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UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS E MATEMÁTICA (PPGECIM) ROSANI APARECIDA PRIM CARDOSO ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA PRÉ-ESCOLA: AÇÕES EM BUSCA DE TRANSFORMAÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL BLUMENAU 2017 ROSANI APARECIDA PRIM CARDOSO ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA PRÉ-ESCOLA: AÇÕES EM BUSCA DE TRANSFORMAÇÕES PARA UMA EDUCAÇÃO SUSTENTÁVEL Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ensino de Ciências Naturais e Matemática (PPGECIM) Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática, da Universidade Regional de Blumenau (FURB), como pré-requisito para obtenção do título de mestre. Orientadora: Profa. Dra. Arleide Rosa da Silva BLUMENAU 2017 Dedico esta dissertação, com imenso carinho e gratidão à todas as crianças com as quais convivi durante toda minha caminhada e que me fortaleceram por meio de seu amor e desejo de aprender e com as quais aprendi a viver mais feliz. AGRADECIMENTOS Agradeço imensamente a Deus por ouvir minhas orações e colocar pessoas tão especiais no meu caminho nesse tempo de pesquisa e estudos. Agradeço aos meus preciosos pais, Agostinho Germinário Prim (In Memoriam) e Idalina Dietrich Prim, pelo exemplo de garra, força e persistência no enfrentamento de dificuldades e que me inspiraram a me esforçar para vencer as situações adversas encontradas no percurso, belos exemplos. Ao meu marido Jairo Maciel Cardoso, especialmente presente como incentivo e apoio em todos os momentos. À minha filha Talita Carine Cardoso, companheira em todas as horas e aos meus filhos Alejandro Fabiano Prim Cardoso e Vítor Maciel Cardoso pelo incentivo, com suas palavras de encorajamento. À minha amada e inseparável irmã, Eliane de Fátima Prim Santos companheira nessa jornada, que é um presente de Deus na minha vida e seu esposo, João Altair Soares Santos pelo incentivo e apoio. Ao meu irmão Carlos Alberto Prim que mesmo morando distante, sempre me apoiou. Às minhas amigas Jeane Pitz Pukall e Tania Regina dos Santos, amigas de todas as horas. À Roseli de Andrade, por sempre incentivar e valorizar meu trabalho e à Sinclair, parceira desde o inicio de minha carreira na escola, com a qual partilhei toda a minha caminhada. Ás incríveis crianças da pré-escola que sempre me motivaram a investir na minha formação e aos seus pais pela parceria. Aos professores, coordenação e demais funcionários da EBMVT pelo apoio recebido. Às professoras Daniela Tomio e Ana Carolina Araújo da Silva por suas valiosas contribuições que ampliaram as reflexões sobre a pesquisa. Ao professor Aldo Sena de Oliveira pela leitura da pesquisa e contribuição na qualificação. À Prefeitura Municipal de Blumenau, em especial, à Secretaria Municipal de Educação (SEMED), por oportunizar a licença para cursar o mestrado. Aos professores do PPGECIM (FURB), pela dedicação e pelo empenho durante o mestrado. À professora Arleide Rosa da Silva, por aceitar a tarefa de orientar-me. Imensa gratidão a todos, com carinho especial. DEDICAT ORIADEDICATORIADEDICATORIADEDICATORIADEDICATORIADEDICATORIADEDICA TORIADEDICATOR O olhar investigativo da criança sobre o mundo me encanta... Oito Anos Por que você é flamengo? E meu pai botafogo? O que significa "impávido colosso"? Por que os ossos doem Enquanto a gente dorme? Por que os dentes caem? Por onde os filhos saem? Por que os dedos murcham Quando estou no banho? Por que as ruas enchem Quando está chovendo? Quanto é mil trilhões Vezes infinito? Quem é Jesus Cristo? Onde estão meus primos? Well, well, well Gabriel... Well, Well, Well, Well... Música e composição: Paula Toller – 1998 RESUMO Neste estudo objetiva-se compreender as contribuições de uma proposta pedagógica norteada pela Alfabetização Científica - AC para crianças da Pré-escola, a partir de práticas sustentáveis, em uma Escola de Educação Básica da região de Blumenau-SC. Os sujeitos da pesquisa foram vinte crianças, matriculadas na Pré- escola do Ensino Fundamental. A pesquisa foi realizada na Escola Básica Municipal Visconde de Taunay, Blumenau/SC. Desde 2011, a escola desenvolve o ‘Projeto Escola Sustentável’. A pesquisa se caracteriza pela abordagem qualitativa em que fizeram parte da coleta de dados os seguintes instrumentos: observação participante nos diversos ambientes escolares, diálogos e/ou opiniões expressos durante a realização das ações, nas rodas de conversas desenvolvidas com as crianças, antes e depois das atividades, interpretações das crianças relacionadas aos desenhos elaborados por elas, registro fotográfico e filmagem de algumas atividades. Em relação ao procedimento classifica-se como uma investigação-ação. Está vinculada à linha da Didática das Ciências e da Matemática PPGECIM/ FURB/SC. As práticas pedagógicas construídas para a Pré-escola atenderam a uma intencionalidade educativa pautada nas especificidades de desenvolvimento e aprendizagem infantis, considerando a criança como ser ativo sobre o mundo em que vive. A AC no contexto de ensino e aprendizagem das crianças da Educação Infantil pretende promover a compreensão e ação sobre o mundo de maneira consciente, mediada pelos conhecimentos científicos para optar por melhores escolhas no dia-a-dia, objetivando uma qualidade de vida melhor para as pessoas e para o planeta. Sasseron e Carvalho (2008) identificam três aspectos, chamando-os de Eixos Estruturantes, que consideram para refinar os conceitos de diversos autores a respeito da AC e servem para pensar em estratégias para sua aplicação. Nessa pesquisa, como balizador do planejamento e da análise das práticas pedagógicas, foi usado o primeiro dos eixos estruturantes que se refere à compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais. Ainda corroboraram com a presente investigação os documentos norteadores da Educação Infantil DCNEI (BRASIL, 2009), DMC (BLUMENAU, 2012), BNCC (BRASIL, 2017) e os pressupostos da Escola Sustentável (BRASIL, 2012). A pesquisa indica que a Pré- escola inserida no Ensino Fundamental necessita de uma proposta definida para atender as especificidades e necessidades das crianças. Nesse sentido a AC pode contribuir proporcionando, por meio das ações realizadas, experiências significativas para permitir o acesso a novos conhecimentos, ampliando a compreensão e ação sobre o mundo. Ao fazerem pesquisas, mobilizando as mais diversas linguagens as crianças agiram com autonomia e protagonismo, em exercício de sua cidadania, expressando e vivendo um papel fundamental na construção de um mundo melhor e mais sustentável. Palavras-chave: Prática pedagógica. Pré-escola. Alfabetização Científica. Sustentabilidade ABSTRACT This study aims to understand the contributions of a pedagogical proposal guided by the Scientific Literacy - SL for preschool children, based on sustainable practices, in a Basic Education School in the region of Blumenau-SC. The subjects of the research were twenty children enrolled in the Elementary School Preschool. The research was carried out at the Municipal Basic School Visconde de Taunay, Blumenau / SC. Since 2011, the school has developed the 'Sustainable School Project'. The research is characterized by the qualitative approach in which the following instruments were part of the data collection: participant observation in the differentschool environments, dialogues and / or opinions expressed during the performance of the actions, in the round of conversations developed with children, before and after the activities, interpretations of the children related to the drawings elaborated by them, photographic record and filming of some activities. In relation to the procedure, it is classified as an action research. It is linked to the line of Didactics of Sciences and Mathematics PPGECIM / FURB / SC. The pedagogical practices built for the Pre-school attended an educational intentionality based on the specificities of children's development and learning, considering the child as being active about the world in which they live.The SL in the context of teaching and learning of children in Early Childhood Education aims to promote understanding and action on the world in a conscious way, mediated by scientific knowledge to opt for better choices in everyday life, aiming at a better quality of life for children. people and the planet. Sasseron and Carvalho (2008) identify three aspects, calling them Structuring Axes, which consider to refine the concepts of several authors about SL and serve to think of strategies for their application. In this research, as the basis of planning and analysis of pedagogical practices, the first of the structuring axes was used, that refers to the basic understanding of terms, knowledge and fundamental scientific concepts. In addition to the present research, the guiding documents of DCNEI (BRASIL, 2009), DMC (BLUMENAU, 2012), BNCC (BRAZIL, 2017) and the Sustainable School assumptions (BRASIL, 2012) were corroborated. The research indicates that Preschool inserted in Elementary School needs a proposal defined to meet the specifics and needs of children. In this sense, SL can contribute by providing, through the actions carried out, significant experiences to allow access to new knowledge, broadening understanding and action on the world. In doing research, mobilizing the most diverse languages, children acted with autonomy and protagonism, exercising their citizenship, expressing and living a fundamental role in building a better and more sustainable world. Keywords: Pedagogical practice. Pre school. Scientific Literacy. Sustainability LISTA DE SIGLAS AC - Alfabetização Científica APP - Associação de Pais e Professores BNCC - Base Nacional Comum Curricular CAPES - Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior CE I- Centro de Educação Infantil DCM - Diretrizes Curriculares Municipais DCNEI - Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil EBMVT- Escola Básica Municipal Visconde de Taunay EI - Educação Infantil EF - Ensino Fundamental FURB- Fundação Universidade Regional de Blumenau IPEC - Instituto de Permacultura de Ecovilas do Cerrado MEC - Ministério de Educação e Cultura PPGECIM- Programa de Pós- Graduação em Ciências Naturais e Matemática PPP- Plano Político Pedagógico RIEC- Rede Internacional de Escolas Criativas SEMED- Secretaria Municipal de Educação de Blumenau UDESC- Universidade do Estado de Santa Catarina LISTA DE FIGURAS Figura 1- Atendimento na Educação Básica em Blumenau. ..................................... 