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0795_Fundamentos de Arqueologia e Etnografia

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Núcleo de Educação a Distância
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FUNDAMENTOS DE ARQUEOLOGIA E ETNOGRAFIA
SEMESTRE 1
Créditos e Copyright	
BONETTI, Charles; RIBARIC, Adrian.
Fundamentos de Arqueologia e Etnografia. Revisado por Carlos Eduardo de Carvalho e Silva Finochio. Santos: Núcleo de Educação a Distância da UNIMES, 2015. 109 p. (Material didático. Curso de História).
 
Modo de acesso: www.unimes.br
1. Ensino a distância. 2. História. 3. Fundamentos de Arqueologia e Etnografia
CDD 909
	
UNIVERSIDADE METROPOLITANA DE SANTOS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PLANO DE ENSINO
CURSO: Licenciatura em História
COMPONENTE CURRICULAR: Fundamentos de Arqueologia e Etnografia
SEMESTRE: 1º.
CARGA HORÁRIA TOTAL: 80 horas
 
EMENTA
Estudo da História através da cultura material produzida pelas civilizações em vários períodos da História. Iniciação a pesquisa etnográfica, enfatizando a produção cultural dos povos, enriquecendo o conhecimento histórico. Estudo da diversidade cultural do presente e da cultura imaterial produzida pelas sociedades humanas ao longo da História. Iniciação as metodologias de pesquisa etnológica, enfatizando a produção do conhecimento histórico.
 
OBJETIVO GERAL
Apresentar o universo científico e as práticas que envolvem a Arqueologia e Etnografia, situando nos variados contextos e períodos, para relacionar com a História e demais ciências humanas. Trabalhar os saberes separados por unidades específicas.
 
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Unidade 1 - Arqueologia – definições e conceitos.
Objetivo da Unidade
Apresentar algumas das definições de Arqueologia, sua multidisciplinaridade e suas especialidades; histórico de sua trajetória disciplinar; os conceitos chave bem como os principais métodos e técnicas de trabalho; estabelecer uma reflexão crítica entre a Arqueologia e as outras Ciências Sociais, seus campos de atuação e sua contribuição para o estudo de História.
 
Unidade 2 - ARQUEOLOGIA BRASILEIRA
Objetivo da Unidade
Entender o panorama acerca do processo de ocupação pré-cabraliano a partir dos diversos tipos de sítios arqueológicos existentes; analisar a história da ciência arqueológica no Brasil, seus autores, desdobramentos e abordagens.
 
Unidade 3 - PATRIMÔNIO CULTURAL, PRESERVAÇÃO E MUSEOLOGIA
Objetivo da Unidade
Definições de patrimônio cultural e sua relação com patrimônio arqueológico; apresenta a legislação acerca da preservação do patrimônio arqueológico; análise crítica do conceito de preservação; apresentar os fundamentos da Museologia no que concerne a preservação do patrimônio arqueológico.
 
Unidade 4 – INTRODUÇÃO À ETNOLOGIA
Objetivo da Unidade
Discutir a natureza multicultural da sociedade contemporânea, marcada pela pluralidade de identidades étnicas e culturais e os desdobramentos deste processo na formação da sociedade brasileira. Explorar este universo conceitual, instrumentalizando os participantes com a visão de alguns de seus principais pensadores. Apresentar e contextualizar uma bibliografia fundamental que possibilite visualizar o seu alcance e relevância para a compreensão da contemporaneidade.
 
Unidade 5 – TEORIAS DA CULTURA
Objetivo da Unidade
Trabalhar as principais teorias de cultura e seus paradigmas, focando a produção humana, tanto no campo social como na organização da cultura material evidenciada e encontrada nos grupos a partir do período Neolítico. Confrontar as definições de cultura ao longo do tempo nas diversas ciências auxiliares da História como Antropologia e Sociologia.
 
Unidade 6 – TEMAS DE ETNOLOGIA
Objetivo da Unidade
Discutir a natureza multicultural da sociedade contemporânea, marcada pela pluralidade de identidades étnicas e culturais e os desdobramentos deste processo na formação da sociedade brasileira. Explorar este universo conceitual, instrumentalizando os participantes com a visão de alguns de seus principais pensadores. Apresentar e contextualizar uma bibliografia fundamental que possibilite visualizar o seu alcance e relevância para a compreensão da contemporaneidade.
 
Bibliografia Básica 
FUNARI, Pedro Paulo. Arqueologia. São Paulo: Contexto, 2010.
GASPAR, M. Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro. Rio de Janeiro, Zahar, 2000.
JORGE, Vitor Oliveira. Arqueologia Patrimônio e Cultura. São Paulo: Instituto Piaget, 2000.
Bibliografia Complementar
FUNARI, P. P. A. Teoria e Arqueologia Histórica: a América Latina e o Mundo. Vestígios, v. 1, p. 49-56, 2007.
MORIN, E. - O Enigma do Homem. Rio de Janeiro, Zahar, 2ª. Ed., 1979.
LÉVI-STRAUSS, C. – O Pensamento Selvagem. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1970.
LEMOS, C.A.C., O que é Patrimônio Histórico. SP. Ed. Brasilense, 1982
URIARTE, Urpi Montoya, « O que é fazer etnografia para os antropólogos ». Disponível em: http://pontourbe.revues.org/300. Acesso em 16 Agosto 2016.
METODOLOGIA
As aulas serão desenvolvidas por meio de recursos como: videoaulas, fóruns, atividades individuais, atividades em grupo. O desenvolvimento do conteúdo programático se dará por leitura de textos, indicação e exploração de sites, atividades individuais, colaborativas e reflexivas entre os alunos e os professores.
 AVALIAÇÃO
A avaliação dos alunos é contínua, considerando-se o conteúdo desenvolvido e apoiado nos trabalhos e exercícios práticos propostos ao longo do curso, como forma de reflexão e aquisição de conhecimento dos conceitos trabalhados na parte teórica e prática e habilidades. Prevê ainda a realização de atividades em momentos específicos como fóruns, chats, tarefas, avaliações à distância e Presencial, de acordo com a Portaria da Reitoria UNIMES 04/2014.
Sumário
Aula 01_A Arqueologia e Etnologia e sua relação com a História	9
Aula 02_Arqueologia_origens e conceitos	11
Aula 03_Um Panorama da Arqueologia	16
Aula 04_Especialidades da Arqueologia	19
Aula 05_Conceitos do fazer arqueológico	22
Aula 06_Breve História	26
Aula 07_Os sambaquis e os sítios arqueológicos conchíferos	30
Resumo_Unidade I	33
Aula 08_A litoraneidade dos grupos pescadores-coletores	34
Aula 09_Os sítios arqueológicos com pinturas rupestres	38
Aula 10_Os sítios arqueológicos líticos	40
Aula 11_Sítios cerâmicos	42
Aula 12_Os sítios históricos	45
Aula 13_Sítios subaquáticos	47
Resumo_Unidade II	49
Aula 14_O Patrimônio Cultural	50
Aula 15_Museologia	52
Aula 16_Serviço Educativo em Museus	55
Resumo_Unidade III	58
Aula 17_A etnologia e o mundo	59
Aula 18_O que é etnologia?	62
Aula 19_O que é Cultura?	65
Aula 20_Teorias da cultura	67
Aula 21_Historiografia cultural	70
Resumo_Unidade IV	73
Aula 22_Simbolismo	74
Aula 23_Estruturalismo	76
Aula 24_Cultura e personalidade	78
Aula 25_Materialismo	80
Aula 26_Pós-modernismo	82
Aula 27_População tradicional e unidade de conservação	84
Resumo_Unidade V	87
Aula 28_O Brasil indígena I	88
Aula 29_O Brasil indígena II	90
Aula 30_O Brasil Afro	93
Aula 31_Cultura e meio ambiente	95
Aula 32_Multiculturalismo e identidade	99
Resumo_Unidade VI	103
	
Aula 01_A Arqueologia e Etnologia e sua relação com a História
  
As Ciências Sociais possuem papel significativo para os estudos históricos, notadamente após o movimento francês que originou a Nova História e desembocou em novas abordagens do passado, como a História das Mentalidades, História Cultural ou História do Cotidiano.
Mais do que colocar a “cultura” como foco da investigação histórica, a História das Mentalidades é o resultado, principalmente, da união entre a História e a Antropologia.
Diversos e importantes estudiosos elegeram paradigmas de uma nova forma de investigação e concentraram-se no cotidiano como “fio condutor” do processo histórico. Dessa maneira, áreas de estudo, como a História Medieval, cresceram em importância e novas luzes foram lançadas para o entendimento do processo histórico.
A Arqueologia e a Etnologia são áreas de estudo pertencentes às Ciências Sociais e que muito contribuíram para a História. Seu ponto em comum é o estudo da cultura. A primeira privilegia a cultura material como fonte em sua produção de conhecimento. A segunda privilegia o patrimônio intangível,isto é, aquilo que não se registra em pedra ou papel, como alerta Strauss, mas que apresenta demasiada importância no entendimento do processo histórico.
Este curso procura estabelecer, em linhas gerais, as bases destas duas áreas de conhecimento humano e esclarecer o modo como essas ciências contribuem para o entendimento do processo histórico. Com a utilização do carbono 14, como técnica de datação, a partir de 1950, diversos acontecimentos históricos foram recalibrados em sua antiguidade, novos dados e possibilidades de comparação surgiram ampliando as possibilidades de construção de conhecimentos históricos. Na outra ponta, a utilização da memória por meio de testemunhos e depoimentos de atores do processo histórico serviram de subsídios para a fundação de uma nova especialidade em História, a História oral.
Não há conflitos entre as três ciências, ao contrário, há um trabalho de colaboração mútua, desembocando em especialidades novas como a Etnoarqueologia e a Etno-história. Portanto, o objetivo principal do nosso curso é demonstrar as principais características de ambas as ciências a fim de proporcionar aos alunos de História uma visão inicial desses estudos.
Ambas as ciências, Arqueologia e a Etnologia, trabalham o tempo todo com a cultura, o que configura uma de suas principais contribuições aos estudos de História.
 
