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O COORDENADOR PEDAGÓGICO: POSSÍVEIS CAMINHOS PARA EFETIVAR O QUE DETERMINA A LEI 10.639/03 Rênia Lopes Biazati - FAEL 1 Orientador: Profº MsC. Gilmar Dias - FAEL 2 RESUMO O presente artigo pretende abordar a importância do Coordenador Pedagógico para a implementação da lei 10.639/03 junto aos professores dos anos finais do Ensino Fundamental, sendo este um grande desafio a ser enfrentado pela educação formal. Foi pesquisado como o coordenador pedagógico pode auxiliar juntamente com o corpo docente da escola, através de um Projeto denominado “Contos Africanos”, na tentativa de dizimar pré-conceitos discriminatórios para com a comunidade negra. Como objetivo, visa-se que os discentes se abstenham do preconceito, mostrando aos mesmos como a cultura afro-brasileira é rica e importante na nossa sociedade. Para que isso ocorra, é necessário o comprometimento de toda a escola, utilizando-se de novas práticas pedagógicas que abordem o tema não somente nesse projeto, mas que o usem como um ponto de partida para demais projetos com a mesma vertente. Com isso, formaremos sujeitos livres de preconceito, resgatando a importância do negro e da cultura afro-brasileira em nosso país. A revisão da bibliografia propiciou referências teóricas para as discussões acerca do tema, contribuindo para a análise dos dados, coletados através de pesquisa de campo. Palavras-Chave: Coordenador Pedagógico; Lei 10.639/03; Preconceito; Cultura Afro- brasileira e africana. INTRODUÇÃO O preconceito racial é um tema recorrente e delicado, que paira há alguns anos sob a nossa sociedade. Entretanto, nem todas as escolas adentravam no assunto, por conta de sua complexidade. A escola é formada por sujeitos de diferentes classes, etnias e características pessoais. Cada um tem uma bagagem e conceitos enraizados antes mesmo de entrarem no meio escolar. Isto posto, essa pesquisa busca promover a participação do coordenador pedagógico junto ao corpo docente da escola na luta contra a discriminação. 1 Aluna do curso de pós-graduação em coordenação pedagógica, formada em Letras-Língua Portuguesa no Centro Universitário São Camilo – ES, Coordenadora de área na Secretaria Municipal de Educação de Cachoeiro de Itapemirim - ES. renialbiazatti@gmail.com 2 Matemático, Tecnólogo em Processos Gerenciais, Pedagogo pela UFPR, Mestre em Educação, Especialista em Educação a Distância, Especialista em Adm. Financeira e Informatização e professor do curso de Pedagogia e da Pós-Graduação da FAEL. gilmar.dias@fael.edu.br mailto:renialbiazatti@gmail.com mailto:gilmar.dias@fael.edu.br 2 Para isso, é necessário entender e verificar como o corpo docente reconhece a escola como espaço de formação para todos que nela ingressam, respeitando as diferenças de cada discente. A pesquisa tipo estudo de caso possibilitou um relacionamento com os docentes e discentes para efetiva aplicabilidade do projeto e análise das reações e avanços dos alunos, no intuito de confrontar seus preconceitos já enraizados e fazendo-os criar conceitos positivos sobre a cultura afro-brasileira com o projeto “Contos Africanos”, onde foram escolhidos alguns contos de origem africana para a leitura em sala de aula, com os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental, durante o período de trinta dias. Com isso, o intuito dessa pesquisa, que é a aplicação do projeto citado anteriormente para promover a valorização da cultura afro-brasileira e africana, de forma que os discentes entendam como ela foi e ainda é importante, colocando assim em prática a Lei 10.639/03, será completado. Tal pesquisa se mostrou relevante pelo motivo de valorizar a diversidade cultural, desatando práticas discriminatórias, que ferem tanto o discente afetado, assim como toda a sociedade negra. A IMPORTÂNCIA DA IMPLANTAÇÃO DA LEI 10.63903 NAS ESCOLAS É lamentável que, mesmo com tantas políticas discriminatórias, o preconceito racial ainda se propaga no Brasil. A população negra é obrigada a entrar em uma luta por igualdade e respeito nas esferas da sociedade no intuito incansável de dizimar o racismo. Romão (2005) afirma que o Brasil, país com a segunda maior população negra do mundo – atrás apenas da Nigéria –, conseguiu ao longo de sua história produzir um quadro de extrema desigualdade entre os grupos étnico-raciais negro e branco. Até bem pouco tempo, o Estado brasileiro não incorporava as categorias racismo e discriminação racial para explicar o fato de os negros responderem pelos mais baixos índices de desenvolvimento humano, e os