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O Aparicionista - F. Schiller

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0 Hparicionfôta
t> m ■ m i> m ri H * » ilii i imiiIw il • <>••
I HAIHJÇ AO I NOI AS 
1*1(1 I A< IO 
PONCAl IO
I rlipi' V.ilr il.i Sllv.i 
( hl V.ih I < ||. || i 
l elipc V.ilr il.i Sllv.i
() Apariaornsbi (1787 1789) c a obra seminal do romance 
gótico alemão, e isso se deve menos ao sen pioneii ismo do 
que pelas suas inovações temáticas. Marcado por nec lomantes 
misteriosos, intrigas políticas envolvendo sociedades sei retas 
c inquisidores, além de divagaçòes profundamente niilistas, 
este romance é um relevante documento da literatura alemã 
c um testemunho duradouro do talento narrativo de um dos 
maiores nomes da filosofia e das letras daquele país.
.EP5IDRA 7BÍI590 645016
o
I
um
Friedrich Schiller
0 Aparicionista
Das memórias do conde de O**
PSIDRA
0 APARICIONISTA
de FRIEDRICH SCHILLER
EDIÇÃO CID VALE FERREIRA e FELIPE VALE DA SILVA
TRADUÇÃO E NOTAS FELIPE VALE DA SILVA
REVISÃO CID VALE FERREIRA e MÁRCIO DIAS MEDRADO
CAPA FILIPE FLORENCE RIOS
PINTURA DA CARA PIETRO LONGHI
PROJETO GRÁFICO E EDIÇÃO DE IMAGEM MIGUEL ESTÊVÃO e FILIPE FLORENCE RIOS 
ILUSTRAÇÕES ERNST ROEBER e ROBERT FRANÇOIS RICHARD BREND'AMOUR
Dados internacionais de Catalogação na Publicação |CIP|
i SCH334 Schiller, Friedrich (1759-1805)
0 Aparicionista. Das memórias do Conde de 0**
i Título original: Der Geisterseher. Aus den Memoiren des Grafen von 0* *
: Tradução: Felipe Vale da Silva
; São Paulo: Editora Sebo Clepsidra / Aetia Editorial, 2019.184 pp.
i ISBN 978-85-90645-01-6 (Sebo Cureiww)
; ISBN 978-85-94447-07-4 (Aetia): 821.112.2 cdd 830
1. Literatura alemã 2. Romance I. Título II. Schiller, Friedrich (1759-1805).
! III. Silva, Felipe Vale da,Tradutor. IV. Ferreira, Cid Vale; Silva, Felipe Vale da,
i Organizadores. l * *
ls EDIÇÃO I 4S IMPRESSÃO | JUNHO DE 2020
Todos os direitos reservados. © Felipe Vale da Silva, 2018 (tradução)
@ Editora Sebo Clepsidra, 2020 | ©Aetia Editorial, 2020
EDITORA SEBO CLEPSIDRA
Rua Doutor Cesário Mota Júnior, 
296, Vila Buarque, São Paulo 
seboclepsidra@gmail.com 
seboclepsidra.com.br
Tel.: 112476-0378
AETIA EDITORIAL
R. Bertioga, 537
Chácara dos Ingleses, São Paulo 
editorial@aetia.com.br 
aetia.com.br
Tel.: 11 99226-9012
mailto:seboclepsidra@gmail.com
seboclepsidra.com.br
mailto:editorial@aetia.com.br
aetia.com.br
C ® L E Ç Ã ® IMAGINÁRI© G © T I C ©
Friedrich Schiller
0 Aparicionista
Das memórias do conde de O**
Tradução de Felipe Vale da Silva
2 0 2 0
SUMARIO
Prefácio, por Cid Valf. Ferreira
O APARICIONISTA
Livro primeiro.......................................................................
Livro segundo.......................................................................
Primeira Carta..................................................................
Segunda Carta.................................................................
Terceira Carta.................................................................
Quarta Carta....................................................................
Quinta Carta....................................................................
Sexta Carta......................................................................
Sétima Carta.....................................................................
Oitava Carta.....................................................................
Nona Carta......................................................................
Décima Carta....................................................................
O CONDE DE O** (CONTINUAÇÃO) .......................................
Ao PRÍNCIPE DE ***, DE SUA IRMÃ.........................................
Posfácio, por Felipe Vale da Silva.
Friedrich Schiller (Biografia)....
PREFACIO
por Cid Vale Ferreira
Assim como podemos apontar O Castelo de Otranto (The Castle of 
Otranto, 1764) como a pedra fundamental do romance gótico britânico, 
temos em O Aparicionista (Der Geisterseher, 1787-1789), de Friedrich 
Schiller, a obra seminal do Schauerroman, sua contraparte germânica.1 
Tal relevância, reconhecida dentro e fora das fronteiras alemãs, não 
se deve meramente ao seu pioneirismo cronológico, mas principal­
mente pela maneira como suas cenas e seus motivos foram revisitados 1 
1. 0 crítico Devendra R Varma descreve a gênese do Schauerroman (uma pos­
sível tradução literal para o termo seria “romance de calafrios”, embora o mais 
usual seja traduzi-lo como “romance gótico”). Segundo ele, a sobreposição de 
outros dois subgêneros teriam-no plasmado: seriam eles o romance de cavalaria 
do século XVIII, ou Ritterroman, cujo protótipo é o drama Gòtz von Beriichingen 
(1773), de Goethe, e o romance de salteadores, ou Rãuberroman, cujo protótipo 
é o drama Die Rãuber (1781), do próprio Schiller. Varma, Devendra R The Gothic 
Flame: Beinga Historyofthe Gothic Novelin Engiand. Metuchen: Scarecrow, 1987.
e emulados Europa afora, por longas décadas, inspirando autores 
como M. G. Lewis, Lord Byron e Antônio Feliciano de Castilho, entre 
inúmeros outros, a prestar-lhe todo tipo de homenagem.
É necessário termos em mente, entretanto, que o impacto 
causado pelo romance alcançou essa dimensão apesar de Schiller jamais 
tê-lo concluído. O autor só publicou a primeira de duas partes origi­
nalmente planejadas e, mesmo assim, como informa uma das principais 
autoridades no estudo das inter-relações entre os romances góticos do 
Reino Unido e da Alemanha, o crítico Patrick Bridgwater, “ O Apari- 
cionista deixou marcas indeléveis sobre o romance gótico europeu, cujo 
curso ajudou, mais que qualquer outro romance, a determinar”.2
2. Bridgwater, Patrick. The German Gothic Novel in Anglo-German Perspective. Amster- 
dam/NewYork: Rodopi, 2013. p. 35.
3. Hadley, Michael. The Undiscovered Genre. A Search for the German Gothic 
Novel. Berne: Peter Lang, 1978. p. 85.
Entre os impactos imediatos causados pela obra, podemos apontar 
também a inauguração do romance necromântico (Geisterseherroman), 
que teve amplo rol de cultores no final do século XVIII e início 
do XIX. A esse respeito, vale notar que os romances necromânticos 
devem ser diferenciados dos tradicionais romances de fantasmas (Geis- 
lerromane), que frequentemente utilizam as aparições para escancarar 
segredos e crimes encobertos no passado (oferecendo muitas vezes a 
possibilidade de desmascarar, perturbar e punir seus perpetradores). Os 
Geisterseherromane, por sua vez, trazem em seu cerne discussões sobre a 
superstição e a credulidade que persistia na mentalidade da época, por 
meio da ação de aparicionistas (às vezes aparentemente legítimos, às 
vezes comprovadamente fraudulentos) cujas invocações de fantasmas 
são capazes de suscitar - nas palavras de Michael Hadley — “problemas 
intelectuais nos quais a curiosidade a respeito de probabilidades no 
mundo fenomenal levam à incerteza, à insegurança e ao medo”.3
Na obra de Schiller, especialmente em seu primeiro livro, de 
14 Friedrich Schiller
natureza narrativa,4 posturas existenciais marcadas pelo ceticismo 
convivem e se chocam com a dúvida sobre a possibilidade de espectros 
existirem e poderem interferir na realidade sensível, como sugerem 
duas cenas antológicas, nas quais o mesmo espaço é simultaneamente 
compartilhado por dois supostos aparicionistas e duas supostas apari­
ções. Em ambos os casos, as tentativas de racionalização dos fenômenos 
testemunhados avançam num primeiro momento com uma sagacidade 
que só voltaria a ser vista na ficção detetivesca, revelando os meca­
nismos de golpes sofisticados armados no primeiro ritual de invocação, 
mas que, posteriormente, provam-se insuficientes para desmistificar a 
experiência com o segundo aparicionista e com a segunda aparição. 
Posteriormente tomadas de forma isolada, essas passagens antecedem 
e contribuem como base e modelo para o desenvolvimento, nas Ilhas 
Britânicas, dos motivos tanto do sobrenatural explicado, à maneira de 
Ann Radcliffe, quanto, paradoxalmente, do gótico terrífico (no qual o 
sobrenatural não é contestado) à M. G. Lewis.
4. 0 segundolivro é epistolar, composto majoritariamente por um fluxo de cartas 
que ficavam sem réplicas.
5. Como informa Montague Summers, ao mencionar algumas das leituras de 
Lewis: “sobretudo, ele ficou profundamente impressionado pelo 0Aparicionista 
de Schiller”. Summers, Montague. The Gothic Quest:A History ofthe Gothic Novel. 
New York: Russel & Russel, 1964. p. 227.
6. Para Summers, Lewis teria descoberto a lenda da Freira Sangrenta no conto 
A título de esclarecimento, poderiamos ilustrar a retomada de 
temas e cenas da obra de Schiller em romances britânicos do cânone 
gótico comparando-a brevemente, por exemplo, com um dos mais 
célebres deles: O Monge (The Monk, 1796), do próprio M. G. Lewis, 
que reconhecidamente a admirava.5
• A notável passagem da Freira Sangrenta, para citar um de 
seus pontos altos, embora extraída de outra fonte alemã,6 
O Aparicionista
participa do enredo em uma cena na qual também há 
justamente um fantasma falso seguido de um fantasma 
verdadeiro.
• O responsável por exorcizar as visitas lascivas dessa freira à 
cama do homem que ela assombra é o Judeu Errante, cuja 
longevidade e capacidade de dominar espectros encontra 
nítidos paralelos com a caracterização do “Armênio” (o 
aparicionista que não conseguem desmascarar) em sua 
atuação supostamente sobrenatural.
• Elementos da segunda cerimônia de invocação também 
são recuperados na balada “The Brave Alonzo and the Fair 
Imogene”, que retoma a história dos irmãos Jerônimo e 
Lorenzo, narrada pelo “Siciliano” (o aparicionista desmas­
carado) e adapta-a em versos à moda da balada macabra 
Leonor (Lenore, 1773), de Gottfried August Bürger.
• Enquanto o monge Ambrosio se vê em meio a um estra­
tagema de Lúcifer para corrompê-lo lançando mão de 
ameaças da Inquisição e de sua paixão pela modelo que 
posou como Nossa Senhora para a tela que ele adora em 
sua cela, o príncipe que protagoniza o romance de Schiller, 
inicialmente alheio às questões de poder, acaba sendo 
corrompido por um estratagema que envolvia inquisidores 
católicos, bajuladores de sociedades secretas e a “Grega”, 
uma misteriosa beldade que havia posado como modelo 
para uma tela da Nossa Senhora presente em sua coleção.
