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ESTUDOS MIGRATÓRIOS AULA 4 Profª Ludmila Andrzejewski Culpi 2 CONVERSA INICIAL Nessa aula você irá conhecer os aspectos históricos, políticos e jurídicos da questão migratória no Brasil. Num primeiro momento, você conhecerá a evolução do fenômeno migratório no Brasil a partir das diferentes ondas migratórias pelas quais o país passou. Depois, você aprofundará seu conhecimento a respeito da evolução da normativa sobre migrações no Brasil, começando pelas primeiras legislações sobre o tema no país. Na terceira parte, estudaremos os elementos da antiga lei de migrações brasileira, o “Estatuto do Estrangeiro”, que vigorou até 2017. Na quarta parte, verificaremos os aspectos relacionados à aprovação e ao conteúdo da Nova Lei de Migrações brasileira, aprovada em 2017. Na última parte, será investigado o envolvimento da sociedade civil com a questão migratória no Brasil. TEMA 1 – HISTÓRIA DAS MIGRAÇÕES NO BRASIL Na etapa colonial, ou seja, entre 1500 e 1822, quando foi decretada a independência política brasileira, foram recebidos no país muitos imigrantes europeus, sobretudo portugueses, espanhóis, holandeses e ingleses, assim como escravos africanos, que eram os responsáveis pela produção de açúcar, principal atividade econômica do país à época. Sobre os diferentes fluxos imigratórios no Brasil, Culpi (2017, p. 157) afirma: “A partir da metade do século XX outros fluxos europeus começaram a chegar, sendo os principais de espanhóis, italianos e alemães, assim como de japoneses. Os maiores números de entrada de imigrantes ocorreram no ano de 1990”. O percentual de imigrantes no país em proporção aos nacionais, isto é, nascidos no Brasil era de apenas 3,9% no século XIX e aumentou no começo do século XX, passando a 6,2 % em 1900. Sobre a imigração do início do século XIX: “o Estado brasileiro passou a incentivar a vinda de colonos europeus para trabalhar em áreas ainda não povoadas, em função das pressões inglesas pela abolição da escravatura” (Culpi, 2017, p. 189). Até esse período não havia debates sobre a formulação de uma política migratória. Podemos, portanto, afirmar que “a história das políticas e leis de 3 imigração no Brasil é intrinsecamente ligada à história da cidadania brasileira” (Baraldi, 2014, citado por Culpi, 2017, p. 189). Havia alguns critérios que os imigrantes deveriam atender para serem recebidos pelo Brasil, o que criou a figura do “imigrante ideal no período colonial, que estão relacionados às habilidades na agricultura, assim como o potencial de assimilação à religião católica e à origem latina” (Culpi, 2017, p. 189). Isso também estava inserido em uma política declarada de “branqueamento da população”, que colocou a raça africana em uma categoria secundária. Dentro desses critérios se encaixavam os imigrantes europeus, com destaque para os italianos, que de acordo com Souza (2000, citado por Culpi, 2017, p. 189) “foram utilizados como um instrumento da Igreja Católica para catequizar o país”. Na Primeira República, o momento que o Brasil mais recebeu imigrantes foi entre 1998 e 1930, quando ingressaram no Brasil aproximadamente 3,5 milhões de imigrantes, representando 65% de todos os estrangeiros que entraram no Brasil entre os anos de 1822 e 1960. Durante toda a República o Brasil, segundo Biondi (2016, p. 1), foi “o terceiro receptor de imigrantes nas Américas, ainda que com um volume de entradas bem inferior” ao dos Estados Unidos e da Argentina. Uma modalidade migratória muito utilizada pelos imigrantes ingressantes no Brasil foi a subvencionada, ou seja, financiada pelo próprio governo, especialmente os espanhóis e italianos, para povoar o campo. Já no caso dos portugueses e sírio-libaneses em geral, a migração não era subsidiada, mas voluntária (Biondi, 2016). A partir da década de 1970 passou a aumentar a vinda de migrantes transfronteiriços, isto é, de países vizinhos. TEMA 2 – AS PRIMEIRAS LEIS MIGRATÓRIAS BRASILEIRAS É importante que você saiba