(A cultura) Diz respeito a todos os aspectos da vida social, e não se pode dizer que ela exista em alguns contextos e não em outros (...) é uma construção histórica, não decorrência de leis físicas ou biológicas. (SANTOS, 2002).
Aula 02_Arqueologia_origens e conceitos
  
O fascínio que as culturas do passado exercem sobre as populações do presente é bem mais antigo do que se pode imaginar. Em civilizações arcaicas, não são raras as citações de grandes coleções de objetos antigos que eram guardados não apenas pelo seu valor — no caso de joias —, mas também por representarem tradições ou origens do passado.
Geralmente, associa-se o fazer arqueológico a grandes descobertas, como monumentos, câmaras mortuárias, tesouros, objetos em grande parte relacionados às antigas e misteriosas civilizações da África ou do oriente próximo ou distante. Entretanto, a aura de mistério que recobre essas civilizações, da mesma forma que ajuda a divulgação destas culturas, também contribui para destruição do patrimônio cultural, pois provoca um espécie de “caça ao tesouro”, em que a perspectiva de enriquecimento rápido e a fama súbita atraem pessoas despreparadas que acabam comprometendo a integridade da cultura material contida nos sítios arqueológicos. Muitas vezes, tais “aventureiros”, são confundidos com arqueólogos.
Antes de mais nada, a Arqueologia é uma ciência preocupada com a compreensão da cultura dos povos do passado. Interessa ao arqueólogo tanto o monumento de grande porte — tais como as construção arquitetônicas mortuárias representadas pelas pirâmides — como também os pequenos objetos de uso cotidiano pertencentes às pessoas comuns do passado, ou seja, aquelas que, afinal, construíram os grandes monumentos, como lembra o poema de Bertold Brecht" Perguntas de um trabalhador que lê":
  
Quem construiu a Tebas de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis. Arrastaram eles os blocos de pedra?
E a Babilônia várias vezes destruída Quem a reconstruiu tantas vezes?
Em que casas Da Lima dourada moravam os construtores? 
Para onde foram os pedreiros, na noite em que a Muralha da China ficou pronta? [...] (www.vermelho.org.br)
  
Há, ainda, ocasiões em que os estudos arqueológicos são ofuscados por teorias especulativas que tendem a associar as antigas construções à presença de seres extraterrestes no planeta ou a outras teorias de natureza esotérica. Entretanto, enquanto ciência, a Arqueologia não se ocupa dessas teorias, pois dedica-se, antes, a demonstrar as possibilidades e a tecnologia utilizada nessas construções feitas, no seu entender, pelas mãos humanas.
A Arqueologia é uma ciência social que busca a compreensão das culturas do passado por meio do resgate e da análise da cultura material. O homem é um ser social que age em grupo e que interage com o meio ambiente e produz vestígios, intencionais ou não, que constituem a matéria-prima do Arqueólogo. Para este cientista, interessa saber como os povos do passado se relacionavam entre si, quais eram as estruturas sociais, como cultuavam a morte, em que deuses acreditavam, a base de sua economia, as relações de parentesco, sua arte, tecnologia, visão de mundo, como se relacionavam com outros povos, em que época viveram, como era o meio ambiente no momento em que se processaram as relações sociais, qual o tamanho da área de captação de recursos destes povos, enfim, qual sua cultura.
Sabemos que a maior parte destas perguntas nunca serão respondidas com absoluta precisão, pois o arqueólogo trabalha com poucos dados. Boa parte dos restos materiais produzidos pelos grupos humanos do passado é de origem orgânica (ossos, palha, cestaria, penas, madeira), ou seja, de rápida decomposição. A cada nova resposta descoberta pelo arqueólogo, novas perguntas são formuladas, e é nesse de vir que se produz o conhecimento arqueológico.
Além das dificuldades inerentes à Arqueologia, há também as diferentes escolas arqueológicas, das quais emergem diversas definições, objetivos e perspectivas, que se aproximam em alguns pontos e afastam-se em outros. Também não podemos esquecer de que, ao mudar o tipo de material, cultura, e o tipo de sítio arqueológico, é preciso alterar os métodos de pesquisa e, evidentemente, a natureza das respostas obtidas.
Segundo o Arqueólogo Philip Rahtz,
Arqueologia é o estudo da cultura material em sua relação com o comportamento humano – as manifestações físicas das atividades do homem, seu lixo e seu tesouro, suas construções e seus túmulos. Ela se ocupa também do ambiente em que o gênero humano se desenvolveu e no qual o homem ainda vive. Isso pode incluir fatores sobre os quais ele tem pouco ou nenhum controle, como as manchas solares, o clima e as marés; pode incluir também o modo como o homem, entre outros animais (mas numa extensão muito maior do que, por exemplo, os castores), transformou a paisagem, o mundo animal e, recentemente, a atmosfera; e a química do mar, dos lagos e dos rios.
E, nos dizeres de Gaspar M., de um modo mais sintético:
A Arqueologia é a ciência que estuda as culturas e partir do seu aspecto material, constrói suas interpretações através da análise dos artefatos, seus arranjos espaciais e sua implantação na paisagem.
Além dos problemas inerentes ao fazer arqueológico, temos também as limitações do cientista. A Arqueologia é uma ciência que já nasce interdisciplinar e o arqueólogo deve saber dialogar com diversos ramos do conhecimento durante os trabalhos de escavação, de laboratório, de análise dos dados e de divulgação dos resultados. Dessa forma, conhecimentos de geologia, geomorfologia, biologia, botânica, cartografia, física (datações), antropologia, geografia, museologia e história são imprescindíveis para a arqueologia. É claro que o grau de conhecimento nestas diversas áreas é adequado ao tipo de trabalho ao qual o arqueólogo se dedica, porém o mais importante é saber dialogar com estas ciências e com os diversos especialistas, pois ninguém faz arqueologia sozinho.
 
É verdade que o número de arqueólogos tem aumentado, mas a informação aumenta muito mais rapidamente. As escavações e os achados fortuitos contribuem para este crescimento, mas são, sobretudo, as técnicas modernas que proporcionam a descoberta de informações inéditas, particularmente, graças às ciências naturais. Esta situação é ainda agravada pela desproporção, que parece difícil de ultrapassar, entre os meios postos à disposição dos arqueólogos para reunir os dados e os meios que se lhe atribuem para tratá-los e publicar. Este paradoxo deve- se a uma superstição perniciosa corrente também entre os arqueólogos: pensar que um resultado arqueológico consiste numa escavação ou num achado. A verdade é muito diferente: um achadoé apenas um começo, o início de um processo pelo qual o arqueólogo é responsável, ou seja, a enorme acumulação de dados inutilizáveis que caracteriza esta orientação científica já tem efeitos paralisantes. 
     
Podemos então perceber que a Arqueologia é uma ciência de grande rigor, interdisciplinar desde a origem, cujo principal objetivo é o entendimento das culturas do passado por meio do resgate e da compreensão da cultura material.
Nas palavras de Louis Frédéric:
   
A fim de poder colocar, num dado contexto, a vida de um indivíduo ou de um grupo, é preciso, com efeito, possuir conhecimentos extremamente extensos em todos os domínios da atividade humana, tanto da evolução do pensamento, como das condições materiais da existência, o que supõe uma vida cheia de experiência e de reflexão. O arqueólogo deve ser um filósofo, um homem ‘que conhece a vida’. Deve poder interpretar num sentido humano a menor das suas descobertas [...]
  
E, um pouco mais adiante, diz o mesmo autor:
  
São primordiais os conhecimentos históricos que, necessariamente, têm de ser sérios, mas o são igualmente os conhecimentos das línguas atuais e antigas da região estudada, bem como uma formação geral de etnólogo .
  
Na próxima aula, veremos os principais conceitos e especialidades desse ramo do conhecimento.
 
 
 _____
1 RAHTZ, P. Convite à Arqueologia. Rio de Janeiro: Imago, 1989. p. 09
2 GASPAR, M. Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
4 FRÉDÉRIC, Louis. Manual Prático de Arqueologia. Coimbra: Livraria Almeida, 1982, p. 44.
5 FRÉDÉRIC, Louis, Op.cit., p.44
 6 MOBERG, A.C. Introdução à Arqueologia. Lisboa, Edições 70, 1985.
Aula 03_Um Panorama da Arqueologia
   
A busca pela compreensão racional do passado começou a ter um rosto a partir do Renascimento, na Idade Moderna, quando o interesse pela cultura greco-romana e seus valores científicos foram revitalizados em clara oposição ao pensamento teocêntrico vigente no período medieval. A busca por vestígios materiais da antiguidade greco-romana se caracterizou pela tentativa de encontrar os monumentos e locais descritos nos textos clássicos que, graças aos árabes, foram preservados e voltaram a ser lidos na Europa. Em termos sociais, o movimento de revalorização da cultura clássica antiga em seus escritos e produções artísticas e arquitetônicas era um modo de criar sustentação ou justificativas históricas para a proposta de um novo tipo de cultura centrada na razão e não mais na fé, como fora na Idade Média.
Do ponto de vista material, o grande salto, viria séculos depois com a descoberta das ruínas de Herculano (1738) e de Pompeia (1743), cidades italianas que haviam sido soterradas pela erupção do Vesúvio, no primeiro século da era cristã. Esta descoberta proporcionou aos arqueólogos uma visão bastante realista de um modo de vida clássico em seu cotidiano: casas, utensílios domésticos, modos de vida, roupas, adornos, tornando-se um patrimônio da humanidade e, ainda hoje, bastante estudado.
A Europa desse período vivia a época da expansão colonialista de dominação de terras e mercados nos outros continentes. Tal expansão foi acompanhada de uma onda de “expedições arqueológicas” europeias. É bastante famosa a espoliação do Egito (1798) pelo exército napoleônico, Inúmeros artefatos, obras de arte, até partes de templos e palácios foram levados do Egito para a França. Tais objetos, hoje, fazem parte do acervo dos principais museus do ocidente, o que, na contemporaneidade, fez acender o debate sobre uma possível devolução de tais objetos a seus países de origem. 
As descobertas arqueológicas fizeram aumentar o conhecimento sobre o tempo de existência humana na Terra, incitando a elaboração de diversas teorias associando as ocupações humanas a glaciações. Os acalorados debates que se seguiram desembocaram na elaboração da teoria das “três idades” — amplamente utilizada para períodos pré-históricos e de grande valor para a Europa. As três idades são: o período da pedra lascada (Paleolítico), o da pedra polida (Neolítico) e a Idade dos Metais.
 
