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PORTO- Anamnese exame fisico

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5
Fundamentos do Método Clínico
Fábia Maria Oliveira Pinho, Rita Francis Gonzalez Y Rodrigues Branco e Celmo Celeno Porto
EXAME CLÍNICO
Na segunda metade do  século XX, houve quem dissesse que o método clínico acabava de  ser  superado pelos  recursos  tecnológicos. Para  simbolizar  esta  afirmativa, um  radiologista
colocara sobre sua mesa, dentro de uma redoma, um estetoscópio e uma antiga “valva” (nome arcaico do espéculo vaginal), dizendo que aqueles instrumentos não passavam de curiosas
antiguidades.
A evolução da medicina mostrou que aquele colega cometera um grosseiro erro de previsão ao superestimar o potencial diagnóstico da radiografia e dos aparelhos de modo geral.
O símbolo da tecnologia moderna é o computador, e, quando se vê seu aproveitamento para a feitura da anamnese, conclui­se que o método clínico, em vez de se
tornar obsoleto, está cada vez mais vivo. De fato, alguns procedimentos e certas maneiras para sua aplicação foram modificados ou desapareceram, mas o essencial vai permanecer,
pois o exame clínico constitui o arcabouço básico da profissão médica.
Tripé da medicina moderna
O exame clínico, sem dúvida, continua sendo a parte fundamental do tripé no qual se apoia a medicina moderna, pois constitui o núcleo luminoso do ato médico
perfeito.
Os exames laboratoriais e os equipamentos mecânicos ou eletrônicos – os outros dois componentes – dependem dos dados clínicos para se transformarem em
informações aplicáveis no tratamento do paciente, por mais exatos que sejam seus resultados ou por mais ilustrativos que sejam seus traçados e imagens.
O método clínico, pela sua própria natureza, é o único que permite uma visão humana dos problemas do paciente. Suas principais características – flexibilidade e grande abrangência
–, justamente aquilo que costuma limitar o valor dos outros métodos, são o que lhe confere posição inigualável na prática médica, pois, por meio delas, é possível atribuir importância a
fatores imponderáveis ou não mensuráveis, sempre presentes nas decisões diagnósticas e terapêuticas.
Anamnese
O exame clínico tem um papel especial em três pontos cruciais da prática médica: formular hipóteses diagnósticas, estabelecer uma boa relação médico­
paciente e tomar decisões.
O médico que levanta hipóteses diagnósticas consistentes é o que escolhe e interpreta com mais acerto os exames complementares, parte integrante da medicina moderna. Ciente do
que é mais útil para cada caso, ele otimiza a relação custo/benefício, além de interpretar de maneira mais adequada os valores laboratoriais, as imagens e os gráficos construídos pelos
aparelhos.
O médico que sabe usar o método clínico aguça cada vez mais seu espírito crítico e não se esquece de que os laudos de exames complementares são apenas resultados de exames e
nunca representam uma avaliação global do paciente.
Olho clínico
Correlacionar com precisão os dados clínicos aos exames complementares pode ser considerado a versão moderna de “olho clínico”, segredo do sucesso dos
bons médicos, antigos ou modernos, cuja essência é a capacidade de valorizar detalhes sem perder a visão de conjunto.
Essa  capacidade  garante  um  lugar  de  destaque  para  o  exame  clínico  na  medicina  moderna  ou  de  qualquer  tempo.  Atualmente  é  preciso  que  os  profissionais  se  empenhem  na
revalorização da relação médico­paciente, pois ao menosprezar seu lado humano, a medicina perde o que tem de melhor; e, nesse ponto, o exame clínico é insuperável.
A relação médico­paciente nasce e se desenvolve durante o exame clínico, e sua qualidade depende do tempo e da atenção que são dedicados à anamnese, tarefa que nenhum aparelho
consegue realizar com a mesma eficiência da entrevista com o paciente. Sem dúvida, a qualidade do trabalho do clínico depende de muitos fatores, mas a relação médico­
paciente continua sendo um ponto fundamental.
A decisão diagnóstica não é resultado de um ou vários exames complementares, por mais sofisticados que sejam, tampouco o simples somatório de gráficos, imagens ou valores de
substâncias existentes no organismo. É um processo muito mais complexo porque utiliza  todos estes elementos, sem se resumir a eles. Em uma decisão diagnóstica, assim como no
planejamento  terapêutico,  é  preciso  levar  em  consideração  outros  fatores,  nem  sempre  aparentes  ou  quantificáveis,  relacionados  com  o  paciente  como  um  todo,  principalmente  se  o
médico  souber  colocar  acima  de  tudo  sua  condição  humana. Aí,  também,  o método  clínico  continua  insuperável.  Somente  ele  apresenta  flexibilidade  e  abrangência  suficientes  para
encontrar as chaves que individualizam – personalizam, seria melhor dizer – cada diagnóstico realizado. Isso ocorre porque as doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes
nunca são exatamente iguais. Sempre existem particularidades advindas das características antropológicas, étnicas, psicológicas, culturais, socioeconômicas e até ambientais.
Estas  considerações  tornam possível  afirmar que o grande desafio da medicina moderna  é  conciliar  o método  clínico  com os  avanços  tecnológicos. Aquele que  compreender  este
desafio terá revelado o significado da expressão que vem atravessando os séculos sem perder sua força e atualidade: a medicina é uma profissão em que ciência e arte são indissociáveis.
Aparentemente o exame clínico é simples e fácil. No entanto, é muito mais fácil aprender a fazer ultrassonografias, endoscopias,  ressonâncias magnéticas, cateterismos e qualquer
outro procedimento do que efetuar a anamnese, auscultar o coração ou palpar o abdome, pois o domínio do método clínico exige aptidão e longo treinamento.
Componentes do exame clínico
O exame clínico engloba a anamnese e o exame físico, os quais compreendem partes que se completam reciprocamente.
A anamnese inclui os seguintes elementos:
■ Identificação
■ Queixa principal
■ História da doença atual
■ Interrogatório sintomatológico
■ Antecedentes pessoais e familiares
■ Hábitos de vida
■ Condições socioeconômicas e culturais.
O exame físico, por sua vez, pode ser subdividido em:
■ Exame físico geral
■ Exame dos órgãos ou sistemas.
Porém, antes de iniciar o estudo de cada um dos itens que o constituem, é necessário atentar para três aspectos preliminares:
■ Posicionamento do examinador e do paciente para a realização do exame clínico
■ Conhecimento das regiões em que se divide a superfície corporal, de modo que o médico possa localizar e anotar corretamente os sintomas e os dados do exame físico
■ Etapas da anamnese. Enquanto estudante, o examinador deverá seguir as etapas que constituem a anamnese. Depois de ter perfeito domínio da técnica, o médico, em seu consultório,
pode ter a liberdade de alterar os elementos da anamnese. Assim sendo, todos os itens serão pesquisados, porém anotados com mais liberdade, sem tanta rigidez no aprendizado.
Posições do examinador e do paciente para o exame clínico
Para a anamnese, o mais adequado é que o paciente sente­se em uma cadeira defronte à escrivaninha do médico. Atualmente têm sido apregoadas as vantagens de o médico e o paciente
se sentarem lado a lado sem o distanciamento provocado pela escrivaninha, mas esta prática ainda não se generalizou.
No caso de pacientes acamados, cabe ao examinador sentar­se ao lado do leito, procurando deixá­los na posição que lhes seja mais confortável.
Para executar o exame físico, costumam­se adotar fundamentalmente as seguintes posições (Figuras 5.1 a 5.6):
■ Decúbito dorsal
■ Decúbito lateral (direito e esquerdo)
■ Decúbito ventral
■ Posição sentada (no leito ou em uma banqueta ou cadeira)
■ Posição de pé ou ortostática.
Na realização de exames especiais – exames ginecológico e proctológico, por exemplo –, adotam­se posições próprias que serão estudadas no momento oportuno.
O  examinador  colocar­se­á  de modos  diferentes,  ora  de  um  lado,  ora  de  outro,  ficando  de  pé  ou  sentado,  procurando  sempre  uma  posição  confortável  que  lhe  permita máxima
eficiência  em  seu  trabalho  emínimo  incômodo para  o  paciente. É  oportuno  lembrar  que  se  torna mais  confortável  ao  paciente  que  as mudanças  de  decúbito  não  sejam  constantes  e
repetidas. Assim sendo, o médico deverá examinar o paciente nos decúbitos já mencionados, depois em posição sentada e a seguir de pé. É clássica a recomendação para o examinador
se colocar à direita do paciente. Contudo, isso não quer dizer que deva permanecer fixo nesta posição. O examinador deve deslocar­se livremente como lhe convier.
Divisão da superfície corporal
Para  a  localização  dos  achados  semióticos  na  superfície  corporal,  é  de  toda  conveniência  empregar  uma  nomenclatura  padronizada.  Para  isso  adotamos  a  divisão  proposta  pela
Terminologia Anatômica Internacional.
Figura 5.1  Paciente em decúbito dorsal. Os braços repousam sobre a mesa de exame em mínima abdução.
Figura 5.2  Paciente em decúbito lateral direito com um dos braços repousando sobre seu corpo e outro em abdução. As pernas são levemente fletidas para maior comodidade do paciente.
Figura 5.3  Paciente em decúbito lateral esquerdo com os braços em abdução para possibilitar a visualização da face lateral do tórax.
Figura 5.4  Paciente em decúbito ventral. Os braços estão sobre o travesseiro e o paciente repousa sobre um dos lados do rosto.
Figura 5.5  Paciente na posição sentada. As mãos repousam sobre as coxas. Nesse caso, o paciente está sentado na beirada da mesa de exame.
Figura 5.6  Paciente em posição ortostática. Os pés encontram­se moderadamente afastados um do outro e os membros superiores caem naturalmente junto ao corpo.
Figura 5.7  Divisão da superfície corporal em regiões: cabeça e face (vista anterior). (Adaptada de Wolf­Heidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.)
Figura 5.8  Divisão da superfície corporal em regiões: cabeça e pescoço (vista posterior). (Adaptada de Wolf­Heidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.)
