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ESTUDOS MIGRATÓRIOS AULA 6 Profª Ludmila Andrzejewski Culpi 2 CONVERSA INICIAL Nesta aula trataremos de um dos temas mais centrais na questão migratória: os refugiados, que imigram por perseguições religiosas, étnicas ou devido à conflitos. Na primeira seção, iremos apresentar a história dos refugiados ao longo do tempo no mundo. Na segunda parte, será possível investigar os documentos e encontros realizados para garantir direitos e proteção à população refugiada. Na terceira parte, será investigada a história dos refugiados na Europa e o tratamento jurídico dado a eles pela União Europeia. Na quarta parte, conheceremos as causas da atual crise de refugiados da Europa e como o bloco europeu a tem enfrentado. Por fim, iremos analisar as políticas para refugiados no Brasil, em termos de sua integração à comunidade local. TEMA 1 – HISTÓRIA DOS REFUGIADOS NO MUNDO Muitas situações, como guerras e perseguições étnicas e religiosas, fizeram com que durante toda a história da humanidade milhares de pessoas se deslocassem de seus lares para outros locais. Segundo Silva (2017, p. 163): “Na Antiguidade, um exemplo dessas migrações forçadas ocorreu durante os últimos anos das Guerras Púnicas (264 a.C.-146 a.C.) entre Roma e Cartago, resultando na fuga dos cartagineses para outras regiões da África do Norte”. Os cartagineses que foram obrigados a migrar de seus locais podem ser considerados os primeiros refugiados. Porém, a primeira vez que se usou o termo refugiados foi com os huguenotes, que eram protestantes, após a proibição da prática da religião protestante, o que os obrigou a migrar. Mas foi a partir do término da Primeira Guerra Mundial e com a Revolução Russa que houve um incremento do número de refugiados no continente europeu, o que promoveu um debate mais intenso sobre a necessidade de protegê-los. Dentro dessa urgência, o Conselho da Liga das Nações fundou o primeiro Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o ACNUR, em 1921, com o objetivo de auxiliar os refugiados da Rússia após a Revolução. A função do ACNUR é assegurar assistência humanitária para os refugiados no seu processo de deslocamento e assentamento em um novo país (Silva, 2017). Em 1947, a separação entre Índia e Paquistão promoveu um crescimento significativo de refugiados na região. Ademais, houve o incremento de refugiados 3 palestinos, que seriam a primeira nacionalidade não europeia de refugiados a ser reconhecida nos debates internacionais. Após a Segunda Guerra Mundial, o status dos refugiados passou a ser reconhecido como uma abordagem focada nos direitos humanos desses migrantes. Nesse contexto, essa realidade, que parecia somente temporária, se torna cada vez mais permanente e duradoura, com um número cada vez maior de refugiados ao longo dos anos. Alguns Estados que antes não sofriam impactos desse fenômeno, passaram a entrar na rota das migrações e do refúgio, a exemplo do Brasil. Nesse sentido: “Uma das características mais marcantes nos padrões atuais de deslocamento forçado é a sua dispersão mais ampla pelo mundo, em diferentes escalas, tanto regional quanto global, assim como o prolongamento de sua situação nesse processo” (Silva, 2017, p. 164). Dos anos 1960 até os anos 1980, os confrontos ocorridos na África e na América Central incrementaram a quantidade de pessoas refugiadas. Muitos desses indivíduos buscaram refúgio nos países vizinhos aos seus, mas alguns passaram a migrar para a Europa, sendo considerados os “novos refugiados”. As causas do refúgio e os elementos que o englobam se tornam mais diversificados no contexto do pós-Guerra Fria. Nos anos 1950, o fascismo e o stalinismo eram a principal fonte geradora do fenômeno do refúgio, mas a partir do fim da Guerra Fria, os conflitos armados e as perseguições étnicas e religiosas passaram a figurar como as causas principais da expansão da quantidade de refugiados no mundo (Silva, 2017). No começo do século XXI, ocorreram novos conflitos políticos e passou a existir um maior deslocamento de pessoas relacionado a questões ambientais. Alguns