Não por acaso, como sugerem esses poucos paralelos destacados 
dentre os vários que poderíam ser elencados, desde sua publicação a obra- 
-prima de Lewis é considerada um dos maiores vetores de propagação dos 
temas dos Schauerromane (e de seus subgêneros) entre leitores anglófonos.
16 I *kii nmen Schiller
“Die Entführung”, incluído em Volksmãrchen der Deutschen, de seu amigo alemão 
Johann Karl August Musãus. Summers, Montague. Idem. p. 225.
Diferentemente de Lewis, porém, que tinha razoável domínio 
da língua alemã e chegou a traduzir uma lista de autores que incluía 
o próprio Schiller, a maior parte dos britânicos dependia de versões 
em inglês para desfrutar dos calafrios literários da Europa continental. 
Para seu deleite, suas opções eram abundantes. Poucos anos após a 
publicação de O Aparicionista, antes mesmo do fim do século XVIII, os 
dois livros que o integram já haviam sido vertidos aos inglês: em 1795, 
o primeiro deles foi lançado como The Ghost-Seer, or Apparitionist, 
enquanto uma tradução com ambos surge no ano de 1800 como The 
Armenian, or the Ghost-Seer. Outros romances necromânticos também 
ganharam versões em inglês: Der Geisterbanner (1790), de Lorenz 
Flammenberg (pseudônimo de Karl Friedrich Kahlert), ressurgiu 
como The Necromancer em 1794; Die Teufelsbeschwõrung (1791), de Veit 
Weber, que serviu de fonte a autores como Percy Bysshe Shelley e ao 
próprio Lewis, foi publicado como The Sorcererem 1795; enquanto Der 
Genius (1791-95), de Carl Grosse, teve duas traduções no ano de 1796, 
The Genius e Horrid Mysteries.7
7. Dois deles, aliás, foram incluídos na debochada lista de horrid nove/s do ro­
mance NorthangerAbbey A&T1), de Jane Austen.
No início do século XIX, uma nota de rodapé de Lord Byron 
reacende o interesse n’O Aparicionista. Incluída em seu poema “Oscar 
d’Alva” (“Oscar ofAlva:ATale”, incluído em Hours of Idleness, de 1807), 
essa nota menciona a tradução The Armenian, or the Ghost-Seer como 
uma das fontes desse poema narrativo. Na poesia inglesa, portanto, o 
tema baladesco do noivo fantasma encontra no episódio de Jerônimo 
e Lorenzo, como atestam Lewis e Byron, uma de suas principais fontes. 
Além disso, em algumas de suas cartas, o poeta também rememora o 
quanto O Aparicionista o empolgou em sua infância e a maneira como 
determinadas paisagens de Veneza sempre evocavam a lembrança de 
sua leitura, o que instilou em muitos de seus apreciadores uma genuína 
curiosidade pelo romance.
O Aparicionista
Das demais traduções que continuaram surgindo, uma guarda 
especial interesse à comunidade lusófona: em Portugal, João Félix 
Pereira traduziu o romance como O Visionário em 1852.8 Há também 
especulações sobre a possibilidade de existir uma tradução anterior, 
uma vez que Antônio Feliciano de Castilho, ao documentar a gênese 
de seu poema A Noite do Castelo (1836), registrou ter ouvido em 
1830 o “primeiro tomo do Fantasma Profeta de Schiller”9 (grafando 
o título dessa forma, em português).10 Esse poema, como o próprio 
autor adverte, baseia-se tanto na passagem de Jerônimo e Lorenzo 
quanto no poema de Lewis que ela inspirou, “The Brave Alonzo and 
lhe Fair Imogene”, em cujo desfecho um séquito de fantasmas brinda 
com crânios repletos de sangue a condenação da noiva que quebrou o 
juramento feito a um cavaleiro prestes a partir para as cruzadas. Por sua 
vez, o próprio A Noite do Castelo foi adaptado em 1861 no Brasil, com 
o mesmo título, como a primeira ópera do então jovem e promissor 
Carlos Gomes.
8. Sousa, Maria Leonor Machado de. A Literatura “Negra”ou “de Terror”em Portu­
gal (Séculos XVIII e XIX). Lisboa: Novaera, 1978. p. 351.
9. Castilho, Antônio Feliciano de. Reparos acerca da invenção da Noite do Cas- 
tello. In: A Noite do Castello: Poema em 4 Cantos. Rio de Janeiro: Eduardo e Hen­
rique Laemmert, 1847. p. 97.
10. Ao traduzir para o português o poema "Oscar of Alva", de Lord Byron, que 
menciona em uma nota de rodapé a obra de Schiller pelo título The Ghost-Seer, o 
Barão de Paranapiacaba lança mão do mesmo título usado por Castilho, embora 
não haja consenso sobre se ambos aludiram ao título de outra tradução existente 
ou se o santista simplesmente adotou a solução da tradução livre sugerida pelo 
lisboeta.
Conforme buscamos pontuar brevemente, a trajetória da 
recepção d’ O Aparicionista deixa claro como esse romance inovador 
de Schiller impactou a ficção gótica e a poesia baladesca, mas essa é 
apenas uma maneira de avaliá-lo. As passagens filosóficas das cartas que 
18 l llll IIIIK II S< llll I I l<
reproduzem o desencantamento do príncipe, sua astúcia desconfiada 
disposta a desmascarar golpistas, o progresso de sua corrupção moral 
no seio da sociedade secreta do Bucentauro, o emaranhado de intrigas 
que vai se tecendo em meio a conspirações políticas e religiosas, o uso 
de referências geralmente críticas a figuras reais da época, as visões de 
mundo implicadas e confrontadas durante as cerimônias de invocação 
de fantasmas... tudo isso converge para fazer deste experimento inaca­
bado um relevante documento da literatura alemã setecentista e um 
testemunho duradouro do talento narrativo de um dos maiores nomes 
da filosofia e do teatro alemães.
O Aparicionista
I
DAS MEMÓRIAS DO CONDE DE O**
n
arrarei um evento que parecerá inacreditável para muitos e do 
qual eu mesmo, em grande parte, fui testemunha ocular. Aos 
poucos que estão a par de um certo acontecimento político, 
tal evento proverá um esclarecimento oportuno — isso se for o caso de 
encontrarem estas folhas em vida. E, mesmo assim, sem essa chave, o 
evento talvez tenha sua importância para o restante das pessoas como 
contribuição para a história da fraude e das aberrações do espírito 
humano. Surpreender-se-ão com a ousadia dos fins que a maldade é 
capaz de traçar eseguir; surpreender-se-ão com a extravagância dos 
meios que ela pode usar para assegurar que esse fim seja atingido. A 
verdade pura e estrita guiará minha pena, pois, quando estas folhas 
forem reveladas ao mundo, já o terei deixado, sem mais nada a ganhar 
nem a perder com o relato que aqui deixo.
Eu estava voltando de minha viagem para a Curlândia1 no ano 
de 17**, por volta da época do carnaval, quando paguei uma visita 1 
1. Atual região oeste da Letônia. Até o final do século XVIII foi um ducado subor­
dinado a famílias alemãs.
O Aparicionista 23
.lo príncipe de ** em Vcn< i I l.iví.unos nos conhecido na campanha 
militar da ** e agora tcimx i\amos o relacionamento que os tempos 
de paz haviam interrompido Pelo motivo de eu desejar incondicio- 
nalinente ver as coisas noi n< i dessa cidade, e de o príncipe só estar 
< spcrando por uma reme . ..i d> dinheiro para voltar a **, ele me per- 
n.idiu sem dificuldade <h .eivii lhe de companhia e assim atrasar 
meu regresso por um p< 11< >d< > < onsiderável. Concordamos em não nos 
■ pararmos pelo tempo qu< nossa estadia em Veneza durasse; o prínci­
pe, ainda por cima, tevi a bondade de me oferecer um lugar em seus 
pióprios aposentos no Momo"
Ele vivia ali no mar. i iporoso anonimato já que desejava viver só, 
c seu limitado apanagio d< qualquer forma não lhe teria permitido 
sustentar a grandeza d< .eu mulo nobilitário. Dois cavaleiros, em cuja 
discrição ele podia < onliai plenamente, formavam, ao lado de alguns 
criados fiéis, toda a - na comitiva. Ele evitava a ostentação mais em 
função de seu tempci amento do que por parcimônia. Fugia das diver­
sões; na idade de u mia e < nu o anos, havia resistido a todos os atrativos 
daquela cidade Ia .< iva Ale então, mantivera-se indiferente inclusive 
ao belo sexo Uma >< i icd.ide profunda e uma melancolia exaltada 
dominavam seu < ai.in i Suas inclinações eram silenciosas, ainda que 
exageradarncnie obstinadas; seu poder de deliberação era lento e tími- 
do;sua dedu açao, ardente e eterna.Em meio a um tumulto barulhento 
de pessoas, ele segma solitário; encerrado no mundo de fantasia, ele 
era, muito frequentemente, um estranho no mundo real. Ninguém era 
mais bem dotado para deixar-se dominar sem, ao mesmo tempo, ser 
fraco. Uma vez convencido, era inquebrantável e resoluto, possuindo 
enorme coragem tanto para lutar contra um preconceito evidenciado, 
quanto para morrer em prol de um outro.
Na condição de terceiro príncipe de sua casa, não tinha perspec­
24 Friedrich Schiller
tivas reais para assumir o governo.2 A ambição nunca havia desperta­
do em si; suas paixões tomaram um rumo diverso. Contente por não 
depender de uma vontade alheia, ele não sentia o pendor de reinar 
sobre os outros: a liberdade tranquila da vida privada e o gozo de um 
convívio espirituoso traçavam os limites de todos os seus desejos. Lia 
muito, ainda que sem critério de seleção; uma educação negligente 
e o serviço militar prematuro não haviam permitido que seu espíri­
to atingisse a maturidade. Todos os conhecimentos que ele até então 
absorvera só intensificavam a confusão de seus conceitos, já que não 
foram construídos sobre um solo firme.
2. 0 príncipe Friedrich Heinrich Eugen de Württemberg, ducado onde Schiller 
nasceu e cresceu, era o terceiro na linha dinástica de sua família. Em mais de um 
aspecto, sua história cruza com a da personagem principal deste romance.
Era protestante, como toda sua família — por nascimento, não por 
fruto de reflexão, algo que nunca havia feito de fato. Mesmo assim, em 
determinada época da vida chegou a ser um fanático religioso. Até 
onde sei, nunca se tornou um maçom.