Figura 5.9  Divisão da superfície corporal em regiões: pescoço, tórax, abdome, membros superiores e inferiores (vista anterior). (Adaptada de Wolf­Heidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.)
Conforme mostram as Figuras 5.7 a 5.11, a superfície do corpo humano pode ser dividida da seguinte maneira:
■ Regiões da cabeça: 1, frontal; 2, parietal; 3, occipital; 4, temporal; 5, infratemporal
■ Regiões da face: 6, nasal; 7, bucal; 8, mentual; 9, orbital; 10, infraorbital; 11, da bochecha; 12, zigomática; 13, parotideomassetérica
■ Regiões cervicais: 14, cervical anterior; 15, esternocleidomastóidea; 16, cervical lateral; 17, cervical posterior
■ Regiões torácicas: 18, infraclavicular; 19, mamária; 20, axilar; 21, esternal
■ Regiões do abdome: 22, hipocôndrio; 23, epigástrio; 24, lateral (flanco); 25, umbilical; 26, inguinal (fossa ilíaca); 27, púbica ou hipogástrico
■ Regiões dorsais: 28, vertebral; 29, sacral; 30, escapular; 31, infraescapular; 32, lombar; 33, supraescapular; 34, interescapulovertebral
■ Região perineal: 35, anal; 36, urogenital
■  Regiões do membro superior: 37, deltóidea; 38, braquial anterior;  39,  braquial  posterior;  40,  cubital  anterior;  41,  cubital  posterior;  42,  antebraquial  anterior;  43,  antebraquial
posterior; 44, dorso da mão; 45, palma da mão
■   Regiões  do  membro  inferior:  46,  glútea;  47,  femoral  anterior;  48,  femoral  posterior;  49,  genicular  anterior;  50,  genicular  posterior;  51,  crural  anterior;  52,  crural
posterior; 53, calcânea; 54, dorso do pé; 55, planta do pé.
ENTREVISTA
A entrevista é uma técnica de trabalho comum às atividades profissionais que exigem o relacionamento direto do profissional com sua clientela, como é o caso do repórter, do assistente
social, do psicólogo e de outros profissionais.
A entrevista, em sentido lato, pode ser definida como um processo social de interação entre duas ou mais pessoas que se desenvolve frente a uma situação que exige necessariamente
um  ambiente  onde  as  pessoas  interajam. A  situação  apresenta  elementos  de  orientação  para  a  ação  das  pessoas  envolvidas  na  entrevista,  quais  sejam  os  objetos  físicos  (o  local  de
trabalho, os instrumentos), os objetos culturais (os conhecimentos prévios, os valores, as crenças) e os objetos sociais (as pessoas envolvidas na entrevista).
A entrevista no exercício da profissão médica é um processo social de interação entre o médico, o paciente e/ou seu acompanhante, quase sempre um familiar, frente a uma situação
que envolve um problema de saúde.
Figura 5.10  Divisão da superfície corporal em regiões: tórax, abdome, dorso, membros superiores e inferiores (vista lateral). (Adaptada de Wolf­Heidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.)
Figura 5.11  Divisão da superfície corporal em regiões: tórax, dorso, membros superiores e inferiores (vista posterior). (Adaptada de Wolf­Heidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.)
A iniciativa da interação, regra geral, cabe ao paciente, que, ao sentir­se convicto de que alguma coisa não está bem consigo, decide procurar o médico para confirmar ou não a sua
situação como doente. Porém, se a iniciativa cabe ao paciente, sua plena execução cabe ao médico.
O médico,  ao  conhecer os  fatores  capazes de  interferir  na  entrevista,  poderá  criar  condições que  favoreçam uma  integração maior  entre  ele  e  seu paciente,  tornando possível uma
interação “ótima”. Isto será alcançado se o médico conseguir do paciente uma predisposição positiva para fornecer informações durante toda a entrevista.
O ambiente (consultório, ambulatório, enfermaria, quarto de hospital ou a própria residência do paciente) e o instrumental utilizado pelo médico são os objetos físicos que interferem
na entrevista. Desse modo, um ambiente adequado (silencioso, agradável,  limpo) e um instrumental apropriado (móveis adequados e equipamentos que funcionam bem, por exemplo)
são condições indispensáveis para uma boa entrevista.
O uso de gravadores pelo médico não é conveniente na entrevista clínica, pois atua como forte  inibidor do paciente. As anotações do próprio punho do médico continuam sendo a
melhor maneira de registrar as informações prestadas pelo doente. O registro via digital (prontuário eletrônico do paciente [PEP]) está sendo utilizado atualmente como uma alternativa
para anotar os dados da entrevista médica. Nesse caso, o médico ou o estudante deve estar atento para não dar mais importância à máquina do que ao paciente. O aluno iniciante costuma
se valer de um roteiro impresso para conduzir a entrevista. A condição de iniciante justifica tal procedimento.
A melhor exemplificação da necessidade de ambiente adequado é bem conhecida dos médicos: são as chamadas “consultas de corredor” e as “consultas de festinhas de aniversário”,
quando os “clientes” abordam o médico ao passar por ele pelos corredores dos hospitais ou o assediam durante as festas a que o médico comparece. Tais consultas são inevitavelmente
incompletas  e  tirar  conclusões diagnósticas delas  é um ato de  adivinhação. Desde  logo, os  estudantes devem aprender que o  corredor do hospital  e os  salões de  festa  são  ambientes
inadequados para a entrevista médica.
A  cultura  fornece  aos membros  de  uma  sociedade,  além  do  instrumental  básico  de  comunicação  entre  eles  –  que  é  a  língua  –,  os  padrões  de  comportamento  social  que  deverão
orientar suas ações (ver Capítulo 4, Ensino/Aprendizagem da Relação Médico­Paciente).
Referências do médico e do paciente
O médico e o paciente, regra geral, têm maneiras de sentir, pensar e agir distintas: o médico apoia suas atitudes, como profissional, em um quadro de referência
científico, enquanto o paciente pode apoiar suas atitudes em um quadro de referência paracientífico e mesmo anticientífico.
A utilização de quadros de referências distintos para orientar as ações pode dificultar a entrevista; assim, o médico deve preocupar­se não só em conhecer e
compreender os elementos culturais que orientam a ação do paciente, como também fazer uma análise de si próprio, no sentido de tornar conscientesos valores
básicos que orientam sua ação.
O médico deve dar atenção especial à linguagem que vai utilizar durante a entrevista, pois o conjunto de símbolos (termos e expressões) utilizado pela profissão médica nem sempre é
compreendido pelo paciente, uma vez que seu quadro de referência pode ser distinto.
Plaja et al., em um estudo clássico dos processos e níveis de comunicação entre médico e paciente, chegaram a resultados que merecem ser do conhecimento dos iniciantes no método
clínico.  Verificaram  que  muitos  doentes  tiveram  problema  de  compreensão  e,  no  entanto,  por  inibição  ou  acanhamento  “fingiam”  estar  entendendo  perfeitamente  o  que  lhes  foi
perguntado ou explicado. Comprovaram também que o grau de incompreensão acompanhava de perto as diferenças sociais entre o médico e o paciente. Constataram, por fim, que essas
barreiras eram superadas no momento em que o médico entendia e aceitava a necessidade de levar em conta a cultura de sua clientela.
Padrões normativos
O médico deve conhecer, também, os padrões normativos que a cultura criou para ele e para o seu paciente. A nossa cultura estabelece, por exemplo, que tanto
o médico quanto o paciente devem apresentar­se bem compostos em termos de higiene e aparência pessoal; o paciente espera que o médico se interesse por
seu caso e que  lhe dê atenção, enquanto o médico espera que o paciente responda de maneira adequada às suas perguntas. O conhecimento adequado do
médico dos padrões normativos que regem a sua conduta e a do paciente, bem como o conhecimento das expectativas de comportamento que o paciente tem do
profissional médico, isto é, a conduta que o paciente espera que o médico tenha, são elementos fundamentais para realizar uma boa entrevista.
Não deve, porém, o médico esquecer­se de que, além dos objetos físicos e culturais, existem os objetos sociais. Estes objetos sociais são o médico e o paciente; assim, a reação do
paciente frente à ação do médico, ou vice­versa, é um estímulo a uma nova ação deste último, e assim sucessivamente. Logo, existe uma interestimulação entre o médico e o paciente. Se
o médico  se  apresenta  com  uma  fisionomia  carregada  após  uma  resposta  do  paciente,  isto  será  um  elemento  de  orientação  para  a  ação  posterior  do  paciente,  que  poderá  sentir­se
preocupado e passar a responder dentro de uma nova perspectiva. O médico, ao conhecer que os objetos sociais se interestimulam, deverá ter o máximo cuidado em controlar e alterar o
comportamento do paciente; por outro lado, deve desenvolver sua intuição no sentido de captar no paciente indícios subliminares, como uma leve hesitação ao dar uma resposta ou um
franzir de testa, que permitirão desenvolver condições que levem a uma interação mais eficaz com o paciente.
Fatores que interferem na entrevista
Objetos físicos
■ Ambiente adequado, quase sempre representado por uma sala de consultas – o consultório – ou que pode ser o quarto ou a enfermaria.
■ Instrumental, cujo mínimo é uma cadeira para o participante da entrevista e o material necessário para as anotações.
Objetos culturais
■ Com relação ao médico:
• Estar consciente de seus valores (ética médica)
• Usar uma linguagem adequada
• Cuidar da apresentação pessoal
■ Com relação ao paciente:
• Conhecer os componentes culturais de sua clientela potencial (nível educacional, padrões alimentares, medicina popular, religiosidade)
• Conhecer as expectativas de comportamento da clientela em geral
• Conhecer o universo de comunicação básico (a linguagem) de sua clientela
■ Com relação à comunidade:
• Conhecer os recursos assistenciais disponíveis na comunidade
• Conhecer as condições sanitárias da comunidade.
Objetos sociais
■ Conseguir do paciente uma predisposição positiva para dar informações.