21 Figura 2- Crianças observando o ambiente na área do bosque ............................... 25 Figura3 - Vista aérea da escola e seu entorno ......................................................... 44 Figura 4-Vista parcial do prédio escolar e do pátio ................................................... 45 Figura 5 - Horta Mandala e Parque de pneus .......................................................... 47 Figura 6- Casamática e espaço de exposições ........................................................ 47 Figura 7- Árvore no pátio da escola e Jardim biodiverso .......................................... 48 Figura 8- Espaços que educam o coletivo ................................................................ 49 Figura 9- Crianças da Pré-escola explorando as minhocas na Horta Mandala ........ 51 Figura 10- Representação em quatro fases do ciclo básico de investigação-ação ... 53 Figura 11- Crianças em atividades relacionadas à construção da floresta ............... 62 Figura 12- Crianças em atividades de construção da maquete ................................ 64 Figura 13- Crianças explorando o entorno escolar ................................................... 66 Figura 14- Crianças recolhendo resíduos sólidos no jardim biodiverso .................... 69 Figura 15- Crianças recebendo o cordão da Pegadinha Ecológica .......................... 71 Figura 16- Crianças no jardim biodiverso ................................................................. 72 Figura 17- Professora Eliane explicando processo de construção da cortina verde . 74 Figura 18- Diálogo promovido no teatro com as folhas ............................................ 75 Figura 19- Ação das crianças na horta mandala ...................................................... 77 Figura 20- Crianças com baldinho de resíduos orgânicos e minhocário ................... 82 LISTA DE QUADROS Quadro 1- Edital de matrícula SEMED nº 20/2015 ................................................... 21 Quadro 2 – Objetivos das práticas pedagógicas previstas para Educação Infantil ... 38 Quadro 3- Matriz para análise e interpretação dos resultados ................................. 58 Quadro 4- Síntese das atividades desenvolvidas durante a prática pedagógica ...... 60 SUMÁRI0 APRESENTAÇÃO: MINHA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL .................................. 15 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 20 2 ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICA NORTEADA PELA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA NA PRÉ-ESCOLA ................ 25 2.1 INDÍCIOS DA CURIOSIDADE CIENTÍFICA NA PRÉ-ESCOLA ......................... 29 2.2 A CIÊNCIA QUE SE APRENDE NA PRÉ-ESCOLA: ARTICULAÇÃO DE CONHECIMENTOS E APRENDIZAGENS MEDIADAS PELOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS .......................................................................................................... 33 3 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA COMO NORTEADORA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA PARA A PRÉ-ESCOLA EM UMA ESCOLA SUSTENTÁVEL ........ 40 3.1. ESCOLA BÁSICA MUNICIPAL VISCONDE DE TAUNAY – A SUSTENTABILIDADE EM UMA PROPOSTA NORTEADA PELA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA PARA A PRÉ-ESCOLA ....................................................................... 44 4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS – DELINEANDO O PROCESSO DE PESQUISA .............................................................................................................. 53 4.1 CENÁRIO E SUJEITOS: CARACTERIZANDO A ESCOLA E O GRUPO DE CRIANÇAS .............................................................................................................. 55 4.2 CATEGORIZAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ....................................... 57 5 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ATIVIDADES QUE COMPÕE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NORTEADA PELA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA PARA A PRÉ- ESCOLA .................................................................................................................. 60 5.1 FUI MORAR NUMA FLORESTA, TA, TA, INFESTADA, DA, DA DE BICHINHOS...: CONSTRUÇÃO DA MAQUETE DE UMA FLORESTA E DA CIDADE ................................................................................................................................. 62 5.2 UNI, DUNI,TÊ, SALAMÊ, MINGUÊ, O JARDIM BIODIVERSO, EU VOU ESCOLHER... : CONHECENDO O JARDIM BIODIVERSO ..................................... 68 5.3 A DONA ARANHA SUBIU PELA FOLHINHA...: CONHECENDO A CORTINA VERDE ....................................................................................................................73 5.4 COMER, COMER COISAS SAUDÁVEIS PARA PODER CRESCER... EXPLORAÇÃO DA HORTA MANDALA ................................................................... 76 5.5 VAI ABÓBORA VAI MELÃO, VAI MELÃO VAI MELANCIA... ESTUDO DA COMPOSTEIRA ...................................................................................................... 75 5.6 MINHOCA, MINHOCA, ME DÁ UMA BEIJOCA... MONTAGEM DE UM MINHOCÁRIO .......................................................................................................... 81 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 85 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 91 APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO .................................................... 94 APÊNDICE B – PRODUTO EDUCACIONAL............................................................95 15 APRESENTAÇÃO: MINHA TRAJETÓRIA PROFISSIONAL O que pode caracterizar a ação docente de uma professora durante sua trajetória? Esta não é uma questão que se pode responder sem uma reflexão mais aprofundada. Afinal, temos inúmeras questões que se apresentam em cada fase de nossa jornada. Nesse sentido, me identifico com o ciclo de vida profissional estudado por Huberman (1992) e pontuarei minha trajetória profissional por meio dessas correlações. Esse autor distingue cinco fases que marcam o processo de evolução da profissão docente. A primeira fase caracteriza-se como a entrada na carreira, em que acontece um período de ‘exploração’, em que são comuns o entusiasmo, os questionamentos, as dúvidas quanto ao modo como superar as dificuldades, como por exemplo, lidar com a disciplina em sala de aula ou com a falta de materiais didáticos. No início de minha carreira percebi que meu desenvolvimento aconteceu exatamente assim. Minha caminhada na educação começou cedo, talvez até pelo meu histórico, digamos que tive uma pré-fase, de deslumbramento e encantamento com a profissão. Com cinco anos acompanhava minha mãe que lecionava numa escola isolada no interior do Paraná. Apesar de não ter clareza da dinâmica que acontecia na sala, sabia que ali se aprendia muitas coisas interessantes, que eu ainda não conhecia. Com sete anos nos mudamos para Blumenau e iniciei meu primeiro ano de alfabetização na Escola Básica Municipal Visconde de Taunay - EBMVT. Sempre gostei de estudar, recebendo incentivo das professoras para continuar me dedicando e prosseguindo nos estudos. Quando terminei o Ensino Fundamental já tinha tomado a decisão de fazer o magistério. Durante os anos de formação, me dediquei aos estudos, reafirmando minha escolha. Após a conclusão do curso, fui convidada pela diretora da escola onde estudei para assumir uma vaga em uma turma de quarta série. Aceitei o desafio e na semana seguinte assumi a turma. Foi muito difícil para mim, chegando ao ponto de querer desistir. A didática que havia aprendido estava muito longe da realidade que se apresentava no cotidiano escolar. Minha preocupação girava em torno de prazos para dar conta dos conteúdos, que já estavam programados nos planos anuais a serem seguidos em uma sequência. Sentia vontade e necessidade de criar algo diferente, que despertasse interesse da turma, entusiasmo, movimento, alegria em 16 aprender. Porém a insegurança, a preocupação em “dar conta do conteúdo” me impedia de investir em outra metodologia. Concluí aquele ano muito frustrada. Segundo Huberman (1992), ainda nessa fase em que predominam aspectos de sobrevivência e de descoberta, ocorrem as desistências ou os questionamentos sobre a real validade da escolha feita. No ano seguinte, a escola mudou de endereço e foi ampliada, passou a contar com turmas de pré-escolar e uma turma de quinta série. As vagas para assumir as turmas foram colocadas à disposição dos professores da