Estados passaram a qualificar os refugiados como indesejados, não atendendo a pedidos de refúgio, a exemplo de alguns países da União Europeia. A partir dos anos 2010, a Primavera Árabe e os eventos de conflito decorrentes desse processo na Tunísia, Egito, Líbia, Síria e Iêmen contribuíram para a explosão do número de refugiados, que passaram a migrar sobretudo para a Europa (Pereira, 2016). Sobre os números de refugiados no mundo, em 2015, a ONU estimou que existiam aproximadamente 244 milhões de migrantes no mundo, sendo que uma quantidade considerável deles era de refugiados. Os refugiados representavam 8% da migração total, existindo, em 2015, 19,6 milhões de refugiados registrados. Os maiores números deles se localizavam nos países em 4 desenvolvimento. Se forem incluídos os deslocados internos e externos ambientais, esse número aumenta para 63,5 milhões de indivíduos (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). TEMA 2 – EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO JURÍDICA AOS REFUGIADOS Em 1951 foi elaborado o Estatuto dos Refugiados, que ofereceu apoio jurídico a esses migrantes, mas com a condição de que os Estados deveriam aceitar de maneira compulsória apenas os refugiados provenientes da Europa, não vinculando os países a receberem refugiados de outras localidades (Silva, 2017). O Estatuto de 1951, juntamente com o seu protocolo de 1967, “são considerados o alicerce do direito internacional dos refugiados”. Embora a Convenção de 1951 seja a pedra angular do Direito Internacional dos Refugiados, ao definir o refugiado e estabelecer padrões de trato a eles e demonstrando a urgência de uma administração coletiva dessa migração forçada, ela é insuficiente e possui fragilidades. Barichello e Araújo (2014) assinalam que o estabelecimento do instituto do refúgio se consolidou primeiramente com a atuação da Liga das Nações. Hathaway determina que a questão do refúgio pode ser dividida em três momentos: i) o da abordagem jurídica, entre 1920 e 1935, na qual reconhece-se o “pertencimento do indivíduo a determinado grupo que necessitasse proteção”; ii) o da abordagem social de 1935–1939, que é marcada “por prover assistência internacional para determinados grupos de refugiados em decorrência de acontecimentos políticos e sociais, principalmente relacionados ao Nazismo”; e iii) o da abordagem individualista de 1938 a 1950, que se destaca pelo “exame dos méritos do caso de cada solicitante de asilo” (Barichello; Araújo, 2014, p. 65). Em 1948, foi fundado o órgão que tratava e oferecia apoio exclusivamente dos refugiados palestinos, o United Nations Relief and Works for Palestine Refugees – UNRPR (Pereira, 2016). Em 1949, foi criado pelo United Nations Relief and Works for Palestine Refugees in the Near East – UNRWA – que suplantou o organismo anterior e continua em atividade. Em 1967, foi aprovado o Protocolo Adicional à Convenção sobre Refugiados de 1967 – PACR, prolongando a definição de refugiados a cidadãos de países que não fossem europeus. Em 1969, foi assinada a Convenção da Organização da Unidade Africana – COUA, que garante uma proteção específica 5 a refugiados provenientes de nações africanas. A Declaração de Cartagena, firmada em 1984, abordou a mesma ideia de ampliar o conceito de refugiados, mas na América Latina (Pereira, 2016). Durante a Guerra Fria, a solução e o gerenciamento da questão dos refugiados representam uma disputa política entre os EUA e a URSS. Nesse sentido, a ONU e o ACNUR, agência responsável por essa temática, passaram a exercer um papel relevante na administração dessa problemática. O ACNUR colocou-se em sua criação como uma agência com característica “apolítica, social e humanitária, porém a bibliografiaexistente sobre a organização demonstra que, na prática, a separação entre atividade política e humanitária, principalmente nos anos da Guerra Fria, foi virtualmente impossível” (Rocha; Moreira, 2010, p. 18). Nesse sentido, a politização deste debate gera desconfiança e desapontamento das instituições e indivíduos que atendem os refugiados, pois prejudica a consolidação de normas