■ Estar atento a indícios subliminares (hesitações, gestos, expressões) que possam indicar incompreensão, receio, defesa, insegurança, desconfiança.
■ Controlar suas próprias manifestações que possam induzir respostas inadequadas.
EXAME FÍSICO
A inspeção, a palpação, a percussão, a ausculta e o uso de alguns instrumentos e aparelhos simples são designados conjuntamente com o exame físico.
Um aspecto do exame físico que merece ser ressaltado de imediato é seu significado psicológico.
O paciente só se sente verdadeiramente “examinado” quando está sendo inspecionado, palpado, percutido, auscultado, pesado e medido.
Esse  componente  afetivo  sempre  existe  e  atinge  seu  grau  máximo  nos  pacientes  com  transtornos  de  ansiedade,  podendo,  inclusive,  ultrapassar  os  limites  do  normal.  Deve  ser
reconhecido e corretamente explorado pelo médico para consolidar a relação médico­paciente que teve início na anamnese.
Respeito mútuo, seriedade e segurança são os elementos que possibilitarão ao estudante reconhecer o significado psicológico que o exame físico tem para o paciente.
Saber usar este componente afetivo é um dos maiores trunfos de que o médico poderá dispor nas mais variadas situações da prática profissional.
O  exame  físico  das  crianças  tem peculiaridades  que  serão  enfatizadas  no  curso  de  pediatria. Mas,  a  título  de  informe  preliminar,  desejamos  deixar  registrada  a  recomendação  de
Marcondes: “O exame da criança é resultado de muita paciência, doçura e carinho” (ver Capítulo 179, Semiologia da Infância).
SEGUIMENTO DO PACIENTE
O seguimento do paciente ou follow­up, expressão inglesa universalmente consagrada na linguagem médica, é parte integrante do exame clínico e pode ser definido como a observação
sistemática do doente durante a evolução de sua enfermidade.
Por influência da tecnologia médica, ao se fazer o seguimento do paciente, está se tornando usual a expressão “monitorar” com o significado de manter sob constante observação um
ou mais  dados  clínicos. Assim, monitorar a  pressão  arterial  seria  registrá­la  repetidas  vezes  com  o  objetivo  de  reconhecer,  prontamente,  qualquer  modificação.  O  termo  pode  ser
empregado também quando a observação é realizada com a ajuda de algum aparelho. É o caso, por exemplo, de monitorar o ritmo e a frequência cardíacos, pela observação da atividade
elétrica do coração, registrada pelo eletrocardiograma.
Todos os dados do exame clínico e de exames complementares podem ser  incluídos no seguimento, mas, para simplificar seu  trabalho, o médico restringe­se aos clássicos sinais
vitais (temperatura, pulso, pressão arterial, frequência respiratória, nível de consciência), aos quais se acrescentam dados específicos da enfermidade do paciente.
O seguimento de um paciente poderá ser feito a curto prazo ou por longo período, às vezes pelo resto da vida.
O  seguimento  tem  por  finalidade  continuar  obtendo  dados  clínicos,  seja  pela  anamnese  ou  pela  repetição  do  exame  físico,  agora  dirigido  para  os  setores  do  organismo  mais
envolvidos.  Assim,  por  exemplo,  no  seguimento  de  um  paciente  com  insuficiência  cardíaca,  o  médico  fará  indagações  sobre  os  sintomas  (dispneia,  tosse,  insônia,  oligúria)  e,  ao
examiná­lo, concentrará sua atenção na ausculta do  tórax, atento às crepitações nas bases pulmonares, à  frequência e ao ritmo do coração; na palpação do fígado, cuja sensibilidade e
tamanho passam a  ter  interesse especial; no exame  físico geral,  através do qual vai acompanhar o  ingurgitamento  jugular e a  intensidade do edema dos membros  inferiores. Ao  lado
disso, vai registrar o peso e o volume urinário diariamente.
A avaliação de resultados terapêuticos é feita quase inteiramente pelo seguimento do paciente, acompanhando­se a evolução da sintomatologia e de dados complementares.
Seguimento do paciente e a relação médico­paciente
O  seguimento  do  paciente  cria  condições  ideais  para  aprofundar  a  relação  médico­paciente,  pois  os  repetidos  encontros  abrem  oportunidade  para  novas
indagações e permanente análise das queixas e das atitudes do paciente.
Muitas vezes, somente após o aprofundamento do relacionamento torna­se possívelesclarecer questões cuja abordagem não foi possível na entrevista inicial.
FICHA CLÍNICA OU PRONTUÁRIO MÉDICO
Todo atendimento, por mais simples que seja, deve ser registrado na ficha clínica ou no prontuário médico, uma vez que é impossível guardar na memória as queixas, o diagnóstico e as
prescrições terapêuticas de todos os pacientes, e para que com isso o médico se resguarde legal e eticamente.
Prontuá riomédico
De acordo com o Parecer CFM no 30/02,  aprovado em 10/07/02,  “o prontuário do paciente é o documento único  constituído de um conjunto de  informações
registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência prestada a ele, de caráter legal, sigiloso e científico,
que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao in diví duo”.
O prontuário  é  um documento  que  pertence  ao  paciente, mas  fica  sob  a  guarda  do médico  e/ou  da  instituição,  podendo o  paciente  fotocopiá­lo.  É  o  principal
instrumento de defesa dos profissionais médicos quando há algum tipo de questionamento de natureza ética, civil, administrativa ou criminal.
No prontuário devem ser  anotadas  todas as  informações pertinentes  ao atendimento prestado. Os  registros médicos do paciente  são essenciais  e devem conter  todo o histórico de
saúde, desde o nascimento até a morte. Além disso,  servem de suporte à pesquisa, ao ensino e ao gerenciamento dos serviços de saúde, e  são  também um documento  legal dos atos
médicos. Os prontuários em papel são os mais tradicionais. Todavia, esse tipo de documento é exposto aos riscos de quebra de privacidade e de extravio. Existe, também, dificuldade
para a recuperação de informações importantes para tomada de decisão e/ou as que devem ser compartilhadas entre os profissionais de saúde e com os pacientes, além de necessitarem
de espaço físico para seu arquivamento.
Com isso, o prontuário tende a abarcar um considerável volume de informações sobre o paciente, como os sinais vitais, resultados de exames laboratoriais e de testes diagnósticos,
as quais acabam sendo pouco utilizadas por conta da dificuldade de recuperá­las.
Anotações,  por  mais  sucintas  que  sejam,  formam  um  dossiê  médico  de  grande  valor  para  o  conhecimento  de  um  paciente.  Diagnósticos,  resultados  de  exames,  reações
medicamentosas, cirurgias realizadas, além de outros dados, permitirão ao médico reconhecer com mais facilidade os problemas que o paciente for apresentando ao longo de sua vida.
Exames complementares podem ser dispensados ou mais bem interpretados quando se dispõe de anotações anteriores, diminuindo os custos e aumentando a eficiência do trabalho do
médico.
Há inúmeros modelos de fichas e de prontuários, mas todos eles devem reservar espaço para identificação do paciente, história clínica, exame físico, diagnóstico, prescrições
terapêuticas e seguimento do paciente. É necessário abrir um item para as anotações de exames complementares.
PRONTUÁRIO ELETRÔNICO
O  prontuário  eletrônico  do  paciente  (PEP)  é  usado  para  descrever  sistemas  desenvolvidos  para  consultórios  médicos,  hospitais  ou  centros  de  saúde  que  incluem  elementos  de
identificação ao paciente, medicamentos e geração de receitas, registros de resultados de exames laboratoriais e, em alguns casos, todas as informações de saúde registradas pelo médico
em  cada  visita  do  paciente.  Pode  conter  outras  funções  agregadas,  como  emissão  de  alertas,  prescrição  e  solicitação  de  medicamentos,  informações  sobre  admissão  e  alta,  dados
financeiros e registros feitos pela equipe multiprofissional.
Independentemente do conceito, o PEP deve ser um sistema sigiloso, que possui caráter assistencial, ético­legal e científico, e que possibilita, ainda, a comunicação entre os membros
da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao paciente.
Vantagens advindas da utilização do PEP. Acesso mais rápido ao histórico de saúde do paciente e as suas consultas e intervenções prévias; disponibilidade remota; uso simultâneo
por diversos serviços e profissionais de saúde; legibilidade das informações; fim da redigitação das informações; integração com outros sistemas de informação; processamento contínuo
dos dados; informações organizadas de maneira mais sistemática; inexistência da possibilidade de extravio das fichas; controle do fluxo de pacientes nos serviços de saúde; solicitação e
verificação  de  exames  complementares  e  de  medicamentos;  mais  agilidade;  melhora  da  qualidade  no  preenchimento  dos  prontuários;  evita  deterioração,  perda  e  alteração  das
informações.
No âmbito da saúde pública, os registros atualizados continuamente em níveis municipal, estadual e nacional podem apoiar a definição de políticas públicas e regular as demandas
entre os três níveis de atenção (primária, secundária e terciária).
Desvantagens em relação ao uso do PEP. Necessidade de grandes investimentos em hardware e software com atualizações frequentes;  treinamentos dos usuários;  resistência dos
profissionais de saúde ao uso de sistemas  informatizados; receio dos profissionais em expor suas condutas clínicas, uma vez que o PEP pode ser visto por outros colegas; o sistema
pode ficar inoperante por horas ou dias, tornando as informações indisponíveis; demora para coleta de todos os dados obrigatórios; seu uso e acesso indevidos podem colocar a questão
da confiabilidade e segurança das informações do paciente. Outra desvantagem apontada está relacionada ao impacto na relação médico­paciente, uma vez que o sistema pode reduzir o
contato “olho no olho” e também aumentar o tempo de trabalho dos profissionais, uma vez que costumam exigir o preenchimento de uma quantidade maior de informações.
A principal barreira para informatizar o arquivo médico está relacionada à educação dos profissionais de saúde que interagem com o prontuário. Embora o aumento do uso de novas
tecnologias no processo de investigação e no tratamento das doenças favoreça a adoção do prontuário eletrônico, não é suficiente para assegurar sua aceitação.