que até os anos de 1930 não havia uma norma que tratasse especificamente sobre os migrantes no Brasil, o que os deixava sem nenhuma proteção. Somente nos anos 1930, no governo de Getúlio Vargas, é que os “estrangeiros” passaram a receber alguma atenção, mesmo que por meio de políticas bastante discriminatórias (Geraldo, 2008). As Constituições de 1934 e 1937 – promulgadas durante o Estado Novo – “lidavam com o temor em relação aos imigrantes” (Culpi, 2017, p. 190). Deste modo, “entre 1930 e 1945, foram estabelecidas restrições ao ingresso de 4 estrangeiros, definindo-os como ‘indesejáveis’, exceto os denominados ‘brancos europeus’” (Culpi, 2017, p. 190). A imigração considerada indesejada naquele momento era especialmente a de africanos e a de japoneses. Havia um controle de migração de forma seletiva, isto é, que recaía apenas sobre alguns grupos. Para formar uma política imigratória brasileira “Foi criada, em 1933, uma Assembleia Nacional Constituinte, na qual as bancadas apresentaram propostas de lei, demonstrando seu posicionamento diante da questão imigratória” (Culpi, 2017, p. 190). A subcomissão do Itamaraty fez uma proposta de texto mais aberta aos migrantes, que sofreu várias críticas dos deputados. Os congressistas contrários ao tema da imigração conseguiram aprovar “uma emenda à Constituição de 1934, conhecida como “lei de cotas” (art. 121). Essa emenda restringia a migração a uma quantidade limitada, baseada em cotas, impedindo o ingresso de alguns imigrantes que excedessem a cota de seus países ou que fosse de origem “indesejada”, o que foi muito condenado até por Getúlio Vargas, pois o imigrante era considerado importante para o desenvolvimento econômico da nação – sobretudo quanto à agricultura. A norma que previa o sistema de costas foi mantida na Constituição de 1937. Depois dessa normativa discriminatória, foi decretada a Lei n. 406, “que é considerada a primeira lei brasileira sobre estrangeiros” (Culpi, 2017, p. 191). Apesar de ser um marco por ser pioneira no tratamento ao imigrante, mantinha as características eugenistas das constituições, afirmando que: “Nenhum núcleo colonial [...] será constituído por estrangeiros de uma só nacionalidade” (Culpi, 2017, p. 191). Apenas em 1945 um decreto-lei – o Decreto n. 7.967 – que previa regras sobre a imigração e a colonização, tratou novamente sobre o tema, substituindo o decreto-lei anterior. Porém, a percepção sobre a migração não se alterou e permaneceu o aspecto seletivo nessa lei. O decreto “destacava o propósito de branqueamento encontrado nas constituições anteriores e incluía ainda a lógica de proteção do trabalhador nacional contra a competição externa” (Culpi, 2017, p. 191). O elemento da seleção dos migrantes foi preservado nas constituições de 1946 e 1947, e também na Constituição de 1988. Na Constituição aprovada em 1967 não se fazia mais referência ao “imigrante ideal”, o que era uma vitória. 5 Contudo, a nossa última Constituição, aprovada em 1988, não superou as limitações das anteriores em relação aos migrantes, pois não “houve uma discussão sobre a questão migratória, tendo em vista o baixo fluxo de estrangeiros no país naquele momento” (Culpi, 2017, p. 191). TEMA 3 – O ESTATUTO DO ESTRANGEIRO DE 1980: A ANTIGA LEI DE MIGRAÇÕES BRASILEIRA A Lei n. 6.185/1980 foi a lei mais duradora de migrações no Brasil, a qual regeu a política migratória brasileira entre 1980 e 2017. A lei, denominada Estatuto do Estrangeiro, é vista como resultante da ditadura, mantendo o legado da ideia do migrante como uma “ameaça à segurança nacional”. Esse aspecto do Estatuto do Estrangeiro de 1980 foi sempre muito criticado, pois não analisava a questão dos migrantes pela perspectiva dos direitos humanos, mas da segurança nacional. Mesmo após a aprovação daConstituição de 1988, já em um contexto democrático, a lei não foi substituída ou revisada, o que a tornava inclusive mais atrasada que a própria Constituição em vários aspectos, como na não concessão de garantia de