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ESTUDOS MIGRATÓRIOS - AULA 6

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ESTUDOS MIGRATÓRIOS 
AULA 6 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Ludmila Andrzejewski Culpi 
 
 
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CONVERSA INICIAL 
Nesta aula trataremos de um dos temas mais centrais na questão 
migratória: os refugiados, que imigram por perseguições religiosas, étnicas ou 
devido à conflitos. Na primeira seção, iremos apresentar a história dos refugiados 
ao longo do tempo no mundo. Na segunda parte, será possível investigar os 
documentos e encontros realizados para garantir direitos e proteção à população 
refugiada. Na terceira parte, será investigada a história dos refugiados na Europa 
e o tratamento jurídico dado a eles pela União Europeia. Na quarta parte, 
conheceremos as causas da atual crise de refugiados da Europa e como o bloco 
europeu a tem enfrentado. Por fim, iremos analisar as políticas para refugiados 
no Brasil, em termos de sua integração à comunidade local. 
TEMA 1 – HISTÓRIA DOS REFUGIADOS NO MUNDO 
Muitas situações, como guerras e perseguições étnicas e religiosas, 
fizeram com que durante toda a história da humanidade milhares de pessoas se 
deslocassem de seus lares para outros locais. Segundo Silva (2017, p. 163): “Na 
Antiguidade, um exemplo dessas migrações forçadas ocorreu durante os últimos 
anos das Guerras Púnicas (264 a.C.-146 a.C.) entre Roma e Cartago, resultando 
na fuga dos cartagineses para outras regiões da África do Norte”. 
Os cartagineses que foram obrigados a migrar de seus locais podem ser 
considerados os primeiros refugiados. Porém, a primeira vez que se usou o 
termo refugiados foi com os huguenotes, que eram protestantes, após a 
proibição da prática da religião protestante, o que os obrigou a migrar. 
Mas foi a partir do término da Primeira Guerra Mundial e com a Revolução 
Russa que houve um incremento do número de refugiados no continente 
europeu, o que promoveu um debate mais intenso sobre a necessidade de 
protegê-los. 
Dentro dessa urgência, o Conselho da Liga das Nações fundou o primeiro 
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, o ACNUR, em 1921, 
com o objetivo de auxiliar os refugiados da Rússia após a Revolução. A função 
do ACNUR é assegurar assistência humanitária para os refugiados no seu 
processo de deslocamento e assentamento em um novo país (Silva, 2017). 
Em 1947, a separação entre Índia e Paquistão promoveu um crescimento 
significativo de refugiados na região. Ademais, houve o incremento de refugiados 
 
 
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palestinos, que seriam a primeira nacionalidade não europeia de refugiados a 
ser reconhecida nos debates internacionais. 
Após a Segunda Guerra Mundial, o status dos refugiados passou a ser 
reconhecido como uma abordagem focada nos direitos humanos desses 
migrantes. Nesse contexto, essa realidade, que parecia somente temporária, se 
torna cada vez mais permanente e duradoura, com um número cada vez maior 
de refugiados ao longo dos anos. Alguns Estados que antes não sofriam 
impactos desse fenômeno, passaram a entrar na rota das migrações e do 
refúgio, a exemplo do Brasil. Nesse sentido: “Uma das características mais 
marcantes nos padrões atuais de deslocamento forçado é a sua dispersão mais 
ampla pelo mundo, em diferentes escalas, tanto regional quanto global, assim 
como o prolongamento de sua situação nesse processo” (Silva, 2017, p. 164). 
Dos anos 1960 até os anos 1980, os confrontos ocorridos na África e na 
América Central incrementaram a quantidade de pessoas refugiadas. Muitos 
desses indivíduos buscaram refúgio nos países vizinhos aos seus, mas alguns 
passaram a migrar para a Europa, sendo considerados os “novos refugiados”. 
As causas do refúgio e os elementos que o englobam se tornam mais 
diversificados no contexto do pós-Guerra Fria. Nos anos 1950, o fascismo e o 
stalinismo eram a principal fonte geradora do fenômeno do refúgio, mas a partir 
do fim da Guerra Fria, os conflitos armados e as perseguições étnicas e 
religiosas passaram a figurar como as causas principais da expansão da 
quantidade de refugiados no mundo (Silva, 2017). 
No começo do século XXI, ocorreram novos conflitos políticos e passou a 
existir um maior deslocamento de pessoas relacionado a questões ambientais. 
Alguns Estados passaram a qualificar os refugiados como indesejados, não 
atendendo a pedidos de refúgio, a exemplo de alguns países da União Europeia. 
A partir dos anos 2010, a Primavera Árabe e os eventos de conflito decorrentes 
desse processo na Tunísia, Egito, Líbia, Síria e Iêmen contribuíram para a 
explosão do número de refugiados, que passaram a migrar sobretudo para a 
Europa (Pereira, 2016). 
Sobre os números de refugiados no mundo, em 2015, a ONU estimou que 
existiam aproximadamente 244 milhões de migrantes no mundo, sendo que uma 
quantidade considerável deles era de refugiados. Os refugiados representavam 
8% da migração total, existindo, em 2015, 19,6 milhões de refugiados 
registrados. Os maiores números deles se localizavam nos países em 
 