Segundo Carl-Axel Moberg: 
 
O debate endureceu rapidamente e a resistência a estas ideias foi muito forte até Boucher de Perthes. Foi efetivamente ele quem elaborou, em 1859, a primeira teoria correta sobre a época das últimas glaciações,o período da pedra antiga ou Paleolítico. 1
 
A importância da teoria das três idades para o desenvolvimento da Arqueologia é inegável, mas é igualmente importante perceber que esta é uma formulação, de certo modo, ingênua e não se aplica às outras regiões do globo, pois as especificidades locais e das culturas envolvidas exigem outras interpretações e técnicas para sua compreensão. Estas particularidades serão abordadas na próxima unidade. 
No entanto, estes estudos trouxeram progressos aos estudos arqueológicos como as primeiras grandes classificações cronológicas, principalmente a partir dos estudos de numismática (moedas), em que destacamos os trabalhos de Thomsen (1824) no Museu de Copenhagen. 
O rigor científico do século XIX, a decifração dos hieróglifos   egípcios por Champolion, que estudou o “acervo” egípcio    francês “coletado” por Napoleão, fomentou o aparecimento de novas técnicas, novos arqueólogos e trabalhos arqueológicos produzidos fora da Europa, nos E.U.A, Rússia, China, e América Latina, acompanhados de preocupações e mudanças de conduta quanto à importância da preservação e musealização da cultura material. 
   
 _____
1 MOBERG, A.C. Introdução à Arqueologia. Lisboa: Edições 70, 1985. p. 32
Aula 04_Especialidades da Arqueologia
   
A Arqueologia possui áreas distintas de especializações, em função de diferentes culturas, locais e épocas. Nesta aula, apresentamos um panorama de algumas das principais áreas de atuação. Também apresentamos os principais conceitos que, em linhas gerais, são adotados na maioria das especializações.
  
Arqueologia Pré-histórica 
Arqueologia pré-histórica é a parte da Arqueologia que procura decifrar um dos grandes dilemas da humanidade: a sua própria origem. As pesquisas nessa área concentram-se na busca de evidências do aparecimento do homem na Terra. Até o momento, os chamados hominídeos constituem a evidência mais antiga desse aparecimento, há cerca de 12 milhões de anos. 
Entretanto, no que se refere à cultura, principal característica do ser humano, supõe-se que estes grupos tenham se tornado “produtores de cultura” há, aproximadamente, 5,5 milhões de anos. 
Além da existência de cultura, dois outros traços são fundamentais na caracterização do ser humano e na sua distinção em relação aos outros primatas superiores: o andar bípede e o polegar opositor que proporcionaram ao homem a capacidade de construção de artefatos. 
Segundo Lê Roi Ghouran, conta-se, na verdade, com diferentes espécies de seres humanos:
 
A seguir, alguns exemplos: 
Ramaphitecus: 12 milhões de anos. Trata-se do antropóide mais antigo e habitante da África. Andava de maneira bípede e se acredita que foi o primeiro a descer das árvores. Na verdade, pouco ou quase nada se sabe a respeito deste primeiro ancestral. 
Australopithecus: 5 milhões de anos Uma série de espécies recebem este nome em função de diferenças anatômicas e genéticas. São classificados como Australopithecus Bolsei, Australopithecus Africanus, Australopithecus Afarensis entre outros. 
Homo Erectus: 1 milhão de anos. Também conhecido como Pithecantro-pus, é apontado como o responsável pela ocupação humana da Ásia e da Europa, a partir da África.
Homo Neanderthalensis: 250 mil anos. Foi encontrado no vale de Neander na Alemanha. Durante muito tempo, foi considerado o antecessor imediato do Homo sapiens. Atualmente, sabe-se que eram espécies distintas. Pereceu há apenas 30 mil anos, o que levantou hipóteses de que as duas espécies coabitaram em espaços e época semelhantes. O dado mais interessante desta espécie é que pintavam as paredes dos abrigos e cavernas e que sepultavam seus mortos.
Homo sapiens: 100 mil anos. É o homem moderno. A partir desta espécie ocorreram as modificaçõesgeradoras da atual diversidade de tipos humanos.
  
Egiptologia 
Trata-se de outra especialidade da Arqueologia que estuda, especificamente, o Egito antigo em todas suas fases. A decifração dos hieróglifos, ou seja, a forma de escrita egípcia, contribuiu muito para o estudo de algumas épocas da civilização do Nilo.
  
Arqueologia Clássica 
Esta área estuda as culturas greco-romanas, em todas as suas fases, inclusive a fase de Creta e das civilizações Micênica e Minóica. 
A arqueologia clássica é uma das mais conhecidas e desenvolvidas, devido à existência de uma grande quantidade de textos antigos, o que facilitou o cruzamento de informações literárias, históricas, artísticas e filosóficas.
  
Arqueologia Pré-Colombiana 
Este ramo da arqueologia engloba os estudos de todas as culturas do continente americano antes do período da conquista. A exceção é a Arqueologia Brasileira que possui uma especificidade própria. As principais culturas estudadas são as do antigo vale do México:Tolteca, Olmeca, Chichimeca e a Asteca. 
Na América Central, temos a cultura Maia. E, na América do Sul, na área conhecida como o Peru Antigo, temos as culturas Mochica, Nazca e a Inca.
  
Arqueologia Histórica
 
Abarca o estudo de todas as civilizações que possuíam escrita, como a greco-romana, egípcia ou bíblica. No Brasil, a arqueologia histórica se ocupa do período posterior à chegada dos europeus e envolve estudos das construções históricas, como engenhos, fortalezas, igrejas, casarios, entre outras. 
As áreas de estudo mencionadas nesta aula representam apenas algumas especialidades da Arqueologia. Existem outras áreas como a Arqueologia Africana ou a Chinesa.
 
Na próxima aula, estudaremos alguns conceitos básicos para o trabalho arqueológico.
Aula 05_Conceitos do fazer arqueológico
  
Nesta aula, enumeramos alguns conceitos utilizados pela Arqueologia e que, apesar das diferenças das especificidades, são utilizados de uma maneira ampla e generalizada. 
Citaremos apenas alguns exemplos dos termos mais comuns:
  
Cultura Material
Todo produto, intencional ou não, é oriundo da interação do homem com o meio ambiente. Inclui desde artefatos de uso cotidiano ou religioso até o lixo produzido pelos grupos humanos.
Sítio arqueológico
Local em que se processaram as relações sociais do passado e no qual se encontram a grande maioria dos vestígios arqueológicos.
  
Escavação
Técnica amplamente aplicada nas pesquisas arqueológicas e nos sítios arqueológicos com finalidade de obtenção dos testemunhos das ocupações humanas. Não busca apenas os objetos, mas todas as informações pertinentes à coleta de dados, como análise das camadas estratigráficas, solo, rochas, entre outras informações.
  
Decapagem 
Técnica aplicada durante as escavações que consiste na retirada de camadas por níveis estratigráficos artificiais (quando sua espessura é arbitrada pelo arqueólogo, por exemplo, de 10 em 10 cm.) ou naturais (obedecendo às camadas estratigráficas do solo).
Testemunhos 
São os objetos materiais existentes nos sítios arqueológicos, como artefatos de todos os tipos de matéria-prima orgânica ou inorgânica (lítico, metal, osso, cerâmica).
  
Vestígios 
Objetos encontrados nos sítios arqueológicos, inclusive os fragmentos, como estilhas (restos de rocha bastante pequenos produzidos no momento de lascamento de um artefato, como um polidor, lâmina de machado...), lascas (restos líticos, também produzidos no momento do lascamento; muitas vezes, as próprias lascas já eram utilizadas como ferramentas pelos grupos humanos).
 
Sepultamentos
 Enterramentos intencionais — podem ser individuais ou não. Muitas vezes, os corpos sepultados são encontrados juntamente com material associado ao(s) indivíduo(s), como ferramentas, armas ou objetos de adorno.
  
Indícios 
Qualquer sinal que indique a existência de um sítio arqueológico: restos de material que sofreram ações antrópicas (humanas) na superfície do solo, marcas de estaca (bastante comum na arqueologia brasileira, indica a construção de habitações, cabanas ou vestígios de antigas habitações), modificações na paisagem, como sinais de derrubada de vegetação, marcas de fogueira entre outras.
  
Sondagem 
Técnica de pequenas perfurações para determinar a extensão do sítio arqueológico. Podem ser trincheiras, além de uma busca do evidenciamento de um perfil arqueológico, o que permite ao arqueólogo a observação das camadas estratigráficas do sítio, fundamental para entender o processo de ocupação do local.
  
Quadriculamento 
Após a determinação da extensão do sítio arqueológico, seu devido mapeamento com a determinação de sua cota altimétrica (altura em que se encontra em relação ao nível do mar), orientação, inclinação, mapeamento, plotagem em cartas, entre outros registros como fotos e filmagens. O sítio é quadriculado artificialmente para auxiliar o processo de escavação.
Cada sítio arqueológico possui uma característica própria, e cabe ao arqueólogo a escolha das melhores técnicas e procedimentos a serem utilizados em função dos objetivos da pesquisa arqueológica que está sendo desenvolvida. Toda escavação é uma destruição e, após a retirada de qualquer material arqueológico, o processo é irreversível.
  
Datações 
 
Existem diversos métodos de datação: termoluminescência; comparativos — quanto os estilos de fabrico de técnicas de fabrico: por provas textuais; estratigrafia; ou cronologias relativas (com bases geológicas, petrográficas, paleontológica, bem como através das amostras de guano 1, ou vermitídeos2) etc. Dentre todos, o método de datação absoluta para qualquer material orgânico é o Carbono 14.
  
