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5 Fundamentos do Método Clínico Fábia Maria Oliveira Pinho, Rita Francis Gonzalez Y Rodrigues Branco e Celmo Celeno Porto EXAME CLÍNICO Na segunda metade do século XX, houve quem dissesse que o método clínico acabava de ser superado pelos recursos tecnológicos. Para simbolizar esta afirmativa, um radiologista colocara sobre sua mesa, dentro de uma redoma, um estetoscópio e uma antiga “valva” (nome arcaico do espéculo vaginal), dizendo que aqueles instrumentos não passavam de curiosas antiguidades. A evolução da medicina mostrou que aquele colega cometera um grosseiro erro de previsão ao superestimar o potencial diagnóstico da radiografia e dos aparelhos de modo geral. O símbolo da tecnologia moderna é o computador, e, quando se vê seu aproveitamento para a feitura da anamnese, concluise que o método clínico, em vez de se tornar obsoleto, está cada vez mais vivo. De fato, alguns procedimentos e certas maneiras para sua aplicação foram modificados ou desapareceram, mas o essencial vai permanecer, pois o exame clínico constitui o arcabouço básico da profissão médica. Tripé da medicina moderna O exame clínico, sem dúvida, continua sendo a parte fundamental do tripé no qual se apoia a medicina moderna, pois constitui o núcleo luminoso do ato médico perfeito. Os exames laboratoriais e os equipamentos mecânicos ou eletrônicos – os outros dois componentes – dependem dos dados clínicos para se transformarem em informações aplicáveis no tratamento do paciente, por mais exatos que sejam seus resultados ou por mais ilustrativos que sejam seus traçados e imagens. O método clínico, pela sua própria natureza, é o único que permite uma visão humana dos problemas do paciente. Suas principais características – flexibilidade e grande abrangência –, justamente aquilo que costuma limitar o valor dos outros métodos, são o que lhe confere posição inigualável na prática médica, pois, por meio delas, é possível atribuir importância a fatores imponderáveis ou não mensuráveis, sempre presentes nas decisões diagnósticas e terapêuticas. Anamnese O exame clínico tem um papel especial em três pontos cruciais da prática médica: formular hipóteses diagnósticas, estabelecer uma boa relação médico paciente e tomar decisões. O médico que levanta hipóteses diagnósticas consistentes é o que escolhe e interpreta com mais acerto os exames complementares, parte integrante da medicina moderna. Ciente do que é mais útil para cada caso, ele otimiza a relação custo/benefício, além de interpretar de maneira mais adequada os valores laboratoriais, as imagens e os gráficos construídos pelos aparelhos. O médico que sabe usar o método clínico aguça cada vez mais seu espírito crítico e não se esquece de que os laudos de exames complementares são apenas resultados de exames e nunca representam uma avaliação global do paciente. Olho clínico Correlacionar com precisão os dados clínicos aos exames complementares pode ser considerado a versão moderna de “olho clínico”, segredo do sucesso dos bons médicos, antigos ou modernos, cuja essência é a capacidade de valorizar detalhes sem perder a visão de conjunto. Essa capacidade garante um lugar de destaque para o exame clínico na medicina moderna ou de qualquer tempo. Atualmente é preciso que os profissionais se empenhem na revalorização da relação médicopaciente, pois ao menosprezar seu lado humano, a medicina perde o que tem de melhor; e, nesse ponto, o exame clínico é insuperável. A relação médicopaciente nasce e se desenvolve durante o exame clínico, e sua qualidade depende do tempo e da atenção que são dedicados à anamnese, tarefa que nenhum aparelho consegue realizar com a mesma eficiência da entrevista com o paciente. Sem dúvida, a qualidade do trabalho do clínico depende de muitos fatores, mas a relação médico paciente continua sendo um ponto fundamental. A decisão diagnóstica não é resultado de um ou vários exames complementares, por mais sofisticados que sejam, tampouco o simples somatório de gráficos, imagens ou valores de substâncias existentes no organismo. É um processo muito mais complexo porque utiliza todos estes elementos, sem se resumir a eles. Em uma decisão diagnóstica, assim como no planejamento terapêutico, é preciso levar em consideração outros fatores, nem sempre aparentes ou quantificáveis, relacionados com o paciente como um todo, principalmente se o médico souber colocar acima de tudo sua condição humana. Aí, também, o método clínico continua insuperável. Somente ele apresenta flexibilidade e abrangência suficientes para encontrar as chaves que individualizam – personalizam, seria melhor dizer – cada diagnóstico realizado. Isso ocorre porque as doenças podem ser semelhantes, mas os pacientes nunca são exatamente iguais. Sempre existem particularidades advindas das características antropológicas, étnicas, psicológicas, culturais, socioeconômicas e até ambientais. Estas considerações tornam possível afirmar que o grande desafio da medicina moderna é conciliar o método clínico com os avanços tecnológicos. Aquele que compreender este desafio terá revelado o significado da expressão que vem atravessando os séculos sem perder sua força e atualidade: a medicina é uma profissão em que ciência e arte são indissociáveis. Aparentemente o exame clínico é simples e fácil. No entanto, é muito mais fácil aprender a fazer ultrassonografias, endoscopias, ressonâncias magnéticas, cateterismos e qualquer outro procedimento do que efetuar a anamnese, auscultar o coração ou palpar o abdome, pois o domínio do método clínico exige aptidão e longo treinamento. Componentes do exame clínico O exame clínico engloba a anamnese e o exame físico, os quais compreendem partes que se completam reciprocamente. A anamnese inclui os seguintes elementos: ■ Identificação ■ Queixa principal ■ História da doença atual ■ Interrogatório sintomatológico ■ Antecedentes pessoais e familiares ■ Hábitos de vida ■ Condições socioeconômicas e culturais. O exame físico, por sua vez, pode ser subdividido em: ■ Exame físico geral ■ Exame dos órgãos ou sistemas. Porém, antes de iniciar o estudo de cada um dos itens que o constituem, é necessário atentar para três aspectos preliminares: ■ Posicionamento do examinador e do paciente para a realização do exame clínico ■ Conhecimento das regiões em que se divide a superfície corporal, de modo que o médico possa localizar e anotar corretamente os sintomas e os dados do exame físico ■ Etapas da anamnese. Enquanto estudante, o examinador deverá seguir as etapas que constituem a anamnese. Depois de ter perfeito domínio da técnica, o médico, em seu consultório, pode ter a liberdade de alterar os elementos da anamnese. Assim sendo, todos os itens serão pesquisados, porém anotados com mais liberdade, sem tanta rigidez no aprendizado. Posições do examinador e do paciente para o exame clínico Para a anamnese, o mais adequado é que o paciente sentese em uma cadeira defronte à escrivaninha do médico. Atualmente têm sido apregoadas as vantagens de o médico e o paciente se sentarem lado a lado sem o distanciamento provocado pela escrivaninha, mas esta prática ainda não se generalizou. No caso de pacientes acamados, cabe ao examinador sentarse ao lado do leito, procurando deixálos na posição que lhes seja mais confortável. Para executar o exame físico, costumamse adotar fundamentalmente as seguintes posições (Figuras 5.1 a 5.6): ■ Decúbito dorsal ■ Decúbito lateral (direito e esquerdo) ■ Decúbito ventral ■ Posição sentada (no leito ou em uma banqueta ou cadeira) ■ Posição de pé ou ortostática. Na realização de exames especiais – exames ginecológico e proctológico, por exemplo –, adotamse posições próprias que serão estudadas no momento oportuno. O examinador colocarseá de modos diferentes, ora de um lado, ora de outro, ficando de pé ou sentado, procurando sempre uma posição confortável que lhe permita máxima eficiência em seu trabalho emínimo incômodo para o paciente. É oportuno lembrar que se torna mais confortável ao paciente que as mudanças de decúbito não sejam constantes e repetidas. Assim sendo, o médico deverá examinar o paciente nos decúbitos já mencionados, depois em posição sentada e a seguir de pé. É clássica a recomendação para o examinador se colocar à direita do paciente. Contudo, isso não quer dizer que deva permanecer fixo nesta posição. O examinador deve deslocarse livremente como lhe convier. Divisão da superfície corporal Para a localização dos achados semióticos na superfície corporal, é de toda conveniência empregar uma nomenclatura padronizada. Para isso adotamos a divisão proposta pela Terminologia Anatômica Internacional. Figura 5.1 Paciente em decúbito dorsal. Os braços repousam sobre a mesa de exame em mínima abdução. Figura 5.2 Paciente em decúbito lateral direito com um dos braços repousando sobre seu corpo e outro em abdução. As pernas são levemente fletidas para maior comodidade do paciente. Figura 5.3 Paciente em decúbito lateral esquerdo com os braços em abdução para possibilitar a visualização da face lateral do tórax. Figura 5.4 Paciente em decúbito ventral. Os braços estão sobre o travesseiro e o paciente repousa sobre um dos lados do rosto. Figura 5.5 Paciente na posição sentada. As mãos repousam sobre as coxas. Nesse caso, o paciente está sentado na beirada da mesa de exame. Figura 5.6 Paciente em posição ortostática. Os pés encontramse moderadamente afastados um do outro e os membros superiores caem naturalmente junto ao corpo. Figura 5.7 Divisão da superfície corporal em regiões: cabeça e face (vista anterior). (Adaptada de WolfHeidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.) Figura 5.8 Divisão da superfície corporal em regiões: cabeça e pescoço (vista posterior). (Adaptada de WolfHeidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.) Figura 