 
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desenvolvimento. Se forem incluídos os deslocados internos e externos 
ambientais, esse número aumenta para 63,5 milhões de indivíduos (Oliveira; 
Peixoto; Gois, 2017). 
TEMA 2 – EVOLUÇÃO DA PROTEÇÃO JURÍDICA AOS REFUGIADOS 
Em 1951 foi elaborado o Estatuto dos Refugiados, que ofereceu apoio 
jurídico a esses migrantes, mas com a condição de que os Estados deveriam 
aceitar de maneira compulsória apenas os refugiados provenientes da Europa, 
não vinculando os países a receberem refugiados de outras localidades (Silva, 
2017). O Estatuto de 1951, juntamente com o seu protocolo de 1967, “são 
considerados o alicerce do direito internacional dos refugiados”. 
Embora a Convenção de 1951 seja a pedra angular do Direito 
Internacional dos Refugiados, ao definir o refugiado e estabelecer padrões de 
trato a eles e demonstrando a urgência de uma administração coletiva dessa 
migração forçada, ela é insuficiente e possui fragilidades. 
Barichello e Araújo (2014) assinalam que o estabelecimento do instituto 
do refúgio se consolidou primeiramente com a atuação da Liga das Nações. 
Hathaway determina que a questão do refúgio pode ser dividida em três 
momentos: i) o da abordagem jurídica, entre 1920 e 1935, na qual reconhece-se 
o “pertencimento do indivíduo a determinado grupo que necessitasse proteção”; 
ii) o da abordagem social de 1935–1939, que é marcada “por prover assistência 
internacional para determinados grupos de refugiados em decorrência de 
acontecimentos políticos e sociais, principalmente relacionados ao Nazismo”; e 
iii) o da abordagem individualista de 1938 a 1950, que se destaca pelo “exame 
dos méritos do caso de cada solicitante de asilo” (Barichello; Araújo, 2014, p. 
65). 
Em 1948, foi fundado o órgão que tratava e oferecia apoio exclusivamente 
dos refugiados palestinos, o United Nations Relief and Works for Palestine 
Refugees – UNRPR (Pereira, 2016). Em 1949, foi criado pelo United Nations 
Relief and Works for Palestine Refugees in the Near East – UNRWA – que 
suplantou o organismo anterior e continua em atividade. 
Em 1967, foi aprovado o Protocolo Adicional à Convenção sobre 
Refugiados de 1967 – PACR, prolongando a definição de refugiados a cidadãos 
de países que não fossem europeus. Em 1969, foi assinada a Convenção da 
Organização da Unidade Africana – COUA, que garante uma proteção específica 
 