Segundo Louis Frédéric: 
 
Sabe-se que os vegetais, ao absorver o gás carbônico da atmosfera, CO, transformam-no retendo nos seus tecidos um isótopo de carbono 12 (...) chamado carbono 14, o qual é introduzido na atmosfera pela ação dos raios cósmicos ao bombardear o azoto com nêutrons lentos, (...). Este C 14 combina-se com o oxigênio atmosférico para formar CO2 radiativo. Todos os seres vivos são formados por carbono, tirado mais ou menos diretamente das plantas (...) e contém, por isso, também, carbono 14 radiativo e, consequentemente, sujeito a uma desintegração. Durante a sua vida, os seres ou plantas absorvem C 14 com o CO2 atmosférico. À sua morte cessa esta absorção e a quantidade de C 14 contida nos tecidos começa a diminuir (desintegrar-se) enquanto a de carbono 12 permanece constante. A desintegração do carbono 14 segue a de todos os corpos radiativos e é calculada em 1 meia-vida’, o que quer dizer que perde metade do peso atômico no espaço de cerca de 5700 anos. A metade restante leva ainda 5730 anos para se desintegrar, e assim sucessivamente até o desaparecimento quase total. Ficam sempre traços infinitesimais, não detectáveis3 . (FRÉDÉRIC, 1982, p. 262).
          
 
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1 Excremento das aves guaneras como o albatroz e a gaivota. Muito útil na Arqueologia Pré-colombiana.
2 Gastrópodos sésseis encerrados em tubos calcários irregulares.
3 FRÉDÉRIC, Louis. Manual Prático de Arqueologia. Coimbra: Livraria Almeida, 1982, p.262
Aula 06_Breve História
  
O fato de no Brasil não existirem monumentos ou construções antigas de grandes proporções faz com que muitas pessoas ignorem o trabalho arqueológico que, no entanto, tem sido realizado há algum tempo. Desde a época do império, a arqueologia conquistou admiradores. D. Pedro II, que era um homem interessado nos progressos das ciências, era um arqueólogo amador. 
Nesta aula, estudaremos, sucintamente, alguns dos principais momentos do trato com o patrimônio arqueológico do país. 
Os primeiros registros de sítios arqueológicos foram encontrados nos textos dos cronistas do séc. XVI e XVII. Evidentemente, tais registros eram desprovidos de qualquer preocupação ou noção de arqueologia, apenas faziam menções à existência de estruturas bastante antigas, anteriores aos “brasis indígenas” em que esses cronistas conviveram. 
Os registros mais comuns faziam referência aos sítios arqueológicos do tipo sambaqui. Os relatos a respeito dos montesde conchas erguidos ao longo da costa brasileira são tão antigos quanto as anotações acerca do próprio litoral do Brasil. Todavia, como já dissemos, o interesse dos colonizadores não era de natureza científica. 
As conchas dos grandes morros construídos pelos grupos humanos que habitaram o litoral do Brasil, desde tempos remotos, foram utilizadas pelos colonizadores europeus para edificação das primeiras construções coloniais. Os sambaquis constituíam-se em depósitos de cal utilizada na composição da argamassa dos edifícios coloniais. Desta maneira utilitária, os sambaquis foram inseridos no contexto de dominação-culturação do continente recém descoberto, como se pode perceber nessa carta do século XVI: 
 
Esperamos também resposta de Vossa Reverendissima para começar o collegio do Salvador na Bahia, no qual não tanto gastaremos como pensas, porém com cem crusados se poderão fazer moradias de taipa que bastem para principiar. Os estudantes com pouco se manterão. Poder- se-hia até fazelas de pedra, si assim parece a Vossa Reverendissima, porque agora ha muito boa cal. (Nobrega [1550], 1988, p.111) 
 
Nos séculos pós-conquista, o patrimônio arqueológico era registrado de forma causal, sempre em função de seu caráter “exótico” ou associado a relatos acerca de outros assuntos: econômicos, religiosos ou sobre populações locais tratadas como selvagens. 
Contudo, o século XIX foi marcado pela diversificação da produção literária e pelo aumento da curiosidade e do conhecimento sobre o Brasil e os brasileiros . Na história do pensamento arqueológico brasileiro, houve um intenso debate acadêmico a respeito da artificialidade ou da naturalidade dos sambaquis. 
Em 1852, o Paleontólogo Lund foi consultado por uma comissão oficial para opinar acerca da origem dos montes de conchas do litoral brasileiro. Na ocasião comparou os “sambaquis” brasileiros 1— que reputava terem sido feitos pelos índios — aos depósitos de conchas da Dinamarca, sobre os quais, em 1850, J.A. Worsaae levantara a hipótese de serem, na realidade, depósitos de lixo humano — Kjoekkmmondding (restos de cozinha). 
A controvérsia poderia ter sido resolvida nessa época. Mas, infelizmente, isso não ocorreu, pois alguns teóricos importantes do período insistiram na teoria da origem natural 2 dos “sambaquis”, mesmo depois do trabalho de Worsaae e da corroboração de Lund, que reforçou a tese da origem humana. A insistência acabou por atrasar, em algumas décadas, os estudos arqueológicos no Brasil. 
A teoria sobre a definição dos Kjoekkmmondding de Worsaae foi aclamada por Angyone Costa (1934) no primeiro manual de Arqueologia do Brasil como sendo a compreensão dos “sambaquis” em “seu justo significado científico” e como a solução para problema cujo ensinamento “(...) Viera do norte da Europa” (COSTA, 1934, p. 61) 3 . 
Contudo, apesar do bom-senso de autores importantes do período, em pleno século XIX, ainda era possível encontrar, nas publicações acadêmicas e interdisciplinares, explicações sobre a origem natural dos sambaquis surgidos a partir de uma hecatombe diluviana. Essa tese negava aos construtores dos sambaquis o status de agentes históricos, produtores e possuidores de cultura. 
Esse posicionamento teórico mudou radicalmente pouco mais de duas décadas depois, em 1874, quando Carlos Rath admitiu a possibilidade de os sambaquis serem cemitérios indígenas. Paulo Duarte (1969) registrou a importância dessa opinião: 
 
(...) Uma das poucas, de fato importantes, dentre as mais antigas, está a de Carlos Rath, publicada em 1874. Apesar de tachado de ingênuo, foi o único que deu traços exatos dos sambaquis brasileiros, considerando-os depósitos arqueológicos, procurando até a etimologia da palavra: “casa do espírito”, talvez melhor do que a de Teodoro Sampaio: tamba e qui,monte de ostras. (DUARTE, 1969, p. 30). 
 
A partir da segunda metade do século XIX, ocorreu um grande desenvolvimento nos estudos sobre Arqueologia. Nomes como os de Fritz Müller (1868) e Virchov (1872), Karl von Steinen (1887), Carlos Wiener (1876), Cândido Mendes de Almeida (1876),J.B. Lacerda (1885), Domingos Ferreira Penna (1880), Von Iehring, Alberto Löfgren (1893) e Ricardo Krone (1911) apresentaram seus estudos. 
Na modernidade, destacamos os trabalhos do PRONAPA, na segunda metade do século XX. Entre os autores, destacamos os trabalhos de Ab`Saber, Guidon, Pallestrini, Paulo Duarte, Paul Rivet (ROHR, 1959), Garcia, (1972), Uchôa (1970 e 1973), Lina Maria Kneip, Tania Andrade Lima (1991) , Maria Dulce Gaspar, Prous e Piazza (1977), Neves (1988), Barreto (1988), Rohr (1973), entre outros.
“Dos moluscos aos peixes: um estudo zooarqueológico de mudança de subsistência na pré-história do Rio de Janeiro”.
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1 Um exemplo ilustrativo deste momento são os trabalhos de Peter Wilhelm Lund que, no início do século (1834-1844), desnudava o Brasil para a Paleontologia europeia, ao publicar na Dinamarca e França suas pesquisas na região de Lagoa Santa, Minas Gerais, onde investigou mais de 800 grutas e cavernas das quais retirou centenas de milhares de restos ósseos de uma fauna há muito extinta. Encontrou, inclusive, restos ósseos humanos fossilizados associados à fauna extinta em uma destas cavernas (Sumidouro). 
2 Hoje em dia, a origem natural dos “sambaquis” nos parece absurda, mas o debate entre os partidários da origem natural dos “sambaquis” e os defensores da origem artificial dos “sambaquis” ocupou grande parte do cenário acadêmico da época. 
3 Esse fato ilustra a dependência cultural em relação à Europa que a Arqueologia brasileira ainda carregava no início do séc. XX. 
Aula 07_Os sambaquis e os sítios arqueológicos conchíferos
   