Certa noite, estávamos passeando às margens da praça de São 
Marcos. Começava a ficar tarde, e a multidão já havia se dissipado; 
como de costume, estávamos completamente cobertos por disfarces 
- e eis que o príncipe nota que uma máscara nos seguia por toda a 
tarde. O mascarado era um armênio e ia desacompanhado. Apressa­
mos o passo e tentamos confundi-lo alterando nosso caminho com 
frequência — em vão, já que o mascarado continuava sempre na nossa 
dianteira, bem próximo. “Certeza que não arrumaste alguma confusão 
aqui?”, o príncipe me perguntou por fim. “Os homens casados em 
Veneza são perigosos.”—“Não tenho relações com nem uma só mulher 
daqui”, respondí. — “Sentemo-nos aqui e conversemos em alemão”, 
continuou. “Estou achando que nos confundiram com alguém.” Sen- 
tamo-nos em um banco de pedra e aguardamos até que o mascarado 
passasse por ali. Ele veio direto para nós e tomou assento logo ao lado
O Aparicionista
do príncipe. Tirando o relógio, disse-me, em voz alta e em francês, na 
medida em que se levantava: “Nove horas passadas. Venha. Estamos nos 
esquecendo que nos esperam no Louvre”. Ele só disse isso para tirar 
a máscara de nosso caminho. “Nove horas”, ele respondeu na mesma 
língua com ênfase e lentidão. “Desejai felicidades a vós próprio, prín­
cipe” (aqui ele mencionou o nome real deste). “Ele morreu às nove 
horas” — Com isso, levantou-se e foi embora.
Entreolhamo-nos consternados. — “Quem morreu?”, o príncipe 
disse por fim após uma longa pausa. - “Vamos atrás dele”, eu disse, “e 
exijamos uma explicação.” Vasculhamos todos os cantos da praça de 
São Marcos — não foi mais possível encontrar o mascarado. Voltamos a 
nossa hospedaria descontentes. No caminho, o príncipe não disse uma 
só palavra, mas seguiu de lado e sozinho. Ele parecia estar travando 
uma batalha violenta, algo que de fato me confessou mais tarde.
Ao chegarmos em casa, abriu a boca pela primeira vez. “E ridí­
culo”, ele disse, “que um louco destrua a paz de um homem com duas 
palavras.” Desejamos boa noite um ao outro e, logo que estava em 
meu quarto, anotei em minha tábua de anotações o dia e hora em que 
aquilo havia acontecido. Era uma quinta-feira.
Na noite seguinte, o príncipe me disse: “Que acha de darmos 
uma volta pela praça de São Marcos e procurar nosso misterioso armê­
nio? Apesar de tudo, estou intrigado com o desenrolar dessa comédia”. 
Por mim estava tudo bem. Permanecemos na praça até as onze horas. 
Não se via o armênio em lugar algum. Repetimos o passeio nas quatro 
noites seguidas, sem melhor resultado.
Quando deixamos nosso hotel, na sexta à noite, ocorreu-me (não 
me lembro se involuntária ou intencionalmente) de avisar aos criados 
onde poderíam nos encontrar caso alguém perguntasse por nós. O 
príncipe notou minha cautela e a aprovou com uma expressão sorri­
dente. Havia uma multidão enorme na praça de São Marcos quando 
ali chegamos. Mal havíamos dado trinta passos quando avistei o armê­
nio mais uma vez, que se meteu no meio da chusma a passos velozes 
e cujos olhos pareciam estar buscando alguém. Estávamos prestes a 
alcançá-lo quando o barão de F**, do séquito do príncipe, veio até 
nós ofegante e entregou-lhe uma carta. “Nela há um selo negro”, ele 
adicionou. “Imaginamos que havia pressa”. Aquilo me atingiu como 
um raio. O príncipe se aproximou de um lampião e começou a ler. 
“Meu primo faleceu”, exclamou. “Quando?”, interrompi-o com 
O Aparicionista
veemência. Ele voltou os olhos para a carta. “Na quinta passada.À noi­
te, às nove horas.”
Mal tivemos tempo de nos recobrar de nosso estupor, o armênio 
se pôs em nosso meio. “A identidade de Vossa Alteza foi descoberta, 
clemente senhor”, ele disse ao príncipe. “Apressai-vos para o ‘Mouro’. 
Ali encontrareis os membros do senado. Não hesiteis em aceitar as 
honrarias que lhe serão concedidas. O barão de F** se esqueceu de 
dizer-vos que vossa remessa chegou.” Então ele sumiu na multidão.
Apressamo-nos até nosso hotel. Tudo se encontrava como o ar­
mênio havia proferido. Três nobili da república estavam de prontidão 
para receber o príncipe e acompanhá-lo com pompas até a assembléia, 
onde a alta nobreza da cidade o aguardava. Ele só teve tempo para me 
dar a entender, com um aceno furtivo, que o esperasse acordado.
Ele voltou de noite, cerca de onze horas, adentrando o aposento 
sério e pensativo. Então, assim quedispensou os criados, tomou minha 
mão. “Conde”, disse-me com as palavras de Hamlet, “há mais coisas 
entre o céu e a terra do que são sonhadas em vossa filosofia.”
“Caro senhor”, respondí, “pareceis esquecer que ides para a cama 
enriquecido por grandes expectativas.” (O falecido era o príncipe 
herdeiro, filho único do regente **, que estava velho e adoentado, sem 
esperança numa sucessão própria. Apenas um tio de nosso príncipe, 
igualmente sem herdeiros e sem perspectiva de tê-los, encontrava- 
se entre este e o trono. Menciono tal circunstância pois a seguinte 
conversa tratará a respeito).
“Não me lembre disso”, o príncipe disse. “E se uma coroa me fosse 
concedida, eu teria no momento mais a fazer do que remoer essas fri­
volidades. — Se o que esse armênio fez não foram meras conjecturas. —”
“Como isso é possível, príncipe?”, intervim. —
“Se fosse o caso, trocaria todas as minhas esperanças de príncipe 
por um hábito de monge.”
Na noite seguinte estávamos na praça de São Marcos antes do 
28 Friedrich Schiller
que de costume. Uma pancada de chuva repentina nos forçou a entrar 
num café onde estavam jogando. O príncipe pôs-se atrás da cadeira 
de um espanhol e observou o jogo. Fui para um aposento contíguo, 
onde li os jornais. Um instante mais tarde, ouvi alguns ruídos. Antes da 
chegada do príncipe, o espanhol estava perdendo sem parar; agora, ga­
nhava com todas as cartas. Todo o jogo havia se alterado visivelmente, 
e a banca corria o risco de ser desafiada pelo pointeur, a quem aquela 
reviravolta tornara mais audaz.3 O veneziano que controlava a banca 
disse ao príncipe, em tom ofensivo, que ele perturbava sua sorte e de­
veria deixar a mesa. Este mirou-o com frieza e ficou ali, mantendo a 
mesma compostura quando o veneziano repetiu seus insultos em fran­
cês. O veneziano quis crer que o príncipe não entendia nenhuma das 
duas línguas, voltando-se para os outros com uma risada desdenhosa. 
“Digam-me, meus senhores, como fazer com que esse balordo4 me en­
tenda?” Imediatamente se levantou e quis agarrar o braço do príncipe. 
Este, portanto, perdeu a paciência, agarrou o veneziano com seu pulso 
forte e atirou-o no chão rudemente. A casa toda pôs-se em movimen­
to. Ao ouvir o barulho, entrei precipitadamente e chamei o príncipe 
pelo nome sem querer. “Tenha cuidado, príncipe”, adicionei sem re­
fletir, “estamos em Veneza.” O nome do príncipe causou um silêncio 
geral, do qual emergiu um murmúrio que me pareceu perigoso. Todos 
os italianos presentes juntaram-se em montes e abriram caminho. Um 
seguido do outro deixou o salão até que nos encontrássemos a sós 
com o espanhol e com alguns franceses. “Estás perdido, senhor”, estes 
disseram, “se não deixares esta cidade imediatamente. O veneziano a
3. Pointeurera a designação dada ao jogador que detinha o turno na rodada. Caso 
se sentisse com sorte, podia clamar “va banque!". Caso fosse desafiado e tivesse 
as melhores cartas, levava todo o dinheiro da aposta.
4. Do italiano balardcr. pessoa estúpida, geralmente de origem campesina, recor­
rente na comedia delíarte.
O Aparicionista
quem trataste tão mal é um homem rico e de reputação — não lhe cus­
taria nem cinquenta sequins3 para fazê-lo desaparecer deste mundo.” 
O espanhol se ofereceu para chamar a guarda para garantir a segurança 
do príncipe e acompanhar-nos, pessoalmente, até nossa casa. Os fran­
ceses quiseram fazer o mesmo. Ainda estávamos ali pensando no que 
fazer quando a porta se abriu e alguns funcionários da Inquisição local 
adentraram. Eles nos mostraram uma ordem governamental que nos 
obrigava a segui-los rapidamente. Levaram-nos até o canal sob forte 
escolta. Ali nos esperava uma gôndola na qual devíamos tomar assento. 
Antes de embarcarmos, vendaram nossos olhos. Conduziram-nos por 
5. Sequim ou zequim: moeda ouro antiga.
30 FrIEDRICH SCHILLER
uma grande escadaria de pedra e, então, através de uma ampla e anfrac- 
tuosa passagem acima de galerias subterrâneas, algo que deduzi pelos 
múltiplos ecos que ressoavam abaixo de nossos pés. Por fim, chegamos 
a outra escada, que se estendia por vinte e seis degraus abaixo. Ali 
abria-se um salão onde retiraram as vendas de nossos olhos. Encontrá- 
vamo-nos em meio a um círculo de veneráveis anciões, todos trajados 
de preto. Panos negros guarneciam toda a sala parcamente iluminada; 
um silêncio de morte imperava em toda a assembléia, o que causava 
uma impressão horripilante. Um desses anciões, supostamente o inqui 
sidor local superior, aproximou-se do príncipe e, enquanto conduziam 
o veneziano até si, perguntou-lhe com um sorriso solene:
“Reconheceis este homem como aquele que vos insultou no café?” 
“Sim”, respondeu o príncipe.
Em seguida, o ancião voltou-se ao prisioneiro: “E esta a mesma 
pessoa que o senhor queria mandar matar hoje à noite?”.
O prisioneiro respondeu com um sim.
De pronto abriu-se o círculo, e com horror vimos a cabeça do 
veneziano ser separada do tronco. “O senhor está satisfeito com esse 
desagravo?”, o inquisidor questionou. — O príncipe estava sem sentidos 
nos braços de seus acompanhantes. - “Ide agora”, o ancião continuou, 
voltando-se para mim, com uma voz terrível, “e no futuro julgai a jus­
tiça de Veneza de modo menos precipitado.”
Não conseguimos descobrir quem foi o amigo oculto que nos 
salvara da morte certa pelo braço rápido da Justiça. Chegamos a nossos 
aposentos aterrorizados. Era meia-noite passada. O valet de chambre 
de Z** nos aguardava pacientemente junto à escada.
“Que bom que enviastes recado!”, ele disse ao príncipe enquanto 
nos iluminava. — “Uma notícia trazida pelo barão de F** diretamente 
da praça de São Marcos nos fez temer mortalmente por vossas vidas.”
“Eu mandei um recado? Quando? Não sei nada a respeito.”
“Hoje à noite, após as oito horas. Mandastes dizer que não nos 
O Aparicionista
preocupássemos caso chegásseis tarde em casa.”
Nesse ponto, o príncipe olhou para mim. “Talvez o senhor tenha 
tido o cuidado de fazê-lo sem meu conhecimento?”
Eu não sabia de nada.