 
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a refugiados provenientes de nações africanas. A Declaração de Cartagena, 
firmada em 1984, abordou a mesma ideia de ampliar o conceito de refugiados, 
mas na América Latina (Pereira, 2016). 
Durante a Guerra Fria, a solução e o gerenciamento da questão dos 
refugiados representam uma disputa política entre os EUA e a URSS. Nesse 
sentido, a ONU e o ACNUR, agência responsável por essa temática, passaram 
a exercer um papel relevante na administração dessa problemática. O ACNUR 
colocou-se em sua criação como uma agência com característica “apolítica, 
social e humanitária, porém a bibliografiaexistente sobre a organização 
demonstra que, na prática, a separação entre atividade política e humanitária, 
principalmente nos anos da Guerra Fria, foi virtualmente impossível” (Rocha; 
Moreira, 2010, p. 18). Nesse sentido, a politização deste debate gera 
desconfiança e desapontamento das instituições e indivíduos que atendem os 
refugiados, pois prejudica a consolidação de normas claras a respeito da 
proteção a essa população. 
TEMA 3 – OS REFUGIADOS NA EUROPA E AS AÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA 
A União Europeia passou a estabelecer uma política comunitária para a 
recepção e proteção dos refugiados dentro do processo de integração regional, 
criando um Sistema Europeu Comum de Asilo – SECA, determinado por uma 
série de diretivas. Esses documentos determinavam, entre vários temas, 
padrões mínimos de acolhimento dos solicitantes de asilo, a diferenciação entre 
refugiado e proteção subsidiária, e a determinação de que apenas um Estado 
deve se responsabilizar pela avaliação de uma solicitação de asilo, previsto no 
Regulamento Dublin II (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). 
A primeira norma que trata da questão do refúgio dentro do bloco europeu 
foi a Convenção de Dublin, de 1997, e que mais tarde foi reeditada, em 2001. O 
Sistema foi fundado em 1990 e estabeleceu as normas para as solicitações de 
refúgio nos países membros do bloco. 
Nos anos de 2007, a Convenção de Dublin foi revisada e passou a se 
chamar Regulamento Dublin II, permitindo as bases para a revisão do Sistema 
Dublin, que ocorreu eu 2008, e do Regulamento Dublin III, de 2013, sendo este 
último consequência da pressão enfrentada pelos países devido ao aumento do 
número de solicitações de refúgio (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). 
Um dos maiores avanços deste último documento foi 
 
 
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O reconhecimento de que há países da UE que, por estarem em zonas 
de fronteira do espaço europeu, recebem mais pressão e podem não 
ter condições de oferecer apoio e proteção aos requerentes de asilo, 
passando a prever-se a transferência de requerentes de um Estado-
membro para outro. (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017, p. 82) 
Embora existam esses mecanismos a nível regional e normas 
internacionais que comprometem os Estados, em geral, cada país regula a nível 
interno as suas políticas referentes à recepção de refugiados. 
A questão dos refugiados tem ganhado as manchetes nos últimos anos, 
como consequência da eclosão da Primavera Árabe que intensificou a ida de 
refugiados do Norte da África e do Oriente Médio para a Europa. 
Os refugiados são vistos na Europa como um problema e um peso às 
economias receptoras, crescendo uma visão xenofóbica e negativa em relação 
ao migrante e ao refugiado, que era contrária à abordagem baseada nos direitos 
humanos dessas pessoas (Pereira, 2016). 
Em 2014, a Comissão Europeia estabeleceu um plano contendo cinco 
pontos relacionados à migração. Foi determinada a necessidade de formular 
uma Agenda Europeia para as Migrações. Uma das maiores preocupações era 
em relação à pressão sofrida pelos países de fronteira de zonas de conflito, 
sendo que foi aprovada uma medida de distribuição temporária de indivíduos 
que entrassem pela Grécia e pela Itália, porém, muitos países não aceitaram as 
cotas definidas, como a Espanha e a Hungria. 
Ademais, as políticas adotadas são temporárias, isto é, de curto prazo, 
para contornar o problema, sem apresentar uma solução efetiva, como políticas 
de integração local definitiva dos refugiados, que são políticas de longo prazo e 
que poderiam trazer benefícios aos países receptores. 
Alguns países encaram a crise migratória pelas possibilidades que ela 
pode oferecer (Culpi, 2015, p. 2), a exemplo da Alemanha que, em um primeiro 
momento, abriu as portas para o ingresso de refugiados, com vistas a atender a 
uma demanda por trabalhadores. O país sofre com um processo de 
envelhecimento dos cidadãos e muitos postos de trabalho sem oferta de 
trabalhadores. Porém, ao mesmo tempo que o país permitiu a entrada de vários 
refugiados, passou a controlar as fronteiras nos últimos dois anos. 
 