claras a respeito da proteção a essa população. TEMA 3 – OS REFUGIADOS NA EUROPA E AS AÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA A União Europeia passou a estabelecer uma política comunitária para a recepção e proteção dos refugiados dentro do processo de integração regional, criando um Sistema Europeu Comum de Asilo – SECA, determinado por uma série de diretivas. Esses documentos determinavam, entre vários temas, padrões mínimos de acolhimento dos solicitantes de asilo, a diferenciação entre refugiado e proteção subsidiária, e a determinação de que apenas um Estado deve se responsabilizar pela avaliação de uma solicitação de asilo, previsto no Regulamento Dublin II (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). A primeira norma que trata da questão do refúgio dentro do bloco europeu foi a Convenção de Dublin, de 1997, e que mais tarde foi reeditada, em 2001. O Sistema foi fundado em 1990 e estabeleceu as normas para as solicitações de refúgio nos países membros do bloco. Nos anos de 2007, a Convenção de Dublin foi revisada e passou a se chamar Regulamento Dublin II, permitindo as bases para a revisão do Sistema Dublin, que ocorreu eu 2008, e do Regulamento Dublin III, de 2013, sendo este último consequência da pressão enfrentada pelos países devido ao aumento do número de solicitações de refúgio (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). Um dos maiores avanços deste último documento foi 6 O reconhecimento de que há países da UE que, por estarem em zonas de fronteira do espaço europeu, recebem mais pressão e podem não ter condições de oferecer apoio e proteção aos requerentes de asilo, passando a prever-se a transferência de requerentes de um Estado- membro para outro. (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017, p. 82) Embora existam esses mecanismos a nível regional e normas internacionais que comprometem os Estados, em geral, cada país regula a nível interno as suas políticas referentes à recepção de refugiados. A questão dos refugiados tem ganhado as manchetes nos últimos anos, como consequência da eclosão da Primavera Árabe que intensificou a ida de refugiados do Norte da África e do Oriente Médio para a Europa. Os refugiados são vistos na Europa como um problema e um peso às economias receptoras, crescendo uma visão xenofóbica e negativa em relação ao migrante e ao refugiado, que era contrária à abordagem baseada nos direitos humanos dessas pessoas (Pereira, 2016). Em 2014, a Comissão Europeia estabeleceu um plano contendo cinco pontos relacionados à migração. Foi determinada a necessidade de formular uma Agenda Europeia para as Migrações. Uma das maiores preocupações era em relação à pressão sofrida pelos países de fronteira de zonas de conflito, sendo que foi aprovada uma medida de distribuição temporária de indivíduos que entrassem pela Grécia e pela Itália, porém, muitos países não aceitaram as cotas definidas, como a Espanha e a Hungria. Ademais, as políticas adotadas são temporárias, isto é, de curto prazo, para contornar o problema, sem apresentar uma solução efetiva, como políticas de integração local definitiva dos refugiados, que são políticas de longo prazo e que poderiam trazer benefícios aos países receptores. Alguns países encaram a crise migratória pelas possibilidades que ela pode oferecer (Culpi, 2015, p. 2), a exemplo da Alemanha que, em um primeiro momento, abriu as portas para o ingresso de refugiados, com vistas a atender a uma demanda por trabalhadores. O país sofre com um processo de envelhecimento dos cidadãos e muitos postos de trabalho sem oferta de trabalhadores. Porém, ao mesmo tempo que o país permitiu a entrada de vários refugiados, passou a controlar as fronteiras nos últimos dois anos. 7 TEMA 4 – A ATUAL CRISE DE REFUGIADOS NA EUROPA Somente nos países membros da União Europeia, mais de um milhão de pessoas chegaram solicitando asilo durante os anos da crise, o que representou um recorde de ingresso de refugiados no continente. Nos anos de 2016, aproximadamente 388 mil pessoas entraram na Europa, especialmente pelo mar Mediterrâneo. As principais