É  vasto  o  número  de  profissionais  que  tendem  a  desmerecer  as  máquinas,  duvidar  de  seu  potencial  e  negar  sua  confiabilidade  e  praticidade,  principalmente  quando  provocam
alterações na sua rotina profissional, o que pode contribuir para os baixos níveis de implementação dos outros sistemas informatizados.
Apesar das dificuldades relatadas, acredita­se que é de suma importância a utilização de sistemas de informação que incluam o prontuário eletrônico no âmbito do sistema de saúde, a
fim  de  identificar  os  usuários,  facilitar  a  gestão  dos  serviços,  a  comunicação  e  o  compartilhamento  das  informações  em  um  país  com  dimensões  continentais  e  imensa  diversidade
cultural.
LABORATÓRIO DE HABILIDADES
O aprendizado da semiologia, hoje, é  feito em vários cenários e não somente nos hospitais universitários. Em algumas escolas médicas, para ensinarem a construção de uma história
clínica,  os  professores  utilizam  os  pacientes  de  enfermarias;  em  outras  já  se  preferem  pacientes  provenientes  de  ambulatórios  ou  postos  de  saúde.  A  enfermaria  é  um  local  talvez
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privilegiado para ensino de técnicas de exame físico, reconhecimento de padrões, demonstração de situações em que o exame físico é alterado, e continua sendo usada com esse objetivo.
Já  a  história  clínica  construída  a  partir  de  pacientes  de  ambulatórios  ou  postos  de  saúde,  que  apresentam problemas menos  complexos,  permite  que  o  raciocínio  hipotético­dedutivo
probabilístico possa ser praticado pelos alunos desde o início.
As escolas médicas que adotam metodologias ativas, como o PBL (problem­based learning), utilizam, ainda, o laboratório de habilidades como recurso didático para o treinamento
de conhecimentos, atitudes e habilidades necessário para o exame clínico.
Nolaboratório de habilidades, há um treinamento das técnicas de história clínica e de exame físico antes do contato do estudante com o paciente. Inicialmente, a anamnese é ensinada
pelo  professor  e  treinada  utilizando­se  pacientes­atores  que  encenam  uma  história  clínica  fictícia.  As  histórias  clínicas  encenadas  pelos  atores  são  escritas,  sob  a  forma  de  “cenas
teatrais”, por professores de semiologia médica, com o  intuito de alcançar os objetivos de aprendizagem propostos pela disciplina no que  tange a conhecimentos  teóricos, habilidades
semiológicas e atitudes éticas e humanistas (Quadros 5.1, 5.2 e 5.3).
Já o exame físico é ensinado aos estudantes e repetidamente treinado, utilizando­se manequins que simulam reações humanas em diversas situações clínicas, ou também pacientes­
atores, quando não for possível a realização do exame no manequim.
Vale  destacar  que  os  manequins  e  os  atores  profissionais  não  podem  substituir  os  pacientes,  mas  apenas  antecedem  o  contato  com  eles,  facilitando  a
aprendizagem do método clínico.
Quadro 5.1 Objetivos do laboratório de habilidades.
Desenvolver a postura ética na relação médico­paciente
Desenvolver a habilidade de realizar uma anamnese completa
Desenvolver a habilidade de realizar inspeção, palpação, percussão e ausculta
Desenvolver a habilidade de realizar a semiotécnica do exame físico geral, dos seguintes sistemas: cardiovascular, respiratório, do abdome, dermatológico, neurológico, endócrino­reprodutor masculino e feminino, endócrino­metabólico, geniturinário masculino e feminino
e locomotor.
Quadro 5.2 Vantagens do laboratório de habilidades.
Complexas situações clínicas podem ser desenvolvidas e simuladas
Os procedimentos poderão ser repetidos muitas vezes, o que seria inaceitável para os pacientes
O erro é permitido e pode ser corrigido de imediato sem o constrangimento do estudante e do paciente
Exclui­se a dependência de haver pacientes no momento do treinamento
Pode ser um fator de motivação importante para o aluno para adquirir tanto conhecimentos como habilidades
Sendo um espaço de treinamento, oferece maior segurança ao estudante quando for examinar o paciente real.
Quadro 5.3 Equipamentos e recursos humanos necessários no laboratório de habilidades.
Equipamentos necessários
Manequins simuladores, estetoscópios, esfigmomanômetros, macas, banquinhos, cadeiras, papel de maca descartável, lençol, fita métrica, calculadora, balança, termômetro, lanterna­foco, diapasão, estesiômetro, martelo e oftalmoscópio.
Recursos humanos necessários
Profissionais­atores ou alunos­estagiários do curso de teatro.
Treinamento da técnica da anamnese no laboratório de habilidades
A técnica da anamnese é ensinada em um ambiente, dentro do laboratório de habilidades, que simula um consultório médico (ver Quadro 5.3).
Esse espaço é composto por um consultório tipo sala­espelho e por corredores laterais que circundam essa sala (Figura 5.12).
Durante  a  consulta  médica  simulada,  o  aluno­médico  e  o  paciente­ator  ficam  dentro  do  consultório  médico  em  um  ambiente  falsamente  privativo.  O  professor  e  os  alunos­
observadores,  sempre em pequenos grupos  (8 a 12 alunos),  ficam nos corredores  laterais  ao consultório assistindo a  toda a consulta, porém sem serem vistos pelo aluno­médico ou
paciente­ator.
Após o aluno­médico atender o paciente­ator construindo sua anamnese, todos os acadêmicos se reúnem com o professor para comentar acertos e falhas, esclarecer dúvidas e discutir
situações relacionadas com atitudes semiológicas, relação médico­paciente e questões éticas que, porventura, surgirem durante a consulta simulada.
Essa  atividade  tem  por  finalidade  o  treinamento  das  habilidades  necessárias  aos  estudantes  na  realização  de  uma  anamnese,  com  ênfase  no  desenvolvimento  da  comunicação,  no
direcionamento da história clínica, bem como no treinamento das atitudes corretas na relação médico­paciente.
Outra maneira de se fazer este treinamento é a filmagem da cena em que o aluno­médico faz a anamnese com o paciente­ator e posterior apreciação da cena pelo grupo de estudantes e
pelo professor, quando os acertos e as falhas são discutidos por todos.
Figura 5.12  Sala­espelho. Os alunos podem ver e ouvir a entrevista médica sem serem vistos, no entanto microfones permitem a comunicação com o professor.
Figura 5.13  Treinamento da semiotécnica do exame físico no laboratório de habilidades com utilização de manequins.
Treinamento da semiotécnica do exame físico no laboratório de habilidades
A semiotécnica do exame físico é ensinada em uma sala ampla, dentro do laboratório de habilidades, onde o professor demonstra a técnica nos manequins­simuladores ou nos pacientes­
atores e, em seguida, desenvolve o treinamento dos estudantes, que repetem as manobras por várias vezes até dominarem a técnica (Figura 5.13).
Esse  encontro  entre  professor  e  alunos,  em  pequenos  grupos,  é  um momento muito  rico,  pois  há  uma  integração  entre  o  conhecimento  teórico  apreendido,  a  prática  assistida  e
posteriormente treinada e posturas eticamente discutidas. Desse modo, os acadêmicos que aprendem antes a semiotécnica do exame clínico no laboratório de habilidades em pacientes­
atores ou manequins­simuladores tornam­se mais bem preparados para o momento de lidar diretamente com um paciente real, seja na atenção primária ou em um hospital.
Sem  dúvida,  o  contato  direto  do  estudante  com  o  paciente,  deve  ser  intensamente  aproveitado  para  o  aprendizado  clínico,  porém  o  processo  ensino­aprendizagem  pode  ser
complementado com equipamentos que permitem simulações e que, em muitos casos, são vantajosos.
Um exemplo que pode ser citado são os manequins que simulam ausculta cardíaca, em que todos os sons cardíacos podem ser ouvidos várias vezes pelos estudantes, até que haja
uma memorização completa de todas as suas características e diferenças. Os alunos podem treinar exaustivamente, sem o grande desconforto que isso poderia causar em pacientes reais.
BIBLIOGRAFIA
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Anamnese
Fábia Maria Oliveira Pinho, Rita Francis Gonzalez Y Rodrigues Branco e Celmo Celeno Porto
ASPECTOS GERAIS
Anamnese (do grego aná –trazer de novo + mnesis –memória) significa trazer de volta à mente todos os fatos relacionados com a doença e o paciente.
De início, deve­se ressaltar que a anamnese é a parte mais importante da medicina: primeiro, porque é o núcleo em torno do qual se desenvolve a relação médico­paciente, que, por
sua  vez,  é  o  principal  pilar  do  trabalho  do médico;  segundo,  porque  é  cada  vez mais  evidente  que  o progresso  tecnológico  somente é bem utilizado  se o  lado humano da
medicina é preservado. Conclui­se, portanto, que cabe à anamnese uma posição ímpar, insubstituível, na prática médica.
A anamnese, se bem­feita, culmina em decisões diagnósticas e terapêuticas corretas; se malfeita, em contrapartida, desencadeia uma série de consequências negativas, as quais não
podem ser compensadas com a realização de exames complementares, por mais sofisticados que sejam.
A ilusão de que o progresso tecnológico eliminariaa entrevista e transformaria a medicina em uma ciência “quase” exata caiu por terra. Já se pode afirmar que uma das principais
causas da perda de qualidade do trabalho médico é justamente a redução do tempo dedicado à anamnese. Até o aproveitamento racional das avançadas técnicas depende cada vez mais da
entrevista. A realização de muitos exames complementares não resolve o problema; pelo contrário, agrava­o ao aumentar os custos, sem crescimento paralelo da eficiência. Escolher o(s)
exame(s) adequado(s), entre tantos disponíveis, é fruto de um raciocínio crítico apoiado quase inteiramente na anamnese.
O Quadro 6.1 resume os objetivos e as possibilidades principais da anamnese.