“Assim deve ter sido,Vossa Alteza”, disse o valet de chambre —“aqui 
está o relógio que me enviastes por segurança.” O príncipe apalpou sua 
algibeira. O relógio realmente havia desaparecido, e ele reconheceu 
aquele como o seu. “Quem o trouxe?”, ele inquiriu, perturbado.
“Um mascarado desconhecido em roupas de armênio, que se dis­
tanciou imediatamente.”
Estacamos ali e nos entreolhamos. — “O que achas disso?”, disse o 
príncipe finalmente, após uma longa pausa. “Tenho um protetor ocul­
to aqui em Veneza.”
A cena terrível dessa noite provocou no príncipe uma febre que 
o forçou a ficar em seus aposentos por oito dias. Nessa época, nosso 
hotel se encheu de locais e estrangeiros atraídos pela posição oculta do 
príncipe. Cada um deles disputava para oferecer seus serviços, tentan­
do, à sua maneira, fazer-se valer. Todo aquele caso na Inquisição não 
voltou a ser mencionado. Considerando que a corte de ** queria adiar 
a partida do príncipe, alguns cambistas em Veneza tinham a instrução 
de prover-lhe uma soma considerável de dinheiro. Dessa forma, havia 
ele sido obrigado, contra sua vontade, a prolongar sua estadia na Itália. 
A seu pedido, decidi eu também adiar minha partida.
Assim que lhe foi possível deixar a cama, o médico o convenceu 
a fazer um passeio de barco pelo Brenta, de forma a mudar de ares. O 
tempo estava agradável e uma excursão era de bom grado. Quando 
estávamos prestes a embarcar na gôndola, o príncipe deu por falta da 
chave que abria uma pequena caixinha sua, onde guardava papéis de 
grande importância. Voltamos imediatamente para procurá-la. Ele se 
lembrou, com exatidão, de tê-la guardado um dia antes, e de não ter 
saído do quarto desde então. Mas toda nossa busca foi em vão; fomos 
32 Friedrich Schiller
obrigados a abandoná-la para não perder tempo. O príncipe, cuja alma 
se elevava acima de toda a suspeita, tomou a chave por perdida e pediu 
para não falarmos mais a respeito.
A jornada foi das mais agradáveis. Uma paisagem pitoresca, quea 
cada curva do rio parecia superar-se em riqueza e beleza - o céu mais 
límpido, que no meio de fevereiro reproduzia um dia de maio - jardins 
amáveis e incontáveis casinhas de campo de muito bom gosto ador­
nando ambas as margens do Brenta - atrás de nós, a Veneza majestosa, 
com cem torres e mastros brotando da água; tudo isso nos proveu com 
o espetáculo mais glorioso da Terra. Deixamo-nos tomar por com­
pleto pelo encanto dessa bela natureza; nossos humores estavam em seu 
ápice, e o próprio príncipe abandonou sua seriedade e passou a rivalizar 
conosco em nossas brincadeiras alegres. Uma música festiva vinha a nosso 
encontro quando, após algumas milhas italianas da cidade até o campo, 
desembarcamos. Ela vinha de um pequeno vilarejo onde uma feira anual 
ocorria; lá se encontrava todo tipo de gente. Uma trupe de jovens garo­
tas e garotos, todos vestidos teatralmente, deu-nos boas-vindas com uma 
dança pantomímica. Aquela era uma improvisação recente; leveza e graça 
animavam cada movimento. Antes que a dança chegasse ao fim definitivo, 
a própria diretora, que representava uma rainha, apareceu repentinamente, 
como se levada por um braço invisível. Ela e os outros se puseram de pé, 
exânimes. A música silenciou. Nem um só suspiro se deixava ouvir de toda 
a companhia, e lá estava ela com os olhos cravados no chão, num profundo 
torpor. De repente, voltou a si com um entusiasmo furioso, lançando um 
olhar selvagem ao seu redor—“Há um rei entre nós”, ela exclamou, arran­
cando a coroa de sua cabeça e jogando-se aos pés do príncipe. Todos que 
ali se encontravam dirigiram os olhos a ele, por algum tempo incertos se 
havia sentido nessa farsa, de tal modo tinham sido levados por aquela atriz 
com sua seriedade fingida. — Um bater de palmas generalizado, por fim, 
interrompeu esse silêncio. Meus olhos buscaram o príncipe. Notei que ele 
não estava pouco impressionado, esforçando-se para fugir dos olhares pers- 
O Aparicionista 33
crutadores dos espectadores. Então, jogou dinheiro para aquelas crianças e 
apressou-se para sair do meio da multidão.
Após darmos uns poucos passos, um venerável carmelita descalço 
enfiou-se através do povo e se pôs no caminho do príncipe.6 “Senhor”, 
o monge lhe disse, “dê de suas riquezas à Virgem Maria, pois necessita­
rás de suas preces.” Ele o disse com um tom que nos deixou envergo­
nhados. A turba arrebatou-o para longe dali.
6. Um carmelita descalço é um membro de uma antiga ordem monástica romana 
Ordo Carmelitarum Discalceatorum, fundada no final do século XVI.
7. 0 Conde de Saint-Germain, um dos místicos europeus mais célebres do século 
XVIII, era conhecido por trajar-se como oficial russo. Nos anos de composição d’0 
Aparicionista, Schiller e Goethe eram particularmente fascinados pela figura de 
outro charlatão, Alessandra di Cagliostro, um pupilo de Saint-Germain.
Entrementes, nosso séquito havia aumentado. Juntaram-se a nós 
um lorde inglês que o príncipe vira em Niza, alguns mercadores de 
Livorno, um cônego alemão, um abade francês com algumas damas, 
além de um oficial russo.7 A fisionomia do último deles tinha algo de 
incomum e que atraiu nossa atenção a si. Nunca em minha vida vi 
tantos traços e tão pouco caráter, uma benevolência tão insinuante e 
a uma frieza tão repulsiva coexistindo num só rosto humano. Todas as 
paixões pareciam revolver ali,para então voltarem a abandoná-lo. Nada 
restava senão o olhar calmo e penetrante de um perfeito conhecedor 
do espírito humano, um que afugentava todo o olhar que encontrasse. 
Esse estranho homem nos seguia de longe, ainda que parecesse tomar 
parte em tudo o que acontecia sem esmero.
Chegamos em frente a um barracão onde as pessoas apostavam 
na loteria. As damas entraram no jogo, e nós, os demais, seguimos seu 
exemplo; também o príncipe pediu um bilhete. Ele ganhou uma taba- 
queira. Conforme abriu a caixa, observei que ele se volveu pálido. — A 
chave estava lá dentro.
34 Friedrich Schiller
“O que é isso?”, disse-me o príncipe quando estávamos sós.“Uma 
força maior está me perseguindo. A onisciência paira a meu redor. Um 
ser invisível do qual não posso escapar assiste a cada um dos meus pas­
sos. Devo ir atrás do armênio e esclarecer as coisas com ele.”
O Sol propendia para o crepúsculo quando chegamos à casa de 
veraneio, na qual o jantar estava sendo servido. O nome do príncipe 
havia feito com que nossa comitiva aumentasse ao número de 16 pes­
soas. Além das já citadas, havia-se juntado a nós um virtuose de Roma, 
alguns suíços e um aventureiro de Palermo que trajava uniforme e 
tentava se passar por um capitão. Decidimos permanecer ali pelo resto 
da noite e, então, voltar para casa munidos de tochas. A conversa à mesa 
foi bastante animada, e o príncipe não pôde deixar de contar o caso da 
chave, que causou espanto geral. Discutiu-se apaixonadamente sobre 
tal assunto. A maioria dos convivas assumiu com audácia que todas 
essas artes ocultas eram obras de prestidigitadores. O abade, já cheio 
de vinho na cabeça, desafiou todo o reino dos espíritos a voltar a seus 
limites; o inglês soltou umas blasfêmias; o músico cingiu uma cruz 
contra o diabo. Poucos, entre os quais o príncipe se encontrava, eram 
da opinião de que não se devia precipitar a respeito dessas coisas. En­
quanto isso, o oficial russo conversava com as mulheres e parecia não 
prestar atenção a todo aquele falatório. No calor da discussão, ninguém 
notou que o siciliano havia partido. Passada meia horinha, ele estava de 
volta, envolto em um manto, e pôs-se atrás da cadeira do francês. “O 
senhor expressou há pouco a coragem de desafiar todos os espíritos — 
quer tentar lutar contra um só deles?”
“Fechado!”, o abade disse — “isso se o senhor se encarregar de 
trazê-lo aqui.”
“E o que farei”, o siciliano respondeu voltando-se para nós, “as­
sim que esses senhores e damas nos haverem deixado.”
“E por que isso?”, o inglês inquiriu. “Um espírito resoluto não 
teme um grupo animado.”
O Aparicionista 3
“Não me responsabilizo pelo que acontecerá”, o siciliano disse.
“Pelos céus! Não!”, as mulheres presentes na mesa exclamaram, 
levantando-se assustadas de seus assentos.
“Que venha seu espírito”, o abade disse desafiante. “Mas advir­
ta-o de antemão que aqui nossas armas são bem afiadas” (ao dizê-lo, 
pediu o punhal de um dos convidados).
“Quando for o momento, faça como lhe aprouver”, o siciliano 
respondeu com frieza, “se é que ainda tem vontade disso.” Neste ins­
tante, ele se voltou ao príncipe. “Clemente senhor”, disse-lhe,“afirmais 
ter encontrado vossa chave em mãos estranhas. Podeis supor nas mãos 
de quem?”
“Não.”
“Desconfiais de alguém?”
“Tive a impressão que...”
“Reconhecerieis a pessoa se ela viesse diante de vós?”
“Sem dúvida.”
Então o siciliano afastou seu manto e retirou um espelho, pondo-o 
ante aos olhos do príncipe.
“Seria este?”
O príncipe recuou aterrorizado.
“O que foi que vistes?”, perguntei.
“O armênio.”
O siciliano pôs a ocultar seu espelho de volta no manto. “Essa 
era a mesma pessoa em quem pensastes?”, a companhia perguntou ao 
príncipe.
“A própria.”
Com isso, todos os rostos se alteraram e as risadas cessaram. Todos 
miravam o siciliano com curiosidade.
“Monsieur abade, a coisa está ficando séria”, o inglês disse. “Acon­
selho que o senhor considere bater em retirada.”
“O camarada tem o diabo no corpo”, o francês gritou e preci­
36 Friedrich Schiller
pitou-se para fora da casa. As mulheres deixaram, aos gritos, o salão; o 
virtuose as seguiu; o cônego alemão roncava de seu banco, e o russo 
permaneceu sentado indiferente, como esteve até então.
“Talvez o senhor quisesse apenas expor aquele fanfarrão ao ri­
dículo”, o príncipe retomou, assim que todos se foram, “ou será que 
mantém a intenção de cumprir sua promessa para conosco?”
“E isso mesmo”, o siciliano disse. “Eu não estava falando sério 
com o abade; fiz aquela proposta só porque tinha plena certeza de que 
o covarde não seguiría sua palavra. — A coisa em si, aliás, é grave demais 
para ser reduzida a uma mera piada.”“Admite, então, que tem tais poderes?”
O feiticeiro calou por um longo tempo e pareceu examinar o 
príncipe diligentemente com os olhos.