motivações para esses deslocamentos foram a intensificação dos conflitos nos Estados vizinhos. De acordo com a OIM, dentre os 1.046.599 refugiados que ingressaram no ano de 2015, metade (50,2%) era originário da Síria, seguidos pelos advindos do Afeganistão (20,2%) e do Iraque (7,1%). Os demais países que enviaram refugiados foram Eritreia, Paquistão, Nigéria, Irã e Somália e representavam cerca de 4,2% e 1,6% dos refugiados cada um (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). As rotas eleitas pelos refugiados para a entrada na Europa variam de acordo com os controles em algumas delas, sendo que a opção pelo Mar Mediterrâneo passou a ser a mais adotada pelos migrantes que almejam chegar na Europa. Os trajetos passam a ser cada vez mais no sentido Oriente do continente, devido aos controles nas outras rotas (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). Os transportes pelo mar Mediterrâneo representam um risco elevado para os refugiados. Segundo dados da OIM, no ano de 2017, 3.770 pessoas morreram na travessia, especialmente no Mediterrâneo central. Embora houvesse menos entrada de pessoas em 2016, houve cerca de 5 mil mortes no mar (Almeida, 2017). A partir de 2013, com o crescimento dos pedidos de asilo, a Europa passou a enfrentar a maior crise de refugiados vivida desde a Segunda Guerra, o que exigiu medidas emergenciais por parte da Comissão Europeia para assegurar os direitos dessa população. Entre 2008 e 2015, os números de solicitações de asilo passaram de 200 mil para mais de um milhão por ano, o que acendeu os alertas para a crise que estava ocorrendo (Almeida, 2017). Os países europeus não sentem a realidade da crise na mesma medida, sendo que os Estados que mais receberam solicitações de refúgio foram A Alemanha (com aumento de 1675% entre 2008 e 2015), absorvendo 36% dos pedidos acolhidos na UE em 2015; a Hungria (5479%), acolhendo 13% dos requentes de asilo; a Suécia (555%), com 12,3% dos requerentes; a Áustria (593%), com 6,7%; a Itália (179%), com 6,4%; e a França (81%), com 5,7% dos pedidos de asilo da UE. (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017, p. 84) 8 Esses dados não revelam que os países concederam de fato o asilo, mas que houve pedidos. No ano de 2015, os Estados que mais acataram as solicitações a cada 100 solicitantes de refúgio foram a Dinamarca, com 48.7% de decisões positivas, o Reino Unido, com 46,2%, a Grécia, com 44,5%, a Holanda, com 37,9%, a Itália com 35,2%, a França com 34,3% e a Alemanha com 31,1%. Esses seriam os países que têm uma posição mais aberta em relação aos migrantes. Por outro lado, os que menos concederam asilos foram a Hungria, com 0,3% de decisões positivas, a Finlândia, com 5,5%, a Polônia, com 5,7% e a Espanha com 7%. Esses últimos Estados são os mais resistentes em relação à recepção de refugiados, sendo contrários às cotas propostas pelo bloco europeu. Para explicar as causas da recente crise de refugiados, devemos olhar para os fatores estruturais, de repulsão e atração desses imigrantes. Os fatores de repulsão, como já apontados, referem-se ao incremento dos conflitos étnicos e perseguições religiosas, especialmente na Síria, a redução da qualidade de vida dos refugiados que solicitam refúgio nos países vizinhos, como é o caso do Líbano, Turquia e Jordânia e as poucas perspectivas em relação ao emprego e à educação nesses Estados em conflito. Outros aspectos que assumem papel importante na expulsão dessas pessoas são as mudançasclimáticas, com o aumento das temperaturas nas regiões desérticas e os processos de colonização dos países que fazem fronteira com a Europa. Os fatores de atração dessa população para a Europa referem-se ao Diferencial socioeconômico entre as regiões de origem e de destino dos migrantes, as redes migratórias, que podem muitas vezes acionar mecanismos legais de deslocação por via da reunificação familiar, as redes e mídias sociais, sempre que descrevem e exaltam histórias de sucesso, e algumas medidas políticas mais receptivas, como sucedeu com a Alemanha até muito recentemente. (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017, p. 92) Outro aspecto que explica a grande entrada de refugiados na Europa é a ação das redes de tráfico e contrabando de pessoas, que determinam os destinos desses migrantes. A rota preferida por muitos refugiados, além do cruze pelo Mediterrâneo é por terra, vindo da Turquia e passando para a Grécia. Até 2016, os refugiados usavam a rota dos Balcãs, que começava na Sérvia e seguia cruzando para a Hungria. Os refugiados caminhavam pelas vias dos trens e da Hungria seguiam para os países mais abertos aos refugiados, que são, em geral, a Alemanha, a França e a Suécia. 