brancos pelos mais elevados. Romão (2005) ainda reitera que essas constatações acabaram por obrigar o Estado a construir políticas públicas de combate a essas desigualdades sociais e educacionais. Em 9 de janeiro de 2003, a Lei 10.639 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394), instituindo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura africanas e afro- brasileiras. No ano seguinte, o Conselho Nacional de Educação aprovou as Diretrizes 3 Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas. Além disso, a LDB determina que: O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: “I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância [...] XII - consideração com a diversidade étnico-racial.” (BRASIL, 2013, Art. 2º) Com isso, nota-se que na teoria, a igualdade, a cultura e o respeito às diversidades são praticamente palavras-chave em nossa LDB. Entretanto, a maioria da sociedade não consegue colocar a teoria em prática no cotidiano. Jaccoud (2009), afirma que o racismo impede o livre exercício da cidadania e o acesso democrático ao desenvolvimento. Deve, portanto, ser eliminado para permitir que o país se desenvolva com equidade social. Para tanto, torna-se necessária a aplicação de ações afirmativas, que se definem como políticas voltadas à concretização do princípio constitucional da igualdade e à neutralização dos efeitos da discriminação racial. Ela ainda reitera que ainda hoje a maioria da população mais desfavorecida financeiramente dos brasileiros é negra. Esta condição é causa e consequência ao mesmo tempo, em um círculo vicioso que se autoalimenta. A visão da pobreza associada ao negro, pelo prisma do racismo, atribui ao próprio negro as causas de sua condição, seja por acomodação, seja pela falta de qualidades para a ascensão social. E, desta forma, a pobreza dos negros e sua ausência dos espaços de poder político e produção de conhecimento foi naturalizada ao longo de nossa história. Motivo pelo qual ainda hoje é raro encontrar negros em espaços de poder e decisão. Romão (2005) afirma que do ponto de vista das relações etno-raciais, o conceito ou pré-conceito que as pessoas têm de si mesmos e dos outros grupos étnicos interfere no processamento das primeiras sínteses da criança, portanto, em sua forma de ver o mundo. Portanto, é imprescindível que tais políticas de ordem discriminatórias mencionadas anteriormente sejam aplicadas desde o início da fase escolar. Segundo Munanga (2005), o preconceito incutido na cabeça do professor e sua incapacidade em lidar profissionalmente com a diversidade, somando-se ao conteúdo preconceituoso dos livros e materiais didáticos e às relações preconceituosas entre alunos de diferentes ascendências étnico-raciais, sociais e outras, desestimulam o aluno negro e prejudicam seu aprendizado. Munanga (2005) ainda reitera que isso explica o coeficiente de repetência e evasão escolar altamente elevado do alunado negro, comparativamente aodo alunado branco. 4 Por conseguinte, compreender o processo de aplicação da Lei 10.634/03, de promoção da igualdade racial, é fundamental para que possamos aperfeiçoar os mecanismos de ensino capazes de mostrar aos discentes que a nossa sociedade pode se tornar mais justa e equilibrada sob o ponto de vista das relações étnicas. 3 O PAPEL DO COORDENADOR PEDAGÓGICO NA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 Segundo Libâneo (2002), a pedagogia ocupa-se, de fato, dos processos educativos, métodos, maneiras de ensinar, mas antes disso ela tem um significado bem mais amplo, bem mais globalizante. Ela é um campo de conhecimentos sobre a problemática educativa na sua totalidade e historicidade e, ao mesmo tempo, uma diretriz orientadora da ação educativa. Pautando-se nisso, pode-se afirmar que o coordenador pedagógico, aliado ao corpo docente da escola, tem o dever de visar o melhor planejamento possível das atividades escolares. Przybylski (1990), afirma que os coordenadores pedagógicos têm a grande responsabilidade de orientar e acompanhar o desenvolvimento do ensino, desde o planejamento até a avaliação, para que os objetivos estabelecidos pelo sistema sejam de fato alcançados. Przybylski (1990), ainda afirma que o coordenador pedagógico realiza atividades diversas no desempenho de suas funções, com o propósito de alcançar os resultados previstos em seu planejamento, ou solucionar problemas de seus professores à medida que eles forem surgindo. Pode-se afirmar que o desenvolvimento do mundo moderno trouxe um dinamismo crescente às sociedades contemporâneas. Przybylski (1990) ainda reconhece que a vida do homem hoje é trepidante, agitada e exigente, o que faz com que ele seja totalmente envolvido no torvelinho que é uma comunidade atual. A complexidade do mundo fez com que houvesse transformações gerais em todas as situações, desde o modo pacato de vida, às formas e oportunidades de trabalho, necessidades humanas, instituições, comportamentos, etc. Tais fatos mencionados atingiram também a educação, que, cada vez mais, tem responsabilidades na formação da juventude, pois é por meio dela que os discentes se integram no meio em que vivem e desenvolvem suas potencialidades. Com a lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana em todas as escolas, públicas e particulares, do ensino fundamental ao médio, têm- 5 se a obrigação de o coordenador pedagógico ampliar a visão em relação a essa temática. O tema não poderá ser destacado apenas no dia 20 de novembro, “Dia Nacional da Consciência Negra”. É importante salientar que nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. (BRASIL, 2003, Art. 26º). Além disso, o “Regimento Comum das Escolas da Rede Estadual do Ensino do Estado do Espírito Santo” afirma que é tarefa do agente de suporte educacional: participar da elaboração e implementação da proposta pedagógica da unidade de ensino. (ESPÍRITO SANTO, 2010, Art. 69º). Portanto, o coordenador pedagógico e o corpo docente da escola devem estar preparados para adentrar nessa temática. Do contrário, poderão causar um efeito reverso, gerando ainda mais preconceitos em sala de aula. Segundo Romão (2005) os passos da metodologia têm como fundamento a dialogicidade, que se constitui numa ferramenta importante para análise da realidade, na busca da transformação das relações. Neste sentido, ela serve ao nosso propósito. Outro fator importante que acaba afetando a melhoria do ensino da história e cultura afro-brasileira é a falta de material didático sobre a temática. Romão (2005) acentua que a problemática da carência de abordagens históricas sobre as trajetórias educacionais dos negros no Brasil revela que não são os povos que não têm história, mas há os povos cujas fontes históricas, ao invés de serem conservadas, foram destruídas nos processos de dominação. Ou seja, entende-se que a sociedade afro-brasileira e africana não é deficiente de trajetórias históricas, e sim que estas histórias não receberam a devida importância em serem registradas, sendo destruídas aos poucos mediante aos processos de repressão. Entretanto, essa realidade está, aos poucos, mudando. O governo tem se atentado a esse desfalque sobre o tema e criado novas fontes de pesquisa e novos materiais didáticos para auxiliar a escola no cumprimento de tal lei. Segundo Romão (2005) a Secretaria Municipal de Educação, desde o início do governo, em 2001, desenvolveu ações que dizem respeito às discussões etno-raciais. Esse material, que falava da trajetória África-Brasil da população negra, visava a sensibilizar a rede para as questões relativas ao negro brasileiro. Com isso, percebe-se que a escola cada vez mais assume a responsabilidade como o elemento principal na formação da juventude. Para que ela possa desenvolver um programa de trabalho de acordo com as metas estabelecidas é necessário que seja instituído um acompanhamento escolar, através de um sistema de supervisão que o coordenador pedagógico pode proporcionar. A ação dos coordenadores pedagógicos deve estar baseada nas diretrizes e 6 normas da educação, atuando junto aos professores na condução de atividades didáticas que possam levar ao encontro do objetivo de ensino-aprendizagem. O coordenador pedagógico precisa ser um pesquisador, e, além disso, usar a criatividade para criar projetos que despertem interesse nos discentes, pois segundo Placco (2010) cada grupo tem características e demandas particulares em relação ao coordenador pedagógico, e são essas demandas que ditam os papéis que o coordenador pedagógico deverá desempenhar na escola. Atualmente, existem alguns livros que podem ser usados como aporte para implementação da lei 10.639/03. Dentre eles temos desde livros infantis a obras literárias conceituadas. Basta o coordenador pedagógico, juntamente com o docente, criarem atividades que envolvam estes matérias. E para cada série, vale salientar que se deve usar um material diferente, com uma linguagem apropriada para tal classe. Um exemplo de obra que pode ser trabalhada é “Menina Bonita do Laço de Fita”. Machado (2000), conta a história de uma menina negra e graciosa, que era frequentemente elogiada por seu amigo