5.9 Divisão da superfície corporal em regiões: pescoço, tórax, abdome, membros superiores e inferiores (vista anterior). (Adaptada de WolfHeidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.) Conforme mostram as Figuras 5.7 a 5.11, a superfície do corpo humano pode ser dividida da seguinte maneira: ■ Regiões da cabeça: 1, frontal; 2, parietal; 3, occipital; 4, temporal; 5, infratemporal ■ Regiões da face: 6, nasal; 7, bucal; 8, mentual; 9, orbital; 10, infraorbital; 11, da bochecha; 12, zigomática; 13, parotideomassetérica ■ Regiões cervicais: 14, cervical anterior; 15, esternocleidomastóidea; 16, cervical lateral; 17, cervical posterior ■ Regiões torácicas: 18, infraclavicular; 19, mamária; 20, axilar; 21, esternal ■ Regiões do abdome: 22, hipocôndrio; 23, epigástrio; 24, lateral (flanco); 25, umbilical; 26, inguinal (fossa ilíaca); 27, púbica ou hipogástrico ■ Regiões dorsais: 28, vertebral; 29, sacral; 30, escapular; 31, infraescapular; 32, lombar; 33, supraescapular; 34, interescapulovertebral ■ Região perineal: 35, anal; 36, urogenital ■ Regiões do membro superior: 37, deltóidea; 38, braquial anterior; 39, braquial posterior; 40, cubital anterior; 41, cubital posterior; 42, antebraquial anterior; 43, antebraquial posterior; 44, dorso da mão; 45, palma da mão ■ Regiões do membro inferior: 46, glútea; 47, femoral anterior; 48, femoral posterior; 49, genicular anterior; 50, genicular posterior; 51, crural anterior; 52, crural posterior; 53, calcânea; 54, dorso do pé; 55, planta do pé. ENTREVISTA A entrevista é uma técnica de trabalho comum às atividades profissionais que exigem o relacionamento direto do profissional com sua clientela, como é o caso do repórter, do assistente social, do psicólogo e de outros profissionais. A entrevista, em sentido lato, pode ser definida como um processo social de interação entre duas ou mais pessoas que se desenvolve frente a uma situação que exige necessariamente um ambiente onde as pessoas interajam. A situação apresenta elementos de orientação para a ação das pessoas envolvidas na entrevista, quais sejam os objetos físicos (o local de trabalho, os instrumentos), os objetos culturais (os conhecimentos prévios, os valores, as crenças) e os objetos sociais (as pessoas envolvidas na entrevista). A entrevista no exercício da profissão médica é um processo social de interação entre o médico, o paciente e/ou seu acompanhante, quase sempre um familiar, frente a uma situação que envolve um problema de saúde. Figura 5.10 Divisão da superfície corporal em regiões: tórax, abdome, dorso, membros superiores e inferiores (vista lateral). (Adaptada de WolfHeidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.) Figura 5.11 Divisão da superfície corporal em regiões: tórax, dorso, membros superiores e inferiores (vista posterior). (Adaptada de WolfHeidegger – Atlas de Anatomia, 6a ed., 2006.) A iniciativa da interação, regra geral, cabe ao paciente, que, ao sentirse convicto de que alguma coisa não está bem consigo, decide procurar o médico para confirmar ou não a sua situação como doente. Porém, se a iniciativa cabe ao paciente, sua plena execução cabe ao médico. O médico, ao conhecer os fatores capazes de interferir na entrevista, poderá criar condições que favoreçam uma integração maior entre ele e seu paciente, tornando possível uma interação “ótima”. Isto será alcançado se o médico conseguir do paciente uma predisposição positiva para fornecer informações durante toda a entrevista. O ambiente (consultório, ambulatório, enfermaria, quarto de hospital ou a própria residência do paciente) e o instrumental utilizado pelo médico são os objetos físicos que interferem na entrevista. Desse modo, um ambiente adequado (silencioso, agradável, limpo) e um instrumental apropriado (móveis adequados e equipamentos que funcionam bem, por exemplo) são condições indispensáveis para uma boa entrevista. O uso de gravadores pelo médico não é conveniente na entrevista clínica, pois atua como forte inibidor do paciente. As anotações do próprio punho do médico continuam sendo a melhor maneira de registrar as informações prestadas pelo doente. O registro via digital (prontuário eletrônico do paciente [PEP]) está sendo utilizado atualmente como uma alternativa para anotar os dados da entrevista médica. Nesse caso, o médico ou o estudante deve estar atento para não dar mais importância à máquina do que ao paciente. O aluno iniciante costuma se valer de um roteiro impresso para conduzir a entrevista. A condição de iniciante justifica tal procedimento. A melhor exemplificação da necessidade de ambiente adequado é bem conhecida dos médicos: são as chamadas “consultas de corredor” e as “consultas de festinhas de aniversário”, quando os “clientes” abordam o médico ao passar por ele pelos corredores dos hospitais ou o assediam durante as festas a que o médico comparece. Tais consultas são inevitavelmente incompletas e tirar conclusões diagnósticas delas é um ato de adivinhação. Desde logo, os estudantes devem aprender que o corredor do hospital e os salões de festa são ambientes inadequados para a entrevista médica. A cultura fornece aos membros de uma sociedade, além do instrumental básico de comunicação entre eles – que é a língua –, os padrões de comportamento social que deverão orientar suas ações (ver Capítulo 4, Ensino/Aprendizagem da Relação MédicoPaciente). Referências do médico e do paciente O médico e o paciente, regra geral, têm maneiras de sentir, pensar e agir distintas: o médico apoia suas atitudes, como profissional, em um quadro de referência científico, enquanto o paciente pode apoiar suas atitudes em um quadro de referência paracientífico e mesmo anticientífico. A utilização de quadros de referências distintos para orientar as ações pode dificultar a entrevista; assim, o médico deve preocuparse não só em conhecer e compreender os elementos culturais que orientam a ação do paciente, como também fazer uma análise de si próprio, no sentido de tornar conscientesos valores básicos que orientam sua ação. O médico deve dar atenção especial à linguagem que vai utilizar durante a entrevista, pois o conjunto de símbolos (termos e expressões) utilizado pela profissão médica nem sempre é compreendido pelo paciente, uma vez que seu quadro de referência pode ser distinto. Plaja et al., em um estudo clássico dos processos e níveis de comunicação entre médico e paciente, chegaram a resultados que merecem ser do conhecimento dos iniciantes no método clínico. Verificaram que muitos doentes tiveram problema de compreensão e, no entanto, por inibição ou acanhamento “fingiam” estar entendendo perfeitamente o que lhes foi perguntado ou explicado. Comprovaram também que o grau de incompreensão acompanhava de perto as diferenças sociais entre o médico e o paciente. Constataram, por fim, que essas barreiras eram superadas no momento em que o médico entendia e aceitava a necessidade de levar em conta a cultura de sua clientela. Padrões normativos O médico deve conhecer, também, os padrões normativos que a cultura criou para ele e para o seu paciente. A nossa cultura estabelece, por exemplo, que tanto o médico quanto o paciente devem apresentarse bem compostos em termos de higiene e aparência pessoal; o paciente espera que o médico se interesse por seu caso e que lhe dê atenção, enquanto o médico espera que o paciente responda de maneira adequada às suas perguntas. O conhecimento adequado do médico dos padrões normativos que regem a sua conduta e a do paciente, bem como o conhecimento das expectativas de comportamento que o paciente tem do profissional médico, isto é, a conduta que o paciente espera que o médico tenha, são elementos fundamentais para realizar uma boa entrevista. Não deve, porém, o médico esquecerse de que, além dos objetos físicos e culturais, existem os objetos sociais. Estes objetos sociais são o médico e o paciente; assim, a reação do paciente frente à ação do médico, ou viceversa, é um estímulo a uma nova ação deste último, e assim sucessivamente. Logo, existe uma interestimulação entre o médico e o paciente. Se o médico se apresenta com uma fisionomia carregada após uma resposta do paciente, isto será um elemento de orientação para a ação posterior do paciente, que poderá sentirse preocupado e passar a responder dentro de uma nova perspectiva. O médico, ao conhecer que os objetos sociais se interestimulam, deverá ter o máximo cuidado em controlar e alterar o comportamento do paciente; por outro lado, deve desenvolver sua intuição no sentido de captar no paciente indícios subliminares, como uma leve hesitação ao dar uma resposta ou um franzir de testa, que permitirão desenvolver condições que levem a uma interação mais eficaz com o paciente. Fatores que interferem na entrevista Objetos físicos ■ Ambiente adequado, quase sempre representado por uma sala de consultas – o consultório – ou que pode ser o quarto ou a enfermaria. ■ Instrumental, cujo mínimo é uma cadeira para o participante da entrevista e o material necessário para as anotações. Objetos culturais ■ Com relação ao médico: • Estar consciente de seus valores (ética médica) • Usar uma linguagem adequada • Cuidar da apresentação pessoal ■ Com relação ao paciente: • Conhecer os componentes culturais de sua clientela potencial (nível educacional, padrões alimentares, medicina popular, religiosidade) • Conhecer as expectativas de comportamento da clientela em geral • Conhecer o universo de comunicação básico (a linguagem) de sua clientela ■ Com relação à comunidade: • Conhecer os recursos assistenciais disponíveis na comunidade • Conhecer as condições sanitárias da comunidade. Objetos sociais ■ Conseguir do paciente uma predisposição positiva para dar informações. ■ Estar atento a indícios subliminares (hesitações, gestos, expressões) que possam indicar incompreensão, receio, defesa, insegurança, desconfiança. ■ Controlar suas próprias manifestações que possam induzir respostas inadequadas. EXAME FÍSICO A inspeção, a palpação, a percussão, a ausculta e o uso de alguns instrumentos e aparelhos simples são designados conjuntamente com o exame físico. Um aspecto do exame físico que merece ser ressaltado de imediato é seu significado psicológico. O paciente só se sente verdadeiramente “examinado” quando está sendo inspecionado, palpado, percutido, auscultado, pesado e medido. Esse componente afetivo sempre existe e atinge seu grau máximo nos pacientes com transtornos de ansiedade, podendo, inclusive, ultrapassar os limites do normal. Deve ser reconhecido e corretamente explorado pelo médico para consolidar a relação médicopaciente que teve início na anamnese. Respeito mútuo, seriedade e segurança são os elementos que possibilitarão ao estudante reconhecer o significado psicológico que o exame físico tem para o paciente. Saber usar este componente afetivo é um dos maiores trunfos de que o médico poderá dispor nas mais variadas situações da prática profissional. O exame físico das crianças tem peculiaridades que serão enfatizadas no curso de pediatria. Mas, a título de informe preliminar, desejamos deixar registrada a recomendação de Marcondes: “O exame da criança é resultado de muita paciência, doçura e carinho” (ver Capítulo 179, Semiologia da Infância). SEGUIMENTO DO PACIENTE O seguimento do paciente ou followup, expressão inglesa universalmente consagrada na linguagem médica, é parte integrante do exame clínico e pode ser definido como a observação sistemática do doente durante a evolução de sua enfermidade. Por influência da tecnologia médica, ao se fazer o seguimento do paciente, está se tornando usual a expressão “monitorar” com o significado de manter sob constante observação um ou mais dados clínicos. Assim, monitorar a pressão arterial seria registrála repetidas vezes com o objetivo de reconhecer, prontamente, qualquer modificação. O termo pode ser empregado também quando a observação é realizada com a ajuda de algum aparelho. É o caso, por exemplo, de monitorar o ritmo e a frequência cardíacos, pela observação da atividade elétrica do coração, registrada pelo eletrocardiograma. Todos os dados do exame clínico e de exames complementares podem ser incluídos no seguimento, mas, para simplificar seu trabalho, o médico restringese aos clássicos sinais vitais (temperatura, pulso, pressão arterial, frequência respiratória, nível de consciência), aos quais se acrescentam dados específicos da enfermidade do paciente. O seguimento de um paciente poderá ser feito a curto prazo ou por longo período, às vezes pelo resto da vida. O seguimento tem por finalidade continuar obtendo dados clínicos, seja pela anamnese ou pela repetição do exame físico, agora dirigido para os setores do organismo mais envolvidos. Assim, por exemplo, no seguimento de um paciente com insuficiência cardíaca, o médico fará indagações sobre os sintomas (dispneia, tosse, insônia, oligúria) e, ao examinálo, concentrará sua atenção na ausculta do tórax, atento às crepitações nas bases pulmonares, à frequência e ao ritmo do coração; na palpação do fígado, cuja sensibilidade e tamanho passam a ter interesse especial; no exame físico geral, através do qual vai acompanhar o ingurgitamento jugular e a intensidade do edema dos membros inferiores. Ao lado disso, vai registrar o peso e o volume urinário diariamente. A avaliação de resultados terapêuticos é feita quase inteiramente pelo seguimento do paciente, acompanhandose a evolução da sintomatologia e de dados complementares. Seguimento do paciente e a relação médicopaciente O seguimento do paciente cria condições ideais para aprofundar a relação médicopaciente, pois os repetidos encontros abrem oportunidade para novas indagações e permanente análise das queixas e das atitudes do paciente. Muitas vezes, somente após o aprofundamento do relacionamento tornase possívelesclarecer questões cuja abordagem não foi possível na entrevista inicial. FICHA CLÍNICA OU PRONTUÁRIO MÉDICO Todo atendimento, por mais simples que seja, deve ser registrado na ficha clínica ou no prontuário médico, uma vez que é impossível guardar na memória as queixas, o diagnóstico e as prescrições terapêuticas de todos os pacientes, e para que com isso o médico se resguarde legal e eticamente. Prontuá riomédico De acordo com o Parecer CFM no 30/02, aprovado em 10/07/02, “o prontuário do paciente é o documento único constituído de um conjunto de informações registradas, geradas a partir de fatos, acontecimentos e situações sobre a saúde do paciente e a assistência prestada a ele, de caráter legal, sigiloso e científico, que possibilita a comunicação entre membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao in diví duo”. O prontuário é um documento que pertence ao paciente, mas fica sob a guarda do médico e/ou da instituição, podendo o paciente fotocopiálo. É o principal instrumento de defesa dos profissionais médicos quando há algum tipo de questionamento de natureza ética, civil, administrativa ou criminal. No prontuário devem ser anotadas todas as informações pertinentes ao atendimento prestado. Os registros médicos do paciente são essenciais e devem conter todo o histórico de saúde, desde o nascimento até a morte. Além disso, servem de suporte à pesquisa, ao ensino e ao gerenciamento dos serviços de saúde, e são também um documento legal dos atos médicos. Os prontuários em papel são os mais tradicionais. Todavia, esse tipo de documento é exposto aos riscos de quebra de privacidade e de extravio. Existe, também, dificuldade para a recuperação de informações importantes para tomada de decisão e/ou as que devem ser compartilhadas entre os profissionais de saúde e com os pacientes, além de necessitarem de espaço físico para seu arquivamento. Com isso, o prontuário tende a abarcar um considerável volume de informações sobre o paciente, como os sinais vitais, resultados de exames laboratoriais e de testes diagnósticos, as quais acabam sendo pouco utilizadas por conta da dificuldade de recuperálas. Anotações, por mais sucintas que sejam, formam um dossiê médico de grande valor para o conhecimento de um paciente. Diagnósticos, resultados de exames, reações medicamentosas, cirurgias realizadas, além de outros dados, permitirão ao médico reconhecer com mais facilidade os problemas que o paciente for apresentando ao longo de sua vida. Exames complementares podem ser dispensados ou mais bem interpretados quando se dispõe de anotações anteriores, diminuindo os custos e aumentando a eficiência do trabalho do médico. Há inúmeros modelos de fichas e de prontuários, mas todos eles devem reservar espaço para identificação do paciente, história clínica, exame físico, diagnóstico, prescrições terapêuticas e seguimento do paciente. É necessário abrir um item para as anotações de exames complementares. PRONTUÁRIO ELETRÔNICO O prontuário eletrônico do paciente (PEP) é usado para descrever sistemas desenvolvidos para consultórios médicos, hospitais ou centros de saúde que incluem elementos de identificação ao paciente, medicamentos e geração de receitas, registros de resultados de exames laboratoriais e, em alguns casos, todas as informações de saúde registradas pelo médico em cada visita do paciente. Pode conter outras funções agregadas, como emissão de alertas, prescrição e solicitação de medicamentos, informações sobre admissão e alta, dados financeiros e registros feitos pela equipe multiprofissional. Independentemente do conceito, o PEP deve ser um sistema sigiloso, que possui caráter assistencial, éticolegal e científico, e que possibilita, ainda, a comunicação entre os membros da equipe multiprofissional e a continuidade da assistência prestada ao paciente. Vantagens advindas da utilização do PEP. Acesso mais rápido ao histórico de saúde do paciente e as suas consultas e intervenções prévias; disponibilidade remota; uso simultâneo por diversos serviços e profissionais de saúde; legibilidade das informações; fim da redigitação das informações; integração com outros sistemas de informação; processamento contínuo dos dados; informações organizadas de maneira mais sistemática; inexistência da possibilidade de extravio das fichas; controle do fluxo de pacientes nos serviços de saúde; solicitação e verificação de exames complementares e de medicamentos; mais agilidade; melhora da qualidade no preenchimento dos prontuários; evita deterioração, perda e alteração das informações. No âmbito da saúde pública, os registros atualizados continuamente em níveis municipal, estadual e nacional podem apoiar a definição de políticas públicas e regular as demandas entre os três níveis de atenção (primária, secundária e terciária). Desvantagens em relação ao uso do PEP. Necessidade de grandes investimentos em hardware e software com atualizações frequentes; treinamentos dos usuários; resistência dos profissionais de saúde ao uso de sistemas informatizados; receio dos profissionais em expor suas condutas clínicas, uma vez que o PEP pode ser visto por outros colegas; o sistema pode ficar inoperante por horas ou dias, tornando as informações indisponíveis; demora para coleta de todos os dados obrigatórios; seu uso e acesso indevidos podem colocar a questão da confiabilidade e segurança das informações do paciente. Outra desvantagem apontada está relacionada ao impacto na relação médicopaciente, uma vez que o sistema pode reduzir o contato “olho no olho” e também aumentar o tempo de trabalho dos profissionais, uma vez que costumam exigir o preenchimento de uma quantidade maior de informações. A principal barreira para informatizar o arquivo médico está relacionada à educação dos