Os sítios arqueológicos construídos por grupos de coletores pescadores são chamados genericamente de sambaquis. O nome varia de acordo com a região em que se localizam, tais como sernabis, concheiros ou casqueiras. Trata-se de um tipo de sítio arqueológico caracterizado pelo acúmulo de material orgânico, principalmente restos de conchas, ostras, carapaças de moluscos e berbigões, além de restos de ossos de animais e de peixes e siris e caranguejos. Ultimamente, o termo sambaqui é usado para os sítios arqueológicos com uma morfologia clássica, colinar e de base oval. Os outros sítios caracterizados pelo acúmulo de conchas são chamados de sítios conchíferos. Há, também, os sambaquis chamados de fluviais, quando ocorrem ao lado de rios. 
Do ponto de vista cronológico, SCHMITZ (1991) informa que a ocupação mais antiga do litoral se iniciou, há, aproximadamente, 6000 anos, nos cinco atuais estados brasileiros localizados mais ao sul. Essa data é uma aproximação e sobre ela pode haver controvérsias. No Rio de Janeiro, existe um sítio arqueológico isolado com uma datação de aproximadamente 8000 anos; em São Paulo, na ilha do Cardoso, o “Sambaqui do Cambriú Grande” data de 5390 anos — no topo — e 7870 anos — abaixo do cume (DEMARTINI, 2003). 
Com base nas datações disponíveis, SCHMITZ (op.cit.) supôs uma ocupação continuada para o litoral do Brasil, sendo a mais antiga a situada no setor mais setentrional, e as mais recentes localizam-se conforme se vai em direção ao sul. Para ele, a abundância e tamanho dos acúmulos indicam que esta região “tenha sido uma das áreas mais bem abastecidas do território, o que levou a uma densidade populacional grande e poucas vezes atingida antes do neolítico” (op.cit:11). 
Atualmente, não há dúvidas de que os primeiros habitantes do litoral brasileiro ocuparam a costa por cerca de sete mil anos, sendo que as datações mais antigas conhecidas, até então, são as do Sambaqui de Camboinhas, no município de Niterói no estado do Rio de Janeiro, com 7958 +/- 224 anos AP (KNEIP et al, 1981, 1994); do Sambaqui Maratuá em Santos (São Paulo), com 7803 +/- 1300 e 7327 +/- 1300 anos AP1 (LAMING, EMPERAIRE, 1968); (MUEHE e KNEIP, 1995); do Sambaqui Taperinha, baixo Amazonas, perto de Santarém no Estado do Pará com impressionantes 10500 +/- 1500 anos AP (ROOSEVELT, 1991), a datação mais antiga (KNEIP, 1998, p. 59). Somam-se a essesos dados do Sambaqui Cambriú Grande — mencionado anteriormente — do Sambaqui do Prefeito em Iguape (São Paulo) com 5820 anos AP a 2,1m do topo (BONETTI, 1997) e do Sambaqui do Coveiro I, também em Iguape com 5790 +/- 70 anos AP para o topo (BONETTI, 2004). 
Estes grupos de coletores-pescadores possuíam grande mobilidade. Os sambaquis sugerem que possuíam uma base fixa de moradia. Mas, por outro lado, a carência de matérias-primas para confecção dos artefatos líticos na região de Iguape sugere que os grupos exploravam uma grande área de captação dos recursos ou que mantinham contatos com grupos vizinhos, fazendo supor que tal matéria prima poderia ter sido importada das margens próximas ao planalto ou à encosta da Serra — havendo, ainda, um forte indício da disposição de algum tipo de embarcação 2. 
Atualmente, a intencionalidade dessas construções feitas a partir de carapaças de moluscos é pouco questionada. Além dos aspectos morfológicos, revelam intenção à própria escolha do ambiente estuarino e à inserção destes sítios arqueológicos na paisagem, sempre em locais elevados, nas encostas de morros, numa cota altimétrica sempre maior que a do entorno. Tal disposição tem sido entendida como uma estratégia para atender a uma função prática, como permitir a observação da entrada de cardumes de peixes. 
No entanto, é possível que a verdadeira motivação da disposição inserção do sítio arqueológico na paisagem, bem como a sua própria estrutura constituinte e morfologia, esteja num ponto equidistante de uma função prática (econômica) e outra cultural (simbólica). 
A ideia de intencionalidade na construção dos sambaquis não é nova. Duarte (1955, p. 614) já havia mencionado a
“[...] própria importantíssima observação sobre a presença de moluscos inteiros formando camadas completas” nas bases de certos sambaquis. Se pensarmos na utilização das carapaças de moluscos como material construtivo e que as áreas onde se localizam, sempre próximas a estuarinos, rios, baías, teremos uma possibilidade de explicação para tal constatação de Duarte, já que as conchas, como material de construção, possibilitam um alto grau de drenagem num ambiente extremamente úmido, o que facilitaria em muito a ocupação deste tipo de habitat. 
O caráter monumental dos sambaquis constitui um traço cultural primordial, configurando assim a possibilidade de se pensar  sobre eles como artefatos. Esta hipótese é reputada a Prouss (1992), que afirmou a possibilidade de estudá-los como tal, construídos paulatinamente com técnicas construtivas que refletem a intencionalidade de criação de uma estrutura que se destacasse da paisagem. Tal ideia foi reformulada mais tarde por Gaspar & De Blasis (1992) ao verem nestes sítios arqueológicos uma “arquitetura” ou um “sistema de edificação”.
 
 
 
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1 AP= antes do presente
2 BONETTI, 2004. 
Resumo_Unidade I
 
Nesta unidade foi abordada a relação entre a História, Arqueologia e Etnologia, bem como o nascimento da Ciência Arqueológica, suas especialidades, principais áreas de atuação, dificuldades e interdisciplinaridade. Foi abordada também a Arqueologia Internacional com suas principais especializações e seus conceitos fundamentais.
Esta unidade abordou, ainda, as principais técnicas de tratamento da cultura material, assim como os conceitos mais comumente encontrados em trabalhos específicos da área, o que facilitará ao aluno o ingresso nesta fascinante área de conhecimento humano.
 
 
Referências Bibliográficas 
FRÉDÉRIC, L. Manual Prático de Arqueologia. Coimbra: Livraria Almeida, 1982.
GASPAR, M. Sambaqui: Arqueologia do Litoral Brasileiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2000
MOBERG, A. C. Introdução à Arqueologia. Lisboa: Edições 70, 1985. RAHTZ, P. Convite à Arqueologia. Rio de Janeiro: Imago, 1989. SANTOS, J. L. O que é cultura. São Paulo. Brasiliense, 2002.
Aula 08_A litoraneidade dos grupos pescadores-coletores
   
Compreendemos o sítio arqueológico do tipo sambaqui como um artefato, intencionalmente construído pelos grupos de coletores-pescadores ao longo de séculos, com o intuito edificador de um marco territorial-costeiro que, além de se destacar da paisagem, propiciaria aos seus habitantes um espaço multifuncional, ao mesmo tempo moradia para os vivos e “casa do espírito”1. Nesse local se processaria a maior parte das relações sociais, os ritos de comunhão com os antepassados, sendo, portanto, o lugar onde se forjou o caráter identitário dessa cultura como senhores do mar2. 
A íntima relação com o mar faz com que os grupos coletores-pescadores possam ser entendidos culturalmente como detentores de um universo simbólico prenhe de significados a ele relacionados. Diegues (1993) reflete que, durante muito tempo, os mares foram considerados erroneamente como “grandes espaços vazios”, habitados somente por peixes e outros animais sem considerar a presença humana de pescadores e navegadores que os habitam, há séculos, e sobre os mares criaram símbolos culturais e míticos. 
O conhecimento que os grupos de coletores-pescadores possuíam do mar é indissociável do universo simbólico3 . Conhecer os fenômenos naturais como a migração de peixes é tão importante quanto o domínio das técnicas para capturá-los, e envolve o controle de zonas econômicas exclusivas, bem como formas engenhosas de conservação destes habitats marinhos, tal como ainda fazem as comunidades de pescadores tradicionais contemporâneas. Essas comunidades costumam estabelecer áreas onde o próprio homem não pode penetrar por serem consideradas sagradas, ou seja, “locais onde habitavam divindades que não deveriam ser perturbadas” (op. cit.:13).
  
Se observarmos o comportamento geral do homem arcaico, verificaremos que apenas os actos humanos propriamente ditos, os objectos do mundo exterior, possuem valor intrínseco autônomo. Um objecto ou uma acção adquirem um valor e, deste modo, tornam-se reais, porque de qualquer forma participam de uma realidade que os transcende. Entre muitas outras pedras, uma torna-se sagrada e, por consequência, fica imediatamente impregnada de ser , porque constitui uma hierofania, ou porque possui um maná, ou porque a sua forma reflecte um certo simbolismo, ou ainda porque comemora um acto mítico etc (ELIADE, 1969, p. 18).
 
Desse modo, pensamos que os grupos coletores-pescadores podem ser compreendidos como povos costeiros, como “gente do mar”, detentores de uma cultura calcada no acúmulo de informações oriundas das observações e interações com o mar e que se iniciou quando “o homem primitivo começou, da terra, a observar o mar e os seres que nele viviam” (DIEGUES, 1993, p. 6). 
No entanto, ressalve-se que não consideramos os grupos de coletores-pescadores que inicialmente ocuparam o baixo vale do Ribeira de Iguape como “pescadores marítimos”, mas como comunidades de pescadores litorâneos que obtinham seus recursos por meio de incursões frequentes no ambiente estuarino lagunar, utilizando frágeis embarcações e que, eventualmente, incursionavam por mar aberto. Estamos tratando de comunidades recém chegadas ao baixo vale e que encontraram um mar raso, salpicado de ilhas onde dispunham de grande quantidade de alimento. Acredita-se que estes grupos desenvolveram algum tipo de “armadilha” de espera, nos moldes do “cerco”, bastante eficiente e que aprisionava grande quantidade de peixes que abundavam neste ecossistema, ou, ao menos, armas de arremesso como lanças ou flechas. 
Mais ainda, concebemos que toda prática social dos grupos coletores-pescadores foi estruturada para uma sobrevivência costeira, e que a compreensão da cultura que edificou propositadamente as estruturas sambaquieiras passa necessariamente por um entendimento dessa litoraneidade. 
O sambaqui, como local de moradia, proporciona a seus habitantes um espaço ao mesmo tempo de posse, proibido a forças adversas, de refúgio seguro, louvado e amado, isto é, uma casa, um lar. Bachelard (1957) em A poética do espaço, destacou que a casa, além de ser o primeiro universo e o primeiro mundo, abriga o devaneio, protege o sonhador e o permite sonhar em paz, carregaem si a imagem de um espaço feliz (topofilia), no qual convivem as lembranças e lendas da casa natal com a consciência e o enriquecimento incessante de novas imagens. 
No caso dos sambaquis, uma grande dificuldade é que trabalhamos com restos de uma cultura material fortemente biodegradável inseridos numa área extremamente úmida que destrói a maioria dos possíveis vestígios. Na realidade, nosso maior testemunho é uma grande ausência de objetos vinculados à pesca, como redes, ou mesmo pesos de rede, cestarias que podem ter sido utilizadas como armadilhas, restos de canoas, armamentos de arremesso como lanças ou flechas. Utensílios que ajudariam a explicar a imensa quantidade de peixes que foram amplamente consumidos por estes grupos de coletores-pescadores, como atestam os significativos restos ósseos de uma vasta fauna ictiológica. 
Após a manutenção de um modo de vida que durou ao menos 5000 anos, baseado inicialmente na coleta de moluscos e depois na pesca, constituiu-se uma das economias mais estáveis de que se tem notícia. Os povos construtores de sambaquis desaparecem, dando lugar a outras formas de sociedades na região do baixo vale do rio Ribeira de Iguape. 
Tradicionalmente, os grupos coletores-pescadores foram substituídos por grupos ceramistas que chegaram ao litoral. Não se conhece o processo de transformação de um modo de vida baseado na pesca e coleta para um modo de vida horticultor, apenas podemos inferir, mediante dados existentes, a chegada de novos grupos ao baixo vale do Ribeira.
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1 RATH, C. (1874), Apud DUARTE, P. (1969), que considera a melhor tradução etimológica da palavra sambaqui do que a de SAMPAIO, T.  que considera tamba e qui como monte de ostras. 
2 GASPAR, M. D., (2000).
3 Não devemos esquecer que para o homem antigo não há uma distinção clara entre uma função prática e outra simbólica. Mircea Eliade afirma que “Podemos dizer, de um modo geral, que o mundo arcaico ignora as atividades “profanas”: qualquer acção com significado determinado – caça, pesca, agricultura, jogos, conflitos, sexualidade, etc., - participa, de certo modo, no sagrado” (ELIADE, 1969, p. 42). 
Aula 09_Os sítios arqueológicos com pinturas rupestres
 