acesso à educação aos migrantes e seus filhos, direito que é previsto para todos na Constituição (Culpi, 2017). Desse modo, o Estatuto de Estrangeiro representava um empecilho à proteção dos migrantes e à concessão de maiores direitos aos estrangeiros” (Culpi, 2017, p. 192). O Estatuto do Estrangeiro era falho e ambíguo e não lidava com a questão dos emigrantes, isto é, dos brasileiros que vivem fora do país. Em seu art. 2º a Lei deixa claro o seu propósito que é “preservar à segurança nacional, à organização institucional, aos interesses políticos, socioeconômicos e culturais do Brasil, bem assim à defesa do trabalhador nacional” (Brasil, 1980). Embora a lei tenha excluído os itens relacionados à eugenização ou colonização do país, não focava nos direitos dos migrantes, mas os criminaliza, prevendo a expulsão e a reclusão (Culpi, 2017). Uma política importante é a busca pela regularização para que os migrantes saiam da invisibilidade, tornando-se documentados. Contudo, no Estatuto do Estrangeiro, segundo Culpi (2017, p. 192), “Para os imigrantes com menor qualificação, há poucos canais para a regularização. Ademais, a lei não determinava elementos facilitadores para a atração de imigrantes, pois 6 estipulava uma burocracia complexa para a concessão de vistos aos trabalhadores qualificados”. O caráter discriminatório da lei reduziu a entrada de imigrantes no Brasil, o qual “se tornou um país de emigração, isto é, com uma maior saída de brasileiros que entrada de estrangeiros no território brasileiro” (Culpi, 2017, p. 192). O Estatuto, além de não assegurar direitos aos estrangeiros, ainda os impediu de atuar na política, como candidatos ou com direito a votar. A respeito das causas da aprovação de uma lei tão limitadora, pode-se indicar que ela “é produto de uma insatisfação dos militares em relação à atuação de estrangeiros religiosos na política brasileira, o que induziu esses governantes a buscar ferramentas para anistiar esses cidadãos” (Culpi, 2017, p. 193). A partir de 2002, com a assinatura dos Acordos de Residência, o Brasil alterou alguns elementos de sua política migratória para adequar-se às diretrizes daquele documento. Uma das principais decisões foi a aprovação da Lei de Anistia de Estrangeiros, em 2009, “que permitiu a regularização de documentos para 41.816 estrangeiros residentes ilegalmente no país” (Culpi, 2017, p. 194), baseado no exemplo do programa de regularização argentino “Pátria Grande”. As anistias são importantes por permitirem a redução do número de indocumentados, mas, de acordo com Reis (2011), mascaram o problema mais profundo da ineficácia da política migratória. A partir dos anos 2000 começaram pressões por parte da sociedade civil e da opinião pública por reformas no Estatuto do Estrangeiro, que era considerado defasado e incapaz de dar conta do fenômeno atual das migrações no Brasil. Em 2009, foi formulado pelo Congresso Nacional um Projeto de Lei, o PL Lei n. 5.655/2009, que tinha como objetivo substituir a antiga lei de migração de 1980. Esse Projeto de Lei, conforme Culpi (2017, p. 196), “que foi substituído pelo projeto de lei apresentado em 2015, previa a garantia dos direitos humanos dos migrantes e assegurava um conjunto de direitos e garantias fundamentais consagrados na Constituição de 1988, contudo, na prática, ele apenas atualizava o Estatuto vigente”. TEMA 4 – A NOVA LEI DE MIGRAÇÕES BRASILEIRA DE 2017 Um dos pontos positivos do Projeto de Lei de 2009 era que este propunha uma visão mais voltada aos direitos humanos. Porém, possuía muitos problemas como, “a complexidade dos processos administrativos de regularização da 7 situação dos estrangeiros e a primazia da defesa do interesse nacional” (Culpi, 2017, p. 196). Assim, o PL parecia inovador, mas trazia apenas pequenas mudanças no Estatuto do Estrangeiro, mantendo a concepção da imigração como uma simples fonte para atrair trabalhadores muito especializados. Ainda conforme Culpi (2017, p. 197): “O receio da inclusão do imigrante