).
Ávila critica intensamente a doutrina nacional que recebeu de modo acrítico as teorias de Alexy e Dworkin, além de ignorar a evolução dessas teorias pelos próprios autores. Dworkin teria deixado de focar na distinção entre princípios e regras para realçar a existência de diferentes critérios interpretativos no Direito. Alexy aperfeiçoou sua definição de princípios de mandamentos de otimização para mandamentos a serem otimizados e mudou a eficácia mesma dos princípios, para não dar-lhes mais eficácia estritamente prima face, mas, sim, para serem referidos como dever ser ideal. O texto em que Robert Alexy parece ter mudado seu conceito sobre princípios para algo como “mandamentos a serem otimizados” é denominado “Ideales Sollen” ou “dever ser ideal” em alemão (In Grundrecht, Prinzipien und Argumentation. Laura Clérico & Jean-Reinard Sieckmann (Orgs.). Baden-Baden: Nomos, 2009, p. 21 e ss.; há tradução espanhola: Derechos fundamentales, principios y argumentación: estudios sobre la teoría jurídica de Robert Alexy. Granada: Comares, 2011).
Sobre princípios e regras – Humberto Ávila
“As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessáriaà sua promoção.” (ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos.13ª ed., revista e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 85)
A distinção entre princípios e regras com base no grau de generalidade e abstração (a “distinção fraca”) padece de inconsistências semântica e sintática. Inconsistência semântica está na impropriedade da definição de princípio com base no elevado grau de abstração e generalidade e no conteúdo valorativo (que leva ao apequenamento das regras e seus valores ínsitos – valor formal de segurança e valor substancial específico – e, em contrapartida, leva a uma supervalorização dos princípios). A inconsistência sintática diz respeito a uma aplicação do princípio tendo em vista um elevado grau de subjetividade. Já a distinção forte entre princípios e regras, feita por Alexy e Dworkin e baseada no modo final de aplicação e no modo de solução de antinomias, também é inconsistente. Em relação ao modo final de aplicação (se ponderação ou subsunção), a distinção forte é inconsistente porque toda norma jurídica é aplicada mediante um processo de ponderação. Até mesmo regra o são, sendo inadequado falar em aplicação de regras de modo automático e sem necessidade de ponderação das razões que as informam. Quanto ao modo de solução de antinomias, nem sempre conflitos entre regras geram a invalidação de uma delas. Diante disso, pode-se dizer que o descumprimento de regras, porque elas têm pretensão de decidibilidade e prescrevem comportamentos determinados, é mais grave que descumprimento de princípios.
Os princípios exigem algumas etapas analíticas para delimitação dos meios de comportamentos necessários à realização de um estado ideal de coisas finalisticamente almejado. Essas etapas são: (i) especificação do fim ao máximo (trocar o fim vago pelo fim específico) – progressiva delimitação do fim a partir da leitura do texto constitucional para que quanto mais específico for o fim, mais controlável seja sua realização; (ii) pesquisa de casos paradigmáticos cujos elementos constitutivos e conteúdo valorativo possam ser generalizados e sirvam de ponto de partida do processo de esclarecimento das condições que compõem o estado ideal de coisas finalisticamente almejado a ser buscado pelos comportamentos necessários à sua realização (substituir o fim vago por condutas necessárias à sua realização); (iii) investigar os problemas jurídicos e os valores envolvidos nos casos modelos em busca de similaridade capazes de possibilitar a constituição de grupos de casos que girem em torno da solução de um mesmo problema central; (iv) verificar a existência de critérios capazes de delimitar quais são os bens jurídicos que compõem o estado ideal de coisas e quais são os comportamentos considerados necessários à sua realização; (v) realizar um teste final de consistência e de crítica do estado de coisas e dos comportamentos necessárias à sua promoção que foram descobertos.
Os princípios têm eficácia interna (dentro do sistema normativo) e externa (sobre a compreensão de fatos e provas). A eficácia interna pode ser direta – em que o princípio atua sobre outras normas de modo direto, sem intermediação ou interposição de outros princípios ou regras, e com função integrativa (agregação de elementos não previstos em outras espécies normativas); ou indireta – em que o princípio atua sobre outras normas com intermediação ou interposição de outros princípios ou regras para cumprir ou (i) uma função definitória (delimitar e especificar o comando mais amplo de um sobreprincípio axiologicamente superior), ou (ii) uma função interpretativa (servem para delimitar ou direcionar o sentido de outras normas), ou (iii) uma função bloqueadora (porque afastam elementos expressamente previstos que sejam incompatíveis com o estado ideal de coisas a ser promovido). Ávila destaca, ainda, os sobreprincípios (Estado de Direito, devido processo legal, segurança jurídica, dignidade humana) não exercem essas funções internas típicas dos princípios, mas, sim, uma função rearticuladora, “já que eles permitem a interação entre os vários elementos que compõem o estado ideal de coisas a ser buscado” (p. 106). Quanto à eficácia externa, os princípios atuam sobre a compreensão de fatos e provas e fornecem parâmetros para os exames de pertinência e de valoração (adequação) deles. Em razão disso, o intérprete trabalha os princípios na seleção dos fatos (fatos não são dados brutos, mas construídos); daí os princípios terem função seletiva. Eles têm, ainda, eficácia argumentativa, quando da valoração dos fatos selecionados que sejam pertinentes. Eles têm, também, eficácia externa subjetiva quando proíbem intervenções estatais em direitos de liberdade (função de defesa ou de resistência) ou quando possibilitam medidas para proteção desses direitos (função protetora).