escola. Nesse ponto me parece claro a minha sobrevivência vindo à tona, falando mais alto que a desistência e consegui visualizar uma oportunidade de ampliar minha experiência, assumindo uma turma de Pré-escola, sendo um grupo que exigia outro olhar, pois eram crianças com cinco e seis anos. Dessa vez, as coisas foram bem diferentes em relação à experiência anterior. Posso constatar o despontar da segunda fase, definida por Huberman (1992), como a da estabilização e do compromisso em abraçar a profissão. Por ser uma turma nova, não havia naquele momento nenhuma diretriz, nada pré- estabelecido, porém isto não me assustou. Quando comecei a receber os estudantes, suas características me chamaram à atenção. As crianças apresentavam uma imensa espontaneidade e curiosidade, principalmente em relação à natureza, aos animais do entorno da escola. Questionavam e formulavam hipóteses sobre o mundo ao seu redor, atitude que me inspirou a refletir e buscar respostas. O planejamento precisava contemplar e corresponder aos anseios das crianças. Nesse período cresci bastante profissionalmente e enquanto pessoa, pois passei a ampliar meus conhecimentos buscando auxílio junto a profissionais das áreas específicas, assim como leituras e pesquisas. As formações promovidas pela Secretaria Municipal de Educação – SEMED contribuíram de forma significativa, fornecendo suporte para uma prática mais efetiva. Materiais pedagógicos enviados à escola, para uso com a pré-escola, permitiram dinamizar as aulas. A experiência com essa faixa etária influenciou e intensificou meu desejo em permanecer e investir na educação. Durante os nove anos seguintes trabalhei com o pré-escolar, na EBMVT, consolidando-se assim a terceira fase, a qual Hubermann (1992) chama de diversificação e experimentação. Nessa fase os professores seriam os mais motivados e dinâmicos, em busca de novos desafios em sua carreira. Denominada a 17 fase mais longa, em que o professor poderá evoluir e envolver- se em outros cargos ou ainda reduzir seus compromissos ou exercer outra profissão. Desponta aqui sem dúvida, um investimento na primeira opção, pois investi em minha profissão, evoluí e me aperfeiçoei. Nos anos seguintes trabalhei com alfabetização nos segundos e terceiros anos. Atualmente sou professora na pré-escola em período integral. São vinte e oito anos de experiência na educação, sempre em sala de aula e na mesma unidade escolar. Identifiquei durante esse percurso de tempo, metodologias que desenvolvi e que uso em dinâmicas diferenciadas como a utilização de jogos, a realização de trabalhos em grupo, a exploração do entorno da escola e que contribuíram para o desenvolvimento de uma aprendizagem mais significativa para os estudantes. Em 2002, iniciei minha graduação em Pedagogia, pela UDESC. Aprofundar os conhecimentos adquiridos e construídos até esse momento foi de extrema importância na minha vida profissional. Prática e teoria passaram a enriquecer meus planejamentos, nos quais proporcionei atividades, objetivando estimular nas crianças à criatividade, o senso crítico e à autonomia. Refletir sobre o desenvolvimento dos estudantes e os objetivos que devem ser alcançados, quando se busca uma educação de qualidade, são primordiais. Em 2010, investi em uma pós-graduação em Psicopedagogia, com ênfase na alfabetização. A partir desta formação, passei a ter um olhar mais atento ao processo de construção da escrita e de leitura dos estudantes, assim como aos desafios que apresentam em relação à aprendizagem. Mais tarde, em 2013, surgiu a oportunidade de participar da formação oferecida pelo programa de extensão Novos Talentos, desenvolvido na FURB sob a responsabilidade da Professora Vera Lúcia Souza e Silva. Esta formação foi realizada fora do nosso horário de trabalho, aos sábados, feriados e períodos de férias. O ciclo de formação tinha o intuito de qualificar a prática docente nos pressupostos teórico-metodológicos sobre a temática ecoformação e biodiversidade e disseminar nas unidades escolares esse ciclo de qualificação. As dinâmicas desenvolvidas faziam de cada aula uma experiência única, sempre sendo motivo de longas reflexões após o término do dia. O contato com a natureza durante os passeios, unidos às explicações da Professora Lúcia Sevegnani e do Professor Edson Schroeder apontaram que estudar e entender a natureza são vitais na formação de cidadãos ecologicamente responsáveis para uma mobilização em 18 defesa de sua preservação. Ao longo da formação, foi possível fazer uma reflexão sobre minha trajetória enquanto professora durante todos esses anos. Como me constituí como profissional e qual a importância de um olhar introspectivo na compreensão da pessoa/professora. Esse ponto de minha docência distancia-se das fases propostas por Hubermann (1992), pois a quarta fase é caracterizada pelo autor como sendo a de serenidade e distanciamento afetivo, demonstrando certo comodismo. Pelo contrário, nesse momento minha disposição está renovada e meu desejo de ensinar e aprender me impulsiona a buscar novos conhecimentos e experiências. Fator esse, relevante na decisão de me inscrever para cursar o Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática. Lecionando na turma do pré-escolar e procurando ter uma prática docente voltada para a formação do ser humano, valorizando e respeitando a individualidade, promovendo a autonomia e estimulando a autoestima das crianças, concluí que poderia investir e enriquecer meu trabalho. Sendo o primeiro ano a ingressarem na escola, entendo a importância das crianças da pré-escola se identificarem com um espaço acolhedor. Minha experiência de trabalho com essa faixa etária me impulsionou a investigar a partir do contexto escolar desses estudantes. Sinto-me ainda mais distante, da última fase descrita por Hubermann (1992), que é a preparação para a aposentadoria. Apesar de cronologicamente estar perto, tenho aquela energia que tinha quando me imaginava professora e era apenas uma criança. A escola onde trabalho há vinte e oito anos contribuiu nesta inspiração e me inclina ao estudo da natureza, pois seu entorno é um convite para aulas ao ar livre, rodeada de árvores e pequenos animais comuns em áreas verdes. Próximo ao estacionamento há uma pequena lagoa de onde surge uma trilha, já explorada por um grupo de estudantes. O espaço é contemplado também com uma área extensa com gramado, onde os estudantes praticam atividades físicas e de lazer. O entorno escolar e o desenvolvimento de projetos voltados a sustentabilidade contribuiu para meu entusiasmo na profissão. A escola apresenta uma estrutura, que convida a um bom convívio. O desenvolvimento de propostas para a ampliação do Projeto Escola Sustentável iniciado em 2011 busca sensibilizar a todos na direção da construção de uma vida melhor, com respeito ao próximo e contribuindo com o cuidado e harmonia daquilo que temos como um bem precioso e necessário: o meio ambiente. As atividades 19 desenvolvidas no decorrer do projeto, como a reestruturação do pátio com plantio de várias árvores, construção da horta mandala, o jardim biodiverso, espaços para exposição de trabalhos, construção do parque de pneus, artes representadas por pinturas nas paredes da escola e muros, cortina verde, casinha de garrafa pet, são alguns dos espaços construídos com a participação de todos os segmentos, como protagonistas no processo de ensino e aprendizagem. É visível a diferença entre impor e construir junto, pois os valores desenvolvidos demonstram mudança de atitudes no cotidiano. O contexto no qual trabalho exige do profissional, conhecimento para poder propor ações que ajudem na formação dos estudantes, dos professores e da comunidade. Nesse sentido, o mestrado aponta reflexões que aprimoram e fundamentam a direção de uma prática mais consistente e inovadora. 20 1 INTRODUÇÃO Durante um período na história da humanidade o processo de cuidado e ensino da criança pequena era considerado como responsabilidade da família. A ideia de infância e o atendimento dado à criança foram se modificando ao longo do tempo, acompanhando em cada época o desenvolvimento da sociedade. A necessidade de educação da criança fora da família passou a ser uma necessidade compartilhada com a sociedade à medida que a mulher começou a fazer parte do mercado de trabalho, com a revolução da indústria e a crescente urbanização das cidades. O aumento da demanda pela educação infantil nas instituições tem sido acompanhado por uma maior consciência da importância das experiências na primeira infância. No Brasil, o aumento da demanda pela Educação Infantil nas instituições mobilizou a sociedade civil e os órgãos governamentais culminando para que o reconhecimento à necessidade do atendimento às crianças de zero a seis anos fosse reconhecido na Constituição Federal de 1988. Legalmente, a partir desse marco a Educação Infantil em creches e pré-escolas passou a ser dever do Estado e um direito da criança. Desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) em 1996, várias emendas constitucionais modificaram artigos referentes à educação básica brasileira. A implantação da Lei 11.274 de fevereiro de 2006 1 altera a LDB e amplia o Ensino Fundamental de oito para nove anos, obrigando a matrícula de crianças com seis anos neste nível. Com essa alteração disposta pela lei houve uma reestruturação do atendimento à criança no Ensino Fundamental - EF implicando em alterações no atendimento prestado na Educação Infantil – EI. As alterações proporcionadas pela aplicação da lei vêm suscitando debates e reestruturações quanto às políticas de atendimento infantil e as propostas pedagógicas para que se adequem de acordo com as necessidades de cada faixa etária, tanto na EI quanto no EF. 1 A Lei 11.274, de fevereiro de 2006, altera os artigos 29, 30, 32 e 87 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, estabelecendo as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e dispõe sobre a duração de nove anos para o Ensino Fundamental, com matrícula obrigatória a partir de seis anos de idade. 