como um potencial competidor pelos postos de trabalho nacionais e uma eventual ameaça nacional persistiu nas entrelinhas do Projeto de Lei n. 5.655/2009, apesar das reivindicações da sociedade civil para um tratamento mais digno aos estrangeiros”. Uma das vitórias do PL de 2009 é que ele propunha um tratamento diferenciado aos nacionais do Mercosul em termos de regularização, atendendo assim às exigências dos Acordos de Residência do Mercosul vistos na aula anterior. Sobre o processo de negociações do PL, este “foi aprovado na Comissão de Turismo e Desporto em novembro de 2012 e devia ser avaliado por duas comissões antes de ser encaminhado à votação no Plenário” (Culpi, 2017, p. 197). Podemos destacar que “o excesso de etapas para percorrer levou à paralisação do projeto no Congresso nacional” (Culpi, 2017, p. 197). Portanto, não houve uma votação em Plenário do PL 2009, que foi engavetado, embora continuasse em tramitação. Para dar continuidade à ideia de reforma da Lei migratória, em 2012, foi realizada uma audiência pública, que trouxe novamente a discussão à tona. Em 2013, foi convocada pelo Ministério da Justiça “uma Comissão de Especialistas formada por juristas, professores de Relações Internacionais e Ciência Política e especialistas na área migratória, para formular uma proposta de Anteprojeto de Lei de Migrações” (Culpi, 2017, p. 197). Essa comissão de especialistas se reuniu muitas vezes entre 2013 e 2014 com o objetivo de formular um projeto que respondesse às demandas dos migrantes. Foram consultadas leis de outros Estados e avaliados acordos internacionais sobre o tema. O PL n. 2516/2015 “foi aprovado em julho de 2015 no Senado Federal e seguiu para a Câmara dos Deputados” (Culpi, 2017, p. 198), que “aprovou o projeto em 2016, tendo seguido para a aprovação final do Senado, para na sequência ser encaminhado para assinatura do Presidente da República” (Culpi, 8 2017, p. 198). A nova Lei de Migrações, a Lei n. 13.445/2017, foi sancionada em maio de 2017 e sua regulamentação foi aprovada em outubro do mesmo ano. A lei migratória “em seu artigo 1 define migrante, imigrante, emigrante, visitante, apátrida e residente fronteiriço” (Culpi, 2017, p. 198). Um dos elementos mais celebrados da nova lei é que finalmente indica os direitos dos imigrantes no país, em seu art. 4º: “Ao imigrante é garantida, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (Brasil, 2017). A lei também aponta os direitos dos emigrados brasileiros e prevê o tratamento diferencial para a regularização de nacionais do Mercosul. Quando a Lei n. 13.445/2017 foi aprovada, em maio de 2017, esta sofreu muitos vetos por parte de Michel Temer, que vetou 18 partes do texto, inclusive o trecho que tratava da anistia aos imigrantes que ingressaram no país até 6 de julho de 2016, argumentando que esse dispositivo garantia anistia indiscriminada ao imigrante. Outro ponto que representava um grande avanço, mas que fora vetado por Temer, foi o direito ao imigrante também exercer cargo, emprego e função pública, o que seria uma grande vitória da Nova Lei. De acordo com o mandatário, o exercício de cargo público a um imigrante seria uma “afronta à Constituição e ao interesse nacional” (Brasil, 2017). Esses vetos não revelam apenas uma resistência do presidente à abordagem mais humanista da migração, mas de parcelas da sociedade e da opinião pública. Isso pode ser comprovado com o exemplo dos críticos à Nova Lei migratória que estavam presentes nas audiênciaspúblicas sobre o tema e faziam protestos anti-imigração nessas ocasiões (Granja, 2017). Verificou-se um movimento mundial, também na Europa e nos Estados Unidos, em defesa de políticas migratórias mais restritivas, resultado da argumentação da extrema- direita contra os migrantes e refugiados, o que repercutiu no processo de aprovação da Nova Lei de Migrações brasileira. Sobre as críticas à Nova Lei migratória, podemos destacar que “Embora a Lei seja avançada ao conferir maiores direitos aos imigrantes