9 Porém, em 2016, essa rota foi fechada pela Hungria, como consequência de um crescimento das ideias anti-imigração e a situação ficou muito pior para os refugiados, que começaram a usar rotas alternativas, passando pela Bósnia, que os recebe bem, e pela Croácia, onde são extremamente mal recebidos, com muita violência por parte da polícia croata. Os refugiados passaram a cruzar por caminhos perigosos, em meio à selva, durante diversos dias, sujeitos às ações dos traficantes, que cobram cerca de mil euros por pessoa para auxiliar na passagem. Muitas pessoas tentam fazer a passagem diversas vezes, sendo deportados pela polícia croata novamente à Bósnia. Assim, uma parte dessa população está presa nos Balcãs, demorando cerca de 3 a 4 anos para chegar ao destino final, que é a Área Schengen, sobretudo França e Alemanha, que têm leis mais abertas ao pedido de refúgio. TEMA 5 – OS REFUGIADOS NO BRASIL E SUA INTEGRAÇÃO LOCAL O Brasil colocou a defesa dos direitos dos refugiados e a consequente recepção destes em seu território como um tema prioritário em sua política externa a partir dos anos 1990 e com mais ênfase nos anos 2000, com vistas a projetar-se como um líder no regime de refugiados. A Lei n. 9.474/1997 estabeleceu diretrizes para o tratamento do tema dos refugiados, prevendo a reunificação familiar e a possibilidade de trabalho. Contudo, como já sabemos, a Lei de Migrações era retrógrada no Brasil e só foi substituída em 2017, pela Nova Lei de Migrações. A Lei de 1997 criou também o Comitê Nacional para os Refugiados – Conare, formado por Ministros e outros atores, criando uma estrutura tripartite composta pelos membros do governo, das instituições sociais religiosas e do ACNUR (representante internacional). As funções do Conare são avaliar os pedidos de refúgio, estabelecer a perda do status de refugiado e garantir os direitos dessa população. O marco jurídico sobre refugiados no Brasil foi considerado avançado por entender o refugiado pela definição abrangente, isto é, como aquele que é perseguido e tem violados seus direitos humanos no país de origem. Ademais, a lei e o Conare permitem a participação da sociedade civil, embora que de maneira limitada (Moreira, 2014). Para a solução definitiva da condição temporária de refúgio, são apresentadas três saídas para os refugiados: a repatriação voluntária, o reassentamento em um Estado terceiro e a integração ao local de destino. 10 A repatriação voluntária representa o regresso do refugiado ao seus país de origem, que seria a escolha de todos os refugiados, o que infelizmente não é sempre possível (ACNUR, 2010). O reassentamento ocorre quando um terceiro país recepciona o refugiado garantindo a ele os direitos necessários ao seu bem- estar, dando a ele a opção de se naturalizar ou atendê-lo de modo temporário. Por sua vez, a integração local ocorre no Estado que recebeu o refugiado e é um processo em etapas e de grande complexidade (ACNUR, 2010). A questão da integração local é essencial para garantir ao refugiado uma experiência melhor quando chega ao seu país de destino, com vistas a fazê-lo se sentir parte da comunidade que o recebe (Moreira, 2014). No caso do Brasil, existe um vínculo entre o governo, o ACNUR e algumas organizações de cunho religioso, como a Cáritas, que oferecem apoio aos refugiados, parceria que foi estabelecida no período militar. Após a redemocratização, surgiram novas alternativas no que tange aos direitos dos refugiados e sua proteção no Brasil. As ações voltadas à integração local dos