21 No município de Blumenau o atendimento à criança de zero a seis anos de idade é regulamentado nas modalidades de Creche e Pré-escola, conforme figura 1: Figura 1 – Estrutura de atendimento a EI em Blumenau Conforme quadro 1, o Edital de Matrícula SEMED nº 20/2015, referencia a matrícula das crianças para o ano letivo de 2015, data da pesquisa realizada, que envolveu as crianças da Pré-escola ( no quadro, identificado como Pré-escola III): Quadro 1 - Edital de matrícula SEMED nº 20/2015 Etapa Faixa Etária Creche 0 a 1 ano ou a completar até 31/12/2016 2 anos ou a completar até 31/12/2016 3 anos ou a completar até 31/12/2016 Pré-escola 4 anos ou a completar até 31/12/2016 – Pré-escola I 5 anos ou a completar até 31/12/2016 – Pré-escola II Completam 6 anos a partir do dia 1º/04/2016 – Pré-escola III Fonte: Secretaria Municipal de Educação-SEMED- Blumenau Em decorrência da mudança na LDB/2006, que dispõe sobre a ampliação para nove anos o tempo da Educação Básica, algumas Unidades Escolares de Blumenau, que comportam espaço físico, atendem as crianças da Pré-escola (II e III). Na EBMVT (Escola Básica Municipal Visconde de Taunay) lócus de aplicação da pesquisa, o atendimento às crianças da Pré-escola (III)2 é realizado desde 1989. Ao serem inseridas na escola, as crianças da pré-escola que anteriormente eram público do atendimento da EI nas creches, adentram a um espaço escolarizado, seguindo os planejamentos, rotinas, linguagens e o contexto de atendimento destinado aosestudantes do EF. No espaço escolar, não existe a definição de um ‘espaço infantil’ ocupado para o atendimento diferenciado dos ‘estudantes’ dos Anos Iniciais e destinado às crianças da Pré-escola. Assim, as 2 As crianças sujeitos da pesquisa realizada, vão completar seis anos durante o ano a partir de 1º de abril, que fazem parte da Pré-escola III e serão designadas nesta pesquisa como Pré-escola. Educação Básica Educação Infantil Creche: 0 a 3 anos Pré-escola: 4 a 5 anos Ensino Fundamental Anos iniciais: 6 a 10 anos Anos finais: 11 a 14 anos 22 crianças têm como ‘seu espaço’ a sala de aula, são regidos por normas comuns aos estudantes de maneira geral, se organizam em horários determinados para aulas de Educação Física, Informática, biblioteca, homenagens. Suas brincadeiras no parque também seguem um horário determinado e de igual maneira é organizado seu tempo para lanche e brincadeiras no recreio. O espaço físico da sala da pré-escola segue o mesmo modelo das demais salas da escola com carteiras individualizadas e quadro. Enfim, as crianças da Pré-escola na escola são tratadas como alunos/estudantes da Pré-escola. Reiteramos a importância e necessidade de uma intencionalidade educativa planejada nas práticas pedagógicas para a pré-escola que atenda às especificidades e necessidades de atendimento para sua faixa etária. No contexto apresentado, a presente pesquisa se propõe à construção de uma prática pedagógica norteada pela Alfabetização Científica – AC, para atender às necessidades das crianças da pré-escola, inseridas no ambiente escolar. A AC emerge como perspectiva de possibilitar a vivência das crianças para a experimentação sobre o ambiente de seu entorno, oportunizando seu espaço como fonte de pesquisa e investigação, estimulando a curiosidade, a formulação de hipóteses e a criatividade infantis. Para formular uma proposta de prática pedagógica norteada pela AC para a Pré-escola, serão utilizados os aportes teóricos, conforme Sasseron e Carvalho (2008, p. 334) que usam como referência a ideia de alfabetização concebida por Paulo Freire para conceituar o termo: “[...] a alfabetização é mais que o simples domínio psicológico e mecânico de técnicas de escrever e ler. É o domínio destas técnicas em termos conscientes [...] Implica numa autoformação de que possa resultar uma postura interferente do homem sobre seu contexto.” As autoras identificam pontos comuns entre as diversas definições de AC, reunindo as confluências em três Eixos Estruturantes, que servem de apoio na idealização, planejamento e análise de propostas pedagógicas que a almejem: O primeiro dos eixos estruturantes refere-se compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais e a importância deles reside na necessidade exigida em nossa sociedade de se compreender conceitos-chave como forma de poder entender até mesmo pequenas informações e situações do dia-a-dia.O segundo eixo preocupa- se com a compreensão da natureza da ciência e dos fatores éticos e políticos que circundam sua prática, pois, em nosso cotidiano, sempre nos defrontamos com informações e conjunto de novas circunstâncias que nos exigem reflexões e análises considerando-se o contexto antes de proceder. Deste modo, tendo em mente a forma como as investigações científicas são realizadas, podemos encontrar subsídios para o exame de problemas do dia-a-dia que envolvam conceitos científicos ou conhecimentos advindos 23 deles. O terceiro eixo estruturante da AC compreende o entendimento das relações existentes entre ciência, tecnologia, sociedade e meio-ambiente e perpassa pelo reconhecimento de que quase todo fato da vida de alguém tem sido influenciado, de alguma maneira, pelas ciências e tecnologias, Neste sentido, mostra-se fundamental de ser trabalhado quando temos em mente o desejo de um futuro saudável e sustentável para a sociedade e o planeta. SASSERON e CARVALHO (2008, p. 335). Para a realização dessa pesquisa será utilizado o primeiro dos eixos estruturantes. Sendo a pesquisa realizada numa escola sustentável, que utiliza termos ligados à sustentabilidade na linguagem cotidiana, entende-se que é imprescindível que a criança da pré-escola compreenda esses termos e conceitos chaves para ser inserida nesse ambiente, compreendendo essa linguagem para apropriar-se dela. Ainda corroboram, com os aportes teóricos para sua realização e análise referenciais apontados pelos documentos norteadores da EI: Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), Diretrizes Curriculares Municipais – DCM (BLUMENAU, 2012), Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Infantil – DCNEI (BRASIL, 2009) e os pressupostos apontados pelo Ministério da Educação – MEC (BRASIL, 2012), para a implantação de Escolas Sustentáveis. Dentro dessa perspectiva, esta pesquisa está vinculada à linha de pesquisa Didática das Ciências Naturais e Matemática, do Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Naturais e Matemática - PPGECIM, da Universidade Regional de Blumenau - FURB – SC. A linha de pesquisa tem por objetivo investigar processos e métodos direcionados para o Ensino de Ciências Naturais e Matemática e instrumentar os professores com vistas ao aprimoramento da ação docente para o ensino do conhecimento científico na Educação Básica. A partir desse movimento, buscamos investigar nosso objeto de estudo para responder a seguinte questão problema: Quais as contribuições de uma proposta pedagógica norteada pela Alfabetização Científica para as crianças da Pré-escola, a partir de práticas sustentáveis, em uma Escola de Educação Básica da região de Blumenau – SC? O objetivo principal da pesquisa realizada consiste em compreender práticas educativas com foco na Alfabetização Científica de crianças da Pré-escola no contexto de uma escola sustentável. A partir desta questão definimos os objetivos específicos da pesquisa: 24 a) analisar implicações da realização de uma prática pedagógica com crianças da pré-escola a partir dos princípios da alfabetização científica no contexto de uma escola sustentável e sua contribuição para a construção da concepção sobre sustentabilidade; b) desenvolver como produto educacional uma sequência didática de uma proposta pedagógica para a pré-escola, norteada pelos princípios da Alfabetização Científica e de práticas sustentáveis que sejam integrados às necessidades e especificidades da Pré-escola. Para esclarecer os pressupostos envolvidos nessa pesquisa, organizamos o texto em seis capítulos, assim constituídos: no capítulo II destacam-se os elementos para a construção de uma prática norteada pela Alfabetização Científica para a Pré-escola, apontando os indícios da curiosidade científica na criança da pré-escola, discorrendo-se sobre qual a ciência que se aprende na pré-escola, articulando conhecimentos e aprendizagens mediadas pelos conhecimentos científicos. O capítulo III apresenta a Alfabetização Científica como norteadora da prática pedagógica para Pré-escola em uma escola sustentável e apresenta o Projeto Escola Sustentável da EBMVT. O capítulo lV relata os procedimentos metodológicos, o cenário de investigação, os sujeitos da pesquisa e as categorias de análise. No capítulo V foi realizada a descrição das atividades desenvolvidas na prática pedagógica e a análise dos dados coletados. No capítulo Vl serão apresentadas as considerações finais, destacando as correlações das análises e resultados com a questão de investigação apresentada pela pesquisa, bem como apontaremos as contribuições e limitações que podem referenciar práticas para a Pré-escola a partir das proposições apontadas pela Alfabetização Científica. 