São chamadas de “pinturas rupestres” as pinturas , desenhos ou inscrições feitas em paredes sob abrigos rochosos e em cavernas.
Os motivos gravados nas pinturas rupestres são bastante variados. Desde grafismos geométricos, passando por cenas como danças, cenas de caça, guerras, sexualidade, representações da fauna e flora do local e da época em que foram produzidos. 
Um dos grandes problemas no estudo da arte rupestre está exatamente na interpretação ou entendimento das cenas retratadas, pois a interpretação envolve a “subjetividade” do arqueólogo, principalmente em função da(s) teoria(s) que constituem a base de sua formação. Claro que se procura a compreensão destas cenas de uma maneira mais próxima da realidade, no entanto, sua real função ou representação é de difícil entendimento. 
No Brasil, André Prous (apud Madu Gaspar, 2003) sistematizou oito grandes tradições de arte rupestre. 
Tradição Meridional, localizada no sul do país e feita com a técnica de incisão ou polimento. As cores principais são: preto, branco, marrom e roxo. 
Tradição Litorânea Catarinense são testemunhos que vão do litoral até as ilhas com quinze quilômetros de distância. É caracterizado por inscrições em rocha (granito) com quatorze temas estudados por Prous que vão de antropomorfos a geométricos. 
Tradição Geométrica: presente desde o planalto sul, atravessa Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Mato Grosso até o nordeste. Dada sua extensão, Prous os subdivide em Meridional e Setentrional. 
Tradição Planalto: passa pelo Planalto Central, pelos estados de Minas Gerais. Paraná até a Bahia. Inscrições principalmente de animais em vermelho, preto amarela e raramente em branco. Nesta região, encontra-se o famoso sítio arqueológico de Lagoa Santa (MG), local de origem do fóssil humano mais antigo do território nacional e que foi escavado por Lund. O fóssil, conhecido como Luzia, foi estudado principalmente por Walter Neves que, depois de estudos paleogenéticos, atribui-lhe a origem negroide. 
Tradição Nordeste: localizada nos estados de Minas Gerais, Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Piauí. Nesta tradição. São enquadradas as pinturas encontradas no principal sítio arqueológico do Brasil, o Sítio Boqueirão da Pedra Furada (PI), cuja ocupação foi pesquisada por Niéde Guidon e datada em até cinquenta mil anos AP. Dada a complexidade destas representações, pesquisadoras como Anne Marie Pessis e Gabriela Martin, além da própria Niéde Guidon, estabeleceram subtradições nessa área.  
Tradição Agreste: localizada nos estados do Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco. Possui pinturas geométricas e antropoides, além de representações da fauna. 
Tradição São Francisco: apresenta-se nos estados de Minas Gerais, Bahia, Sergipe, principalmente o vale do Rio São Francisco, com formas humanas e de animais como peixes, pássaros e répteis da região. 
E, finalmente, a Tradição Amazônica que é caracterizada por desenhos antropomorfos e geométricos. Há representações nas margens dos rios Cuminá, Puri e Negro. 
Esta parte da Arqueologia Brasileira, muito estudada, possui grandes dificuldades inerentes a sua especialidade. Muitas vezes, há uma clara representação de algum tipo de cerimonial com cenas de dança e culto, mas é difícil precisar a que cerimonial se refere. 
Em geral, a compreensão dos significados é mais distante do que tem sido, por exemplo, a identificação de espécies de fauna retratadas nos grafismos, inclusive com suas variações. A datação também apresenta problemas, uma vez que, a grosso modo, apenas os pigmentos de origem orgânica podem ser datados. 
 
No entanto, a especialidade em pinturas rupestres é uma das mais fascinantes da Arqueologia Brasileira.
Aula 10_Os sítios arqueológicos líticos
   
Esta aula é dedicada aos sítios arqueológicos cuja principal característica é a presença de testemunhos materiais em rocha: os artefatos líticos. Nesse caso, fica claro o porquê de a periodização clássica das três idades não se aplicar ao Brasil. Há diversos sítios líticos onde há, simultaneamente, a presença de artefatos líticos lascados e polidos. 
Esses sítios foram produzidos por grupos de caçadores-coletores e possuem cerca de onze mil anos. Ocupam, basicamente, todo o território nacional. Essa indústria lítica é representada principalmente por pontas de flechas e uma variada gama de raspadores. 
Do ponto de vista cultural, podemos destacar quatro grandes grupos de caçadores-coletores:
 
(...) a Tradição Umbu, nas florestas e planaltos do sul do Brasil, a Tradição Itaparica, que caracteriza os caçadores-coletores do planalto central, os caçadores-pescadores das dunas do litoral nordestino e a Tradição dos Sambaquis, que é definida pelos remanescentes de culturas muito bem adaptadas aos ambientes litorâneos 1 .
 
Nota-se que os grupos pescadores-coletores, também chamados de construtores de sambaquis, são considerados parte integrante destes sítios arqueológicos de caçadores-coletores. Muitos autores consideram os construtores de sambaquis como grupos de caçadores que se adaptaram ao ambiente litorâneo, numa adaptação econômica e cultural ao ambiente de estuarinos-lagunares, ou, como quer Madu Gaspar, sempre próximos a grandes corpos d’água.
Para a tradição arqueológica americana e brasileira, encontramos, em geral, três grandes períodos:
  
Período Paleoíndigena: equivale aos vestígios arqueológicos provenientes do final do período geológico chamado Pleistoceno cuja transição para o período atual, o Holoceno, costuma situar-se entre 15 e 11 mil anos atrás [...]
Período Arcaico: corresponde, grosso modo, à maior parte do período holocênico, quando os climas e paisagens adquirem, com algumas variações, a configuração que tem hoje (...), corresponde a uma ampla diversificação das sociedades de caçadores, ocupando até os mais remotos rincões dasAméricas e adaptando-se às variadas feições ecológicas e ambientais presentes através do continente (...) nos planaltos do centro e do sul do Brasil, situa-se entre 10.000 e 2.500 anos atrás [...]
Período Formativo: a partir de aproximadamente dois mil anos atrás até a chegada dos primeiros colonizadores europeus, o cenário arqueológico brasileiro é marcado pelos vestígios de sociedades com uma economia não mais baseada na caça e na coleta, mas plenamente agrícola [...].
  
Os sítios arqueológicos líticos ocorrem em, praticamente,  todo o Brasil e se extinguem com a mudança para outra base econômica, a agricultura. Essa mudança foi incipiente, inicialmente, mas depois, tornou-se a base da sobrevivência da comunidade. As consequências foram brutais. A domesticação, principalmente, da mandioca, fez com que os grupos humanos se tornassem sedentários, o que aumentou a densidade demográfica. Como principal representante desta nova cultura temos os tupis.
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1 (De Blasis. Da Era das Glaciações às origens da Agricultura. In: Brasil: 50 mil anos: uma viagem ao passado pré-colonial. Catálogo. Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Edusp, 2001, p.18).
2 Id., ibidem.
Aula 11_Sítios cerâmicos
   
Como vimos na aula anterior, os grupos caçadores-coletores foram substituídos por grupos de horticultores. Essa mudança econômica e cultural provocou a alteração dos vestígios arqueológicos: o aparecimento da cerâmica, usada em utensílios de uso cotidiano e em rituais. Vários cronistas descreveram essa utilização. Destacamos a descrição de Hans Staden de ritos antropofágicos entre os tupinambás — ritos nos quais ele mesmo participou como prisioneiro a ser devorado. 
Além da utilidade prática, a cerâmica permitiu aos horticultores o desenvolvimento de técnicas de fabricação, cozimento, preparação da liga, servindo também como suporte para manifestações artísticas, como a pintura. 
Os vasos de Santarém e a cerâmica Marajoara, encontrados na região Norte, contêm grande carga simbólica e são apontados por alguns autores como os mais complexos do Brasil. . Além da maestria em relação a sua feitura, eles apresentam as figuras duais: representações antropomorfas e de animais, notadamente o urubu-rei. Estas figuras possuem a particularidade de poderem ser contempladas em dois sentidos, de lado e de frente, ou seja, uma mesma figura que, dependendo do ângulo de observação, representa duas formas distintas. 
O grupo cultural mais representativo, nesse período de ocupação do Brasil, foi o tupi. Os tupis ocuparam a maior parte do imenso litoral brasileiro e tiveram um maior contato com os conquistadores europeus. 
Acredita-se que a matriz cultural dos tupis tenha se formado há cerca de cinco mil anos em algum ponto da Amazônia. Por volta de 2500 ou 2000 anos, passaram a ocupar todo o território nacional, a partir de dois grandes braços, um rumo ao Leste, descendo pela costa do Atlântico, e outro no sentido Sul até a região dos Pampas, de onde subiram pela costa até algum ponto entre os atuais estados de São Paulo e Paraná.
Nessa verdadeira diáspora pelo território nacional, os tupis foram dando nomes a cada acidente geográfico, cada escarpa, serra, rios e, principalmente, construindo caminhos, os  peabirus, que tanto serviram aos conquistadores europeus 1. 
O contato dos povos sambaquieiros com os horticultores causou o seu fim. Não se sabe se foram escravizados ou aculturados, o fato é que, a partir desse encontro, o modo de vida dos povos coletores-pescadores definhou até desaparecer. 
Do ponto de vista dos artefatos encontrados no sítio cerâmico , sabemos que a cestaria e os artefatos em madeira eram numerosos, ambos, porém, bastante perecíveis. Há artefatos líticos, mas a cerâmica é o principal testemunho. Nestes sítios tem sido encontrada uma grande gama de vasilhas, como tigelas, jarros, semi-globulares, globulares e igaçabas. 
O tipo de cerâmica mais importante em função de sua utilização era a funerária. Entre os grupos da matriz tupi no interior e no sul sudeste do Brasil havia o sepultamento de indivíduos em urnas funerárias. Provavelmente, descarnavam os indivíduos antes do sepultamento. Tais urnas são decoradas, inclusive com incisões feitas durante sua manipulação. Como exemplo destas incisões, temos o corrugado, ungulado, serrilhado escovado entre outros.
 