 
 
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TEMA 4 – A ATUAL CRISE DE REFUGIADOS NA EUROPA 
Somente nos países membros da União Europeia, mais de um milhão de 
pessoas chegaram solicitando asilo durante os anos da crise, o que representou 
um recorde de ingresso de refugiados no continente. Nos anos de 2016, 
aproximadamente 388 mil pessoas entraram na Europa, especialmente pelo mar 
Mediterrâneo. As principais motivações para esses deslocamentos foram a 
intensificação dos conflitos nos Estados vizinhos. De acordo com a OIM, dentre 
os 1.046.599 refugiados que ingressaram no ano de 2015, metade (50,2%) era 
originário da Síria, seguidos pelos advindos do Afeganistão (20,2%) e do Iraque 
(7,1%). Os demais países que enviaram refugiados foram Eritreia, Paquistão, 
Nigéria, Irã e Somália e representavam cerca de 4,2% e 1,6% dos refugiados 
cada um (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). 
As rotas eleitas pelos refugiados para a entrada na Europa variam de 
acordo com os controles em algumas delas, sendo que a opção pelo Mar 
Mediterrâneo passou a ser a mais adotada pelos migrantes que almejam chegar 
na Europa. Os trajetos passam a ser cada vez mais no sentido Oriente do 
continente, devido aos controles nas outras rotas (Oliveira; Peixoto; Gois, 2017). 
Os transportes pelo mar Mediterrâneo representam um risco elevado para 
os refugiados. Segundo dados da OIM, no ano de 2017, 3.770 pessoas 
morreram na travessia, especialmente no Mediterrâneo central. Embora 
houvesse menos entrada de pessoas em 2016, houve cerca de 5 mil mortes no 
mar (Almeida, 2017). 
A partir de 2013, com o crescimento dos pedidos de asilo, a Europa 
passou a enfrentar a maior crise de refugiados vivida desde a Segunda Guerra, 
o que exigiu medidas emergenciais por parte da Comissão Europeia para 
assegurar os direitos dessa população. Entre 2008 e 2015, os números de 
solicitações de asilo passaram de 200 mil para mais de um milhão por ano, o 
que acendeu os alertas para a crise que estava ocorrendo (Almeida, 2017). Os 
países europeus não sentem a realidade da crise na mesma medida, sendo que 
os Estados que mais receberam solicitações de refúgio foram 
A Alemanha (com aumento de 1675% entre 2008 e 2015), absorvendo 
36% dos pedidos acolhidos na UE em 2015; a Hungria (5479%), 
acolhendo 13% dos requentes de asilo; a Suécia (555%), com 12,3% 
dos requerentes; a Áustria (593%), com 6,7%; a Itália (179%), com 
6,4%; e a França (81%), com 5,7% dos pedidos de asilo da UE. 
(Oliveira; Peixoto; Gois, 2017, p. 84) 
 
 
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Esses dados não revelam que os países concederam de fato o asilo, mas 
que houve pedidos. No ano de 2015, os Estados que mais acataram as 
solicitações a cada 100 solicitantes de refúgio foram a Dinamarca, com 48.7% 
de decisões positivas, o Reino Unido, com 46,2%, a Grécia, com 44,5%, a 
Holanda, com 37,9%, a Itália com 35,2%, a França com 34,3% e a Alemanha 
com 31,1%. Esses seriam os países que têm uma posição mais aberta em 
relação aos migrantes. Por outro lado, os que menos concederam asilos foram 
a Hungria, com 0,3% de decisões positivas, a Finlândia, com 5,5%, a Polônia, 
com 5,7% e a Espanha com 7%. Esses últimos Estados são os mais resistentes 
em relação à recepção de refugiados, sendo contrários às cotas propostas pelo 
bloco europeu. 
Para explicar as causas da recente crise de refugiados, devemos olhar 
para os fatores estruturais, de repulsão e atração desses imigrantes. Os fatores 
de repulsão, como já apontados, referem-se ao incremento dos conflitos étnicos 
e perseguições religiosas, especialmente na Síria, a redução da qualidade de 
vida dos refugiados que solicitam refúgio nos países vizinhos, como é o caso do 
Líbano, Turquia e Jordânia e as poucas perspectivas em relação ao emprego e 
à educação nesses Estados em conflito. Outros aspectos que assumem papel 
importante na expulsão dessas pessoas são as mudançasclimáticas, com o 
aumento das temperaturas nas regiões desérticas e os processos de 
colonização dos países que fazem fronteira com a Europa. 
Os fatores de atração dessa população para a Europa referem-se ao 
Diferencial socioeconômico entre as regiões de origem e de destino 
dos migrantes, as redes migratórias, que podem muitas vezes acionar 
mecanismos legais de deslocação por via da reunificação familiar, as 
redes e mídias sociais, sempre que descrevem e exaltam histórias de 
sucesso, e algumas medidas políticas mais receptivas, como sucedeu 
com a Alemanha até muito recentemente. (Oliveira; Peixoto; Gois, 
2017, p. 92) 
Outro aspecto que explica a grande entrada de refugiados na Europa é a 
ação das redes de tráfico e contrabando de pessoas, que determinam os 
destinos desses migrantes. A rota preferida por muitos refugiados, além do cruze 
pelo Mediterrâneo é por terra, vindo da Turquia e passando para a Grécia. Até 
2016, os refugiados usavam a rota dos Balcãs, que começava na Sérvia e seguia 
cruzando para a Hungria. Os refugiados caminhavam pelas vias dos trens e da 
Hungria seguiam para os países mais abertos aos refugiados, que são, em geral, 
a Alemanha, a França e a Suécia. 
 