Em  essência,  a  anamnese  é  uma entrevista,  e  o  instrumento  de  que  nos  valemos  é  a  palavra  falada.  É  óbvio  que,  em  situações  especiais  (pacientes  surdos  ou  pacientes  com
dificuldades de sonorização), dados da anamnese podem ser obtidos por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), da palavra escrita ou mediante tradutor (acompanhante e/ou
cuidador que compreenda a comunicação do paciente).
No  início  do  aprendizado  do método  clínico,  os  estudantes  pensam  que  “fazer  anamnese”  é  simplesmente  “conversar  com  o  paciente”;  contudo,  entre  uma  coisa  e  outra  há  uma
distância enorme, basicamente porque o diálogo entre o médico e o paciente tem objetivo e finalidade preestabelecidos, ou seja, a reconstituição dos fatos e dos acontecimentos direta ou
indiretamente relacionados com uma situação anormal da vida do paciente.
Quadro 6.1 Possibilidades e objetivos da anamnese.
Estabelecer condições para uma adequada relação médico­paciente
Conhecer, por meio da identificação, os determinantes epidemiológicos que influenciam o processo saúde­doença de cada paciente
Fazer a história clínica, registrando, detalhada e cronologicamente, o(s) problema(s) de saúde do paciente
Registrar e desenvolver práticas de promoção da saúde
Avaliar o estado de saúde passado e presente do paciente, conhecendo os fatores pessoais, familiares e ambientais que influenciam seu processo saúde­doença
Conhecer os hábitos de vida do paciente, bem como suas condições socioeconômicas e culturais
Avaliar, de maneira clara, os sintomas de cada sistema corporal.
A anamnese é o melhor  instrumento para fazer a  triagem e analisar os sintomas,  reconhecer problemas de saúde e preocupações e registrar as maneiras como a pessoa responde a
essas situações, permitindo aventar hipótese(s) diagnóstica(s) consistente(s), além de abrir espaço para a promoção da saúde.
Maneiras de se fazer anamnese
A anamnese pode ser conduzida das seguintes maneiras:
■ Deixar o paciente relatar, livre e espontaneamente, suas queixas sem nenhuma interferência, limitando­se a ouvi­lo. Essa técnica é recomendada e seguida por
muitos clínicos. O psicanalista apoia­se integralmente nela e chega ao ponto de se colocar em uma posição na qual não possa ser visto pelo paciente, para que
sua presença não exerça influência inibidora ou coercitiva
■ De outra maneira, denominada anamnese dirigida, o médico,  tendo em mente um esquema básico, conduz a entrevista mais objetivamente. O uso dessa
técnica exige rigor técnico e cuidado na sua execução, de modo a não se deixar levar por ideias preconcebidas
■ Outra maneira é o médico deixar, inicialmente, o paciente relatar de maneira espontânea suas queixas, para depois conduzir a entrevista de modo mais objetivo.
As inúmeras fontes de informação, principalmente a internet, estão modificando a técnica da anamnese, que está passando de “relato” para “diálogo” (ver a seguir).
Paciente informado ou expert
Com a crescente capacidade de o paciente obter informações sobre sintomas, doenças, tratamentos, especialmente nos sites de busca da internet, está surgindo
um novo tipo de entrevista que pode ser chamado de “anamnese dialogada”. Em vez do tradicional relato passa a haver um diálogo amparado nas informações
obtidas pelo paciente e nos conhecimentos científicos do médico (ver Capítulo 1, Princípios e Bases da Prática Médica).
Qualquer que seja a técnica empregada, os dados coletados devem ser elaborados. Isso significa que uma boa anamnese é o que se retém do relato feito pelo paciente ou do diálogo,
no caso do paciente expert, depois de ter passado por uma análise crítica, com o intuito de estabelecer o significado das expressões usadas e a coerência das correlações estabelecidas. Há
de se ter cuidado com as interpretações que os pacientes fazem de seus sintomas e dos tratamentos.
A história  clínica,  portanto, não é o simples  registro de uma conversa  .É mais  do  que  isso: é o  resultado de uma entrevista com objetivo explícito,  conduzida pelo
examinador e cujo conteúdo foi elaborado criticamente por ele.
As primeiras  tentativas  são  trabalhosas,  longas e cansativas, e o  resultado não passa de uma história complicada,  incompleta e eivada de descrições  inúteis, ao mesmo  tempo que
deixa de ter informações essenciais.
Por isso, pode­se afirmar que a anamnese é a parte mais difícil do método clínico, mas é também a mais importante. Seu aprendizado é lento, só conseguido depois de se realizarem
dezenas de entrevistas.
Muito mais  fácil  é aprender a manusear aparelhos,  já que eles obedecem a esquemas  rígidos, enquanto as pessoas apresentam  individualidade, característica humana que exige do
médico flexibilidade na conduta e capacidade de adaptação.
Para fazer uma entrevista de boa qualidade, antes de tudo o médico deve estar interessado no que o paciente tem a dizer. Ao mesmo tempo, é necessário demonstrar
compreensão e desejo de ser útil àquela pessoa, com a qual assume um compromisso tácito que não tem similar em nenhuma outra relação inter­humana.
Pergunta­se frequentemente quanto tempo deve­se dedicar à anamnese. Não se pode, é óbvio, estabelecer limites rígidos. Os estudantes que estão fazendo sua iniciação clínica gastam
horas para entrevistar um paciente, pois são obrigados a seguir roteiros longos, preestabelecidos; é necessário que seja assim, pois, nessa fase, precisam percorrer todo o caminho para
conhecê­lo, para que somente após isso possam criar “atalhos” sem perder a qualidade da entrevista.
Nas doenças agudas ou de início recente, em geral apresentando poucos sintomas, é perfeitamente possível conseguir uma história clínica de boa qualidade em 10 minutos, ao passo
que nas doenças de longa duração, com sintomatologia variada, não se gastarão menos do que 30 a 60 minutos.
Em qualquer situação, aproveita­se, também, o momento em que está sendo executado o exame físico para novas indagações, muitas delas despertadas pela observação do paciente.
A pressa é o defeito de técnica mais grosseiro que se pode cometer durante a obtenção da história; tão grosseiro como se quisesse obter em 2 minutos uma reação bioquímica que
exige 2 horas para se completar. Este erro pode ter graves consequências no atendimento aos pacientes.
Espírito preconcebido
O  espírito  preconcebido  é  outro  erro  técnico  a  ser  evitado  continuamente,  porque  pode  ser  uma  tendência  natural  do  examinador.  Muitas  vezes  essa
preconcepção é inconsciente, originada de um especial interesse por determinada enfermidade ou por partes da medicina, como acontece com os especialistas
que perdem a visão de conjunto dos pacientes.
A falta de  conhecimento  sobre os  sintomas da doença  limita de maneira  extraordinária  a possibilidade de  se obter uma  investigação clínica  completa. Quando não  se  conhece um
fenômeno, não se sabe que meios e modos serão mais úteis para que seja detectado e entendido; por isso, costuma­se dizer que anamneses perfeitas só podem ser obtidas por médicos
experientes. No entanto, histórias clínicas de boa qualidade são conseguidas pelos estudantes após treinamento supervisionado, não muito longo.
A anamnese ainda é, na maioria dos pacientes, o fator isolado mais importante para se chegar a um diagnóstico, mas o valor prático da história clínica não se restringeà
elaboração do diagnóstico, que deve ser uma meta fundamental do médico. A terapêutica sintomática só pode ser planejada com acerto e proveito se for fundamentada no conhecimento
detalhado dos sintomas relatados. Cada indivíduo personaliza de maneira própria seus padecimentos. Todo paciente apresenta particularidades que escapam a qualquer esquematização
rígida.  Idiossincrasias ou  intolerâncias que a anamnese  traz à  tona podem ser decisivas na escolha de um recurso  terapêutico. Assim, o antibiograma poderá  indicar que determinada
substância é mais ativa contra determinado germe, porém, se o paciente relatar intolerância àquele antibiótico, sua eficácia cientificamente preestabelecida perde o significado.
Há  muitas  doenças  cujos  diagnósticos  são  feitos  quase  exclusivamente  pela  história,  como,  por  exemplo,  epilepsia,  enxaqueca  e  neuralgia  do  trigêmeo,  isso  sem  se  falar  dos
transtornos psiquiátricos, cujo diagnóstico apoia­se integralmente nos dados da anamnese (ver Parte 19, Exame Psiquiátrico).
Determinados pacientes tendem a tomar a condução da anamnese, respondendo apenas às perguntas que lhes interessam, questionando o médico, levantando questões a todo momento
ou  interpretando eles mesmos os  sintomas, ao mesmo  tempo que emitem opiniões  sobre exames a  serem efetuados. Chegam a  sugerir diagnósticos e  tratamentos para  seus próprios
males. Muitas dessas pessoas  são  adeptas de  leituras de divulgação  científica  em  revistas ou  em sites da  internet. A  primeira  preocupação  do médico  deve  ser  retomar  a  direção  da
entrevista de maneira habilidosa, preocupando­se em não assumir nenhuma atitude hostil proveniente da momentânea perda de sua posição de líder daquele colóquio.
Muitas vezes, alguns dados da anamnese tornam­se mais claros se voltamos a eles durante o exame físico do paciente.
Uma das principais características do método clínico é justamente sua flexibilidade. Contudo, na fase inicial do aprendizado, é melhor procurar esgotar todas as questões durante a
anamnese.
Recomendações práticas para se fazer uma boa anamnese
■ É no primeiro contato que reside a melhor oportunidade para fundamentar uma boa relação entre o médico e o paciente. Perdida essa oportunidade, sempre
existirá um hiato intransponível entre um e outro.
■ Cumprimente o paciente, perguntando logo o nome dele e dizendo­lhe o seu. Não use termos como “vovô”, “vovó”, “vozinho”, “vozinha” para as pessoas idosas
(ver Capítulo 181, Semiologia do Idoso).
■ Demonstre atenção ao que o paciente está falando e procure identificar de pronto alguma condição especial – dor, sonolência, ansiedade, hostilidade, tristeza,
confusão mental – para que você saiba a maneira de conduzir a entrevista (ver Capítulo 14, Ensino/Aprendizagem da Relação Médico­Paciente).