25 2 ELEMENTOS PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA PEDAGÓGICANORTEADA PELA ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA PARA A PRÉ-ESCOLA As crianças da pré-escola são observadoras, descobrem o mundo questionando e criando hipóteses sobre situações vivenciadas no entorno que as circundam. Nessa relação, constroem sua identidade pessoal, social e cultural mediadas pelas interações com a família, com outras crianças, com seu ambiente social e ambiental. No cotidiano escolar, se encantam com a exploração da natureza construindo, mediadas por suas percepções, a compreensão dos fenômenos que observam (Figura 2). Figura 2 - Crianças observando o ambiente biodiverso na área do bosque Fonte: Arquivo da pesquisadora 26 Uma proposta pedagógica a ser construída para a Pré-escola precisa ser pautada nas especificidades de desenvolvimento e aprendizagem infantis, considerando a criança como ser ativo sobre o mundo em que vive. Nesse sentido, a BNCC (BRASIL, 2017) reitera a necessidade do planejamento de práticas pedagógicas específicas para a EI: Essa concepção de criança como ser que observa, questiona, levanta hipóteses, conclui, faz julgamentos e assimila valores e que constrói conhecimentos e se apropria do conhecimento sistematizado por meio da ação e nas interações com o mundo físico e social não deve resultar no confinamento dessas aprendizagens a um processo de desenvolvimento natural ou espontâneo. Ao contrário, reitera a importância e necessidade de imprimir Intencionalidade educativa às práticas pedagógicas na Educação Infantil, tanto na creche quanto na pré-escola. Pensar em uma prática pedagógica que atenda às necessidades e contemple as especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas das crianças da Pré- escola inseridas em um ambiente escolarizado, implica também, em proporcionar a elas experiências que oportunizem o exercício da cidadania, nas quais possam desempenhar um papel atuante em situações de aprendizagem, numa perspectiva propositiva de ação e transformação sobre o meio em que vivem. Esse processo favorece o desenvolvimento e a aprendizagem, pois por meio de interações enriquecedoras e significativas, as crianças estabelecem ligações entre aquilo que já sabem e novos conhecimentos, revelando seu esforço para compreender o mundo. No processo de construção do conhecimento, utilizam-se de diferentes linguagens e exercem a capacidade de ampliar ideias e hipóteses originais sobre aquilo que buscam desvendar. Portanto, em uma prática pedagógica que contemple a experimentação que a criança faz do mundo, é imprescindível o respeito ao direito de brincar, à socialização e ao do acesso aos bens socioculturais produzidos. Dessa forma, compreender, conhecer e reconhecer o jeito particular das crianças serem e estarem no mundo, torna-se o grande desafio de um trabalho pedagógico voltado à EI. Nessa direção, os aportes teóricos proporcionados pela AC podem contribuir com a construção de práticas pedagógicas para a Pré-escola, à medida que auxiliam, significativamente, na construção de uma leitura crítica em relação à realidade do entorno em que vivem e por meio dessas interações e experimentações ampliam a compreensão do mundo. 27 As referências sobre AC colocam em evidência os conteúdos que seriam desenvolvidos no Ensino de Ciências 3 para a Educação Básica. Sasseron e Carvalho (2008, p.333) propõe AC mediada por “[...] um ensino de ciências que leve os alunos a trabalhar e discutir problemas envolvendo fenômenos naturais e as implicações que o conhecimento destes pode acarretar à sociedade e ao meio ambiente”. As autoras evidenciam a necessidade de propostas pedagógicas com o enfoque de proporcionar a elaboração do conhecimento científico desde cedo. Nesse sentido, a AC pode possibilitar às crianças, em sua inserção no mundo, uma interação instrumentalizada pelos conhecimentos científicos. Almeida e Téran (2015, p.12032-2), defendem a urgência em trabalhar a AC na EI, justificando que: [...] ela facilitaria a compreensão das relações entre Ciência e Sociedade e dos mecanismos de produção e apropriação dos conhecimentos científicos e tecnológicos, o que garantirá uma sistematização e transmissão mais amplificada dos saberes oriundos da Ciência e das culturas regionais e locais que permeiam esses saberes. Aproximar a prática pedagógica da pré-escola, com os pressupostos da AC, compreende discutir problemas relacionados ao dia-a-dia vivenciado na comunidade escolar, como por exemplo, o cuidado com o entorno para a valorização da biodiversidade, na preservação das florestas e dos animais que têm nelas seu habitat e no uso sustentável que as pessoas fazem dos recursos naturais. Trata-se de oportunizar experiências que promovam a construção de conhecimentos sobre a necessidade de economizar água e energia, de uma alimentação equilibrada e a possiblidade de produzir alimentos sem agrotóxicos em hortas caseiras, do destino correto do lixo que é produzido, da reciclagem, da diminuição do consumo, da reutilização de materiais. As perspectivas apontadas pela AC são amplas e diversificadas, pois a exploração do ambiente natural envolve e mobiliza as crianças em sua curiosidade para desvelar o mundo. Sasseron e Carvalho (2008) identificam três eixos, chamando-os de Eixos Estruturantes da Alfabetização Científica, que as autoras consideram para refinar os conceitos de diversos autores a respeito da AC e servem para pensar em estratégias para sua aplicação. Nessa pesquisa, como balizador das práticas pedagógicas, usaremos o primeiro dos eixos estruturantes que se refere à 3 Por Ensino de Ciências nos referimos às Ciências da Natureza, que tradicionalmente abrange os conteúdos relacionados à biologia, física e química. 28 compreensão básica de termos, conhecimentos e conceitos científicos fundamentais e a importância deles reside na necessidade exigida em nossa sociedade de se compreender conceitos-chave como forma de poder entender até mesmo pequenas informações e situações do dia-a-dia. As orientações da BNCC4 (BRASIL, 2017) respaldam o desenvolvimento de AC para a Educação Infantil possibilitando a construção de práticas educativas: As creches e pré-escolas, ao acolher as vivências e os conhecimentos construídos pelas crianças no ambiente da família e no contexto de sua comunidade, e articulá-los em suas propostas pedagógicas, têm o objetivo de ampliar o universo de experiências, conhecimentos e habilidades dessas crianças, diversificando e consolidando novas aprendizagens. Contribui como aporte para a construção das práticas pedagógicas para a pré-escola, a DCM (BLUMENAU, 2012), à medida que valoriza a criança como ser social, com direito de acesso a ser garantido e dever da escola em proporcionar a organização das aprendizagens para que contribuam no estabelecimento de relações, em grau crescente de complexidade, das informações, dos fenômenos e dos processos científicos e tecnológicos de sua convivência. Ainda valorizam como sendo objetivo do ensino de Ciências Naturais, que podem servir para validar os pressupostos da AC, conforme DCM (BLUMENAU 2012, p.236): “o acesso aos modelos interpretativos que são próprios da ciência, transformando-se em importantes instrumentos na construção das funções psicológicas dos estudantes.” Igualmente, corroboram os princípios éticos, políticos e estéticos que podem nortear as propostas pedagógicas, delineados pelas DCNEI (BRASIL, 2009): Éticos: da autonomia, da responsabilidade, da solidariedade e do respeito ao bem comum, ao meio ambiente e às diferentes culturas, identidades e singularidades. Políticos: dos direitos de cidadania, do exercício da criticidade e do respeito à ordem democrática, Estéticos: da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de expressão nas deferentes manifestações artísticas e culturais.Em consonância às contribuições de Sasseron e Carvalho (2008, 2011), aos pressupostos da BNCC (BRASIL, 2017), a DCM (BLUMENAU, 2012) e as DCNEI (BRASIL, 2009) que proporcionam elementos para a construção de uma proposta pedagógica que atenda às necessidades e especificidades das crianças inseridas no espaço escolar, particularidade da pesquisa desenvolvida, foram usados como referenciais importantes, às orientações para o desenvolvimento de escolas 4 A Base Nacional Comum Curricular – BNCC (BRASIL, 2017), está em construção em sua terceira versão. 29 sustentáveis. Nesse sentido, o manual ‘Vamos cuidar do Brasil com escolas sustentáveis’ (BRASIL. 2012, p. 7) tem como perspectiva que: [...] o exercício coletivo de pensar novos hábitos e culturas na escola inspire a gestão escolar a modificar práticas enraizadas. Esse movimento criativo auxiliará a comunidade escolar a buscar soluções para modificar os espaços construídos e revisitar os currículos, tornando-os coerentes com as premissas da sustentabilidade socioambiental. Acredita-se que os elementos elencados para a formulação dessa prática pedagógica oportunize experiências significativas na construção de conhecimentos das crianças, assim como o desenvolvimento de habilidades eficazes na constituição de um ser alfabetizado cientificamente. 