As regras têm, igualmente, eficácia interna e externa. Do ponto de vista interno, regras possuem eficácia preliminarmente decisiva, porque oferecem solução provisória para determinado conflito e preexcluem livre ponderação principiológica. Regras têm função definitória (de concretização) porque delimitam o comportamento que deverá ser adotado; em razão disso, regras só podem ser superadas por razões extraordinárias avaliadas com uso do postulado da razoabilidade (função também chamada de “trincheira das regras”). Regras, portanto, possuem caráter prima facie forte e superabilidade mais rígida (o que exige um ônus argumentativo maior para serem superadas), com o que a violação de uma regra é muito mais grave que a de um princípio. Já quanto à eficácia externa, regras possuem eficácia seletiva (prescrevem condutas ou estabelecem competências) e eficácia argumentativa. Quanto a essa eficácia, a pretensão de decidibilidade das regras, com o estabelecimento do que deve ser feito, afasta considerações morais (eficácia direta) e excluem razões que seriam consideradas caso não houvesse sido escolhida a técnica de normatização por meio da regra (eficácia indireta). Regras, porque são a própria razão de decidir, bloqueiam ou excluem a ação na ponderação de razões. A eficácia bloqueadora das regras elimina a interpretação baseada na ponderação livre e horizontal e impõe uma ponderação interna da própria hipótese da regra.
Regras devem ser obedecidas não porque são regras, mas porque há algumas razões positivas para obedecê-las.  Primeiro, regras afastam incertezas, controvérsias e custos morais, principalmente quando predefinem o meio de exercício do poder. Segundo, regras eliminam ou reduzem a arbitrariedade que pode potencialmente surgir no caso de aplicação direta de valores morais; elas têm uma qualidade resolutiva para restringir a discricionariedade. Tanto a possuem que, até como forma de prestigiar a segurança jurídica e reduzir a possibilidade de arbitrariedades, só existem tipo penais estruturados por meio de regra descritiva. Não existem tipos penais por violação a um princípio. Terceiro, regras evitam problemas de coordenação, deliberação e conhecimento porque cortam custos demasiados ao generalizar uma solução (em vez de construir inúmeras soluções individuais a cada caso que surgir) e garantir o valor igualdade. Elas, ainda: (a) eliminam conflitos para prevalência de ponto de vista pessoal ao estabelecer um critério para todos (valor paz) e; (b) desincentivam pessoas a agir em casos em que sua inabilidade técnica pode gerar externalidades negativas com riscos para outros e/ou ineficiência das decisões (valor segurança). Logo, a obediência às regras é devida não porque elas são regras, mas porque é moralmente bom obedecê-las. A obediência às regras é moralmente valoroso para a igualdade, paz e segurança: regras são soluções previsíveis, eficientes e geralmente equânimes de solução de conflitos sociais.
Mas em quais situações excepcionais as regras podem ser superadas? Quais as condições necessárias para superação do grau de resistência das regras? Primeiro, a superação da regra será tanto mais flexível quanto menos imprevisibilidade, ineficiênciae desigualdade geral essa superação acarretar. Regras podem ser razoavelmente superadas quando a falta de adoção do comportamento nela previsto não comprometa a promoção do fim que a justificava. Quando a tentativa de fazer justiça para um caso mediante superação de uma regra não afetar a promoção da justiça para a maior parte dos casos (principalmente pela pouca probabilidade de reaparecimento frequente de situação similar, com o que o valor segurança jurídica estará preservado) e a não superação da regra provocar mais prejuízo valorativo que benefício, a regra deve ser superada. Assim, o grau de resistência de uma regra está vinculado tanto à promoção do valor subjacente à regra (valor substancial específico) quanto à realização do valor formal subjacente às regras (valor formal de segurança jurídica).  Quanto ao valor segurança jurídica, a resistência à superação será muito pequena naqueles casos em que o alargamento ou a restrição da hipótese da regra em razão da sua finalidade forem indiferentes a esse valor; e será tanto maior quanto mais a superação comprometer a realização dele. Além disso, do ponto de vista procedimental, a superação da regra deverá ter: (a) uma justificação condizente, em que se demonstrem tanto a incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente como a probabilidade de não ocorrer expressiva insegurança jurídica com o afastamento da regra; (b) uma fundamentação condizente, em que se exteriorizem, de modo racional e transparente, as razões que permitem a superação; e (c) uma comprovação condizente, não sendo necessárias, notórias nem presumidas, a ausência do aumento excessivo das controvérsias, da incerteza e da arbitrariedade e a inexistência de problemas de coordenação, altos custos de deliberação e graves problemas de conhecimento, que devem ser comprovadas por meios de prova adequados. Com esse modelo, Ávila não propugna uma obediência incondicional às regras; seu modelo não é formalista puro, tampouco um modelo particularista puro. É, isso sim, um modelo moderado e procedimentalizado.