profissionais de saúde que interagem com o prontuário. Embora o aumento do uso de novas tecnologias no processo de investigação e no tratamento das doenças favoreça a adoção do prontuário eletrônico, não é suficiente para assegurar sua aceitação. É vasto o número de profissionais que tendem a desmerecer as máquinas, duvidar de seu potencial e negar sua confiabilidade e praticidade, principalmente quando provocam alterações na sua rotina profissional, o que pode contribuir para os baixos níveis de implementação dos outros sistemas informatizados. Apesar das dificuldades relatadas, acreditase que é de suma importância a utilização de sistemas de informação que incluam o prontuário eletrônico no âmbito do sistema de saúde, a fim de identificar os usuários, facilitar a gestão dos serviços, a comunicação e o compartilhamento das informações em um país com dimensões continentais e imensa diversidade cultural. LABORATÓRIO DE HABILIDADES O aprendizado da semiologia, hoje, é feito em vários cenários e não somente nos hospitais universitários. Em algumas escolas médicas, para ensinarem a construção de uma história clínica, os professores utilizam os pacientes de enfermarias; em outras já se preferem pacientes provenientes de ambulatórios ou postos de saúde. A enfermaria é um local talvez ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ privilegiado para ensino de técnicas de exame físico, reconhecimento de padrões, demonstração de situações em que o exame físico é alterado, e continua sendo usada com esse objetivo. Já a história clínica construída a partir de pacientes de ambulatórios ou postos de saúde, que apresentam problemas menos complexos, permite que o raciocínio hipotéticodedutivo probabilístico possa ser praticado pelos alunos desde o início. As escolas médicas que adotam metodologias ativas, como o PBL (problembased learning), utilizam, ainda, o laboratório de habilidades como recurso didático para o treinamento de conhecimentos, atitudes e habilidades necessário para o exame clínico. Nolaboratório de habilidades, há um treinamento das técnicas de história clínica e de exame físico antes do contato do estudante com o paciente. Inicialmente, a anamnese é ensinada pelo professor e treinada utilizandose pacientesatores que encenam uma história clínica fictícia. As histórias clínicas encenadas pelos atores são escritas, sob a forma de “cenas teatrais”, por professores de semiologia médica, com o intuito de alcançar os objetivos de aprendizagem propostos pela disciplina no que tange a conhecimentos teóricos, habilidades semiológicas e atitudes éticas e humanistas (Quadros 5.1, 5.2 e 5.3). Já o exame físico é ensinado aos estudantes e repetidamente treinado, utilizandose manequins que simulam reações humanas em diversas situações clínicas, ou também pacientes atores, quando não for possível a realização do exame no manequim. Vale destacar que os manequins e os atores profissionais não podem substituir os pacientes, mas apenas antecedem o contato com eles, facilitando a aprendizagem do método clínico. Quadro 5.1 Objetivos do laboratório de habilidades. Desenvolver a postura ética na relação médicopaciente Desenvolver a habilidade de realizar uma anamnese completa Desenvolver a habilidade de realizar inspeção, palpação, percussão e ausculta Desenvolver a habilidade de realizar a semiotécnica do exame físico geral, dos seguintes sistemas: cardiovascular, respiratório, do abdome, dermatológico, neurológico, endócrinoreprodutor masculino e feminino, endócrinometabólico, geniturinário masculino e feminino e locomotor. Quadro 5.2 Vantagens do laboratório de habilidades. Complexas situações clínicas podem ser desenvolvidas e simuladas Os procedimentos poderão ser repetidos muitas vezes, o que seria inaceitável para os pacientes O erro é permitido e pode ser corrigido de imediato sem o constrangimento do estudante e do paciente Excluise a dependência de haver pacientes no momento do treinamento Pode ser um fator de motivação importante para o aluno para adquirir tanto conhecimentos como habilidades Sendo um espaço de treinamento, oferece maior segurança ao estudante quando for examinar o paciente real. Quadro 5.3 Equipamentos e recursos humanos necessários no laboratório de habilidades. Equipamentos necessários Manequins simuladores, estetoscópios, esfigmomanômetros, macas, banquinhos, cadeiras, papel de maca descartável, lençol, fita métrica, calculadora, balança, termômetro, lanternafoco, diapasão, estesiômetro, martelo e oftalmoscópio. Recursos humanos necessários Profissionaisatores ou alunosestagiários do curso de teatro. Treinamento da técnica da anamnese no laboratório de habilidades A técnica da anamnese é ensinada em um ambiente, dentro do laboratório de habilidades, que simula um consultório médico (ver Quadro 5.3). Esse espaço é composto por um consultório tipo salaespelho e por corredores laterais que circundam essa sala (Figura 5.12). Durante a consulta médica simulada, o alunomédico e o pacienteator ficam dentro do consultório médico em um ambiente falsamente privativo. O professor e os alunos observadores, sempre em pequenos grupos (8 a 12 alunos), ficam nos corredores laterais ao consultório assistindo a toda a consulta, porém sem serem vistos pelo alunomédico ou pacienteator. Após o alunomédico atender o pacienteator construindo sua anamnese, todos os acadêmicos se reúnem com o professor para comentar acertos e falhas, esclarecer dúvidas e discutir situações relacionadas com atitudes semiológicas, relação médicopaciente e questões éticas que, porventura, surgirem durante a consulta simulada. Essa atividade tem por finalidade o treinamento das habilidades necessárias aos estudantes na realização de uma anamnese, com ênfase no desenvolvimento da comunicação, no direcionamento da história clínica, bem como no treinamento das atitudes corretas na relação médicopaciente. Outra maneira de se fazer este treinamento é a filmagem da cena em que o alunomédico faz a anamnese com o pacienteator e posterior apreciação da cena pelo grupo de estudantes e pelo professor, quando os acertos e as falhas são discutidos por todos. Figura 5.12 Salaespelho. Os alunos podem ver e ouvir a entrevista médica sem serem vistos, no entanto microfones permitem a comunicação com o professor. Figura 5.13 Treinamento da semiotécnica do exame físico no laboratório de habilidades com utilização de manequins. Treinamento da semiotécnica do exame físico no laboratório de habilidades A semiotécnica do exame físico é ensinada em uma sala ampla, dentro do laboratório de habilidades, onde o professor demonstra a técnica nos manequinssimuladores ou nos pacientes atores e, em seguida, desenvolve o treinamento dos estudantes, que repetem as manobras por várias vezes até dominarem a técnica (Figura 5.13). Esse encontro entre professor e alunos, em pequenos grupos, é um momento muito rico, pois há uma integração entre o conhecimento teórico apreendido, a prática assistida e posteriormente treinada e posturas eticamente discutidas. Desse modo, os acadêmicos que aprendem antes a semiotécnica do exame clínico no laboratório de habilidades em pacientes atores ou manequinssimuladores tornamse mais bem preparados para o momento de lidar diretamente com um paciente real, seja na atenção primária ou em um hospital. Sem dúvida, o contato direto do estudante com o paciente, deve ser intensamente aproveitado para o aprendizado clínico, porém o processo ensinoaprendizagem pode ser complementado com equipamentos que permitem simulações e que, em muitos casos, são vantajosos. Um exemplo que pode ser citado são os manequins que simulam ausculta cardíaca, em que todos os sons cardíacos podem ser ouvidos várias vezes pelos estudantes, até que haja uma memorização completa de todas as suas características e diferenças. Os alunos podem treinar exaustivamente, sem o grande desconforto que isso poderia causar em pacientes reais. BIBLIOGRAFIA Brasil. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Novas Diretrizes Curriculares nacionais para os Cursos de Graduação em Medicina, 2014. Pezzi L, Neto SP. O laboratório de habilidades na formação médica. Cadernos da ABEM, vol. 4, 2008. Pinho FMO, Branco RFGR. Laboratório de habilidades clínicas. In: Porto CC, Porto AL. Exame clínico. 8a ed. Guanabara Koogan, 2017. Plaga AD et al. La comunicación entre el medico y el paciente en las consultas externas. Educación Medica y Salud; 1969; 3(3):21727. Porto CC. Cartas aos estudantes de medicina. 