Cerâmica Marajoara
  
Um dos traços culturais mais interessantes dos povos da matriz tupi são os ritos antropofágicos. Entre os tupinambás, tal cerimonial foi amplamente descrito e estudado, principalmente, por Florestan Fernandes em seu célebre estudo A função social da guerra na sociedade tupinambá 2. 
Como estes povos sofreram todo o processo da conquista, os relatos dos cronistas, bem como os trabalhos etnográficos, são de grande valia no processo de conhecimento e compreensão destas culturas.
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1 O próprio local de fundação da cidade de São Paulo corresponde a um ponto de confluência de peabirus. (Ver o trabalho de Aziz Ab’Saber intitulado “O Solo de Piratininga” In: Bueno, E. Os nascimentos de São Paulo”. São Paulo. Editora, 2004.
2 Livraria Pioneira. Editora da Universidade de São Paulo, 2ª. Edição, 1970
Aula 12_Os sítios históricos
    
São todas as edificações datadas do período colonial ou dos períodos posteriores que, além da arquitetura, guardam testemunhos arqueológicos em seu interior e entorno. São exemplos de sítios históricos os engenhos, as fortalezas, as Igrejas, os casarios, as ruas, vilas, as casas de Administração e até mesmo as praças, largos e senzalas. 
Este tipo de sítio arqueológico oferece excelente oportunidade de cruzamento de várias áreas de conhecimento, como a Arquitetura, História, Artes Plásticas, Antropologia, Geografia, entre outras. 
No Brasil, muitas cidades possuem sítios históricos, alguns deles tombados pelo Patrimônio Histórico. Os mais conhecidos talvez sejam: o Pelourinho em Salvador, as cidades de Ouro Preto e Tiradentes em Minas Gerais e a cidade de Parati, no Rio de Janeiro. 
O interesse nesse tipo de sítio arqueológico, além das questões culturais, históricas e até afetivas, reside nas informações que podem estar guardadas em seu interior e que eventuais escavações podem revelar objetos de uso cotidiano, tais como: telhas, cerâmicas, porcelanas, vidros ou pregos e objetos de uso pessoal. 
Na análise histórica, existe uma tendência de considerar a influência da cultura dominante quase com exclusividade. Essa tendência ignora que o processo de conquista e o processo de aculturação possuem “mão dupla”. Da mesma forma que a cultura local é modificada, a cultura do invasor também é. O resultado, em geral, é uma nova cultura. No nosso caso, a nova cultura é a “brasileira” . Temos exemplos claros na culinária, como o uso da mandioca , do milho e de muitas outras frutas e modos de preparo dos alimentos. 
No que se refere à preservação dos sítios históricos , uma recente Portaria do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) destaca a participação da comunidade:
 
Art.2º - O Plano de Preservação de Sítio Histórico Urbano - PPSH Plano de Preservação de Sítio Histórico Urbano - PPSH é um instrumento de caráter normativo, estratégico e operacional, destinado ao desenvolvimento de ações de preservação em sítios urbanos tombados em nível federal, e deve resultar de acordo entre os principais atores públicos e privados, constiituindo-se em processo participativo.
Aula 13_Sítios subaquáticos
  
A Arqueologia subaquática é bastante recente no Brasil. Basicamente, qualquer vestígio arqueológico que esteja submerso faz parte deste tipo de sítio arqueológico.
Os naufrágios são as causas mais comuns de formação de um sítio arqueológico subaquático, mas há também construções antigas que sofreram destruição antrópica e natural e que submergiram, totalmente ou em parte. Os sambaquis submersos são um exemplo interessante e raro. 
A principal característica desse tipo de sítio arqueológico é o grande fascínio que desperta, especialmente, nos chamados “caçadores de naufrágios”, cujas atividades se tornaramuma ameaça para a preservação dos objetos históricos. Os sítios arqueológicos subaquáticos são patrimônio da União e seu saque é crime. 
Os procedimentos metodológicos são os mesmos de qualquer sítio arqueológico. Envolvem topografia, quadriculamentos, escavações, datações e todos os demais. Claro que a dificuldade é maior em função de sua característica, mas trata-se de uma escavação com o mesmo rigor. Não é uma simples coleta, como uma “caça ao tesouro”, é exatamente o oposto. 
Segundo Rambelli:
 
O objeto de estudo da Arqueologia Subaquática é a cultura material que se encontra submersa em águas interiores (rios, lagos, represas), marítimas ou oceânicas. Por isso vale esclarecer que, embora se mude o ambiente de pesquisa, não há mudança da ciência em questão. Apenas se adaptam métodos e técnicas de investigação, e, evidentemente, o mergulho para o arqueólogo torna-se imprescindível, pois passa a ser uma ferramenta de seu trabalho. 
  
Para saber mais sobre arqueologia subaquática no Brasil, consultar http://www.naufragios.com.br/arqbr.htm
No dia 10 de abril de 1912, o navio Titanic partiu de Southampton, na Inglaterra, em direção a Nova York para realizar sua primeira e última viagem. O naufrágio do Titanic é o mais conhecido caso de acidente marítimo. Em 1986, o oceanógrafo americano Bob Ballard conseguiu fotografar o navio submerso, a 3.658 metros de profundidade no Atlântico Norte, perto da Ilha de Terra Nova, no Canadá. Alguns anos depois, Ballard voltou ao local e se surpreendeu: várias peças e objetos haviam sido roubados. 
  
Para maiores informações, consultar: http://www.star-news2001.com.br/titanic.html
Resumo_Unidade II
 
Esta unidade tratou da Arqueologia Brasileira por meio de um breve histórico e dos tipos de sítios arqueológicos e componentes principais. Abordou, também, de maneira introdutória, as áreas de atuação da arqueologia em território nacional, as datações mais significativas e a antiguidade das ocupações, chegando a 50.000 anos antes do presente no sítio arqueológico “Boqueirão da Pedra Furada”, no Piauí, também rico em pinturas rupestres. 
Esta unidade abordou, ainda, os diversos campos de atuação da ciência arqueológica no Brasil, uma descrição dos tipos de sítios mais significativos, traços culturais importantes e datações mais expressivas.
  
Referências Bibliográficas
AB’SABER, A “O Solo de Piratininga” In: Bueno, E. Os nascimentos de São Paulo. São Paulo: Ediouro, 2004 
BONETTI, C., 2004. Análise dos Grupos Coletores-pescadores do Baixo Vale do Ribeira de Iguape através da reconstituição da paleo-linha costeira: uma Arqueologia da Paisagem Litorânea. FFLCH – USP. 
BACHELARD, G. A poética do espaço. Pensadores. São Paulo: Abril, 1987. 
De BLASIS. Da Era das Glaciações às origens da Agricultura. In: Brasil: 50 mil anos: uma viagem ao passado pré-colonial. Catálogo. Museu de Arqueologia e Etnologia da USP. Edusp, 2001 
DEMARTINI, C. M. C. Caracterização cultural e gerência do patrimônio arqueológico do parque estadual da Ilha do Cardoso. Tese de Doutora-do, Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2003 
DIEGUES, A. C. Povos e mares: uma retrospectiva de sócio – antropologia marítima. CEMAR – Centro de Culturas marítimas – USP. (Série Documentos e Relatórios de Pesquisa) nº. 9. Apoio: Fundação FORD. São Paulo, 1993. 
Aula 14_O Patrimônio Cultural
  
É difícil determinar o que seja um patrimônio. Teoricamente, é tudo aquilo que deve ser preservado e conservado para as gerações futuras.
No entanto, quem determina o que deve ser preservado? Quando vemos algum monumento histórico, esquecemos de que ele é o resultado de um processo histórico e que, geralmente, conta a história dos vencedores e não a dos vencidos. A História possui diversos exemplos disso. A destruição das imagens de Buda talhadas na montanha no Afeganistão pelo grupo Taliban pouco antes da invasão norte americana neste país demonstra que a preservação ou destruição do patrimônio, em muitos casos, obedece ao jogo político — ressaltando que a próprias guerras são razão de destruição do patrimônio histórico e cultural.
Entretanto, patrimônio não engloba apenas os monumentos históricos, mas também o meio ambiente, o “saber fazer” das comunidades locais, os costumes e as tradições de diversas culturas.
Para a Arqueologia brasileira, todo sítio arqueológico é patrimônio da União, protegido por legislação federal, a Lei nº. 3924 de 26/7/1961. Esta lei foi o resultado do esforço de vários estudiosos, principalmente do arqueólogo Paulo Duarte. No entanto, a existência da lei não faz cessar a destruição do patrimônio. Para tanto, é necessário que haja a combinação de esforços fiscalizadores do Estado, dos pesquisadores e da comunidade local onde o sítio arqueológico está inserido. Caso contrário, há proteção apenas no papel.
Hughes de Varine-Boham (Apud LEMOS, C.A.C., 1982) elaborou uma tipologia para o Patrimônio Cultural que serviu de base para a classificação da UNESCO, na qual o divide em três grandes categorias. A primeira engloba o patrimônio ligado à natureza e ao meio ambiente. A segunda diz respeito às tradições culturais relacionadas às técnicas de manufatura, ao saber e ao saber fazer de grupos culturais que transmitem de pai para filho um conjunto de conhecimentos, cuja cadeia não pode ser quebrada, sob o risco de perda de toda uma tradição e, por fim, os bens culturais que se referem a todos os artefatos e objetos em geral, o que inclui construções arquitetônicas. 
Segundo Lemos, o patrimônio cultural de um povo, englobando todos os bens culturais, é incomensurável e não se pode confundir esse patrimônio com o “patrimônio oficial”, que se refere a “aquele que legalmente reúne poucos e escolhidos bens eleitos como preserváveis à posteridade 1 ” 
Como vimos nas aulas anteriores, o artefato isolado de seu contexto revela muito pouco sobre a cultura que o fabricou. Em nossa sociedade, existe o culto ao objeto e a tendência à padronização. Porém, este nível de percepção do artefato dissociado de uma visão cultural ampla é o resultado de um processo que remonta ao nascimento da sociedade moderna — ou pós-moderna, segundo alguns. A partir dos séculos XVI e XVII, na Europa, tornou-se comum a exibição de objetos provenientes de lugares distantes e a sua admiração como “curiosidade” 2 ou objeto exótico. No século XIX, essa prática atingiu o auge ao alcançar as exibições em museus. Pouco interesse havia em relação à cultura que produziu tais artefatos. 
Muitos acervos de museus tradicionais e, bastante antigos, foram montados a partir de objetos “importantes” ou de caráter simbólico — civil ou religioso — que deveriam ser expostos como afirmação de uma diferença cultural. Assim, havia os “Gabinetes de curiosidades”, que exibiam “animais exóticos” juntamente com utensílios particulares de heróis nacionais, ou livros raros, e toda a sorte de objetos. 
A preservação do patrimônio deve seguir normas internacionais, principalmente de órgãos como a UNESCO. Tais normas foram elaboradas a fim de criar padrões de preservação coerentes com o objetivo de manutenção da diversidade cultural e da própria unidade cultural de um povo, como garantia de autoafirmação. 
  