2.1 INDÍCIOS DA CURIOSIDADE CIENTÍFICA NA CRIANÇA DA PRÉ-ESCOLA Ao se observar a criança da Pré-escola explorar a natureza é possível presenciar seu encantamento com as coisas mais simples de seu ambiente biodiverso: coloca uma joaninha em seu braço para acompanhar sua trajetória, corre atrás das borboletas, abrindo os braços querendo imitá-las; segue o percurso feito pelas formigas, curiosa, para saber aonde vão, toca e sente o odor das flores, sente as várias texturas das folhas. Essas atitudes demonstram sua curiosidade em explorar o mundo, exprimindo características singulares que desde cedo fazem parte do universo infantil. Cada criança é um ser único, que se constitui com particularidades próprias, em uma determinada família, com uma construção cultural intrínseca, em um tempo e sociedade específicos. Dessa maneira, a concepção do que é ser criança foi se modificando, em uma construção histórica, através dos tempos, com diferenças marcadas em diferentes espaços, até mesmo em uma mesma sociedade e época. É essencial refletir sobre o que é ser criança hoje, para definirmos uma proposta pedagógica que contemple suas necessidades e especificidades. Nesse sentido, as DCNEI (2009, p.12) definem a criança como: Sujeito histórico e de direitos que, nas interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a sociedade, produzindo cultura. Essa definição gera uma reflexão bastante pertinente a respeito do papel da escola no desenvolvimento e aprendizagem da infância em nosso tempo. Zancan (2005, p.6) apresenta premissas que podem apontar caminhos a serem trilhados: “O 30 desafio é criar um sistema educacional que explore a curiosidade das crianças e mantenha a sua motivação para apreender através da vida.” Mobilizar a criança da Pré-escola para ampliar sua curiosidade e se encantar com o mundo em que está inserida é primordial para o desenvolvimento de práticas pedagógicas significativas. Nesse percurso, entre outras questões, a escola representa uma oportunidade primordial para a interação entre as crianças e destas com seu ambiente social, cultural e ambiental, apresentando a convivência com a diversidade cultural e ambiental como aspecto enriquecedor que precisa ser reconhecido e valorizado no cotidiano escolar. Em interação com as pessoas e seu entorno de vida é que as crianças vão ampliando seus conhecimentos e consciência sobre o mundo; começam a perceber que não existe uma única forma de pensar, não existe uma só maneira de fazer as coisas e que é possível ao conhecer a realidade que vivencia fazer escolhas apropriadas de forma mais criteriosa e reflexiva. O desafio de atender as necessidades e especificidades da criança é apontado por Nunes, Corsino e Didonet (2011, p.11): A despeito de toda ciência e de toda experiência, a criança continua a desafiar os estudiosos e profissionais, os técnicos e os pais, e prossegue mostrando novas faces e novas riquezas, capacidades e potenciais de desenvolvimento, que alimentam a admiração e a surpresa, a dúvida e a insegurança, a observação e a reflexão, a escuta e a proposição, a negociação e o diálogo. A criança enquanto sujeito histórico-social que percebe e atua sobre o mundo, necessita estar inserida em um ambiente escolar que promova seu desenvolvimento integral, com direitos respeitados e garantidos. Atribuir importância a sua fala, ampliando oportunidades para a expressão e desenvolvimento das múltiplas linguagens infantis, permite ao professor conhecer a forma como organizam seu pensamento, seu contexto de vida, as características próprias de sua cultura, o acesso aos bens culturais que instrumentalizam seu desenvolvimento e aprendizagem. Para facilitar e enriquecer o diálogo da criança com o mundo, propiciando que façam relações entre aquilo que vivem e os conhecimentos construídos na escola, exercitando sua cidadania é preciso um olhar atento do professor para a construção de uma prática pedagógica que proponha a sua intensa participação. Nessa perspectiva, a curiosidade da criança é um elemento facilitador que propicia a 31 mediação do professor para instigá-la a formular hipóteses, fazer experimentos, pesquisar, ampliar seu olhar. Nunes, Corsino e Didonet (2006 p.11), nos fazem refletir sobre os desafios que nos propõe o olhar infantil: A criança sempre tem coisas a nos dizer sobre si mesma e sobre tudo o que a cerca. Sua “fala”, em diferentes linguagens, é mais do que uma particular, individual e passageira visão. É a visão com base no olhar infantil, que revela a face do mundo percebida por esses sujeitos curiosos e criativos, intuitivos e descobridores, pensadores e sensíveis que são as crianças. Uma proposta que contemple a investigação, a formulação de perguntas e hipóteses, intensifica aprendizagens significativas, à medida que abre um horizonte de perspectivas a serem exploradas e vivenciadas, liberando as crianças de um modelo único apresentado, por exemplo, nos modelinhos de pintura formatados para ocupar o seu tempo. O tempo e espaço da infância precisam ser cuidadosamente pensados nas propostas pedagógicas para a Pré-escola, para que orientem as crianças com propriedade e fundamentação teórica. Para compor elementos para a construção de uma prática pedagógica para a Pré-escola, Roitman (2007p. 8) corrobora: A ciência é o melhor caminho de entender o mundo. O conhecimento científico é o capital mais importante do mundo civilizado. Investir em sua busca é investir na qualidade de vida da sociedade. O investimento na pesquisa científica tem como principal objetivo o conhecimento de tudo o que nos cerca. Nesse sentido, ao ampliar seus conhecimentos por meio dos conhecimentos socialmente construídos, a criança compõe sua identidade em situações diversificadas. Uma delas é o acesso à informação, quando acompanha as notícias pela televisão ou acessa informações em outros meios de comunicação, entra em contato com uma gama de reflexões a respeito da relação do homem com o meio ambiente. Dessa forma, não há como fugir de notícias que fazem referencia à ação do homem sobre o ambiente e suas consequências que contribuem para mudanças climáticas causando os alagamentos devido às chuvas torrenciais, ciclones que causam destruição, chuvas de granizo que arrasam plantações, maremotos que invadem calçadase avenidas a beira mar. As informações divulgadas sobre tantos acontecimentos e fenômenos jamais vistos no mundo, fazem com que discussões sobre a relação do homem com a natureza sejam cada vez mais latentes. Um movimento crescente é observado mundialmente em prol da valorização e preservação da biodiversidade do planeta. 32 Esse contexto é apresentado pelas crianças e permeia as atividades escolares no cotidiano da Pré-escola. Acreditar no potencial de leitura do mundo infantil, atribuindo-lhe vez e voz, possibilita o implemento de práticas pedagógicas ligadas às necessidades de desenvolvimento e aprendizagem, pois mediadas pela curiosidade apontam um caminho para desvelar as proposições da ciência em direção a uma sociedade mais consciente e envolvida na solução de problemas locais e mundiais, que podem gerar condições de vida e bem estar humanos e ambientais melhores e mais saudáveis. Freire (2011, p.95) aponta a importância da curiosidade na construção do conhecimento: A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de “tomar distância” do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de “cercar” o objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de comparar, de perguntar [...] A dialogicidade não nega a validade de momentos explicativos, narrativos em que o professor expõe ou fala do objeto. O fundamental é que o professor e alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada, enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos. A curiosidade propicia as perguntas que a criança faz e as hipóteses que formula no esforço que empreende para compreender e agir sobre o mundo. Estar inseridas em um ambiente escolar que instigue à curiosidade, à investigação, à formulação cada vez mais apurada de perguntas, impulsiona a criança tornando-a cada vez mais atuante. Neste sentido, AC pode oportunizar por meio da Ciência uma prática pedagógica que possibilite a ampliação das linguagens infantis como forma de ampliar a consciência e a capacidade de ação para intervir e fazer diferença no meio onde está inserida, como salienta Sangari (2005, p.32): A educação em ciências não é só essencial, mas também deve ser o cerne dos futuros esforços para melhorar a educação, uma vez que nos oferece diversas oportunidades, pela própria natureza das ciências, de desenvolver experiências de aprendizagens que sejam cativantes, motivacionais e duradoras. É possível ensinar ciências às crianças de forma a ajudar no desenvolvimento das habilidades essenciais de pensamento, de curiosidade, investigação e questionamento levando às capacidades de solucionar problemas e ao pensamento criativo. A prerrogativa de possibilitar a que a criança exercite sua curiosidade inclui o pressuposto de que o professor se assuma curioso e pesquisador, levando a criança a compreender que ele não tem todas as respostas, mas que a busca por elas faz parte da construção do conhecimento. Corroboram, para esse entendimento Almeida e Terán (2015, p.12032-5): 33 [...] um tipo de Educação Infantil encalçada no caráter questionador, na argumentação, na observação e na atitude de cidadão preocupado com o meio ambiente, pressupostos estes da AC, é uma forma de estimular ainda mais a curiosidade da criança que a todo instante procuram compreender o mundo que a cerca. Tudo isto, valorizado e estimulado desde a creche e a pré-escola, contribuirá para a formação de cidadãos com maior conhecimento de mundo e também mais conscientes. Convidando as crianças pequenas a serem corresponsáveis pelo cuidado com o meio ambiente e podendo colaborar e agir de forma solidária em relação aos temas ligados ao bem estar da sociedade da qual fazem parte. Na construção de uma proposta pedagógica para a Pré-escolar, a criança é considerada como ser ativo corresponsável pela sua aprendizagem. Cabe ao professor propiciar a articulação da construção do conhecimento às diversas linguagens infantis, enriquecendo o processo com as contribuições da Alfabetização Científica. 