2a ed. Guanabara Koogan, 2018. Troncon LEA. Clinical skils assessment: limitations to the introduction of “OSCE” (objective structured clinical examination) in a traditional Brazilian medical school. São Paulo Med J. 2004; 122(1): 127. ■ ■ ■ ■ ■ ■ ■ 6 Anamnese Fábia Maria Oliveira Pinho, Rita Francis Gonzalez Y Rodrigues Branco e Celmo Celeno Porto ASPECTOS GERAIS Anamnese (do grego aná –trazer de novo + mnesis –memória) significa trazer de volta à mente todos os fatos relacionados com a doença e o paciente. De início, devese ressaltar que a anamnese é a parte mais importante da medicina: primeiro, porque é o núcleo em torno do qual se desenvolve a relação médicopaciente, que, por sua vez, é o principal pilar do trabalho do médico; segundo, porque é cada vez mais evidente que o progresso tecnológico somente é bem utilizado se o lado humano da medicina é preservado. Concluise, portanto, que cabe à anamnese uma posição ímpar, insubstituível, na prática médica. A anamnese, se bemfeita, culmina em decisões diagnósticas e terapêuticas corretas; se malfeita, em contrapartida, desencadeia uma série de consequências negativas, as quais não podem ser compensadas com a realização de exames complementares, por mais sofisticados que sejam. A ilusão de que o progresso tecnológico eliminariaa entrevista e transformaria a medicina em uma ciência “quase” exata caiu por terra. Já se pode afirmar que uma das principais causas da perda de qualidade do trabalho médico é justamente a redução do tempo dedicado à anamnese. Até o aproveitamento racional das avançadas técnicas depende cada vez mais da entrevista. A realização de muitos exames complementares não resolve o problema; pelo contrário, agravao ao aumentar os custos, sem crescimento paralelo da eficiência. Escolher o(s) exame(s) adequado(s), entre tantos disponíveis, é fruto de um raciocínio crítico apoiado quase inteiramente na anamnese. O Quadro 6.1 resume os objetivos e as possibilidades principais da anamnese. Em essência, a anamnese é uma entrevista, e o instrumento de que nos valemos é a palavra falada. É óbvio que, em situações especiais (pacientes surdos ou pacientes com dificuldades de sonorização), dados da anamnese podem ser obtidos por meio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), da palavra escrita ou mediante tradutor (acompanhante e/ou cuidador que compreenda a comunicação do paciente). No início do aprendizado do método clínico, os estudantes pensam que “fazer anamnese” é simplesmente “conversar com o paciente”; contudo, entre uma coisa e outra há uma distância enorme, basicamente porque o diálogo entre o médico e o paciente tem objetivo e finalidade preestabelecidos, ou seja, a reconstituição dos fatos e dos acontecimentos direta ou indiretamente relacionados com uma situação anormal da vida do paciente. Quadro 6.1 Possibilidades e objetivos da anamnese. Estabelecer condições para uma adequada relação médicopaciente Conhecer, por meio da identificação, os determinantes epidemiológicos que influenciam o processo saúdedoença de cada paciente Fazer a história clínica, registrando, detalhada e cronologicamente, o(s) problema(s) de saúde do paciente Registrar e desenvolver práticas de promoção da saúde Avaliar o estado de saúde passado e presente do paciente, conhecendo os fatores pessoais, familiares e ambientais que influenciam seu processo saúdedoença Conhecer os hábitos de vida do paciente, bem como suas condições socioeconômicas e culturais Avaliar, de maneira clara, os sintomas de cada sistema corporal. A anamnese é o melhor instrumento para fazer a triagem e analisar os sintomas, reconhecer problemas de saúde e preocupações e registrar as maneiras como a pessoa responde a essas situações, permitindo aventar hipótese(s) diagnóstica(s) consistente(s), além de abrir espaço para a promoção da saúde. Maneiras de se fazer anamnese A anamnese pode ser conduzida das seguintes maneiras: ■ Deixar o paciente relatar, livre e espontaneamente, suas queixas sem nenhuma interferência, limitandose a ouvilo. Essa técnica é recomendada e seguida por muitos clínicos. O psicanalista apoiase integralmente nela e chega ao ponto de se colocar em uma posição na qual não possa ser visto pelo paciente, para que sua presença não exerça influência inibidora ou coercitiva ■ De outra maneira, denominada anamnese dirigida, o médico, tendo em mente um esquema básico, conduz a entrevista mais objetivamente. O uso dessa técnica exige rigor técnico e cuidado na sua execução, de modo a não se deixar levar por ideias preconcebidas ■ Outra maneira é o médico deixar, inicialmente, o paciente relatar de maneira espontânea suas queixas, para depois conduzir a entrevista de modo mais objetivo. As inúmeras fontes de informação, principalmente a internet, estão modificando a técnica da anamnese, que está passando de “relato” para “diálogo” (ver a seguir). Paciente informado ou expert Com a crescente capacidade de o paciente obter informações sobre sintomas, doenças, tratamentos, especialmente nos sites de busca da internet, está surgindo um novo tipo de entrevista que pode ser chamado de “anamnese dialogada”. Em vez do tradicional relato passa a haver um diálogo amparado nas informações obtidas pelo paciente e nos conhecimentos científicos do médico (ver Capítulo 1, Princípios e Bases da Prática Médica). Qualquer que seja a técnica empregada, os dados coletados devem ser elaborados. Isso significa que uma boa anamnese é o que se retém do relato feito pelo paciente ou do diálogo, no caso do paciente expert, depois de ter passado por uma análise crítica, com o intuito de estabelecer o significado das expressões usadas e a coerência das correlações estabelecidas. Há de se ter cuidado com as interpretações que os pacientes fazem de seus sintomas e dos tratamentos. A história clínica, portanto, não é o simples registro de uma conversa .É mais do que isso: é o resultado de uma entrevista com objetivo explícito, conduzida pelo examinador e cujo conteúdo foi elaborado criticamente por ele. As primeiras tentativas são trabalhosas, longas e cansativas, e o resultado não passa de uma história complicada, incompleta e eivada de descrições inúteis, ao mesmo tempo que deixa de ter informações essenciais. Por isso, podese afirmar que a anamnese é a parte mais difícil do método clínico, mas é também a mais importante. Seu aprendizado é lento, só conseguido depois de se realizarem dezenas de entrevistas. Muito mais fácil é aprender a manusear aparelhos, já que eles obedecem a esquemas rígidos, enquanto as pessoas apresentam individualidade, característica humana que exige do médico flexibilidade na conduta e capacidade de adaptação. Para fazer uma entrevista de boa qualidade, antes de tudo o médico deve estar interessado no que o paciente tem a dizer. Ao mesmo tempo, é necessário demonstrar compreensão e desejo de ser útil àquela pessoa, com a qual assume um compromisso tácito que não tem similar em nenhuma outra relação interhumana. Perguntase frequentemente quanto tempo devese dedicar à anamnese. Não se pode, é óbvio, estabelecer limites rígidos. Os estudantes que estão fazendo sua iniciação clínica gastam horas para entrevistar um paciente, pois são obrigados a seguir roteiros longos, preestabelecidos; é necessário que seja assim, pois, nessa fase, precisam percorrer todo o caminho para conhecêlo, para que somente após isso possam criar “atalhos” sem perder a qualidade da entrevista. Nas doenças agudas ou de início recente, em geral apresentando poucos sintomas, é perfeitamente possível conseguir uma história clínica de boa qualidade em 10 minutos, ao passo que nas doenças de longa duração, com sintomatologia variada, não se gastarão menos do que 30 a 60 minutos. Em qualquer situação, aproveitase, também, o momento em que está sendo executado o exame físico para novas indagações, muitas delas despertadas pela observação do paciente. A pressa é o defeito de técnica mais grosseiro que se pode cometer durante a obtenção da história; tão grosseiro como se quisesse obter em 2 minutos uma reação bioquímica que exige 2 horas para se completar. Este erro pode ter graves consequências no atendimento aos pacientes. Espírito preconcebido O espírito preconcebido é outro erro técnico a ser evitado continuamente, porque pode ser uma tendência natural do examinador. Muitas vezes essa preconcepção é inconsciente, originada de um especial interesse por determinada enfermidade ou por partes da medicina, como acontece com os especialistas que perdem a visão de conjunto dos pacientes. A falta de conhecimento sobre os sintomas da doença limita de maneira extraordinária a possibilidade de se obter uma investigação clínica completa. Quando não se conhece um fenômeno, não se sabe que meios e modos serão mais úteis para que seja detectado e entendido; por isso, costumase dizer que anamneses perfeitas só podem ser obtidas por médicos experientes. No entanto, histórias clínicas de boa qualidade são conseguidas pelos estudantes após treinamento supervisionado, não muito longo. A anamnese ainda é, na maioria dos pacientes, o fator isolado mais importante para se chegar a um diagnóstico, mas o valor prático da história clínica não se restringeà elaboração do diagnóstico, que deve ser uma meta fundamental do médico. A terapêutica sintomática só pode ser planejada com acerto e proveito se for fundamentada no conhecimento detalhado dos sintomas relatados. Cada indivíduo personaliza de maneira própria seus padecimentos. Todo paciente apresenta particularidades que escapam a qualquer esquematização rígida. Idiossincrasias ou intolerâncias que a anamnese traz à tona podem ser decisivas na escolha de um recurso terapêutico. Assim, o antibiograma poderá indicar que determinada substância é mais ativa contra determinado germe, porém, se o paciente relatar intolerância àquele antibiótico, sua eficácia cientificamente preestabelecida perde o significado. Há muitas doenças cujos diagnósticos são feitos quase exclusivamente pela história, como, por exemplo, epilepsia, enxaqueca e neuralgia do trigêmeo, isso sem se falar dos transtornos psiquiátricos, cujo diagnóstico apoiase integralmente nos dados da anamnese (ver Parte 19, Exame Psiquiátrico). Determinados pacientes tendem a tomar a condução da anamnese, respondendo apenas às perguntas que lhes interessam, questionando o médico, levantando questões a todo momento ou interpretando eles mesmos os sintomas, ao mesmo tempo que emitem opiniões sobre exames a serem efetuados. Chegam a sugerir diagnósticos e tratamentos para seus próprios males. Muitas dessas pessoas são adeptas de leituras de divulgação científica em revistas ou em sites da internet. A primeira preocupação do médico deve ser retomar a direção da entrevista de maneira habilidosa, preocupandose em não assumir nenhuma atitude hostil proveniente da momentânea perda de sua posição de líder daquele colóquio. Muitas vezes, alguns dados da anamnese tornamse mais claros se voltamos a eles durante o exame físico do paciente. Uma das principais características do método clínico é justamente sua flexibilidade. Contudo, na fase inicial do