e não os criminalizando, estabelece uma extensa burocracia para a regularização, bem como multas e penalidades àqueles que violarem a lei” (Culpi, 2017, p. 200). Nesse sentido, “uma das maiores críticas que sofreu a Nova Lei nos debates públicos, foi a de que contém muitos artigos sobre repressão, expulsão, 9 deportação e extradição, que estão associados à saída compulsória do imigrante” (Culpi, 2017, p. 2000). TEMA 5 – OS ATORES DA POLÍTICA MIGRATÓRIA BRASILEIRA E O ENVOLVIMENTO DA SOCIEDADE CIVIL A respeito da aplicação da política migratória brasileira, no que tange à recepção de imigrantes, deve-se destacar que “o controle da migração é uma atribuição de três ministérios: da Justiça, das Relações Exteriores e do Trabalho e Emprego” (Patarra, 2005, p. 30). O Ministério das Relações Exteriores atua levantando informações sobre os estrangeiros no país e os emigrantes, isto é, brasileiros que residem fora do país. Ademais, o Ministério das Relações Exteriores (MRE) traça as orientações em relação à migração humanitária, como a recepção de refugiados, deslocados e exilados. O MRE oferece apoio consular aos brasileiros que residem em outro país (emigrantes), auxiliando na questão documental. Outro agente da política de migração é o “Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça, que tem por finalidade a condução da política nacional sobre refugiados” (Patarra, 2015, p. 31). Nesse sentido, o Ministério da Justiça tem a função de regular o ingresso de imigrantes e também adotar a política migratória, que está atrelada à atividade de emitir vistos, permanências, residências, expulsões, entre outros. Por fim, o Ministério do Trabalho e Emprego desenvolve orientações com respeito às questões laborais dos imigrantes. Vinculado ao Ministério do Trabalho está outro órgão central na questão migratória, que é o Conselho Nacional de Imigração (CNIg), encarregado de aplicar a política migratória brasileira. O trabalho do CNIg é importante porque este emite resoluções que servem de diretrizes para uma política de atendimento aos imigrantes. A sociedade civil também é um agente que deve ser levado em conta na questão migratória, porque atua pressionando o governo para assegurar políticas públicas mais efetivas. Na Argentina, um dos elementos mais importantes para explicar a reforma da lei migratória em 2002, foram as audiências e encontros organizados por ONGs e associações de migrantes que passaram a exigir do governo mudanças na lei e a cobrar ações do governo em casos de xenofobia. 10 No caso brasileiro, houve também participação da sociedade civil, mesmo que indireta, na formulação da uma nova lei de migrações que fosse mais adequada aos acordos internacionais e também às necessidades dos migrantes. Como você já viu na tema anterior, estudiosos e acadêmicos participaram da redação do projeto de lei, mas outros atores não governamentais também estiveram envolvidos. No comitê de especialistas, houve participação também de outros órgãos da sociedade civil, que enviaram sugestões para a lei, como a Presença da América Latina (PAL) e a Rede Sul Americana para as Migrações Ambientais (RESAMA). A Igreja Católica também exerceu função relevante, criticando o Estatuto do Estrangeiro. A sociedade civil brasileira, assim como a argentina, desempenhou um papel importante na mudança da lei migratória brasileira. O projeto de lei sofreu várias alterações, que estiveram vinculadas de algum modo à atuação da sociedade civil. As alterações no texto da lei “foram implementadas após dez audiências públicas realizadas com os mais diversos atores sociais, políticos, nacionais e internacionais” (Culpi, 2017, p. 253). Alguns artigos foram retirados do Projeto de lei por solicitação da sociedade civil, como o da prisão de pessoas por questões relacionadas à irregularidade migratória. Dois atores foram importantes na exigência por alterações na lei: o Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), cujo objetivo é assessorar os governos e os