“Sim”, por fim respondeu.
A curiosidade do príncipe logo atingira seu mais alto grau de 
tensão. Estabelecer contato com o mundo dos espíritos era sua paixão 
preferida, e desde a primeira aparição do armênio, todas aquelas idéias 
que sua razão mais madura havia posto de lado o revisitaram. Ele se 
juntou ao siciliano num canto, e escutei-o negociar com o homem 
muito insistentemente.
“A sua frente tens um homem”, ele continuou, “que arde de im­
paciência para adquirir alguma convicção nesses importantes assuntos. 
Eu seria capaz de o abraçar como meu benfeitor, como um melhor 
amigo que dissipou minhas dúvidas e retirou a venda de meus olhos - 
não queres me prestar esse enorme serviço?”
“O que requereis de mim?”, disse o feiticeiro, pensativo.
“Por ora, só uma prova de tuas artes. Deixa-me ver uma aparição.”
“Aonde isso nos levaria?”
“Assim, conhecendo-me mais de perto, poderás julgar se sou dig­
no de seus ensinamentos superiores.”
“Tenho-vos a maior estima, honrado príncipe. Uma força oculta 
O Aparicionista
lie vossa presença, que a própria alteza desconheceis, ligou-me a vós 
desde o primeiro instante. Sois mais poderoso do que tendes noção. 
I hsponho todo meu poder a vós, sem restrições... embora...”
“Então deixa-me ver uma aparição.”
“Antes tenho de ter certeza de que vós não estais fazendo tal pe­
dido por curiosidade por minha pessoa. Ainda que as forças invisíveis 
me obedeçam em certa medida, é sob uma condição sagrada que eu 
não profane os sagrados mistérios, que não abuse de meu poder.”
“Minhas intenções são as mais puras. Quero a verdade.”
Com isso, deixaram o local onde se encontravam e foram até uma 
janela afastada, onde não podia mais escutá-los. O inglês, que também 
havia ouvido a conversa, puxou-me de lado.
“Teu príncipe é um homem muito nobre. E de se lamentar que 
esteja se misturando a um vigarista.”
“Tudo depende”, eu disse, “de como ele se sair do acordo.”
“Queres saber?”, o inglês retrucou, “agora o pobre diabo vai fa- 
zer-se caro. Ele não tirará suas artes da cartola até ouvir as moedas 
tilintando. Há nove dos nossos. Façamos uma coleta e levemo-nos uma 
grande quantia para que se sinta tentado. Assim ele dará o braço a tor­
cer e isso abrirá os olhos do príncipe.”
“De acordo.”
O inglês jogou seis guinéus num prato e o passou adiante. Cada 
um deu um louis d’or. Ao russo, nossa proposta pareceu ter interesse 
particular; ele pós uma nota bancária de cem sequins no prato - um 
esbanjamento que espantou o inglês. Levamos a soma ao príncipe.“Te- 
nha a bondade”, o inglês disse,“de ser intermediário entre esse homem 
e nós, de forma que ele nos dê mostras de sua arte e aceite esta peque­
na mostra de nosso reconhecimento.” O príncipe ainda pôs um anel 
valioso sobre o prato e entregou-o ao siciliano. Este refletiu por alguns 
segundos. — “Meus senhores e benfeitores”, ele retomou, “tal gene­
rosidade me deixa desconcertado. - Parece que me tomais por outra
38 Fltll.1 >■<■< 11 S< IIII IHH
pessoa — mas atenderei vossa vontade. Vosso desejo será concedido” (e 
tocou um sino). “No que diz respeito a este ouro, ao qual não tenho 
qualquer direito, permiti-me depositá-lo no mosteiro beneditino mais 
próximo para as obras de caridade. Este anel conservarei como um 
amuleto estimado que deverá me lembrar do mais digno dos prínci­
pes.”
Então veio o estalajadeiro, a quem o homem entregou o dinheiro 
prontamente.
“Além de tudo, é um canalha”, o inglês sussurrou em meu 
ouvido.“Ele recusa o dinheiro pois agora o príncipe lhe interessa mais.”
“Ou o estalajadeiro está de conchavo com ele”, disse outro.
“Quem desejais ver?”, o feiticeiro então perguntou ao príncipe.
O príncipe refletiu por um instante. - “De preferência um ho­
mem prominente”, exclamou o lorde. “Peça o papa Ganganelli.8 Isso 
custará muito pouco ao senhor.”
8. Na época, o Papa Clemente XIV foi o único monge franciscano no Colégio dos 
Cardeais. Foi peça fundamental para a supressão da Companhia de Jesus.
9. Trata-se aqui de uma figura histórica. Schiller já havia escrito sobre o marquês 
de Lanoy em uma de suas obras de historiografia (Geschichte desAbfaHs der ve­
rei nigten Niederiande von der spanischen Regierung, 1788).
O siciliano mordeu os lábios. — “Não tenho permissão de invocar 
ninguém que assumiu o hábito.”
“Tanto pior”, disse o inglês. “Seria possível descobrir de qual 
doença ele morreu.”
“O marquês de Lanoy”,9 o príncipe então tomou a palavra, “foi 
um brigadeiro francês da última guerra e meu mais fiel amigo. Na 
batalha de Hastinbeck, ele recebeu uma ferida mortal; levaram-no até 
minha tenda, onde logo morreu em meus braços. Já à beira da morte, 
pediu que eu me acercasse.‘Príncipe’, ele começou a dizer,‘não volta­
rei a minha terra natal. Assim, ouvi um segredo para o qual ninguém, 
O Aparicionista 3!
exceto eu, tem a chave. Num convento junto à fronteira de Flandres 
vive uma...’, e nesse momento expirou. A mão da morte rompeu o fio 
de seu discurso; eu gostaria de tê-lo aqui para ouvir a continuação.”
“Isso já é pedir demais, por Deus!”, o inglês exclamou. “Eu te 
declararei um segundo rei Salomão se solucionares essa tarefa.”
Surpreendemo-nos com a escolha espirituosa do príncipe e o 
aplaudimos unanimemente. Entrementes, o feiticeiro andava a passos 
firmes de um lado para o outro, parecendo relutar consigo, indeciso.
“E isso foi tudo o que o defunto tinha para deixar-vos?”
“Tudo.”
“Não fizestes mais investigações a respeito em sua terra natal?”
“Foram todas em vão.”
“A vida que o marquês de Lanoy levou foi irrepreensível? — Não 
posso convocar quaisquer mortos.”
“Ele morreu arrependido dos excessos de sua juventude.”
“Levais convosco alguma lembrança sua?”
“Por certo.” (O príncipe de fato levava uma tabaqueira na qual 
estava um retrato esmaltado em miniatura do marquês; durante o ban­
quete, ele o deixara à mostra, ao seu lado.)
“Não preciso saber de mais nada... Deixai-me a sós. Heis de ver 
o defunto.”
Ele então pediu que nos removéssemos para o outro pavilhão 
até que nos chamasse. Ao mesmo tempo, solicitou que tirassem todos 
os móveis do salão, subissem as janelas e fechassem as persianas com a 
maior meticulosidade. Ao estalajadeiro, que já parecia ter sua confian­
ça, ordenou que trouxesse um recipiente com carvões incandescentes 
e apagasse todos os lumes acesos da casa com água, cuidadosamente. 
Antes de partirmos, pediu a cada um de nós palavra de honra que 
observaríamos um silêncio eterno em relação ao que veriamos e es­
cutaríamos. Todos os aposentos às nossas costas, nesse pavilhão, foram 
trancados à chave.
40 Friedrich Schiller
Já eram onze horas passadas, e um silêncio profundo reinava por 
toda a casa. Ao que saíamos, o russo questionou se tínhamos pistolas 
carregadas conosco. “Para quê?”, eu disse. “Se for o caso de termos de 
usá-las”, respondeu. “Espere um instante; vou verificar.” Ele então se 
afastou. O barão de F** e eu abrimos a janela que dava para o ou­
tro pavilhão. Pensamos ter ouvido duas pessoas sussurrando entre si e 
um barulho de alguém encostando uma escada. Aquilo, porém, era só 
uma suposição, e eu não me atrevo em tratá-la como verdadeira. O 
russo voltou com um par de pistolas após ter se ausentado por meia 
hora. Nós o vimos carregá-las bem. Eram quase duas horas quando o 
feiticeiro voltou a aparecer e afirmou que aquele era o momento. Na 
entrada, foi-nos ordenado que tirássemos os sapatos e ficássemos em 
mangas de camisa, meias e roupas interiores. Atrás de nós, como da 
primeira vez, aferrolharam a porta.
Ao voltar os olhos para o salão, encontramos um grande círculo 
traçado a carvão, dentro do qual todos os presentes, dez ao todo, cabiam 
confortavelmente. Ao seu redor, junto a todas as quatro paredes do apo­
sento, as tábuas foram levantadas, de forma que estávamos como que 
ilhados. Um altar, coberto por um lenço negro, erguia-se no meio do 
círculo; abaixo dele,estendia-se um tapete de cetim vermelho. Sobre o 
altar, uma Bíblia caldeia estava aberta junto a um crânio, e um crucifixo 
de prata fora ali fixado. Em vez de velas, o álcool ardia num recipiente 
de prata. Uma fumaça densa de olíbano obscurecia a sala quase a ponto 
de abafar a luz. O conjurador estava semidespido como nós, mas descal­
ço; no pescoço nu trazia um amuleto preso a uma corrente de cabelo 
humano; na cintura, tinha preso um avental branco marcado com cifras 
secretas e figurações simbólicas. Pediu para que déssemos as mãos e ob­
servássemos em silêncio profundo; recomendou, preferencialmente, que 
não fizéssemos nenhuma pergunta à aparição. Ao inglês e a mim (contra 
quem ele parecia nutrir a maior desconfiança), pediu que segurássemos 
dois punhais desembainhados e cruzados, uma polegada acima de sua
O Aparicionista
altura, enquanto a ação durasse. Ficamos em meia-lua ao redor dele. O 
oficial russo se apertou contra o inglês e, então, pôs-se junto ao altar. 
Com a face voltada ao sol nascente, o feiticeiro se colocou sobre o ta­
pete, aspergiu água benta para os quatro pontos cardinais e inclinou-se 
três vezes perante a Bíblia. A invocação durou meio quarto de hora, c 
dela não entendemos nada; no final desta, ele fez um sinal para que as 
pessoas imediatamente atrás de si agarrassem firmemente seus cabelos. 
Entre as mais violentas convulsões, ele chamou o morto três vezes pelo 
nome. Na terceira vez, estendeu a mão até o crucifixo. —
De repente, todos sentimos, simultaneamente, um golpe como 
o de um relâmpago que nos fez soltar as mãos. Um trovão súbito 
estremeceu a casa, todas as fechaduras rangeram, todas as portas bate­
ram juntas. A tampa da lamparina caiu, a luz extinguiu-se e, na parede 
oposta, sobre a chaminé, uma figura humana em camisa ensanguentada 
e rosto cadavérico surgiu.
“Quem me chama?”, disse uma voz rouca, que mal se podia es­
cutar.
“Teu amigo”, o conjurador respondeu,“que honra tua memória e 
reza por tua alma.” Em seguida, mencionou o nome do príncipe.