■ Conhecer e compreender as condições socioculturais do paciente representa uma ajuda inestimável para reconhecer a doença e entender o paciente.
■ Perspicácia e tato são qualidades indispensáveis para a obtenção de dados sobre doenças estigmatizantes ou distúrbios que afetam a intimidade da pessoa.
■ Ter sempre o cuidado de não sugestionar o paciente com perguntas que surgem de ideias preconcebidas.
■ O tempo reservado à anamnese distingue o médico competente do incompetente, o qual tende a transferir para as máquinas e o laboratório a responsabilidade
do diagnóstico.
■ Sintomas bem investigados e mais bem compreendidos abrem caminho para um exame físico objetivo. Isso poderia ser anunciado de outra maneira: só se acha
o que se procura e só se procura o que se conhece.
■ A causa mais frequente de erro diagnóstico é uma história clínica mal obtida.
■ Obtidas as queixas, estas devem ser elaboradas mentalmente pelo médico, de modo a encontrar o desenrolar  lógico dos acontecimentos, que é a base do
raciocínio clínico.
■  Os  dados  fornecidos  pelos  exames  complementares  nunca  corrigem as  falhas  e  as  omissões  cometidas  na  anamnese.  Laudos  não  são  diagnósticos,  são
apenas laudos.
■ Somente a anamnese possibilita ao médico uma visão de conjunto do paciente, indispensável para a prática de uma medicina de excelência.
SEMIOTÉCNICA DA ANAMNESE
A anamnese se inicia com perguntas do tipo: “o que o(a) senhor(a) está sentindo?”, “qual é o seu problema?”.
Isso parece fácil, mas, tão logo o estudante começa seu aprendizado clínico, ele percebe que não é bem assim. Não basta pedir ao paciente que relate sua história e anotá­la. Muitos
pacientes  têm dificuldade para  falar  e precisam de  incentivo; outros – e  isto é mais  frequente –  têm mais  interesse em narrar  as circunstâncias e os acontecimentos paralelos do que
relatar seus padecimentos. Aliás, o paciente não é obrigado a saber como deve relatar suas queixas. O médico é que precisa saber como obtê­las.
O médico tem de estar imbuído da vontade de ajudar o paciente a relatar seus padecimentos. Para conseguir tal intento, Bickley e Szilagyi (2010) sugerem que o examinador utilize
uma ou mais das seguintes técnicas: apoio , facilitação , reflexão , esclarecimento , confrontação , interpretação ,respostas empáticas e silêncio.
Afirmações de apoio despertam segurança no paciente. Dizer, por exemplo, “Eu compreendo” em momento de dúvida pode encorajá­lo a prosseguir no  relato de alguma situação
difícil.
O médico consegue facilitar o relato do paciente por meio de sua postura, de ações ou palavras que o encorajem, mesmo sem especificar o tópico ou o problema que o incomoda. O
gesto de balançar a cabeça levemente, por exemplo, pode significar para o paciente que ele está sendo compreendido.
A reflexão é muito semelhante à facilitação e consiste basicamente na repetição das palavras que o médico considerar as mais significativas durante o relato do paciente.
O esclarecimento é diferente da reflexão porque, nesse caso, o médico procura definir de maneira mais clara o que o paciente está relatando. Por exemplo, se o paciente se refere à
tontura, o médico, por saber que esse termo tem vários significados, procura esclarecer a qual deles o paciente se refere (vertigem? Sensação desagradável na cabeça?).
A confrontação consiste em mostrar ao paciente algo acerca de suas próprias palavras ou comportamento. Por exemplo, o paciente mostra­se tenso, ansioso e com medo, mas diz ao
médico  que  “está  tudo bem”. Aí,  o médico  pode  confrontá­lo  da  seguinte maneira:  “Você  diz  que  está  tudo bem, mas  por  que  está  com  lágrimas  nos  olhos?” Essa  afirmativa pode
modificar inteiramente o relato do paciente.
Na interpretação, o médico faz uma observação a partir do que vai notando no relato ou no comportamento do paciente. Por exemplo: “Você parece preocupado com os laudos das
radiografias que me trouxe.”
A  resposta empática  é  a  intervenção  do médico  mostrando  “empatia”,  ou  seja,  compreensão  e  aceitação  sobre  algo  relatado  pelo  paciente.  A  resposta  empática  pode  ser  por
palavras, gestos ou atitudes: colocar a mão sobre o braço do paciente, oferecer um lenço se ele estiver chorando ou apenas dizer a ele que compreende seu sofrimento. No entanto, é
necessário cuidado com esse tipo de procedimento. A palavra ou gesto do médico pode desencadear uma reação inesperada ou até contrária por parte do paciente.
A resposta do paciente quase sempre nos coloca diante de um sintoma; portanto, antes de tudo, é preciso que se tenha entendido claramente o que ele quis expressar. A informação é
fornecida na linguagem comum, cabendo ao médico encontrar o termo científico correspondente, elaborando mentalmente um esquema básico que permita uma correta indagação de cada
sintoma.
Há momentos  na  entrevista  em  que  o  examinador  deve  permanecer  calado, mesmo  correndo  o  risco  de  parecer  que  perdeu  o  controle  da  conversa.  O silêncio  pode  ser  o  mais
adequado quando o paciente se emociona ou chora. Saber o tempo de duração do silêncio faz parte da técnica e da arte de entrevistar.
Elementos componentes da anamnese
A anamnese é classicamente desdobradanas seguintes partes: identificação, queixa principal, história de doença atual (HDA), interrogatório sintomatológico (IS), antecedentes pessoais
e familiares, hábitos e estilo de vida, condições socioeconômicas e culturais (Quadro 6.2).
Identificação
A  identificação é o perfil  sociodemográfico do paciente que permite a  interpretação de dados  individuais e coletivos. Apresenta múltiplos  interesses; o primeiro deles é de  iniciar o
relacionamento com o paciente, saber o nome de uma pessoa é indispensável para que se comece um processo de comunicação em nível afetivo.
Para a confecção de fichários e arquivos, que nenhum médico ou instituição pode dispensar, os dados da identificação são fundamentais.
Além do interesse clínico, também dos pontos de vista pericial, sanitário e médico­trabalhista, esses dados são de relevância para o médico.
A data em que é feita a anamnese é sempre importante e, quando as condições clínicas modificam­se com rapidez, convém acrescentar a hora.
Os elementos descritos a seguir são obrigatórios.
Nome. Primeiro dado da identificação. Nunca é demais criticar o hábito de designar o paciente pelo número do leito ou pelo diagnóstico. “Paciente do leito 5” ou “aquele caso de cirrose
hepática da Enfermaria 7” são expressões que jamais devem ser usadas para caracterizar uma pessoa.
Quadro 6.2 Elementos componentes da anamnese.
Identificação Perfil sociodemográfico que possibilita a interpretação dos dados individuais e coletivos do paciente
Queixa principal É o motivo da consulta. Sintomas ou problemas que motivaram o paciente a procurar atendimento médico
História de doença atual Registro cronológico e detalhado do problema atual de saúde do paciente
Interrogatório sintomatológico Avaliação detalhada dos sintomas de cada sistema corporal. Complementar a HDA e avaliar práticas de promoção à saúde
Antecedentes pessoais e familiares Avaliação do estado de saúde passado e presente do paciente, conhecendo os fatores pessoais e familiares que influenciam seu processo saúde­doença
Hábitos de vida Documentar hábitos e estilo de vida do paciente, incluindo ingesta alimentar diária e usual, prática de exercícios, história ocupacional, uso de tabaco, consumo de bebidas alcoólicas e
utilização de outras substâncias e drogas ilícitas
Condições socioeconômicas e culturais Avaliar as condições de habitação do paciente, além de vínculos afetivos familiares, condições financeiras, atividades de lazer, filiação religiosa e crenças espirituais, bem como a
escolaridade
Idade. Cada grupo etário  tem sua própria doença, e bastaria essa assertiva para  tornar clara a  importância da idade. A todo momento, o raciocínio diagnóstico se apoia nesse dado e,
quando se fala em “doenças próprias da infância”, está se consagrando o significado do fator idade no processo de adoecimento. Vale ressaltar que, no contexto da anamnese, a relação
médico­paciente apresenta peculiaridades de acordo com as diferentes faixas etárias (ver Capítulo 179, Semiologia da Infância, Capítulo 180, Semiologia da Adolescência, e Capítulo
181, Semiologia do Idoso).
Sexo/gênero. Não se  falando nas diferenças  fisiológicas,  sempre  importantes do ponto de vista clínico, há enfermidades que  só ocorrem em determinado sexo. Exemplo clássico é
a hemofilia,  transmitida pelas mulheres, mas que  só aparece nos homens. É óbvio que existem doenças específicas para cada  sexo no que  se  refere aos órgãos  sexuais. As doenças
endócrinas adquirem muitas particularidades em função desse fator. A questão de gêneros, bastante estudada nos últimos anos, aponta para um processo de adoecimento diferenciado no
homem e na mulher, ainda quando a doença é a mesma.
Cor/etnia. Embora não sejam coisas exatamente iguais, na prática elas se confundem. Em nosso país, onde existe uma intensa mistura de etnias (Figura 6.1), é preferível o registro da
cor da pele como faz o IBGE usando­se a seguinte nomenclatura:
■ Cor branca
■ Cor parda
■ Cor preta.
Figura 6.1  População brasileira de acordo com a cor da pele/raça/etnia. Os censos demográficos de 1940, 1950, 1960, 1980 e 1997 mostram a  relevância da miscigenação no Brasil. Os
brancos, que em 1940 representavam 64% da população, no censo de 1997 representavam 54,4%; enquanto isso, os pardos passaram de 21 para 39,9%, e os negros, de 15 para 5,2%. No
censo de 2000, os dados pouco se alteraram (IBGE, 2000). Nos dados de 2008, 2010 e 2015 ocorreram pequenas alterações, praticamente igualando brancos e pardos. (IBGE, 2015.)