migrantes na questão da regularização migratória e atingir uma política migratória que respeite os direitos humanos dos imigrantes; e o Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH), criado em 1990, que visa garantir mais direitos aos migrantes e refugiados. (Culpi, 2017, p. 202) Há atores da sociedade civil, a exemplo das pastorais religiosas, que “priorizam a atuação no âmbito municipal, não participando ativamente das discussões no âmbito federal” (Culpi, 2017, p. 202). NA PRÁTICA Assista a este debate: O INTERNACIONAL em Debate #4: As migrações internacionais e os seus desafios. O Barão, 20 jan. 2017. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=JTIG71o1Grg>. Acesso em: 5 out. 2018. O vídeo trata da Nova Lei de Migrações brasileira. Nesse debate, com pesquisadores importantes da área, você irá entender melhor a dinâmica 11 migratória brasileira atual, seus desafios e oportunidades e o contexto de implementação da Nova Lei de Migrações brasileira, retomando alguns conhecimentos aprendidos nesta aula. FINALIZANDO Nessa aula você conheceu os elementos centrais da política migratória brasileira. Na primeira parte da aula, você entendeu sobre os principais fluxos migratórios no início da nossa formação econômica e social, e as políticas de atração de migrantes europeus com vistas a um “branqueamento da população”. Na segunda parte, você conheceu as primeiras leis migratórias retrógradas das décadas de 1930, 1950 e 1960, que tratavam o imigrante como uma ameaça à ordem e à segurança, e entendiam que a migração deveria ser seletiva. No terceiro tema estudamos o Estatuto do Estrangeiro, de 1980, aprovado durante a ditadura militar, que ainda tratava o migrante como uma ameaça e não concedia direitos a este, com o país indo contra essa ideia até à Constituição de 1988, em alguns aspectos. O Estatuto só foi substituído em 2017, após cerca de 10 anos de negociação para a formulação de uma lei mais adequada à atual realidade dos migrantes. Essa Nova Lei de Migrações brasileira, que foi estudada no Tema quatro, embora tenha sofrido vetos por parte de Michel Temer, que eliminaram boa parte de suas conquistas, é considerada avançada, pois entende a migração pelo ponto de vista do direito dos migrantes. Na última parte, você entendeu melhor quais são os agentes relacionados à política migratória brasileira, com ênfase na atuação de três ministérios: o do Trabalho (ao qual está vinculado o Conselho Nacional de Imigração), o da Justiça e o de Relações Exteriores. Você estudou também nesse tópico o papel exercido pelas principais ONGs de atendimento aos migrantes, assim como a atuação da Igreja Católica na pressão sobre o governo para mudanças na lei e uma maior proteção dos direitos dos imigrantes no país. 12 REFERÊNCIAS BARALDI, C. Migrações internacionais, direitos humanos e cidadania sul- americana: o prisma do Brasil e da integração sul-americana. Tese (Doutorado em Relações Internacionais), USP, São Paulo, 2014. BIONDI, L. Imigração. Verbetes Primeira República. Verbete CPOC/ FG, nov. 2016. Disponível em: <http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira- republica/IMIGRA%C3%87%C3%83O.pdf>. Acesso em: 5 out. 2018. CULPI, L. A. Mercosul e políticas migratórias: processode transferência de políticas públicas migratórias pelas instituições do Mercosul ao Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (1991-2016). Tese (Doutorado em Políticas Públicas), Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2017. GERALDO, E. A “lei de cotas” de 1934: controle de estrangeiros no Brasil. Cadernos AEL, Campinas, v. 15, n. 27, 2009. PATARRA, N. Migrações Internacionais de e para o Brasil contemporâneo: volumes, fluxos, significados e políticas. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v.19, n 3, p. 23-33, 2005. REIS, R. R. A política do Brasil para as migrações internacionais. Contexto internacional, Rio de Janeiro, v. 33, n. 1, p. 47-69, jun. 2011.
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