As respostas sempre se sucediam após intervalos muito extensos.
“O que ele deseja?”, a voz continuou.
“Escutar tua confissão até o fim, aquela que começaste neste 
mundo e não concluiras.”
“Em um convento na fronteira de Flandres vive...”
Então, a casa voltou a estremecer. As portas se abriram voluntaria­
mente sob um violento ribombar de trovões. Um relâmpago acendeu 
o aposento e outra forma corpórea, ensanguentada e pálida como a an­
terior, mas ainda mais terrível, apareceu no umbral. O álcool começou 
a queimar sozinho, e o salão se iluminou como outrora.
“Quem está entre nós?”, o feiticeiro inquiriu aterrorizado, lan­
çando um olhar de pavor pela assembléia. “A ti não quis aqui.”
O Aparicionista
A figura dirigiu-se diretamente ao altar com passos majestosos, 
suaves. Pôs-se sobre o tapete contra nós e agarrou o crucifixo. Não era 
possível mais ver o primeiro vulto.
“Quem me chamai”, disse a segunda aparição. O feiticeiro come­
çou a estremecer violentamente. Horror e assombro nos enlaçaram. 
Alcancei uma pistola, que o feiticeiro arrancou de minha mão e dis­
parou contra a figura. A bala rolou lentamente pelo altar, e a tal figura 
saiu, inabalada, da fumaça. Então o feiticeiro caiu desmaiado.
“O que foi isso?”, o inglês bradou cheio de espanto, e quis partir 
para cima dela com seu punhal. A figura tocou seu braço e a lâmina 
caiu no chão. Nesse momento, o suor escorreu por minha testa. Mais 
tarde, o barão F** confessou ter rezado naquela hora. Por todo esse 
tempo, o príncipe se manteve impassível e tranquilo, com os olhos 
cravados na aparição.
“Sim! Eu te reconheço”, ele finalmente exclamou cheio de co­
moção, “és Lanoy, és o meu amigo... De onde estás vindo?”
“A eternidade é muda. Perguntai-me sobre a vida passada.”
“Quem vive no convento que mencionaste?”
“Minha filha.”
“Como assim? Foste pai?”
“Ai de mim que o tenha sido pouco demais!”
“Não estás feliz, Lanoy?”
“Deus fez Seu julgamento.”
“Posso prestar-te ainda algum serviço deste mundo?”
“Nenhum além de pensar em ti mesmo.”
“Como isso?”
“Descobrirás como em Roma.”
Daí seguiu-se outro trovão — uma nuvem de fumaça negra en­
cheu o aposento. Uma vez que se dissipou, não encontramos mais 
qualquer figura. Empurrei uma das folhas da janela. Já era manhã.
Só então o feiticeiro saiu de seu aturdimento. “Onde estamos?”, 
44 Friedrich Schiller
exclamou ao divisar a luz do dia. O oficial russo estava bem atrás dele, 
e olhou por sobre seus ombros. “Ilusionista”, este mirou-o com um 
olhar tenebroso,“não invocarás mais nenhum espírito”
O siciliano virou-se, encarou o outro bem no rosto, deixou esca­
par um berro e caiu no chão.
Então, todos olhamos, ao mesmo tempo, para o suposto russo. O 
príncipe reconheceu nele, sem grande esforço, os traços de seu armê­
nio, e a palavra que queria balbuciar ficou presa em sua garganta. O 
espanto e a surpresa praticamente petrificaram a todos nós. Mudos e 
imóveis, tínhamos os olhos fixos naquela criatura misteriosa que nos 
transpassava com um olhar de força pacata e grandeza. O silêncio du­
rou um minuto - e então mais outro. A companhia não soltou um 
único suspiro.
Algumas fortes batidas na porta nos devolveu a nós mesmos. A 
porta desabou, despedaçada, salão adentro e então irromperam os 
oficiais de justiça, acompanhados de escolta. “Aqui encontramo-nos, 
e ainda por cima reunidos!”, exclamou o capitão, voltando-se a seus 
acólitos. “Em nome do governo”, ele exclamou para nós, “estou 
prendendo-os.” Não tivemos muito tempo para refletir; em poucos 
instantes estávamos cercados. O oficial russo, que agora eu volto a 
chamar de armênio, tomou o capitão da patrulha de lado e, até onde 
aquela confusão me permitiu, pude discernir que ele disse algumas 
palavras em segredo em seu ouvido, mostrando algo por escrito. As­
sim que o deixou, o comendador dirigiu-se até nós com silenciosa e 
respeitosa reverência, retirando seu chapéu. “Perdoe-me, meus senho­
res”, ele disse, “que os confundi com esse impostor. Não questionarei 
quem são os cavalheiros — este senhor me assegurou que tenho perante 
mim homens de honra.” Simultaneamente ele acenou para que seu 
acompanhante nos deixasse. Então, ordenou que vigiassem e atassem o 
siciliano. “A hora desse velhaco já passou”, adicionou. “Já faz sete meses 
que estamos atrás dele.”
O Aparicionista
Aquele pobre homem era de fato um objeto lamentável. O susto 
terrível da segunda aparição e esta batida inesperada haviam sobrecar­
regado suas faculdades mentais. Ele permitiu que o prendessem como 
se fosse uma criança; os olhos escancarados, o rosto como o de um 
cadáver, além dos lábios tremendo em calmas comoções, sem soltar um 
único ruído. Esperávamos um surto de convulsões a qualquer momen­
to. O príncipe sentiu compaixão com sua situação e buscou influir em 
sua soltura junto ao comendador, a quem se deu a conhecer.
“Caro senhor”, este disse, “sabeis também quem é o homem por 
quem intercedes tão generosamente? A peça que ele achou pregar em 
vós é o menor de seus crimes. Já temos um cúmplice dele, que depôs 
as coisas mais terríveis. Ele pode dar-se por satisfeito caso seja enviado 
às galés.”
Entrementes, vimos que o estalajadeiro, juntamente de outros 
criados da casa, estavam sendo conduzidos até o pátio, atados por cor­
das. “Ele também?”, o príncipe inquiriu. “Que culpa tem esse?” —“Era 
ele o comparsa do outro e quem o encobria”, o comendador respon­
deu, “quem ajudou em seus truques de mágica e roubalheiras, e com 
quem aquele dividia sua espoliação. Disso devereis logo se convencer, 
honrado senhor” (dirigiu-se aqui a seus parceiros). “Vasculharemos 
toda a casa e traremos as novidades que forem encontradas.”
Então o príncipe procurou pelo armênio, mas este não estava mais 
ali. Em toda a confusão trazida por essa batida, ele encontrou meios 
para se distanciar inadvertidamente. O príncipe estava desconsolado; 
logo quis mandar chamar sua gente. Ele próprio quis ir atrás do ho­
mem e arrastá-lo consigo. Corri para junto dajanela; a casa estava 
rodeada por curiosos em função dos boatos sobre tal ocorrência. Era 
impossível passar por aquela multidão. Propus o seguinte para o prín­
cipe: “Caso esse armênio queira se esconder, não há dúvida alguma 
de que conhece melhor que nós as artimanhas para tal, e que todas as 
nossas investigações serão em vão. E melhor que permaneçamos aqui, 
46 Friedrich Schiller
honrado príncipe. Talvez o comendador possa nos dizer algo mais es­
pecífico sobre ele, algo que, se não entendi errado, já foi descoberto 
anteriormente.”
Só então nos demos conta de que ainda estávamos semidespidos. 
Corremos até nossos aposentos e colocamos nossas roupas com rapi­
dez. Quando voltamos, a busca pela casa havia acabado.
Quando o altar foi desmontado e as tábuas do salão levantadas, 
descobriu-se uma arcada espaçosa, onde uma pessoa podia se sentar 
comodamente, provisionada de uma porta que dava para uma escada 
estreita ligada até o porão. Nessa arcada, foram encontradas máquinas 
elétricas, um relógio e um pequeno sino de prata, o qual, junto da má­
quina, estavam ligados ao altar e com o crucifixo ali posto. Uma folha 
da janela, que dava para a chaminé, fora quebrada em duas e munida de 
um fecho para, como depois viemos a saber, adaptar uma lanterna má­
gica à sua abertura, da qual uma imagem fora projetada contra a parede 
acima da chaminé. Trouxeram, do sótão e do porão, diversos tambores 
juntos aos quais grandes esferas de chumbo estavam presas por cordões, 
possivelmente capazes de reproduzir o ruído de trovão que havíamos 
escutado. Vasculhando as roupas do siciliano, encontraram-se diversos 
pós em um estojo, como mercúrio vivo em redomas e latas, fósforo 
em uma garrafa de vidro, um anel que logo notamos ter um ímã, já 
que se prendeu a um botão de ferro a ele aproximado. Nos bolsos do 
manto havia um rosário, uma barba de judeu, tercerolas e um punhal. 
“Vejamos se estão carregadas!”, disse um dos guardas, tomando uma 
das tercerolas e atirando contra a lareira. “Jesus e Maria!”, exclamou 
uma voz humana grossa, a mesma que ouvimos na primeira aparição — 
e no mesmo instante vimos um corpo ensanguentado cair da abertura 
da chaminé. — “Ainda não está descansando, pobre espírito?”, o inglês 
disse enquanto nós que restamos nos afastamos,apavorados. “Volte para 
casa, para seu túmulo. Antes você apareceu como o que de fato não era; 
agora será aquilo que tentou parecer ser.”
O Aparicionista
“Jesus e Maria! Estou ferido”, o homem da chaminé voltou a di­
zer. A bala havia dilacerado sua perna direita. Cuidamos de pronto para 
que a ferida fosse atada.
“Mas quem é você, e que espírito maligno o trouxe aqui?”
“Um pobre franciscano”, respondeu o ferido.“Um senhor estran­
geiro me ofereceu um sequim para que eu...”
“Para que recitasse uma fórmula? E porque não foi embora de 
uma vez?”
“Ele me daria um sinal para eu ir adiante, mas o sinal não foi dado; 
quando eu quis sair, tinham tirado a escada.”
“E como é a fórmula que ele lhe havia ensinado?”
Nesse momento, o homem caiu desmaiado, e nada foi capaz de 
trazê-lo de volta. Quando o observamos de perto, reconhecemos como 
o mesmo que, na noite anterior, pôs-se no caminho do príncipe e o 
abordou tão cerimoniosamente.
Nesse meio-tempo, o príncipe se dirigiu ao capitão da guarda.
“O senhor nos...”, ele disse, enquanto punha algumas moedas de 
ouro em sua mão, “o senhor nos salvou das garras de um vigarista e, 
sem nos conhecer, fez-nos justiça. Queria agora completar nosso dever 
para consigo pedindo que nos revele quem era o desconhecido que, 
com só algumas poucas palavras, pôs-nos todos em liberdade.”
“A quem vos referis?”, o capitão da guarda perguntou com um 
rosto que mostrava, claramente, quão desnecessária era tal pergunta.
“Refiro-me ao cavalheiro de uniforme russo que há pouco to­
mou o senhor de lado, mostrou algo por escrito e disse-te algumas 
palavras no ouvido, após as quais nos soltaste imediatamente.”