2.2 A CIÊNCIA QUE SE APRENDE NA PRÉ-ESCOLA: ARTICULAÇÃO DE CONHECIMENTOS E APRENDIZAGENS MEDIADAS PELOS CONHECIMENTOS CIENTÍFICOS A ciência que tem como foco os processos de ensino na Educação Pré- escolar pode ser entendida como aquela com a qual a criança tem contato no cotidiano de seu entorno? É aquela que ela ‘espia’ em suas observações, para ver o que acontece? Resulta das ‘misturas’ que faz em suas experiências para ver o resultado? Refere-se ao estímulo dos sentidos, no que toca para sentir a textura? É a sensibilidade de sentir o cheiro para ver se é bom? Representa a dinâmica de plantar e cuidar para ver se nasce e cresce? Partindo da proposição de que a criança é um ser sócio histórico envolto na construção de sua história e que os conhecimentos científicos, mesmo na mais tenra infância, constituem-se como instrumentos que promovem a construção de linguagens e conhecimentos para sua interlocução com o entorno e a auxiliam a criar significados para qualificar sua forma de ser e estar no mundo. Assim, Harlen (1989, apud FILHO, 2012, p. 6) destaca a importância da ciência nessa construção: a)As crianças constroem ideias sobre o mundo que as rodeia, independentemente de estarem estudando ou não ciências na escola. As ideias por elas desenvolvidas não apresentam um enfoque científico de exploração do mundo [...] se os assuntos de ciência não forem ensinados às crianças, a escola estará contribuindo para que elas fiquem apenas com seus próprios pensamentos sobre o mesmo, dificultando a troca de pontos de vista com outras pessoas. 34 b)A construção de conceitos e o desenvolvimento do conhecimento não são independentes do desenvolvimento de habilidades intelectuais. Portanto, é difícil ensinar um “enfoque científico”, se não são fornecidas às crianças melhores oportunidades para conseguir tratar (processar) as informações obtidas. c) Se as crianças, na escola, não estrarem em contato com a experiência sistemática da atividade científica, irão desenvolver posturas ditadas por outras esferas sociais, que poderão repercutir por toda a sua vida. Portanto, é importante que a criança da Pré-escola, para ter facultado o direito a uma efetiva participação em seu entorno, tenha contato com práticas pedagógicas que a estimulem à investigação, à formulação de perguntas e hipóteses, à proposição de ações que a faça refletir sobre como esse ambiente funciona e que interfiram em sua organização. Fumagalli (1998, p.15) corrobora para a compreensão do direito das crianças de aprender ciências no espaço escolar: Cada vez que escuto que as crianças pequenas não podem aprender ciências, entendo que essa afirmação comporta não somente a incompreensão das características psicológicas do pensamento infantil, mas também a desvalorização da criança como sujeito social. Nesse sentido, parece que é esquecido que as crianças não são somente “o futuro” e sim que são ”hoje” sujeitos integrantes do corpo social e que, portanto, têm o mesmo direito que os adultos de apropriar-se da cultura elaborada pelo conjunto da sociedade para utilizá-la na explicação e na transformação do mundo que a cerca. E apropriar-se da cultura elaborada é apropriar-se também do conhecimento científico, já que esse é uma parte constitutiva dessa cultura. Os conhecimentos oriundos da Ciência propiciam aportes para a iniciação da AC na Pré-escola, pois norteiam o conjunto de ações protagonizadas pelas crianças no processo de construção do conhecimento. Sua prática não se alinha com aquela ‘tradicional’, onde a criança da Pré-escola só recebe desenhos prontos para pintar, longe de qualquer questionamento ou curiosidade sobre o mundo, em um currículoque a torne alheia ao seu entorno e aos conhecimentos que já têm formulados antes de entrar na escola. Nas palavras de Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002, p.131): As Ciências Naturais são compostas de explicações com peculiaridades próprias e de procedimentos para obter essas explicações sobre a natureza e os artefatos naturais. Seu ensino e sua aprendizagem serão sempre balizados pelo fato de que os sujeitos já dispõem de conhecimentos prévios a respeito do objeto de ensino. A base de tal assertiva é a constatação de que participam de um conjunto de relações sociais e naturais prévias a sua escolaridade e que permanecem presentes durante o tempo da atividade escolar. Na Pré-escola, tem destaque o fato das crianças de cinco/ seis anos de idade se apresentarem dispostas a investigar, encantadas e curiosas com o 35 ambiente que as circunda, ávidas em aprender coisas interessantes, o que representa um facilitador de propostas que impliquem na AC. Essa mesma perspectiva é sustentada pela UNESCO (2003, p.29) quando evidencia que: [...] o acesso ao conhecimento científico, a partir de uma idade muito precoce, faz parte do direito à educação de todos os homens e mulheres, e que a educação científica é de importância essencial para o desenvolvimento humano, para a criação de capacidade científica endógena e para que tenhamos cidadãos participantes e informados. A prática pedagógica voltada para a AC deve munir o professor com olhos atentos a uma postura que trabalhe na direção de um indivíduo mais autônomo em todas as atividades realizadas, tanto dentro quanto fora de sala. Assim, atitudes simples, como por exemplo, escolher a cada dia uma criança para ser ajudante, pode promover a AC, pois a criança precisará desenvolver habilidades que lhe serão solicitadas e que lhe desafiarão a refletir e tomar atitudes comprometidas com o coletivo, com o ambiente, com a proposta pedagógica que está sendo desenvolvida. Para essa reflexão, Zancan (2005, p.6) contribui: Os professores de todos os níveis precisam estar conscientes de que a ciência não é só um conjunto de conhecimentos, mas sim um paradigma pelo qual se vê o mundo. Para colocar o sistema educacional em novo patamar, próprio do novo século que se inicia, o professor deverá ser um orientador de seus alunos no processo da descoberta e reflexão crítica. Logo, a pesquisa educacional precisa ser ampliada, pois as experiências educacionais nem sempre podem ser transportadas de uma realidade sociocultural para outra, exigindo que sejam estimuladas por investimentos apropriados. Outro fator, não menos importante, é o indicativo de considerar o erro em uma perspectiva de construção, que desvela o caminho percorrido pela criança e é prerrogativa da mediação do professor para a elaboração e reelaboração de conceitos. As crianças apresentam no cotidiano muitas questões que lhes chamam a atenção, como a preocupação com o meio ambiente, o lixo que vêem espalhado pela rua, os maus tratos aos animais e tantos outros aspectos do entorno observado. Nessa perspectiva, articular o saber das crianças com os saberes escolares passa por um processo de reconstrução, vivenciado e compreendido pela própria criança com vistas a qualificar seu pensamento e suas escolhas, possibilitando mudança de atitudes. Articular as questões de interesse das crianças aos saberes a serem construídos na escola, no âmbito da AC é mais do que sensibilizar, é legitimar o 36 poder que cada um tem de refletir, decidir e agir na construção de um lugar que favoreça a vida e o bem estar de todos. A construção da linguagem do conhecimento científico é concomitante a construção de muitas outras linguagens no universo infantil, que são necessárias ao desenvolvimento e aprendizagens da criança e que devem constituir uma prática educativa para a Pré-escola. O desenvolvimento da linguagem, nesse contexto, deve ser privilegiado na construção dos conhecimentos na Pré-escola. Partindo da importância da linguagem, Zabalza (1998 p.51) contribui: É preciso, então, criar um ambiente no qual a linguagem seja a grande protagonista: tornar possível e estimular todas as crianças a falarem; criar oportunidades para falas cada vez mais ricas através da interação educadora (a)- criança que a faça colocar em jogo todo o seu repertório e superar constantemente as estruturas prévias [...] Explicar o que vai ser feito, contar o que foi feito, descrever os processos que a levaram ao resultado final (como e para que), estabelecer hipóteses (por que), construir fantasias, relatar experiências, etc. Qualquer oportunidade é boa para exercitar a linguagem. Mas exercitá-la não é o suficiente; a ideia fundamental é aperfeiçoá-la, buscar novas possibilidades de expressão (vocabulário mais preciso, construções sintáticas mais complexas, dispositivos expressivos e referências cada vez mais amplas, etc.). Neste sentido, a interação com os educadores (as) é fundamental. Ao defender a utilização de uma linguagem enriquecida, como um dos aspectos-chave de uma Educação Infantil de qualidade, Zabalza (1998) reafirma sua importância e indica que é sobre a linguagem que vai sendo construído o pensamento e a capacidade de decodificar a realidade e a própria experiência, ou seja, a capacidade de aprender. A análise do currículo pela DCNEI (BRASIL, 2009, p. 12), colabora para esta discussão, à medida que o define como: Conjunto de práticas que buscam articular as experiências e os saberes das crianças com os conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental, científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de