  
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1 LEMOS, C.A.C., O que é Patrimônio Histórico. SP. Ed. Brasilense, 1982, p.12
2 Ver aula sobre Museologia.
Aula 15_Museologia
  
Museologia não é “ciência dos museus”, assim como Medicina não é “ciência dos hospitais”. 
Como vimos anteriormente, o interesse em colecionar objetos que, de alguma forma, despertam o interesse de povos e culturas distintas, remonta aos primórdios da humanidade. Waldisa Guarnieri (1990) informa que na Antiguidade, a princesa Bel Chalti Nannar da Caldeia registrou o primeiro inventário de objetos de uma coleção de que se tem notícia: os objetos do palácio de seu pai, no século VI a.C. 
Desde então, muitos acontecimentos relacionados à coleção, exposição e à conservação de objetos têm permeado a história. A primeira especialização dessas coleções foi a pinacoteca: a primeira coleçãode pinturas, em uma das alas dos Propileus da Acrópole de Atenas, na Grécia Antiga. A partir de então, toda coleção de pinturas recebeu esse nome. 
Ainda na Antiguidade, temos o “Museu de Alexandria” e sua famosa biblioteca. Há quem diga que os museus da época moderna buscam ser o que foi este museu, com áreas de descanso e de exposição de objetos, anfiteatro, um parque botânico, um centro de estudos (o embrião de uma universidade) e até um zoológico. De acordo com Guarnieri (1990) 1, o Museu de Alexandria representou o primeiro dos cinco grandes momentos de desenvolvimento históricos dos museus. 
Segundo Suano (1986), em Roma os museus, além de expressarem o conhecimento, ou mesmo o “gosto” de uma camada privilegiada, tinham a função de demonstrar o poderio do império, suas conquistas, saques, butins.
O segundo momento de desenvolvimento dos museus corresponde à Renascença, em que encontramos um misto de “Galeria de arte” com o “Gabinete de Curiosidades” — já mencionado anteriormente. Esse tipo de museu configurava a manifestação do poder dos Príncipes. Os museus renascentistas contaram com curadores como Donatello e Leornardo Da Vinci e com aulas de numa nova disciplina: História da Arte.
O terceiro momento corresponde à passagem do “Museu do Iluminismo” para o “Museu do Romantismo”, ou seja, os museus abandonaram a ilustração caracterizada pelo acúmulo de objetos sem divisões temáticas — como uma grande enciclopédia — substituindo o acúmulo pelas coleções que expressavam os ideais da burguesia. Nesse período, surgiram os grandes museus nas capitais europeias (o Louvre, o Museu Britânico ou o Museu do Prado) como expressões do poderio de grandes nações e impérios. Segundo Guarnieri (op.cit.), os “museus dos príncipes” tornaram-se “museus das nações”. 
O curioso é que este período marcou o início das primeiras preocupações com a origem do acervo. Os acervos desses museus foram obtidos por meio de pilhagens cometidas por Napoleão ou pelo Império Britânico. Este período caracterizou o fazer museal como museografia. Era o domínio dos padrões estéticos burgueses.
O quarto momento foi caracterizado pela urbanização, pela especialização e a profissionalização dos museus e a Museologia como uma disciplina acadêmica com um corpo de conhecimentos formalizado. 
O quinto e último momento é a atualidade, em que a organização museal caracteriza-se por uma estrutura específica, uma filosofia própria e uma ação prática. Sua principal característica, assim como na Arqueologia, é a interdisciplinaridade. 
Há acontecimentos que merecem destaque na história da museologia. Na Revolução Francesa de 1789, folhetos revolucionários pediam “Museus para o Povo!” Mas, talvez, o fato mais interessante para nós seja que, antes de existir uma Faculdade ou Instituição de Ensino em nível Superior no Brasil, existiu um museu, O Museu Nacional do Rio de Janeiro. 
 A seguir, observe três definições de Museologia: 
 
(...) a Museologia apoia-se sobre uma base teórica do ponto de vista gnosiológico e metodológico, pois só assim ela pode cumprir sua missão, não apenas em relação à prática museal, mas, também, dentro do próprio sistema da ciência. (ZBYNEK, S.. Apud. GUARNIERI, W. Museu, Museologia, Museólogos e Formação. In: Revista de Museologia. SP. IMSP,1990, p. 10) 
 (...) uma disciplina científica em vias de formação, cujo objeto é o estudo da relação específica homem realidade e isto em todos os contextos nos quais esta se manifestou concretamente. (GREGOROVÁ, Anna. Apud. GUARNIERI, W. Museu, Museologia, Museólogos e Formação.In: Revista de Museologia. SP. IMSP, 1990, p. 10) 
Ciência nova e em formação, cujo objeto é o fato museal ou museológico, relação profunda entre homem, sujeito que conhece, e o objeto, parte de uma realidade da qual o homem também participa, num cenário institucionalizado, o museu. (GUARNIERI, W. Museu, Museologia, Museólogos e Formação. In: Revista de Museologia. SP. IMSP, 1990:10)
 
 
 
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GUARNIERI, W. Museu, Museologia, Museólogos e Formação.In: Revista de Museologia. SP. IMSP, 1990. (p. 7).
Aula 16_Serviço Educativo em Museus
   
Antes de discorrermos sobre a existência de um “serviço educativo em museus”, precisamos tentar entender o “público” dos museus. 
Inicialmente, o público dos museus na antiguidade era composto, principalmente, por membros da aristocracia e “estudantes”, no caso do Museu de Alexandria, pois havia um “protótipo” do que viria a ser um “centro universitário”. 
Já no segundo momento, os Museus da Renascença eram frequentados por aqueles que tinham acesso ou faziam parte do “séquito” dos reis ou príncipes, principalmente nas cidades italianas. Ou seja, a aristocracia da antiguidade foi substituída pela aristocracia renascentista. 
O público dos museus pouco mudou em relação ao período vinculado à ascensão da burguesia. Os museus desse período procuravam transmitir os ideais burgueses, sua visão de mundo e suas conquistas. Segundo Suano (op. cit.), o público do Museu Britânico em sua abertura em 1759, via em seu acervo extremamente rico, o fruto de uma expropriação sofrida durante séculos. 
Quanto ao acesso às exposições, é necessário lembrar que as visitações eram pagas e o preço do ingresso bastante elevado, o que promovia uma certa seleção. Em suma, a visitação era aberta, diferentemente do período anterior, mas poucos tinham acesso. 
No entanto, essa realidade foi mudando, mesmo nos museus da burguesia que perceberam a necessidade de abrir suas coleções, não por uma motivação “humanista”, e sim para exercer a dominação por meio da demonstração de seu poderio, ideais e conquistas. 
Com o avanço da industrialização, foram criadas muitas mostras e exposições, feiras e eventos, mais acessíveis ao grande público, como o a “Mostra de Todas as Nações”, em 1851, no, então, recém construído “Palácio de Cristal” de Londres (Suano, op. cit.) ou o “Palácio da Eletricidade” em Paris no ano de 1900. 
O serviço educativo especializado em museus é recente. Como vimos, a mentalidade moderna em relação aos museus, no início da fase de industrialização na Europa, corresponde muito mais a uma propaganda da superioridade nacional — de acordo a visão técnico científica do período — após a verdadeira pilhagem do patrimônio cultural da humanidade que foi feito na fase anterior e a partir da qual foram constituídos os acervos dos museus nacionais. Tal é o caso do pilar do templo egípcio de Luxor ou dos mármores Egim que revestiam o Parthenon da Atenas Clássica e que hoje constituem o acervo de museus europeus, o que alimentou a discussão sobre a devolução desses bens culturais aos lugares de origem. 
A mudança do paradigma museológico começou a se dar com o surgimento da ideia de Estado Nação. Os museus passaram a ser utilizados como propagadores do ideal nacionalista e, assim, de certa maneira, nasceu a noção de que os museus seriam a ilustração de uma ideologia, inclusive do ponto de vista educacional. 
Desenvolveu-se, então, o trabalho especializado de visitas a museus, a fim de orientar o público. O uso do museu como afirmação de uma nacionalidade ou cultura não é exclusividade dos países europeus, mesmo porque, a partir do século XIX, houve uma explosão no número de museus pelo mundo, impulsionada pelos processos de independência das colônias latino-americanas. Os museus são também utilizados como afirmação da identidade nacional ou mesmo como pura propaganda de Estado. 
No Brasil, o caso do Museu Nacional é exemplar. Criado por D. João VI, refletia o desejo do monarca de incutir no povo recém elevado à categoria de súdito de um efêmero Reino Unido Brasil-Portugal, o significado de monarquia, história, obediência, nobreza, entre outros conceitos tão estranhos ao povo da colônia. Seu acervo era uma mistura de objetos de arte, zoologia, história natural e tudo mais que despertasse a curiosidade dos responsáveis ou que ajudasse a cumprir o seu papel. Foi acrescido de coleções de arqueologia clássica trazidas pela Imperatriz Tereza Cristina em 1853 (Conforme Suano, op.cit.). Por fim, foi vinculado

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