refugiados no Brasil visam assegurar emprego, moradia, aulas de português e acesso a serviços públicos, como educação e saúde. Essas atividades são desempenhadas pelo ACNUR, em menor medida por entidades do governo, mas sobretudo pela sociedade civil brasileira. Nesse sentido, “as instituições religiosas (como a Cáritas) ajudaram a construir uma extensa rede de apoio aos refugiados no país, com base em parcerias com outras instituições públicas e privadas” (Moreira, 2014, p. 93), oferecendo apoio jurídico e social a esses refugiados. As organizações prestam auxílio aos refugiados, garantindo acomodação e apoio na busca por emprego, mas é de responsabilidade do governo atender a essa população corretamente. Em 2015, muitos organismos de apoio aos imigrantes e refugiados, como a Cáritas, passaram a declarar “estado de emergência” devido ao número elevado de pessoas solicitando refúgio e pouca capacidade de prestar esse atendimento por parte dos organismos da sociedade civil. Isso demonstra um suporte insuficiente por parte do governo em “garantir direitos básicos para os refugiados que chegam ao país, como o direito à alimentação, educação e saúde física e psicológica” (Moura, 2016, p. 7). São vários os desafios enfrentados pelos refugiados em termos de sua integração local, na questão do acesso à serviços. Entre 2015 e 2016, cerca de 400 refugiados sírios passaram a receber o Bolsa Família, com o objetivo de 11 expandir a renda da família e assegurar a sobrevivência destes, porém, o auxílio gira em torno de 170 reais por mês, o que é quase irrisório (Moura, 2016). Em termos da inclusão das crianças refugiadas, poucas escolas estão preparadas para atender à população refugiada no Brasil. A incapacidade de atender corretamente a essas crianças acaba tendo como consequência situações de bulling por causa da diferença religiosa, étnica etc. (Moura, 2016). NA PRÁTICA A partir de 2015, com o agravamento da crise política e econômica na Venezuela, devido ao enrijecimento do regime político de Maduro, muitos venezuelanos passaram a entrar no Brasil, especialmente em Roraima, o que, em 2018, desencadeou uma crise de refugiados venezuelanos na cidade. Há, na Venezuela, escassez de alimentos e de outros produtos de extrema necessidade, bem como desemprego e inflação altíssimos. Entre 2015 e 2016, as solicitações de refúgio de venezuelanos no Brasil aumentou 3000%, o que gerou uma necessidade de resposta pelo governo. Em 2018, o Brasil possuía mais de 86 mil pedidos de refúgio, sendo que os venezuelanos estão na primeira posição (33% do total). Porém, até abril de 2018, apenas 18 venezuelanos foram considerados refugiados. FINALIZANDO Nesta aula, na primeira parte, você pôde conhecer os detalhes da história dos refugiados. Na segunda parte da aula, pode-se investigar de modo mais profundo como se construiu o atual regime de refugiados, baseado em certos documentos, como o Estatuto dos Refugiados de 1948 e a Convenção de 1967. Na terceira parte, foi verificado o tratamento dado pela Europa aos refugiados, em termos de normas. Jána quarta parte, foi apresentada a atual crise dos refugiados que vivencia a Europa. Na quinta parte, você conheceu também como avançou a recepção dos refugiados no Brasil e sua integração. 12 REFERÊNCIAS ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Soluções Duradoras, 2010. Disponível em: <http://www.acnur.org/www-portugues/quem- ajudamos/solucoes-duradouras/>. Acesso em: 25 nov. 2018. BARICHELLO, S.; ARAUJO, L. E. Aspectos históricos da evolução e do reconhecimento internacional do status de refugiado. Universitas Relações Internacionais, Brasília, v. 12, n. 2, pp. 63-76, jul./dez. 2014. CULPI, L. A. Refugiados: chance de recuperação para as economias europeias? Folha de Londrina, Londrina, 23 set. 2015. Disponível em: <https://www.folhadelondrina.com.br/colunistas/espaco-aberto/refugiados- chance-de-recuperacao-para-as-economias-europeias--928409.html>. Acesso em: 26 nov. 2018. MOREIRA, J. M. Refugiados no Brasil: reflexões acerca do processo de integração local. 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