Uma nova maneira de conhecer as características étnicas do povo brasileiro é pelo exame do DNA de grupos populacionais. Pena et al. (2000) demonstraram, pela análise do DNA de
200 homens  e mulheres  de  “cor  branca”  de  regiões  e  origens  sociais  diversas,  que  apenas  39%  tinham  linhagem exclusivamente  europeia  (cor  branca),  enquanto  33% apresentavam
herança genética indígena e 28%, africana (cor negra).
A influência da etnia no processo do adoecimento conta com muitos exemplos; o mais conhecido é o da anemia falciforme, uma alteração sanguínea específica dos negros, mas que,
em virtude da miscigenação, pode ocorrer em pessoas de outra cor. Outro exemplo é a hipertensão arterial, que mostra comportamento evolutivo diferente nos pacientes negros: além
de  ser  mais  frequente  nesse  grupo,  a  hipertensão  arterial  apresenta  maior  gravidade,  com  lesões  renais  mais  intensas  e  maior  incidência  de  acidentes  vasculares  encefálicos.  Em
contrapartida, pessoas de cor branca estão mais predispostas aos cânceres de pele.
Considerando o alto grau de miscigenação (ver Figura 6.1) da população brasileira, há necessidade de se ampliarem os estudos da influência étnica nas doenças prevalentes em nosso
país, inclusive nos indivíduos de cor parda. O primeiro passo é o registro correto da cor da pele nos estudos epidemiológicos e nos prontuários médicos.
Estado civil. Não só os aspectos sociais referentes ao estado civil podem ser úteis ao examinador. Aspectos médico­trabalhistas e periciais podem estar envolvidos, e o conhecimento
do estado civil passa a ser um dado valioso.
Profissão. É um dado de crescente importância na prática médica, e sobre ele teceremos algumas considerações em conjunto com o item que se segue.
Local de trabalho. Não basta registrar a ocupação atual. Faz­se necessário indagar sobre outras atividades já exercidas em épocas anteriores. Por isso, nos prontuários, devem constar
os itens profissão e local de trabalho na identificação, e os itens ocupação atual e ocupações anteriores nos hábitos de vida.
Em  certas  ocasiões,  existe  uma  relação  direta  entre  o  trabalho  do  indivíduo  e  a  doença  que  lhe  acometeu. Enquadram­se  nessa  categoria  as  chamadas  doenças  profissionais  e  os
acidentes  de  trabalho.  Por  exemplo,  indivíduos  que  trabalham  em  pedreiras  ou  minas  podem  sofrer  uma  doença  pulmonar  determinada  por  substâncias  inaladas  ao  exercerem  sua
profissão; chama­se pneumoconiose, e é uma típica doença profissional. O indivíduo que sofre uma fratura ao cair de um andaime é vítima de um acidente de trabalho. Em ambos os
casos, ao lado dos aspectos clínicos, surgem questões de caráter pericial ou médico­trabalhista.
Em outras  situações,  ainda  que  a  ocupação  não  seja  diretamente  relacionada  com a  doença,  o  ambiente  no  qual  o  trabalho  é  executado  poderá  envolver  fatores  que  agravam uma
afecção  preexistente.  Assim,  são  os  locais  empoeirados  ou  enfumaçados  que  agravam  os  padecimentos  dos  portadores  de  enfermidades  broncopulmonares,  como  asma  brônquica,
bronquite crônica, enfisema pulmonar e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC).
Naturalidade. Local onde o paciente nasceu.
Procedência. Este item geralmente refere­se à residência anterior do paciente. Por exemplo, ao atender a um paciente que mora em Goiânia (GO), mas que anteriormente residiu em
Belém (PA), deve­se registrar esta última localidade como a procedência.
Em casos de pacientes emtrânsito (viagens de turismo, de negócios), a procedência confunde­se com a residência, dependendo do referencial. Por exemplo: no caso de um executivo
que reside em São Paulo (SP) e faz uma viagem de negócios para Recife (PE), caso seja atendido em um hospital em Recife, sua procedência será São Paulo. Caso procure assistência
médica logo depois de seu retorno a São Paulo (SP), sua procedência será Recife (PE).
Residência. Quanto a este item, anota­se a residência atual. Nesse local deve ser incluído o endereço do paciente.
As doenças infecciosas e parasitárias se distribuem pelo mundo em função de vários fatores, como climáticos, hidrográficos e de altitude. Conhecer o local da residência é o primeiro
passo nessa área. Além disso, deve­se lembrar de passagem que a população tem muita mobilidade e os movimentos migratórios influem de modo decisivo na epidemiologia de muitas
doenças infecciosas e parasitárias.
É na identificação do paciente e, mais especificamente, no registro de sua residência que esses dados emergem para uso clínico.
Citemos como exemplos a doença de Chagas, a esquistossomose, a malária e a hidatidose. A distribuição geográfica dessas endemias deve estar na mente de todos nós, pois a todo
momento nos veremos diante de casos suspeitos.
Nome da mãe. Anotar o nome da mãe do paciente é uma regra comum nos serviços de saúde no sentido de diferenciar os pacientes homônimos.
Nome do  responsável, cuidador e/ou acompanhante. O  registro  do  nome  do  responsável,  cuidador  e/ou  acompanhante  de  crianças,  adolescentes,  pessoas  idosas,  tutelados  ou
incapazes (problemas de cognição, por exemplo) faz­se necessário para que se firme a relação de corresponsabilidade ética no processo de tratamento do paciente.
Religião. A religião à qual o paciente se filia tem relevância no processo saúde­doença. Alguns dados bastante objetivos, como a proibição à hemotransfusão em testemunhas de Jeová e
o não uso de carnes pelos fiéis da Igreja Adventista, têm uma repercussão importante no planejamento terapêutico.
Outros dados mais  subjetivos podem  influenciar a  relação médico­paciente, uma vez que o médico usa em sua  fala a pauta científica, que muitas vezes pode  se contrapor à pauta
religiosa pela qual o paciente compreende o mundo em que vive.
Filiação  a  órgãos/instituições  previdenciárias  e  planos  de  saúde.  Ter  conhecimento  desse  fato  possibilita  o  correto  encaminhamento  para  exames  complementares,  outros
especialistas  ou mesmo  a  hospitais,  nos  casos  de  internação. O  cuidado  do médico  em  não  onerar  o  paciente,  buscando  alternativas  dentro  do  seu  plano  de  saúde,  é  fator  de  suma
importância na adesão ao tratamento proposto.
Queixa principal ou motivo da consulta
Neste item, registra­se a queixa principal ou, mais adequadamente, o motivo que levou o paciente a procurar o médico, repetindo, se possível, as expressões por ele utilizadas.
É uma afirmação breve e espontânea, geralmente um sinal ou um sintoma, nas próprias palavras da pessoa que expressa o motivo da consulta. Pode ser uma anotação entre aspas para
indicar que se trata das palavras exatas do paciente.
Contudo,  não  aceitar,  tanto  quanto  possível,  “rótulos  diagnósticos”  referidos  à  guisa  de  queixa  principal.  Assim,  se  o  paciente  disser  que  seu  problema  é  “pressão  alta”  ou
“menopausa”, procurar­se­á esclarecer o sintoma que ficou subentendido sob outra denominação. Mas, muitas vezes o paciente já recebeu de um médico o diagnóstico de uma doença.
Neste  caso,  o  motivo  da  consulta  pode  ser  baseado  naquele  diagnóstico  obtido  pelo  próprio  paciente  em  um  siteda  internet.  Portanto,  algumas  vezes  é  razoável  o  registro  de  um
diagnóstico como motivo da consulta.
Cumpre  ressaltar  que  é  um  risco  tomar  ao  pé  da  letra  os  “diagnósticos”  dos  pacientes.  Por  comodidade,  pressa  ou  ignorância,  o médico  pode  ser  induzido  a  aceitar,  dando  ares
científicos a conclusões diagnósticas oferecidas pelos pacientes ou seus familiares. As consequências de tal procedimento podem ser muito desagradáveis. Por exemplo, não são poucos
os indivíduos que perderam a oportunidade de submeter­se a um tratamento cirúrgico com probabilidade de cura para retirada de um câncer retal pelo fato de terem sugerido ao médico,
e este ter aceito, o diagnóstico de “hemorroidas”. Que o paciente tenha essa suspeita após observar sangue junto com as fezes é perfeitamente compreensível. Imperdoável, sob qualquer
pretexto, é o médico assumir esse “diagnóstico”, sem ter realizado um exame anorretal que possibilitaria o reconhecimento de uma neoplasia causadora daquele sangramento.
Não  raramente,  uma  pessoa  pode  enumerar  “vários  motivos”  para  procurar  assistência  médica.  O  motivo  mais  importante  pode  não  ser  o  que  ela  enunciou  primeiro.  Para  se
identificar a queixa principal, nesse caso, deve­se perguntar o que a levou a procurar atendimento médico ou o que mais a incomoda.
Quando o paciente chega ao médico encaminhado por outro colega ou outra  instituição da área de saúde, no  item correspondente à “queixa principal”  registra­se de modo especial
o motivo da consulta. Por exemplo: para um jovem que  teve vários surtos de doença reumática, com ou sem sequelas cardíacas, e que vai ser submetido a uma amigdalectomia e é
encaminhado ao clínico ou cardiologista para averiguação da existência de “atividade  reumática” ou alteração cardiovascular que  impeça a execução da operação proposta,  registra­se,
como motivo da consulta: “Avaliação pré­operatória de amigdalectomia. O paciente já teve vários surtos de doença reumática.”
Pontos­chave
■ Sugestões para obter a “queixa principal”:
• Qual o motivo da consulta?
• Por que o(a) senhor(a) me procurou?
• O que o(a) senhor(a) está sentindo?
• O que o(a) está incomodando?
■ Exemplos de “queixa principal”:
• Dor de ouvido
• Dor no peito há 2 horas
• Exame da admissão para o trabalho.
História da doença atual
A história da doença atual (HDA) é um registro cronológico e detalhado do motivo que levou o paciente a procurar assistência médica, desde o seu início até a data atual.