aprendizado, é melhor procurar esgotar todas as questões durante a anamnese. Recomendações práticas para se fazer uma boa anamnese ■ É no primeiro contato que reside a melhor oportunidade para fundamentar uma boa relação entre o médico e o paciente. Perdida essa oportunidade, sempre existirá um hiato intransponível entre um e outro. ■ Cumprimente o paciente, perguntando logo o nome dele e dizendolhe o seu. Não use termos como “vovô”, “vovó”, “vozinho”, “vozinha” para as pessoas idosas (ver Capítulo 181, Semiologia do Idoso). ■ Demonstre atenção ao que o paciente está falando e procure identificar de pronto alguma condição especial – dor, sonolência, ansiedade, hostilidade, tristeza, confusão mental – para que você saiba a maneira de conduzir a entrevista (ver Capítulo 14, Ensino/Aprendizagem da Relação MédicoPaciente). ■ Conhecer e compreender as condições socioculturais do paciente representa uma ajuda inestimável para reconhecer a doença e entender o paciente. ■ Perspicácia e tato são qualidades indispensáveis para a obtenção de dados sobre doenças estigmatizantes ou distúrbios que afetam a intimidade da pessoa. ■ Ter sempre o cuidado de não sugestionar o paciente com perguntas que surgem de ideias preconcebidas. ■ O tempo reservado à anamnese distingue o médico competente do incompetente, o qual tende a transferir para as máquinas e o laboratório a responsabilidade do diagnóstico. ■ Sintomas bem investigados e mais bem compreendidos abrem caminho para um exame físico objetivo. Isso poderia ser anunciado de outra maneira: só se acha o que se procura e só se procura o que se conhece. ■ A causa mais frequente de erro diagnóstico é uma história clínica mal obtida. ■ Obtidas as queixas, estas devem ser elaboradas mentalmente pelo médico, de modo a encontrar o desenrolar lógico dos acontecimentos, que é a base do raciocínio clínico. ■ Os dados fornecidos pelos exames complementares nunca corrigem as falhas e as omissões cometidas na anamnese. Laudos não são diagnósticos, são apenas laudos. ■ Somente a anamnese possibilita ao médico uma visão de conjunto do paciente, indispensável para a prática de uma medicina de excelência. SEMIOTÉCNICA DA ANAMNESE A anamnese se inicia com perguntas do tipo: “o que o(a) senhor(a) está sentindo?”, “qual é o seu problema?”. Isso parece fácil, mas, tão logo o estudante começa seu aprendizado clínico, ele percebe que não é bem assim. Não basta pedir ao paciente que relate sua história e anotála. Muitos pacientes têm dificuldade para falar e precisam de incentivo; outros – e isto é mais frequente – têm mais interesse em narrar as circunstâncias e os acontecimentos paralelos do que relatar seus padecimentos. Aliás, o paciente não é obrigado a saber como deve relatar suas queixas. O médico é que precisa saber como obtêlas. O médico tem de estar imbuído da vontade de ajudar o paciente a relatar seus padecimentos. Para conseguir tal intento, Bickley e Szilagyi (2010) sugerem que o examinador utilize uma ou mais das seguintes técnicas: apoio , facilitação , reflexão , esclarecimento , confrontação , interpretação ,respostas empáticas e silêncio. Afirmações de apoio despertam segurança no paciente. Dizer, por exemplo, “Eu compreendo” em momento de dúvida pode encorajálo a prosseguir no relato de alguma situação difícil. O médico consegue facilitar o relato do paciente por meio de sua postura, de ações ou palavras que o encorajem, mesmo sem especificar o tópico ou o problema que o incomoda. O gesto de balançar a cabeça levemente, por exemplo, pode significar para o paciente que ele está sendo compreendido. A reflexão é muito semelhante à facilitação e consiste basicamente na repetição das palavras que o médico considerar as mais significativas durante o relato do paciente. O esclarecimento é diferente da reflexão porque, nesse caso, o médico procura definir de maneira mais clara o que o paciente está relatando. Por exemplo, se o paciente se refere à tontura, o médico, por saber que esse termo tem vários significados, procura esclarecer a qual deles o paciente se refere (vertigem? Sensação desagradável na cabeça?). A confrontação consiste em mostrar ao paciente algo acerca de suas próprias palavras ou comportamento. Por exemplo, o paciente mostrase tenso, ansioso e com medo, mas diz ao médico que “está tudo bem”. Aí, o médico pode confrontálo da seguinte maneira: “Você diz que está tudo bem, mas por que está com lágrimas nos olhos?” Essa afirmativa pode modificar inteiramente o relato do paciente. Na interpretação, o médico faz uma observação a partir do que vai notando no relato ou no comportamento do paciente. Por exemplo: “Você parece preocupado com os laudos das radiografias que me trouxe.” A resposta empática é a intervenção do médico mostrando “empatia”, ou seja, compreensão e aceitação sobre algo relatado pelo paciente. A resposta empática pode ser por palavras, gestos ou atitudes: colocar a mão sobre o braço do paciente, oferecer um lenço se ele estiver chorando ou apenas dizer a ele que compreende seu sofrimento. No entanto, é necessário cuidado com esse tipo de procedimento. A palavra ou gesto do médico pode desencadear uma reação inesperada ou até contrária por parte do paciente. A resposta do paciente quase sempre nos coloca diante de um sintoma; portanto, antes de tudo, é preciso que se tenha entendido claramente o que ele quis expressar. A informação é fornecida na linguagem comum, cabendo ao médico encontrar o termo científico correspondente, elaborando mentalmente um esquema básico que permita uma correta indagação de cada sintoma. Há momentos na entrevista em que o examinador deve permanecer calado, mesmo correndo o risco de parecer que perdeu o controle da conversa. O silêncio pode ser o mais adequado quando o paciente se emociona ou chora. Saber o tempo de duração do silêncio faz parte da técnica e da arte de entrevistar. Elementos componentes da anamnese A anamnese é classicamente desdobradanas seguintes partes: identificação, queixa principal, história de doença atual (HDA), interrogatório sintomatológico (IS), antecedentes pessoais e familiares, hábitos e estilo de vida, condições socioeconômicas e culturais (Quadro 6.2). Identificação A identificação é o perfil sociodemográfico do paciente que permite a interpretação de dados individuais e coletivos. Apresenta múltiplos interesses; o primeiro deles é de iniciar o relacionamento com o paciente, saber o nome de uma pessoa é indispensável para que se comece um processo de comunicação em nível afetivo. Para a confecção de fichários e arquivos, que nenhum médico ou instituição pode dispensar, os dados da identificação são fundamentais. Além do interesse clínico, também dos pontos de vista pericial, sanitário e médicotrabalhista, esses dados são de relevância para o médico. A data em que é feita a anamnese é sempre importante e, quando as condições clínicas modificamse com rapidez, convém acrescentar a hora. Os elementos descritos a seguir são obrigatórios. Nome. Primeiro dado da identificação. Nunca é demais criticar o hábito de designar o paciente pelo número do leito ou pelo diagnóstico. “Paciente do leito 5” ou “aquele caso de cirrose hepática da Enfermaria 7” são expressões que jamais devem ser usadas para caracterizar uma pessoa. Quadro 6.2 Elementos componentes da anamnese. Identificação Perfil sociodemográfico que possibilita a interpretação dos dados individuais e coletivos do paciente Queixa principal É o motivo da consulta. Sintomas ou problemas que motivaram o paciente a procurar atendimento médico História de doença atual Registro cronológico e detalhado do problema atual de saúde do paciente Interrogatório sintomatológico Avaliação detalhada dos sintomas de cada sistema corporal. Complementar a HDA e avaliar práticas de promoção à saúde Antecedentes pessoais e familiares Avaliação do estado de saúde passado e presente do paciente, conhecendo os fatores pessoais e familiares que influenciam seu processo saúdedoença Hábitos de vida Documentar hábitos e estilo de vida do paciente, incluindo ingesta alimentar diária e usual, prática de exercícios, história ocupacional, uso de tabaco, consumo de bebidas alcoólicas e utilização de outras substâncias e drogas ilícitas Condições socioeconômicas e culturais Avaliar as condições de habitação do paciente, além de vínculos afetivos familiares, condições financeiras, atividades de lazer, filiação religiosa e crenças espirituais, bem como a escolaridade Idade. Cada grupo etário tem sua própria doença, e bastaria essa assertiva para tornar clara a importância da idade. A todo momento, o raciocínio diagnóstico se apoia nesse dado e, quando se fala em “doenças próprias da infância”, está se consagrando o significado do fator idade no processo de adoecimento. Vale ressaltar que, no contexto da anamnese, a relação médicopaciente apresenta peculiaridades de acordo com as diferentes faixas etárias (ver Capítulo 179, Semiologia da Infância, Capítulo 180, Semiologia da Adolescência, e Capítulo 181, Semiologia do Idoso). Sexo/gênero. Não se falando nas diferenças fisiológicas, sempre importantes do ponto de vista clínico, há enfermidades que só ocorrem em determinado sexo. Exemplo clássico é a hemofilia, transmitida pelas mulheres, mas que só aparece nos homens. É óbvio que existem doenças específicas para cada sexo no que se refere aos órgãos sexuais. As doenças endócrinas adquirem muitas particularidades em função desse fator. A questão de gêneros, bastante estudada nos últimos anos, aponta para um processo de adoecimento diferenciado no homem e na mulher, ainda quando a doença é a mesma. Cor/etnia. Embora não sejam coisas exatamente iguais, na prática elas se confundem. Em nosso país, onde existe uma intensa mistura de etnias (Figura 6.1), é preferível o registro da cor da pele como faz