“Vós também não conheceis esse senhor?”, o comendador ques­
tionou. “Ele não era parte de vosso círculo?”
“Não”, disse o príncipe, “e por motivos muito importantes dese­
jaria conhecê-lo melhor.”
“Eu tampouco o conheço bem”, observou o comendador. “Seu 
48 Friedrich Schiller
próprio nome me é desconhecido, e hoje foi a primeira vez em que o 
vi na vida.”
“Como, em tão pouco tempo, com algumas palavras, ele pode 
exercer sobre ti tanto poder, fazendo-te declarar sua própria inocência 
e a de todos nós?”
“Na verdade, com uma só palavra.”
“E ela foi...? — Confesso que gostaria de sabê-la.”
“O tal desconhecido, sua excelência”, — disse enquanto sopesava 
os sequins em sua mão — “foi generoso demais comigo para que eu 
mantenha segredo por mais tempo — ele era um oficial da Inquisição 
local.”
“Inquisição! - Esse! —”
“Nada menos que isso, clemente senhor — e fui convencido de tal 
mediante o documento que ele apresentou.”
“Aquele homem, dizes? Não é possível.”
“Gostaria de vos dizer ainda algo mais, clemente senhor. Foi pre­
cisamente ele a pessoa cuja denúncia me atraiu aqui para prender o 
invocador de espíritos.”
Entreolhamo-nos com um espanto ainda maior.
“Agora sabemos”, o inglês exclamou por fim, “o porquê de o po­
bre diabo do conjurador ter se comportado com tanto horror quando 
o encarou frente a frente. Ele o reconheceu como um espião, e por isso 
deu aquele grito, jogando-se a seus pés.”
“De modo algum”, o príncipe disse. “O homem é tudo o que 
quiser, e tudo o que o momento exigir que seja. Nenhum mortal 
jamais soube o que ele de fato é. Os senhores viram como o siciliano 
desfaleceu quando aquele lhe gritou no ouvido: ‘Não invocarás mais 
nenhum espírito!’ Há muito mais por trás disso. Ninguém me con­
vencerá que alguém possa se assustar daquela maneira perante algo 
humano.”
“Ninguém melhor que o próprio feiticeiro para nos esclarecer 
O Aparicionista
a esse respeito”, o lorde disse, “se este cavalheiro aqui (yoltando-se ao 
comendador) nos conceder uma oportunidade de falar com seu prisio­
neiro.”
O capitão da guarda nos prometeu fazê-lo, e combinamos com o 
inglês de visitá-lo já na manhã seguinte. Então tomamos nosso cami­
nho de volta para Veneza.
Bem de manhãzinha, lorde Seymour estava ali (tal era o nome do 
inglês). Logo depois, apareceu uma pessoa de confiança que o funcio­
nário do tribunal enviara para nos guiar até a prisão. Esqueci de contar 
que o príncipe já tinha, há dias, dado pela falta de um de seus montei- 
ros, um natural de Bremen, que o servira fielmente por muitos anos 
e que tinha toda sua confiança. Ninguém sabia se ele havia sofrido 
um acidente, sido assaltado ou ainda fugido. Não havia qualquer razão 
plausível para a última possibilidade, já que ele sempre havia sido uma 
pessoa calma e ordeira, e nunca se encontrou algo repreensível em si. 
Tudo de que seus camaradas podiam se lembrar era que, nos últimos 
tempos, estava muito melancólico, e que sempre que encontrava um 
momento que fosse a sós, visitava um tal mosteiro minorita em Giu- 
decca, onde frequentemente travava contato com alguns irmãos. Isso 
nos fez achar que ele talvez tivesse caído nas garras dos monges e se 
tornado católico. Além disso,já que o príncipe antes se mostrava muito 
indiferente a esse respeito, acabou deixando o assunto para lá depois de 
algumas investigações infrutíferas. No entanto, sofreu com a perda des­
se homem, que sempre esteve a seu lado em suas campanhas, sempre 
lhe fora fiel e não poderia ser facilmente substituído num país estran­
geiro. Justo nesse dia, quando estávamos prestes a partir, o banqueiro do 
príncipe foi chamado e encarregado de procurar-lhe um novo servo. 
Ele apresentou ao príncipe um indivíduo de meia-idade, bem pro­
porcionado e bem vestido, que esteve a serviço de um procurador por 
muitos anos na função de secretário, falava francês e algo de alemão, 
e ainda por cima era dotado das melhores referências. Sua fisionomia 
50 Friedrich Schiller
agradou, e, por declarar que seu ordenado dependería da satisfação do 
príncipe com seus serviços,este o admitiu sem mais delongas.
Encontramos o siciliano em uma prisão privada, aonde ele tinha 
sido levado provisoriamente em prol do príncipe (como disse o fun­
cionário) antes de ser posto nos Piombi, aos quais o acesso era vetado. 
Os Piombi são a prisão mais aterrorizante de Veneza, sob o telhado do 
palácio de São Marcos, onde os criminosos miseráveis têm de sofrer 
o calor tórrido do sol que se acumula na superfície de chumbo, indo 
muitas vezes à loucura. O siciliano havia se recobrado do incidente 
do dia anterior e levantou-se de modo respeitoso assim que avistou o 
príncipe. Não fosse por uma perna e uma mão atadas, ele teria podido 
caminhar pelo aposento livremente. Com nossa entrada, o carcereiro 
afastou-se da porta.
“Eu venho”, disse o príncipe, assim que tomamos nossos lugares, 
“exigir de ti um esclarecimento a respeito de dois pontos. Deves-me 
explicação a respeito de um deles, e não te fará mal algum satisfazer- 
-me a respeito do outro.”
“Já fiz minha parte”, o siciliano retrucou. “Meu destino está em 
vossas mãos.”
“Só tua sinceridade”, retrucou o príncipe, “poderá torná-lo mais 
leve.”
“Perguntai, clemente senhor. Estou pronto para responder, pois 
nada tenho a perder.”
“Fizeste-me ver o rosto do armênio em teu espelho. Como con­
seguiste isso?”
“Não foi um espelho o que vistes. Uma mera pintura pastel por 
trás de um vidro que representava um homem em vestimentas armê­
nias vos enganastes. A minha rapidez, o crepúsculo e vosso espanto 
contribuíram para esse truque. O retrato será encontrado entre as coi­
sas restantes que confiscaram na estalagem.”
“Mas como pudeste conhecer tão bem meus pensamentos e adi-
O Aparicionista
vinhar precisamente que era o armênio?”
“Isso não foi nada difícil, clemente senhor. Sem dúvida falastes 
muitas vezes na presença de vossos criados sobre o acontecimento que 
se passou entre vós e o tal armênio. Um dos meus homens conheceu 
um monteiro a seu serviço, por acaso, em Giudecca, de quem conse­
guiu obter tudo aquilo que me era necessário saber.”
“Onde está esse monteiro?”, o príncipe perguntou. “Sinto falta 
dele e certamente sabes algo sobre seu sumiço.”
“Juro perante vós não saber absolutamente nada a respeito, cle­
mente senhor. Eu mesmo nunca o vi, e nunca nutri qualquer outra 
intenção para com ele além daquela que vos informei.”
“Continua”, o príncipe disse.
“Foi por esse meio, aliás, que recebi a primeira notícia de vossa 
estadia e vossa experiência em Veneza, e logo decidi me aproveitar 
disso. Vedes, clemente senhor, que sou sincero. Eu conhecia vossa in­
tenção de fazer um passeio pelo Brenta; atento ao fato, tive a primeira 
oportunidade de pôr em prática minhas artes ao ver uma chave que 
deixastes cair.”
“Como assim? Então foi assim que me enganaste? O truque da 
chave foi obra tua e não do armênio? Da chave, como disseste, que eu 
deixei cair?”
“Quando puxastes vossa bolsa — e encontrei o momento certo em 
que ninguém estava observando para tapá-la rapidamente com meu 
pé. A pessoa que vos fez ganhar o prêmio da loteria estava de conluio 
comigo. Ela permitiu que tirásseis de um saco o bilhete onde não havia 
bilhetes em branco, e a chave estava há tempos na caixa, antes que fosse 
ganha por vós.”
“Agora compreendo. E o monge beneditino que se atirou a meus 
pés e me abordou com tanta cerimônia?”
“Era o mesmo que, como me contaram, foi retirado da lareira ma­
chucado. Ele era um de meus comparsas, que já prestou bons serviços 
sob aquele disfarce.”
“Mas com que objetivo fizeste tudo aquilo?”
“Para fazer com que refletisseis — para preparar-vos para um es­
tado de espírito que vos tornásseis aberto para o maravilhoso que eu 
tinha em mente para vós.”
“Mas a dança pantomímica, com uma virada tão estranha e sur­
O Aparicionista
preendente — essa pelo menos não foi de tua invenção, foi?”
“A garota que representava a rainha foi instruída por mim, e todo 
seu papel foi obra minha. Supus que vossa alteza estranharia, e não 
pouco, ser reconhecido neste lugar, e, perdoai-me, clemente senhor, 
mas a aventura com o armênio me nutriu a esperança de que já esta­
rieis inclinado a desprezar interpretações naturais e seguir o rasto das 
fontes elevadas do sobrenatural.”
“De fato”, o príncipe exclamou com uma expressão tanto de des­
gosto, quanto de surpresa, ao mesmo tempo em que lançava a mim um 
olhar significativo. “De fato”, ele exclamou, “eu não esperava coisa tal.”
“Contudo”, ele continuou após um longo silêncio, “como fizeste 
aparecer a figura na parede, acima da lareira?”
“Por meio de uma lanterna mágica trazida à folha oposta da jane­
la, onde também tereis notado uma abertura.”
“Pois então como ninguém dentre nós se deu conta disso?”, lorde 
Seymour questionou.
“Lembrai-vos, honrado senhor, que, quando regressastes, uma fu­
maça espessa obscurecia toda a sala. Ao mesmo tempo tive o cuidado 
de encostar as tábuas que foram retiradas junto à janela na qual a lan­
terna mágica foi posta. Com isso, impedi que a folha da janela não 
ficasse às vossas vistas. Aliás, a lanterna também ficou escondida até 
que todos os senhores tomassem seus lugares e não fosse preciso mais 
se preocupar com qualquer investigação no aposento de vossa parte.”
“Tive a impressão”, adicionei, “de ter ouvido nas cercanias do 
salão alguém encostar uma escada, assim que olhei janela afora, para o 
outro pavilhão. Foi este o caso?”
“Certamente. Foi pela mesma escada que meu ajudante subiu até 
a tal janela, a fim de controlar a lanterna mágica.”
“A figura”, continuou o príncipe, “tinha, de fato, uma semelhança 
fugaz com meu falecido amigo; achei isso, sobretudo, pois era loira. Foi 
isso um mero acaso ou a trouxeste de algum lugar?”
54 I'riidhich Schiller
“Vossa Alteza recordará que tinha, acima da mesa à sua frente, uma 
caixa com um retrato em esmalte de um oficial trajando o uniforme 
de **. Questionei se não trazia qualquer lembrança de vosso amigo. 