A HDA, abreviatura já consagrada no linguajar médico, é a parte principal da anamnese e costuma ser a chave mestra para chegar ao diagnóstico.
Normas para se obter uma boa HDA
■ Deixe que o paciente fale sobre sua doença.
■ Identifique o sintoma­guia.
■ Descreva o sintoma­guia com suas características e analise­o minuciosamente.
■ Use o sintoma­guia como fio condutor da história e estabeleça as relações das outras queixas com ele em ordem cronológica.
■ Verifique se a história obtida tem começo, meio e fim.
■ Não induza respostas.
■ Apure evolução, exames e tratamentos realizados em relação à doença atual.
■ Resuma a história que obteve para o paciente, a fim de ele possa confirmar ou corrigir algum dado ou acrescentar alguma informação esquecida.
Algumas  histórias  são  simples  e  curtas,  constituídas  de  poucos  sintomas,  facilmente  dispostos  em  ordem  cronológica,  cujas  relações  entre  si  aparecem  sem  dificuldade.  Outras
histórias são longas, complexas e compostas de inúmeros sintomas, cujas inter­relações não são fáceis de se encontrar.
SINTOMA­GUIA
Designa­se como sintoma­guia o sintoma ou sinal que permite recompor a história da doença atual com mais facilidade e precisão; por exemplo: a febre na malária, a dor epigástrica na
gastrite ou úlcera péptica, as convulsões na epilepsia, o edema na síndrome nefrótica, a diarreia na colite ulcerativa. Contudo, isso não significa que haja sempre um único e constante
sintoma­guia para cada enfermidade.
O encontro de um sintoma­guia é útil para todo médico, mas para o estudante adquire especial utilidade; sem grandes conhecimentos clínicos e sem experiência, acaba sendo a única
maneira para ele reconstruir a história de uma doença.
Sintoma­guia
Sintoma­guia não é necessariamente o mais antigo, mas tal atributo deve ser sempre levado em conta.
Nãoé  obrigatório  que  seja  a  primeira  queixa  relatada  pelo  paciente,  porém,  isso  também  não  pode  ser  menosprezado.  Nem  é,  tampouco,  de  maneira
sistemática, o sintoma mais realçado pelo paciente.
Na verdade, não existe uma regra fixa para determinar o sintoma­guia.
Como orientação geral, o estudante deve escolher como sintoma­guia a queixa de mais longa duração, o sintoma mais salientado pelo paciente ou tomar como
sintoma­guia a “queixa principal”.
O passo seguinte é determinar a época em que teve início aquele sintoma. A pergunta padrão pode ser: “quando o senhor começou a sentir isso?” Nem sempre o paciente consegue se
lembrar de datas exatas, mas, dentro do razoável, é indispensável estabelecer a época provável do início do sintoma.
Nas  doenças  de  início  recente,  os  acontecimentos  a  elas  relacionados  ainda  estão  vivos  na memória  e  será  fácil  recordá­los,  ordenando­os  cronologicamente.  Em  contrapartida,
afecções  de  longa  duração  e  de  começo  insidioso  com  múltiplas  manifestações  causam  maior  dificuldade.  Nesses  casos  mais  complexos,  é  válido  utilizar­se  de  certos  artifícios,
procurando relacionar o(s) sintoma(s) com eventos fáceis de serem lembrados (casamento, gravidez, mudanças, acidentes).
O terceiro passo consiste em investigar a maneira como evoluiu o sintoma. Muitas perguntas devem ser feitas, e cada sintoma tem características semiológicas próprias. Constrói­se
uma história clínica com base no modo como evoluem os sintomas.
Concomitantemente com a análise da evolução do sintoma­guia, o examinador estabelece as correlações e as inter­relações com outras queixas.
A análise do sintoma­guia e dos outros sintomas termina com a obtenção de informações sobre como eles estão no presente momento.
Visto em conjunto esse esquema básico para a confecção da anamnese, verifica­se que a meta almejada é obter uma história que  tenha  início, meio e fim. Fica claro,  também, que
cada história clínica bem­feita tem um fio condutor. Apesar das dificuldades iniciais, o estudante deve esforçar­se para fazer uma história que tenha o sintoma­guia como espinha dorsal,
enquanto os outros sintomas se articulam com ele para formar um conjunto compreensível e lógico.
As  primeiras  histórias  são  sempre  repletas  de  omissões  por  faltar  ao  estudante  conhecimentos  sobre  as  doenças.  Por  isso,  espera­se  apenas  que  ele  consiga  delinear  a  “espinha
dorsal” da história e que, com o passar do tempo, torne­se capaz de conseguir a reconstituição de uma história clínica, por mais complexa que seja.
ESQUEMA PARA ANÁLISE DE UM SINTOMA
Os elementos que compõem o esquema para análise de qualquer sintoma são elucidados no Quadro 6.3, a saber:
■ Início
■ Características do sintoma
■ Fatores de melhora ou piora
■ Relação com outras queixas
■ Evolução
■ Situação atual.
Interrogatório sintomatológico
Essa parte da anamnese, denominada também anamnese especial ou revisão dos sistemas, constitui, na verdade, um complemento da história da doença atual.
O interrogatório sintomatológico documenta a existência ou ausência de sintomas comuns relacionados com cada um dos principais sistemas corporais.
De um modo geral, uma HDA bem­feita deixa pouca coisa para o interrogatório sintomatológico (IS), que é, entretanto, elemento indispensável no conjunto do exame clínico. Pode­
se dizer mesmo que este só estará concluído quando um interrogatório sintomatológico, abrangendo todos os sistemas do organismo, tiver sido adequado e corretamente executado.
A principal  utilidade  prática  do  interrogatório  sintomatológico  reside  no  fato  de  permitir  ao médico  levantar  possibilidades  e  reconhecer  enfermidades  que  não
guardam relação com o quadro sintomatológico registrado na HDA. Por exemplo: o relato de um paciente conduziu ao diagnóstico de gastrite e, no IS, houve referência a edema
dos membros inferiores. Esse sintoma pode despertar uma nova hipótese diagnóstica que vai culminar no encontro de uma cirrose.
Em outras ocasiões, é no  interrogatório sintomatológico que se origina a suspeita diagnóstica mais  importante. Essa possibilidade pode  ser  ilustrada com o caso de um
paciente  que  procurou  o  médico  concentrando  a  sua  preocupação  em  uma  impotência  sexual.  Ao  ser  feita  a  revisão  dos  sistemas,  vieram  à  tona  os
sintomas polidipsia, poliúria e emagrecimento,  queixas  às  quais  o  paciente  não  havia  dado  importância.  No  entanto,  a  partir  delas  o médico  levantou  a  suspeita  da  enfermidade
principal daquele paciente – o diabetes melito.
Além disso, é comum o paciente não relatar um ou vários sintomas durante a elaboração da história da doença atual. Simples esquecimento ou medo inconsciente de determinados
diagnósticos podem levar o paciente a não se referir a padecimentos de valor crucial para chegar a um diagnóstico.
Outra  importante  função do  interrogatório sintomatológico é avaliar práticas de promoção à saúde.  Enquanto  se  avalia  o  estado  de  saúde  passado  e  presente  de  cada
sistema corporal, aproveita­se para promover saúde, orientando e esclarecendo o paciente sobre maneiras de prevenir doenças e evitar riscos à saúde.
É trabalhoso, mas a única maneira de realizar uma boa anamnese especial, particularmente nessa fase de iniciação clínica, é seguir um roteiro rígido, constituído de um conjunto de
perguntas  que  correspondam  a  todos  os  sintomas  indicativos  de  alterações  dos  vários  sistemas  do  organismo. Mais ainda:  para  tirar  o  máximo  proveito  das  atividades  práticas,  o
estudante deve registrar os sintomas presentes e os negados pelo paciente.
Toda queixa será objeto de investigação com base no esquema anteriormente proposto para análise de um sintoma. A simples citação de uma queixa tem algum valor; porém, muito
mais útil é o registro das suas características semiológicas fundamentais.
Quadro 6.3 Esquema para análise de um sintoma, tomando como modelo a dor.
Início Deve ser caracterizado com relação à época de aparecimento. Se foi de início súbito ou gradativo, se teve
fator desencadeante ou não
Características do sintoma Definir localização, duração, intensidade, frequência, tipo, ou seja, características próprias a depender do
sintoma
Fatores de melhora ou piora Definir quais fatores melhoram e pioram o sintoma, como, por exemplo, fatores ambientais, posição,
atividade física ou repouso, alimentos ou uso de medicamentos
Relação com outras queixas Registrar se existe alguma manifestação ou queixa que acompanha o sintoma, geralmente relacionado
com o segmento anatômico ou funcional acometido pelo sintoma
Evolução Registrar o comportamento do sintoma ao longo do tempo, relatando modificações das características e
influência de tratamentos efetuados
Situação atual Registrar como o sintoma está no momento da anamnese também é importante
Importância do interrogatório sintomatológico
Embora o IS seja a parte mais longa da anamnese e pareça ao estudante algo cansativo e muitas vezes inútil, convém ressaltar que:
■ A proposta de atender ao paciente de maneira global inclui o conhecimento de todos os sistemas corporais em seus sintomas e na dimensão da promoção da
saúde
■ Pensando no paciente como um ser mutável e em desenvolvimento, é necessário que se  registre o estado atual de  todo o seu organismo, para se  ter um
parâmetro  no  caso  de  futuras  queixas  e  adoecimento.  Por  exemplo:  se,  na  primeira  consulta,  o  paciente  não  relatou  nenhum  sintoma  referente  ao  sistema
respiratório e, ao retornar após 2 meses, refere­se a tosse com escarros amarelados e dispneia, o médico pode ter uma ideia clara do aparecimento súbito de
uma nova doença
■  Muitas  vezes,  o  adoecimento  de  um  sistema  corporal  tem  correlação  com outro  sistema,  e  há  necessidade  de  tal  conhecimento  para  adequar  a  proposta
terapêutica. Um exemplo clássico é a hipertensão arterial, em que pode existir comprometimento dos sistemas cardiovascular, renal, neurológico,

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