Ávila disseca, ainda, a força normativa dos princípios: a ideia de que princípios são normas com força prima facie que irradiam uma força provisória eventualmente dissipável em razão de princípios contrários não é, na visão dele, um elemento constitutivo dos princípios. A eficácia prima facie dos princípios não é uma propriedade necessariamente presente em todos os tipos de princípios, nem é definitória deles. As teorias tradicionais (Alexy e Dworkin) sustentam que princípios são aplicados mediante ponderação, sendo esse modo de aplicação caracterizado num balanceamento entre princípios o critério que os distingue das regras (aplicadas por subsunção). Ávila entende que isso não é característica essencial dos princípios; a afastabilidade por razões contrárias é elemento apenas contingente deles. Primeiro porque, para ele, ponderação (no sentido de sopesamento de razões, que é o que ele adota) está presente na interpretação de qualquer tipo de norma. Além disso, a ponderação de princípios pressupõe concorrência horizontal entre eles e nem todos os princípios mantêm relações paralelas entre si. Aliás, nem todos os princípios exercem a mesma função (muitos princípios mantêm relação de complementariedade), se situam no mesmo nível (pode haver relação de subordinação entre princípios, com sobreprincípios e subprincípios) ou têm a mesma eficácia (princípios podem ter eficácia bloqueadora, integrativa, interpretativa ou rearticuladora). Tudo isso demonstra que o modo de aplicação dos princípios não é necessariamentea ponderação. Além disso, há princípios que são fundamentais ou estruturantes, que deverão ser sempre observados e não poderão ser afastados por razões contrárias. Princípios como o princípio federativo, o da separação de poderes, o do devido processo legal, o da igualdade, o da segurança jurídica não podem ter observância gradual; a incapacidade de afastamento deles se dá não em razão de uma “dimensão de peso”, mas por conta da própria natureza. São princípios melhor caracterizados como “condição estrutural” sem o qual não é possível afastá-los no caso concreto ou aplicá-los por um juízo de compatibilização gradual porque eles têm de necessariamente orientar a organização e a atuação estatal. Logo, a ponderabilidade, no sentido de capacidade de afastamento, não é elemento essencial, mas apenas contingente dos princípios; há princípios carecedores de ponderação, como há princípios fechados a ele.
Princípios são, então, normas com algo grau de indeterminação estrutural: são prescrições finalísticas com elevado grau de generalidade material sem consequências específicas previamente determinadas. Colocar a ponderação e a capacidade de afastamento como elementos essenciais dos princípios lhes retira a força vinculativa e os aproxima dos conselhos (algo que pode ou não ser levado em consideração) e dos valores (algo estabelecendo qual comportamento é mais aconselhável ou mais atrativo segundo possibilidades contextuais de um sistema de valores). Entender os princípios, então, como normas carecedoras de ponderação nos conduz a um indesejado relativismo axiológico, em que todos os princípios podem ser afastados, inclusive os reputados fundamentais. Em razão disso, Ávila sustenta que o foco da distinção entre princípios e regras deve mudar: do conflito para a justificação e os elementos a serem considerados (natureza da descrição normativa, natureza da justificação e natureza da contribuição para a decisão).
Ávila critica intensamente a doutrina nacional que recebeu de modo acrítico as teorias de Alexy e Dworkin, além de ignorar a evolução dessas teorias pelos próprios autores. Dworkin teria deixado de focar na distinção entre princípios e regras para realçar a existência de diferentes critérios interpretativos no Direito. Alexy aperfeiçoou sua definição de princípios de mandamentos de otimização para mandamentos a serem otimizados e mudou a eficácia mesma dos princípios, para não dar-lhes mais eficácia estritamente prima face, mas, sim, para serem referidos como dever ser ideal. O texto em que Robert Alexy parece ter mudado seu conceito sobre princípios para algo como “mandamentos a serem otimizados” é denominado “Ideales Sollen” ou “dever ser ideal” em alemão (In Grundrecht, Prinzipien und Argumentation. Laura Clérico & Jean-Reinard Sieckmann (Orgs.). Baden-Baden: Nomos, 2009, p. 21 e ss.; há tradução espanhola: Derechos fundamentales, principios y argumentación: estudios sobre la teoría jurídica de Robert Alexy. Granada: Comares, 2011).

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