A isso, respondestes como um sim; daí, concluí que talvez se tratasse 
daquela caixa. Eu tinha prestado muita atenção na imagem sobre a 
mesa, e por ter bastante prática em desenho, além de levar jeito para 
isso, foi fácil prover ao retrato a semelhança fugaz que notastes. Ainda 
mais porque os traços do rosto do marquês saltam bastante à vista.”
“Mas a figura parecia mover-se, ainda por cima —”
“E o que parecia — embora não fosse a figura, mas a fumaça que 
se movia, iluminada por sua aparição.”
“E o indivíduo que caiu da chaminé é também o responsável pela 
aparição?”
“Justamente.”
“Mas ele não seria capaz de ouvir as perguntas.”
“Não era preciso. Lembrai, honrado príncipe, que vos proibi com 
o maior rigor de dirigir qualquer pergunta ao fantasma. O que eu per­
guntaria e ele deveria me responder fora combinado; assim, para que 
não houvesse contratempos, pedi-lhe que fizesse grandes pausas com 
base nas batidas do relógio.”
“Deste a ordem ao estalajadeiro para que apagasse cuidadosamen­
te com água todos os lumes da casa; isso, sem dúvida, ocorreu...”
“Para livrar meu homem na lareira do perigo de sufocar, já que 
as chaminés da casa se interligam entre si e eu não sabia se ele estava 
totalmente seguro da fumaça de vossos aposentos.”
“Mas como foi que”, questionou o lorde Seymour, “teu espírito 
não estava lá nem antes nem depois de precisares dele?”
“Meu espírito já estava no aposento há um bom tempo antes de 
eu mencioná-lo; mas enquanto o álcool ardia não era possível enxergar 
sua aparência baça. Quando minha fórmula de invocação terminou, 
deixei cair o recipiente onde o álcool flamejava. Assim fez-se noite no 
O Aparicionista
salão, e só então notou-se na parede a figura há muito ali refletida.”
“Mas justamente no momento em que o espírito apareceu senti­
mos todos uma descarga elétrica. Como provocaste isso?”
“Descobristes a máquina sob o altar. Vistes também que eu es­
tava sobre um tapete de seda. Mandei que formassem uma meia-lua 
e dessem as mãos uns aos outros; quando chegou a hora, fiz um sinal 
para um de vós agarrar meus cabelos.O crucifixo foi o condutor, e vós 
sentistes a descarga assim que vos toquei com a mão.”
“Ordenaste-nos, ao conde de O** e a mim”, disse o lorde Sey- 
mour, “que erguéssemos dois punhais cruzados sobre tua cabeça pelo 
tanto que durasse a invocação. Para que foi isso, então?”
“Para nada além de vos manter ocupados, em quem eu menos 
confiava, enquanto preparava todo o ato. Relembreis-vos que especi- 
fiquei expressamente que fosse à distância de uma polegada; pelo fato 
de terdes sempre de prestar atenção nessa distância, fostes impedidos de 
voltar os olhares para onde eu não gostaria que eles fossem dirigidos. 
O maior de meus inimigos, contudo, eu ainda não tinha abarcado.”
“Admito”, exclamou o lorde Seymour, “isso é o que se chama 
agir com cuidado — mas porque precisávamos estar semidespidos?”
“Meramente para doar ao ritual um tom mais cerimonioso, in­
tensificando vossa imaginação por meio do elemento fora do comum.”
“A segunda aparição não permitiu que teu espírito falasse”, disse 
o príncipe. “O que afinal teríamos ouvido dela?”
“Quase o mesmo que ouviram em seguida. Questionei vossa Al­
teza, não sem segundas intenções, se me haveis dito tudo o que o 
moribundo vos revelou, e se não haveis feito mais perguntas sobre si 
em sua pátria; achei isso necessário para não colidir com fatos capazes 
de contradizer as declarações de meu espírito. Questionei se o morto 
viveu imaculadamente (pensando nos pecados da juventude) e funda­
mentei minha invenção sobre a resposta.”
“Sobre esse assunto”, o príncipe recomeçou após certo silêncio, 
56 Friedrich Schiller
“deste-me explicações satisfatórias. Mas resta ainda uma circunstância 
importante a qual espero que esclareça.”
“Caso esteja em meu poder e...”
“Nada de ‘caso’! A justiça em cujas mãos te encontras não tem 
sequer permissão de te interrogar com tanta modéstia. Quem era o 
desconhecido diante do qual te vimos prostrado? O que sabes dele? 
De onde o conheces? E o que tens a dizer sobre a segunda aparição?”
“Clemente príncipe —”
“Ao olhá-lo mais detidamente no rosto, deste um grito alto e 
caíste no chão. Por que isso? Qual é o significado de tal coisa?”
“Esse desconhecido, honrado príncipe Aqui ele estacou, tor­
nando-se visivelmente mais inquieto e mirando-nos todos a seu redor, 
com um olhar de vergonha. — “Sim, por Deus, clemente príncipe, o tal 
desconhecido é uma criatura assustadora.”
“O que sabes dele? Que ligação tem contigo? — Nem pense em 
esconder a verdade de nós.” —
“Deus me livre de fazê-lo — quem me assegura que ele não se 
encontra entre nós neste exato momento?”
“Onde? Quem?”, inquirimos todos nós ao mesmo tempo, vas­
culhando a sala meio aos risos, meio perturbados. — “Não é possível.”
“Ah! Com esse indivíduo - ou seja lá o que for - há coisas muito 
mais incompreensíveis que são possíveis.”
“Mas quem afinal é ele? Qual é sua origem? Armênia ou russa? 
Quanto há de verdadeiro no que ele ostenta ser?”
“De tudo o que ele aparenta ser, nada. Haverá poucos estamen­
tos, caráteres e nações de que ele ainda não usou uma máscara. Quem 
seria ele? De onde vem? Aonde vai? — Ninguém sabe. Que esteve no 
Egito, como muitos afirmam, e lá foi buscar sua sabedoria oculta de 
uma pirâmide, não quero afirmar nem negar. Entre nós, é conhecido 
apenas pelo nome de Insondável. Que idade, por exemplo, sugeris que 
ele tenha?”
O Aparicionista
“A julgar pela aparência exterior, mal pode ter passado dos qua­
renta.”
“E que idade imaginais que ele tenha?”
“Por volta de cinquenta.”
“Pois bem - e se eu vos disser que quando eu era um garoto de 
dezessete anos, quando meu avô narrava sobre esse homem milagroso 
de mais ou menos a mesma idade que ele tinha visto em Famagusta 
há...”10
10. Capital milenar do Chipre, onde antigos maçons diziam haver enterrados os 
maiores segredos de sua ordem.
“Isso é ridículo, inacreditável e um exagero.”
“Nem um pouco. Se não estivesse preso a esses grilhões, apre- 
sentar-vos-ia a cidadãos cuja aparência honrada não deixaria qualquer 
traço de dúvida. Há pessoas dignas de credibilidade que se lembram 
de tê-lo visto em diferentes regiões do mundo ao mesmo tempo. Ne­
nhum punhal é capaz de perfurá-lo; nenhum veneno pode prejudicá- 
-lo; nenhum fogo, chamuscá-lo; nenhum navio onde se encontre, ir a 
pique. Mesmo o tempo parece ter perdido o efeito sobre ele; os anos 
não sugaram sua seiva, e a idade não é capaz de tingir seus cabelos. 
Ninguém jamais o viu se alimentar; nunca uma mulher foi tocada por 
si e nenhum sono visita seus olhos; de todas as horas do dia, sabe-se 
apenas de uma única da qual ele não é senhor, uma na qual ninguém 
jamais o viu e em que ele nunca executou uma tarefa nesta terra.”
“Então..?”, disse o príncipe. “E que hora é essa?”
“Meia-noite. Assim que o sino bate às doze, ele deixa de per­
tencer aos vivos. Onde quer que esteja, ele tem de partir; seja lá qual 
atividade esteja fazendo, precisa interrompê-la. A terrível batida dos 
sinos o arrebata dos braços da amizade, até mesmo do altar e o chama­
ria inclusive de uma luta até a morte. Ninguém sabe aonde vai, nem 
o que lá faz. Ninguém ousa questioná-lo qualquer coisa a respeito, 
58 Friedrich Schiller
muito menos segui-lo; suas feições contraem-se de repente assim que 
a hora temida bate, em uma seriedade tão sombria e tenebrosa que 
qualquer um perde a coragem de olhá-lo no rosto ou de dirigir-lhe a 
palavra. De repente, um silêncio mortal profundo termina a conversa 
mais vivaz, e todos a seu redor aguardam seu regresso com um terror 
respeitoso, sem ousar se levantar de seu lugar ou abrir a porta pela qual 
ele saiu.”
“No entanto”, um de nós perguntou,“não se nota nada de extra­
ordinário nele após seu retorno?”
“Nada além de parecer pálido e abatido, mais ou menos como 
uma pessoa que passou por uma operação dolorosa ou recebeu uma 
notícia terrível. Alguns supostamente viram gotas de sangue em sua 
camisa, mas isso eu deixo em aberto.”
“E nunca tentaram ao menos esconder-lhe a tal hora, ou envolve­
ram-no tanto em distrações que ele acabou deixando-a passar?”
“Diz-se que deixou passar seu compromisso uma única vez. Sua 
companhia era numerosa, as pessoas ficaram até tarde da noite, todos os 
relógios foram atrasados propositadamente e o fogo da conversa o ar­
rebatou. Assim que a hora marcada chegou, ele emudeceu de repente 
e ficou rígido; todos os seus membros se paralisaram, apontando para a 
direção de onde esse acaso veio. Seus olhos pararam; seu pulso deixou 
de bater e todos os meios para despertá-lo foram infrutíferos. Nesse 
estado ele se manteve até a hora ter passado. De repente, ele reviveu, 
abrindo os olhos e continuando a pronunciar a mesma sílaba em que 
havia sido interrompido. A consternação geral revelou-lhe o que ha­
via acontecido, e então ele explicou com uma seriedade aterrorizante 
que era preciso ser grato por todos terem escapado daquilo com um 
mero susto. Entretanto, naquela mesma noite, abandonou para sempre 
a cidade em que aquilo lhe havia ocorrido. A crença geral é que, du­
O Aparicionista
rante essa hora misteriosa, ele estabelece um diálogo com seu gênio.” 
Alguns chegam a opinar que ele é um defunto a quem foi permitido 
perambular vinte e três horas dentre os vivos; na última, sua alma teria 
de voltar para o mundo inferior a fim de ser submetida ao seu juízo. 
Muitos também tomam-no pelo famoso Apolônio deTiana,11 12 e outros 
por São João, o jovem, que, diz-se, permanecerá aqui até o Juízo Final.” 
“Sobre um homem tão extraordinário”, disse o príncipe, “certa­
mente não faltarão as hipóteses mais excêntricas. Tudo o que disse até 
agora são coisas que dizem por aí; contudo, o comportamento do ho­
mem em tua relação me pareceu apontar para um vínculo mais íntimo. 
Não é o caso de aqui haver uma história singular em que, no fundo, tu 
também estás envolvido? Não ocultes nada de nós.”
11. Possível paralelo ao Hamletde Shakespeare,Ato I, cena 5.
12. Filósofo neopitagórico do século I da Era Cristã. Seus talentos supostamente 
mágicos levaram alquimistas

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