 
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Porém, em 2016, essa rota foi fechada pela Hungria, como consequência 
de um crescimento das ideias anti-imigração e a situação ficou muito pior para 
os refugiados, que começaram a usar rotas alternativas, passando pela Bósnia, 
que os recebe bem, e pela Croácia, onde são extremamente mal recebidos, com 
muita violência por parte da polícia croata. Os refugiados passaram a cruzar por 
caminhos perigosos, em meio à selva, durante diversos dias, sujeitos às ações 
dos traficantes, que cobram cerca de mil euros por pessoa para auxiliar na 
passagem. Muitas pessoas tentam fazer a passagem diversas vezes, sendo 
deportados pela polícia croata novamente à Bósnia. Assim, uma parte dessa 
população está presa nos Balcãs, demorando cerca de 3 a 4 anos para chegar 
ao destino final, que é a Área Schengen, sobretudo França e Alemanha, que têm 
leis mais abertas ao pedido de refúgio. 
TEMA 5 – OS REFUGIADOS NO BRASIL E SUA INTEGRAÇÃO LOCAL 
O Brasil colocou a defesa dos direitos dos refugiados e a consequente 
recepção destes em seu território como um tema prioritário em sua política 
externa a partir dos anos 1990 e com mais ênfase nos anos 2000, com vistas a 
projetar-se como um líder no regime de refugiados. 
A Lei n. 9.474/1997 estabeleceu diretrizes para o tratamento do tema dos 
refugiados, prevendo a reunificação familiar e a possibilidade de trabalho. 
Contudo, como já sabemos, a Lei de Migrações era retrógrada no Brasil e só foi 
substituída em 2017, pela Nova Lei de Migrações. 
A Lei de 1997 criou também o Comitê Nacional para os Refugiados – 
Conare, formado por Ministros e outros atores, criando uma estrutura tripartite 
composta pelos membros do governo, das instituições sociais religiosas e do 
ACNUR (representante internacional). As funções do Conare são avaliar os 
pedidos de refúgio, estabelecer a perda do status de refugiado e garantir os 
direitos dessa população. O marco jurídico sobre refugiados no Brasil foi 
considerado avançado por entender o refugiado pela definição abrangente, isto 
é, como aquele que é perseguido e tem violados seus direitos humanos no país 
de origem. Ademais, a lei e o Conare permitem a participação da sociedade civil, 
embora que de maneira limitada (Moreira, 2014). 
Para a solução definitiva da condição temporária de refúgio, são 
apresentadas três saídas para os refugiados: a repatriação voluntária, o 
reassentamento em um Estado terceiro e a integração ao local de destino. 
 