o IBGE usandose a seguinte nomenclatura: ■ Cor branca ■ Cor parda ■ Cor preta. Figura 6.1 População brasileira de acordo com a cor da pele/raça/etnia. Os censos demográficos de 1940, 1950, 1960, 1980 e 1997 mostram a relevância da miscigenação no Brasil. Os brancos, que em 1940 representavam 64% da população, no censo de 1997 representavam 54,4%; enquanto isso, os pardos passaram de 21 para 39,9%, e os negros, de 15 para 5,2%. No censo de 2000, os dados pouco se alteraram (IBGE, 2000). Nos dados de 2008, 2010 e 2015 ocorreram pequenas alterações, praticamente igualando brancos e pardos. (IBGE, 2015.) Uma nova maneira de conhecer as características étnicas do povo brasileiro é pelo exame do DNA de grupos populacionais. Pena et al. (2000) demonstraram, pela análise do DNA de 200 homens e mulheres de “cor branca” de regiões e origens sociais diversas, que apenas 39% tinham linhagem exclusivamente europeia (cor branca), enquanto 33% apresentavam herança genética indígena e 28%, africana (cor negra). A influência da etnia no processo do adoecimento conta com muitos exemplos; o mais conhecido é o da anemia falciforme, uma alteração sanguínea específica dos negros, mas que, em virtude da miscigenação, pode ocorrer em pessoas de outra cor. Outro exemplo é a hipertensão arterial, que mostra comportamento evolutivo diferente nos pacientes negros: além de ser mais frequente nesse grupo, a hipertensão arterial apresenta maior gravidade, com lesões renais mais intensas e maior incidência de acidentes vasculares encefálicos. Em contrapartida, pessoas de cor branca estão mais predispostas aos cânceres de pele. Considerando o alto grau de miscigenação (ver Figura 6.1) da população brasileira, há necessidade de se ampliarem os estudos da influência étnica nas doenças prevalentes em nosso país, inclusive nos indivíduos de cor parda. O primeiro passo é o registro correto da cor da pele nos estudos epidemiológicos e nos prontuários médicos. Estado civil. Não só os aspectos sociais referentes ao estado civil podem ser úteis ao examinador. Aspectos médicotrabalhistas e periciais podem estar envolvidos, e o conhecimento do estado civil passa a ser um dado valioso. Profissão. É um dado de crescente importância na prática médica, e sobre ele teceremos algumas considerações em conjunto com o item que se segue. Local de trabalho. Não basta registrar a ocupação atual. Fazse necessário indagar sobre outras atividades já exercidas em épocas anteriores. Por isso, nos prontuários, devem constar os itens profissão e local de trabalho na identificação, e os itens ocupação atual e ocupações anteriores nos hábitos de vida. Em certas ocasiões, existe uma relação direta entre o trabalho do indivíduo e a doença que lhe acometeu. Enquadramse nessa categoria as chamadas doenças profissionais e os acidentes de trabalho. Por exemplo, indivíduos que trabalham em pedreiras ou minas podem sofrer uma doença pulmonar determinada por substâncias inaladas ao exercerem sua profissão; chamase pneumoconiose, e é uma típica doença profissional. O indivíduo que sofre uma fratura ao cair de um andaime é vítima de um acidente de trabalho. Em ambos os casos, ao lado dos aspectos clínicos, surgem questões de caráter pericial ou médicotrabalhista. Em outras situações, ainda que a ocupação não seja diretamente relacionada com a doença, o ambiente no qual o trabalho é executado poderá envolver fatores que agravam uma afecção preexistente. Assim, são os locais empoeirados ou enfumaçados que agravam os padecimentos dos portadores de enfermidades broncopulmonares, como asma brônquica, bronquite crônica, enfisema pulmonar e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). Naturalidade. Local onde o paciente nasceu. Procedência. Este item geralmente referese à residência anterior do paciente. Por exemplo, ao atender a um paciente que mora em Goiânia (GO), mas que anteriormente residiu em Belém (PA), devese registrar esta última localidade como a procedência. Em casos de pacientes emtrânsito (viagens de turismo, de negócios), a procedência confundese com a residência, dependendo do referencial. Por exemplo: no caso de um executivo que reside em São Paulo (SP) e faz uma viagem de negócios para Recife (PE), caso seja atendido em um hospital em Recife, sua procedência será São Paulo. Caso procure assistência médica logo depois de seu retorno a São Paulo (SP), sua procedência será Recife (PE). Residência. Quanto a este item, anotase a residência atual. Nesse local deve ser incluído o endereço do paciente. As doenças infecciosas e parasitárias se distribuem pelo mundo em função de vários fatores, como climáticos, hidrográficos e de altitude. Conhecer o local da residência é o primeiro passo nessa área. Além disso, devese lembrar de passagem que a população tem muita mobilidade e os movimentos migratórios influem de modo decisivo na epidemiologia de muitas doenças infecciosas e parasitárias. É na identificação do paciente e, mais especificamente, no registro de sua residência que esses dados emergem para uso clínico. Citemos como exemplos a doença de Chagas, a esquistossomose, a malária e a hidatidose. A distribuição geográfica dessas endemias deve estar na mente de todos nós, pois a todo momento nos veremos diante de casos suspeitos. Nome da mãe. Anotar o nome da mãe do paciente é uma regra comum nos serviços de saúde no sentido de diferenciar os pacientes homônimos. Nome do responsável, cuidador e/ou acompanhante. O registro do nome do responsável, cuidador e/ou acompanhante de crianças, adolescentes, pessoas idosas, tutelados ou incapazes (problemas de cognição, por exemplo) fazse necessário para que se firme a relação de corresponsabilidade ética no processo de tratamento do paciente. Religião. A religião à qual o paciente se filia tem relevância no processo saúdedoença. Alguns dados bastante objetivos, como a proibição à hemotransfusão em testemunhas de Jeová e o não uso de carnes pelos fiéis da Igreja Adventista, têm uma repercussão importante no planejamento terapêutico. Outros dados mais subjetivos podem influenciar a relação médicopaciente, uma vez que o médico usa em sua fala a pauta científica, que muitas vezes pode se contrapor à pauta religiosa pela qual o paciente compreende o mundo em que vive. Filiação a órgãos/instituições previdenciárias e planos de saúde. Ter conhecimento desse fato possibilita o correto encaminhamento para exames complementares, outros especialistas ou mesmo a hospitais, nos casos de internação. O cuidado do médico em não onerar o paciente, buscando alternativas dentro do seu plano de saúde, é fator de suma importância na adesão ao tratamento proposto. Queixa principal ou motivo da consulta Neste item, registrase a queixa principal ou, mais adequadamente, o motivo que levou o paciente a procurar o médico, repetindo, se possível, as expressões por ele utilizadas. É uma afirmação breve e espontânea, geralmente um sinal ou um sintoma, nas próprias palavras da pessoa que expressa o motivo da consulta. Pode ser uma anotação entre aspas para indicar que se trata das palavras exatas do paciente. Contudo, não aceitar, tanto quanto possível, “rótulos diagnósticos” referidos à guisa de queixa principal. Assim, se o paciente disser que seu problema é “pressão alta” ou “menopausa”, procurarseá esclarecer o sintoma que ficou subentendido sob outra denominação. Mas, muitas vezes o paciente já recebeu de um médico o diagnóstico de uma doença. Neste caso, o motivo da consulta pode ser baseado naquele diagnóstico obtido pelo próprio paciente em um siteda internet. Portanto, algumas vezes é razoável o registro de um diagnóstico como motivo da consulta. Cumpre ressaltar que é um risco tomar ao pé da letra os “diagnósticos” dos pacientes. Por comodidade, pressa ou ignorância, o médico pode ser induzido a aceitar, dando ares científicos a conclusões diagnósticas oferecidas pelos pacientes ou seus familiares. As consequências de tal procedimento podem ser muito desagradáveis. Por exemplo, não são poucos os indivíduos que perderam a oportunidade de submeterse a um tratamento cirúrgico com probabilidade de cura para retirada de um câncer retal pelo fato de terem sugerido ao médico, e este ter aceito, o diagnóstico de “hemorroidas”. Que o paciente tenha essa suspeita após observar sangue junto com as fezes é perfeitamente compreensível. Imperdoável, sob qualquer pretexto, é o médico assumir esse “diagnóstico”, sem ter realizado um exame anorretal que possibilitaria o reconhecimento de uma neoplasia causadora daquele sangramento. Não raramente, uma pessoa pode enumerar “vários motivos” para procurar assistência médica. O motivo mais importante pode não ser o que ela enunciou primeiro. Para se identificar a queixa principal, nesse caso, devese perguntar o que a levou a procurar atendimento médico ou o que mais a incomoda. Quando o paciente chega ao médico encaminhado por outro colega ou outra instituição da área de saúde, no item correspondente à “queixa principal” registrase de modo especial o motivo da consulta. Por exemplo: para um jovem que teve vários surtos de doença reumática, com ou sem sequelas cardíacas, e que vai ser submetido a uma amigdalectomia e é encaminhado ao clínico ou cardiologista para averiguação da existência de “atividade reumática” ou alteração cardiovascular que impeça a execução da operação proposta, registrase, como motivo da consulta: “Avaliação préoperatória de amigdalectomia. O paciente já teve vários surtos de doença reumática.” Pontoschave ■ Sugestões para obter a “queixa principal”: • Qual o motivo da consulta? • Por que o(a) senhor(a) me procurou? • O que o(a) senhor(a) está sentindo? • O que o(a) está incomodando? ■ Exemplos de “queixa principal”: • Dor de ouvido • Dor no peito há 2 horas • Exame da admissão para o trabalho. História