crianças de 0 a 5 anos de idade. Por meio da valorização das experiências que precisam ser proporcionadas às crianças entendemos qual a abrangência que as propostas pedagógicas para a Pré-escola precisam contemplar. Essa necessidade se estende ao planejamento do espaço que frequentam na escola, que não deve ser considerado somente como a sala de aula, mas propiciar o acesso a interação com todo o contexto escolar e as possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem que ele proporciona. Zabalza (1998) contribui salientando que “[...] a Educação infantil possui características muito particulares e que estes espaços precisam ser amplos, diferenciados, de fácil 37 acesso e facilmente identificados pelas crianças no seu uso.” Ideia reforçada por Tiriba (2010 p.14): É necessário desconstruir a ideia e a realidade de uma vida-escolar- entreparedes porque não podemos correr o risco, no processo de democratização do acesso à escola, de estender a todos este modelo nefasto. Pois o sentimento de respeito à natureza está relacionado à convivência, aos laços afetivos em relação aos lugares, aos seres, às coisas, ao universo biótico e abiótico. O conhecimento que se constrói no contexto de relações afetivas é um conhecimento que tem valor de uso, não valor de troca; seu sentido não é a acumulação de bens e a reprodução de relações de lucro e poder, mas a qualificação da vida dos povos. Para as crianças da Pré-escola inseridas no contexto escolar é muito importante que tenham respeitados seus direitos, que tenham oportunidade de compartilhar conhecimentos, construções e participem ativamente das dinâmicas escolares. É primordial que não sejam rotuladas como “criancinhas do prezinho”, no sentido pejorativo, diminuindo sua importância dentro do contexto escolar, mas que o espaço escolar seja pensado para atender as suas especificidades e necessidades e que as crianças da Pré-escola possam se expressar e ter representatividade. Neste sentido, a legislação aponta tanto em nível nacional quanto municipal, para práticas pedagógicas que promovam o desenvolvimento de diferentes linguagens, incluindo a linguagem do conhecimento cientifico conforme constam nas DCNEI (BRASIL, 2009), DCM (BLUMENAU,2012) e BNCC (BRASIL, 2017). Com a referência dos documentos apontados apresentamos no quadro 2 , os objetivos educacionais que podem orientar propostas pedagógicas voltadas para a pré-escola. Embora a organização textual dos documentos seja diferente as DCNEI contemplam uma abordagem voltada aos objetivos a serem atingidos pelos professores no processo de ensino aprendizagem e as DCM e BNCC se referem ao processo de aprendizagem a ser alcançado pelos estudantes) destacamos no quadro 3, aspectos complementares que serão adotados na proposta metodológica dessa pesquisa. A partir dos textos originais dos referidos documentos, foram selecionadas alguns objetivos das práticas pedagógicas que compõem a proposta curricular da Educação Infantil e Pré-escolar. 38 Quadros 2 – Objetivos das práticas pedagógicas previstas para Educação Infantil e Pré-escolar DCNEI (2009) Práticas pedagógicas de ensino DCM (2012) Práticas pedagógicas de aprendizagem BNCC (2017) Práticas pedagógicas de aprendizagem e conhecimento Promover o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança; (p.25). Vivenciar jogos e brincadeiras; conhecer movimentos de ginástica e da dança; desenvolver a coordenação motora ampla e fina, com aprimoramento da lateralidade, do equilíbrio e da expressão corporal. (p.260). Demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo em movimentos de cuidado, brincadeiras e jogos, escuta e reconto de histórias, atividades artísticas entre outras possibilidades; (p.42). Demonstrar valorização das características de seu corpo, nas diversas atividades das quais participe e em momentos de cuidado de si e do outro. (p.42). Favorecer a imersão das crianças nas diferentes linguagens e o progressivo domínio por elas de vários gêneros e formas de expressão: gestual, verbal, plástica, dramática e musical; (p.25). Estimular o ritmo corporal; proporcionar vivências musicais significativas às crianças; ouvir, escutar e brincar com música adequada à infância; vivenciar a música com atividades práticas (artes) (p.207). Reconhecer e ampliar possibilidades expressivas do seu corpo por meio de elementos da dança; (p.44). Apreciar e participar de apresentações de teatro, música, dança circo, recitação de poemas e outras manifestações artísticas. (p.44). Possibilitar às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e escritos; (p.25). Desenvolver atitudes favoráveis a leitura e estratégias de leitura; Conhecer e respeitar gêneros escritos; Elaborar textos orais (diversos gêneros). (p.104). Escolher e folhear livros, procurando orientar-se por temas e ilustrações e tentando identificar palavras conhecidas; Identificar gêneros textuais mais frequentes, recorrendo a estratégias de configuração gráfica do portador e do texto e ilustrações nas páginas.(p.46). Recriar, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas, medidas, formas e orientações espaços temporais; (p.25). Reconhecer e utilizar estratégias para classificar, seriar, estimar, representar, comparar, e ordenar diferentes quantidades; (p.391). Estabelecer relações de comparação entre objetos, observando suas propriedades; Classificar objetos e figuras de acordo com suas semelhanças e diferenças.(p.47). Ampliar a confiança e a participação das crianças nas atividades individuais e coletivas; (p.26). Desenvolver autonomia e confiança para resolver situações- problema.(p.391). Demonstrar empatia pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir; Atuar de maneira independente, com confiança em suas capacidades, reconhecendo suas conquistas e limitações; (p.40). Possibilitar situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das crianças nas ações de cuidado Valorizar atitudes de higiene, visando o bem estar pessoal e social; Perceber a importância de uma alimentação saudável; Adotar hábitos de autocuidado, valorizando atitudes relacionadas à higiene, a alimentação, conforto e cuidado 39 pessoal, auto-organização, saúde e bem estar; (p.26). Identificar as partes do corpo humano,suas funções. (p.240) com a aparência;(p.40). Incentivar a curiosidade, a exploração, o encantamento, o questionamento, a indagação e o conhecimento das crianças em relação ao mundo físico e social, ao tempo e à natureza; Promovam a interação, o cuidado, a preservação e o conhecimento da biodiversidade e da sustentabilidade da vida na Terra, assim como o não desperdício dos recursos naturais. (p.26). Conhecer espaços naturais, visando a preservação do meio ambiente; reconhecer espaços ecológicos; Conhecer os espaços naturais, visando a preservação do meio ambiente, reconhecer espaços ecológicos, identificar tipos de animais e seus “habitat”; Explorar o ambiente em que a escola se localiza.(p.240). Observar e descrever mudanças em diferentes materiais, resultantes de ação sobre eles, em experimentos envolvendo fenômenos naturais e artificiais; Identificar e selecionar fontes de informações para responder questões sobre a natureza e seus fenômenos, sua preservação; (p.47) Resolver situações problema, formulando questões, levantando hipóteses, organizando dados, testando possibilidades de solução. (p.48). Promover o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e literatura. (p.26) Conhecer, ouvir e dançar diferentes ritmos musicais, conhecer e saber identificar o espaço cotidiano do espaço teatral. (p.208) Criar movimentos, gestos, olhares, mímicas e sons com o corpo em brincadeiras, jogos e atividades artísticas como dança, teatro e música; (p.42). manifestar oposição a qualquer forma de discriminação.( p.41). Fonte: adaptado das (DCNEI, 2009), (DCM, 2012) e (BNCC, 2017) * Destaque em itálico e negrito para objetivos selecionados para análise das categorias. Acredita-se que os pressupostos da AC apresentados por Sasseron e Carvalho (2008) e os aportes teóricos proporcionados pelas DCNEI (2009), DCM (2012) e BNCC (2017), podem contribuir com a construção de uma prática pedagógica para a Pré-escola que contemple as especificidades e necessidades das crianças em uma escola sustentável. 40 3 ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA COMO NORTEADORA DA PRÁTICA PEDAGÓGICA PARA A PRÉ-ESCOLA EM UMA ESCOLA SUSTENTÁVEL Pensar em Alfabetização Científica num contexto de ensino e aprendizagem na Pré-escola é muito mais que discutir ou transmitir alguns conceitos. É promover a compreensão e ação das crianças sobre o mundo de maneira consciente, mediada pelos conhecimentos científicos para optar por melhores escolhas no dia-a-dia, objetivando uma qualidade de vida melhor para si. Para Macedo (2005, p.39): As características da atividade científica oferecem às pessoas formas de pensar e de resolver problemas que, quando situadas em um contexto de aprendizagem, se traduzem por uma forma diferente de enfrentar os novos conhecimentos, favorecendo o envolvimento em processos de construção e apropriação de conhecimentos. Assim, o conhecimento científico tem a ver com a problematização a respeito do cotidiano de vida com o qual as crianças da Pré-escola convivem, como por exemplo, com o médico ou enfermeira que atendem sem higienizar as mãos, com aqueles papéis, embalagens ou até móveis velhos jogados em terrenos baldios, com os resíduos deixados na areia da praia depois
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