 
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 A repatriação voluntária representa o regresso do refugiado ao seus país 
de origem, que seria a escolha de todos os refugiados, o que infelizmente não é 
sempre possível (ACNUR, 2010). O reassentamento ocorre quando um terceiro 
país recepciona o refugiado garantindo a ele os direitos necessários ao seu bem-
estar, dando a ele a opção de se naturalizar ou atendê-lo de modo temporário. 
Por sua vez, a integração local ocorre no Estado que recebeu o refugiado e é 
um processo em etapas e de grande complexidade (ACNUR, 2010). 
A questão da integração local é essencial para garantir ao refugiado uma 
experiência melhor quando chega ao seu país de destino, com vistas a fazê-lo 
se sentir parte da comunidade que o recebe (Moreira, 2014). 
No caso do Brasil, existe um vínculo entre o governo, o ACNUR e algumas 
organizações de cunho religioso, como a Cáritas, que oferecem apoio aos 
refugiados, parceria que foi estabelecida no período militar. Após a 
redemocratização, surgiram novas alternativas no que tange aos direitos dos 
refugiados e sua proteção no Brasil. 
As ações voltadas à integração local dos refugiados no Brasil visam 
assegurar emprego, moradia, aulas de português e acesso a serviços públicos, 
como educação e saúde. Essas atividades são desempenhadas pelo ACNUR, 
em menor medida por entidades do governo, mas sobretudo pela sociedade civil 
brasileira. Nesse sentido, “as instituições religiosas (como a Cáritas) ajudaram a 
construir uma extensa rede de apoio aos refugiados no país, com base em 
parcerias com outras instituições públicas e privadas” (Moreira, 2014, p. 93), 
oferecendo apoio jurídico e social a esses refugiados. 
As organizações prestam auxílio aos refugiados, garantindo acomodação 
e apoio na busca por emprego, mas é de responsabilidade do governo atender 
a essa população corretamente. Em 2015, muitos organismos de apoio aos 
imigrantes e refugiados, como a Cáritas, passaram a declarar “estado de 
emergência” devido ao número elevado de pessoas solicitando refúgio e pouca 
capacidade de prestar esse atendimento por parte dos organismos da sociedade 
civil. Isso demonstra um suporte insuficiente por parte do governo em “garantir 
direitos básicos para os refugiados que chegam ao país, como o direito à 
alimentação, educação e saúde física e psicológica” (Moura, 2016, p. 7). 
São vários os desafios enfrentados pelos refugiados em termos de sua 
integração local, na questão do acesso à serviços. Entre 2015 e 2016, cerca de 
400 refugiados sírios passaram a receber o Bolsa Família, com o objetivo de 
 
 
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expandir a renda da família e assegurar a sobrevivência destes, porém, o auxílio 
gira em torno de 170 reais por mês, o que é quase irrisório (Moura, 2016). 
Em termos da inclusão das crianças refugiadas, poucas escolas estão 
preparadas para atender à população refugiada no Brasil. A incapacidade de 
atender corretamente a essas crianças acaba tendo como consequência 
situações de bulling por causa da diferença religiosa, étnica etc. (Moura, 2016). 
NA PRÁTICA 
A partir de 2015, com o agravamento da crise política e econômica na 
Venezuela, devido ao enrijecimento do regime político de Maduro, muitos 
venezuelanos passaram a entrar no Brasil, especialmente em Roraima, o que, 
em 2018, desencadeou uma crise de refugiados venezuelanos na cidade. Há, 
na Venezuela, escassez de alimentos e de outros produtos de extrema 
necessidade, bem como desemprego e inflação altíssimos. Entre 2015 e 2016, 
as solicitações de refúgio de venezuelanos no Brasil aumentou 3000%, o que 
gerou uma necessidade de resposta pelo governo. Em 2018, o Brasil possuía 
mais de 86 mil pedidos de refúgio, sendo que os venezuelanos estão na primeira 
posição (33% do total). Porém, até abril de 2018, apenas 18 venezuelanos foram 
considerados refugiados. 
FINALIZANDO 
Nesta aula, na primeira parte, você pôde conhecer os detalhes da história 
dos refugiados. Na segunda parte da aula, pode-se investigar de modo mais 
profundo como se construiu o atual regime de refugiados, baseado em certos 
documentos, como o Estatuto dos Refugiados de 1948 e a Convenção de 1967. 
Na terceira parte, foi verificado o tratamento dado pela Europa aos 
refugiados, em termos de normas. Jána quarta parte, foi apresentada a atual 
crise dos refugiados que vivencia a Europa. Na quinta parte, você conheceu 
também como avançou a recepção dos refugiados no Brasil e sua integração. 
 
 
 
 
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