da doença atual A história da doença atual (HDA) é um registro cronológico e detalhado do motivo que levou o paciente a procurar assistência médica, desde o seu início até a data atual. A HDA, abreviatura já consagrada no linguajar médico, é a parte principal da anamnese e costuma ser a chave mestra para chegar ao diagnóstico. Normas para se obter uma boa HDA ■ Deixe que o paciente fale sobre sua doença. ■ Identifique o sintomaguia. ■ Descreva o sintomaguia com suas características e analiseo minuciosamente. ■ Use o sintomaguia como fio condutor da história e estabeleça as relações das outras queixas com ele em ordem cronológica. ■ Verifique se a história obtida tem começo, meio e fim. ■ Não induza respostas. ■ Apure evolução, exames e tratamentos realizados em relação à doença atual. ■ Resuma a história que obteve para o paciente, a fim de ele possa confirmar ou corrigir algum dado ou acrescentar alguma informação esquecida. Algumas histórias são simples e curtas, constituídas de poucos sintomas, facilmente dispostos em ordem cronológica, cujas relações entre si aparecem sem dificuldade. Outras histórias são longas, complexas e compostas de inúmeros sintomas, cujas interrelações não são fáceis de se encontrar. SINTOMAGUIA Designase como sintomaguia o sintoma ou sinal que permite recompor a história da doença atual com mais facilidade e precisão; por exemplo: a febre na malária, a dor epigástrica na gastrite ou úlcera péptica, as convulsões na epilepsia, o edema na síndrome nefrótica, a diarreia na colite ulcerativa. Contudo, isso não significa que haja sempre um único e constante sintomaguia para cada enfermidade. O encontro de um sintomaguia é útil para todo médico, mas para o estudante adquire especial utilidade; sem grandes conhecimentos clínicos e sem experiência, acaba sendo a única maneira para ele reconstruir a história de uma doença. Sintomaguia Sintomaguia não é necessariamente o mais antigo, mas tal atributo deve ser sempre levado em conta. Nãoé obrigatório que seja a primeira queixa relatada pelo paciente, porém, isso também não pode ser menosprezado. Nem é, tampouco, de maneira sistemática, o sintoma mais realçado pelo paciente. Na verdade, não existe uma regra fixa para determinar o sintomaguia. Como orientação geral, o estudante deve escolher como sintomaguia a queixa de mais longa duração, o sintoma mais salientado pelo paciente ou tomar como sintomaguia a “queixa principal”. O passo seguinte é determinar a época em que teve início aquele sintoma. A pergunta padrão pode ser: “quando o senhor começou a sentir isso?” Nem sempre o paciente consegue se lembrar de datas exatas, mas, dentro do razoável, é indispensável estabelecer a época provável do início do sintoma. Nas doenças de início recente, os acontecimentos a elas relacionados ainda estão vivos na memória e será fácil recordálos, ordenandoos cronologicamente. Em contrapartida, afecções de longa duração e de começo insidioso com múltiplas manifestações causam maior dificuldade. Nesses casos mais complexos, é válido utilizarse de certos artifícios, procurando relacionar o(s) sintoma(s) com eventos fáceis de serem lembrados (casamento, gravidez, mudanças, acidentes). O terceiro passo consiste em investigar a maneira como evoluiu o sintoma. Muitas perguntas devem ser feitas, e cada sintoma tem características semiológicas próprias. Constróise uma história clínica com base no modo como evoluem os sintomas. Concomitantemente com a análise da evolução do sintomaguia, o examinador estabelece as correlações e as interrelações com outras queixas. A análise do sintomaguia e dos outros sintomas termina com a obtenção de informações sobre como eles estão no presente momento. Visto em conjunto esse esquema básico para a confecção da anamnese, verificase que a meta almejada é obter uma história que tenha início, meio e fim. Fica claro, também, que cada história clínica bemfeita tem um fio condutor. Apesar das dificuldades iniciais, o estudante deve esforçarse para fazer uma história que tenha o sintomaguia como espinha dorsal, enquanto os outros sintomas se articulam com ele para formar um conjunto compreensível e lógico. As primeiras histórias são sempre repletas de omissões por faltar ao estudante conhecimentos sobre as doenças. Por isso, esperase apenas que ele consiga delinear a “espinha dorsal” da história e que, com o passar do tempo, tornese capaz de conseguir a reconstituição de uma história clínica, por mais complexa que seja. ESQUEMA PARA ANÁLISE DE UM SINTOMA Os elementos que compõem o esquema para análise de qualquer sintoma são elucidados no Quadro 6.3, a saber: ■ Início ■ Características do sintoma ■ Fatores de melhora ou piora ■ Relação com outras queixas ■ Evolução ■ Situação atual. Interrogatório sintomatológico Essa parte da anamnese, denominada também anamnese especial ou revisão dos sistemas, constitui, na verdade, um complemento da história da doença atual. O interrogatório sintomatológico documenta a existência ou ausência de sintomas comuns relacionados com cada um dos principais sistemas corporais. De um modo geral, uma HDA bemfeita deixa pouca coisa para o interrogatório sintomatológico (IS), que é, entretanto, elemento indispensável no conjunto do exame clínico. Pode se dizer mesmo que este só estará concluído quando um interrogatório sintomatológico, abrangendo todos os sistemas do organismo, tiver sido adequado e corretamente executado. A principal utilidade prática do interrogatório sintomatológico reside no fato de permitir ao médico levantar possibilidades e reconhecer enfermidades que não guardam relação com o quadro sintomatológico registrado na HDA. Por exemplo: o relato de um paciente conduziu ao diagnóstico de gastrite e, no IS, houve referência a edema dos membros inferiores. Esse sintoma pode despertar uma nova hipótese diagnóstica que vai culminar no encontro de uma cirrose. Em outras ocasiões, é no interrogatório sintomatológico que se origina a suspeita diagnóstica mais importante. Essa possibilidade pode ser ilustrada com o caso de um paciente que procurou o médico concentrando a sua preocupação em uma impotência sexual. Ao ser feita a revisão dos sistemas, vieram à tona os sintomas polidipsia, poliúria e emagrecimento, queixas às quais o paciente não havia dado importância. No entanto, a partir delas o médico levantou a suspeita da enfermidade principal daquele paciente – o diabetes melito. Além disso, é comum o paciente não relatar um ou vários sintomas durante a elaboração da história da doença atual. Simples esquecimento ou medo inconsciente de determinados diagnósticos podem levar o paciente a não se referir a padecimentos de valor crucial para chegar a um diagnóstico. Outra importante função do interrogatório sintomatológico é avaliar práticas de promoção à saúde. Enquanto se avalia o estado de saúde passado e presente de cada sistema corporal, aproveitase para promover saúde, orientando e esclarecendo o paciente sobre maneiras de prevenir doenças e evitar riscos à saúde. É trabalhoso, mas a única maneira de realizar uma boa anamnese especial, particularmente nessa fase de iniciação clínica, é seguir um roteiro rígido, constituído de um conjunto de perguntas que correspondam a todos os sintomas indicativos de alterações dos vários sistemas do organismo. Mais ainda: para tirar o máximo proveito das atividades práticas, o estudante deve registrar os sintomas presentes e os negados pelo paciente. Toda queixa será objeto de investigação com base no esquema anteriormente proposto para análise de um sintoma. A simples citação de uma queixa tem algum valor; porém, muito mais útil é o registro das suas características semiológicas fundamentais. Quadro 6.3 Esquema para análise de um sintoma, tomando como modelo a dor. Início Deve ser caracterizado com relação à época de aparecimento. Se foi de início súbito ou gradativo, se teve fator desencadeante ou não Características do sintoma Definir localização, duração, intensidade, frequência, tipo, ou seja, características próprias a depender do sintoma Fatores de melhora ou piora Definir quais fatores melhoram e pioram o sintoma, como, por exemplo, fatores ambientais, posição, atividade física ou repouso, alimentos ou uso de medicamentos Relação com outras queixas Registrar se existe alguma manifestação ou queixa que acompanha o sintoma, geralmente relacionado com o segmento anatômico ou funcional acometido pelo sintoma Evolução Registrar o comportamento do sintoma ao longo do tempo, relatando modificações das características e influência de tratamentos efetuados Situação atual Registrar como o sintoma está no momento da anamnese também é importante Importância do interrogatório sintomatológico Embora o IS seja a parte mais longa da anamnese e pareça ao estudante algo cansativo e muitas vezes inútil, convém ressaltar que: ■ A proposta de atender ao paciente de maneira global inclui o conhecimento de todos os sistemas corporais em seus sintomas e na dimensão da promoção da saúde ■ Pensando no paciente como um ser mutável e em desenvolvimento, é necessário que se registre o estado atual de todo o seu organismo, para se ter um parâmetro no caso de futuras queixas e adoecimento. Por exemplo: se, na primeira consulta, o paciente não relatou nenhum sintoma referente ao sistema respiratório e, ao retornar após 2 meses, referese a tosse com escarros amarelados e dispneia, o médico pode ter uma ideia clara do aparecimento súbito de uma nova doença ■ Muitas vezes, o adoecimento de um sistema corporal tem correlação com outro sistema, e há necessidade de tal conhecimento para adequar a proposta terapêutica. Um exemplo clássico é a hipertensão arterial, em que pode existir comprometimento dos sistemas cardiovascular, renal, neurológico,
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