coelho, que a indagava como ela fazia para ser tão „‟pretinha‟‟. A menina, sem saber o que responder, dizia muitas histórias diferentes, como porque comia muita jabuticaba ou porque tomava muito café. A mãe, ao ouvir as histórias, explicou ao coelho que era arte de uma avó preta. Podemos notar que o fato da menina ser negra na história infantil não só é livre de preconceitos, como também celebrado e motivo de orgulho, como se deve ser, reiterando ainda mais aos discentes como as diferenças devem ser prestigiadas, tornando a representação do negro na literatura infantil de grande valia para a formação da criança livre de conceitos discriminatórios para com a população afro-brasileira e africana. Segundo Rufatto (2009), o estudo de uma escrita sobre o negro pode nos fazer perceber que há uma luta pelos sujeitos em busca de afirmação de identidades subjugadas. Na maioria dos textos, se observados em suas entrelinhas, a metáfora da cor branca aponta para a positividade, assim como a cor negra cumpre uma função contrária, induzindo a se considerar negativamente a cor negra. Assim como na literatura, o âmbito digital também se vê carente de representatividade negra. É extremamente inabitual ver-se personagens negras no papel principal nas tramas de novela, filmes, ou até mesmo comerciais de televisão. Portanto, é imprescindível que o coordenador pedagógico e o corpo docente da escola criem projetos que cumpram essa ação educativa de promover o respeito à diversidade, 7 tentando assim dizimar o preconceitoracial não somente dentro de sala de aula, mas formando sujeitos que respeitem uns aos outros, independente de suas etnias. 4 METODOLOGIA UTILIZADA NA PESQUISA O presente trabalho mostrou como o coordenador pedagógico da escola EEEFM ”Maria Angélica Marangoni Santana” pode implementar projetos para efetivar o que determina a lei 10.639/03. Para isso, essa pesquisa foi do tipo estudo de caso por melhor se adequar a nossa proposta (criar o seu texto). Segundo Gil: “O estudo de caso é caracterizado pelo estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira a permitir conhecimento amplo e detalhado do mesmo [...]” (1995, p. 78 apud GIROTO, 2015, p. 8). Foi necessária a utilização de instrumentos de coleta de dados como entrevistas, questionários, e observação In Loco. Mediante a análise de documentos e munindo-se de técnicas que caracterizam a pesquisa qualitativa, foram coletados os dados necessários, focando principalmente no que diz respeito a como o coordenador pedagógico pode indicar possíveis caminhos para efetivar o que determina a lei 10.639/03. Nessa pesquisa, o estudo de caso foi feito com uma sala de aula dos anos finais do Ensino Fundamental que foram agraciados com o projeto “Contos Africanos”. Realizou-se também uma entrevista com a coordenadora pedagógica da escola e a professora regente da classe em que foi aplicado o projeto. O objetivo dessas entrevistas foi deixar ambas falarem, de forma espontânea. Contar se já viveram situações de discriminações em sala de aula e como lidaram com isso. Além da entrevista oral, também foi pedido um questionário escrito, onde havia basicamente as mesmas perguntas orais, mas foi feito para que ficassem registradas. Quanto ao questionário, Gil afirma que: “O questionário constitui hoje uma das mais importantes técnicas disponíveis para a obtenção de dados nas pesquisas sociais”. (1995, p. 124). Gil ainda afirma que: “[...] a construção do questionário consiste basicamente em traduzir os objetivos específicos da pesquisa em itens bem rígidos”. (1995, p. 126 apud GIROTO, p. 7). Realizou-se também uma observação in loco que teve como objetivo a aplicação e observação do projeto aplicado, “Contos Africanos”. Após a aplicação do projeto, 8 observou-se a reação dos alunos e quais os comentários feitos pelos mesmos, seguido de uma pequena fala sobre como devemos respeitar a cultura afro-brasileira. O período de observação foi de trinta dias, sendo que em cada semana houve uma visita com duração de duas horas cada, das 08h00min horas até as 10h00min horas, totalizando 8 horas totais. 5 ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS A pesquisa foi realizada em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio (E.E.E.F.M), em Cachoeiro de Itapemirim, no estado do Espírito Santo. Esta Escola oferece o ensino fundamental completo e Educação de Jovens e Adultos e atende nos turnos matutino, vespertino e noturno. De acordo com o Censo Escolar de 2016, a Unidade de Ensino contém 26 alunos do 6º ano do Ensino Fundamental. Muitos profissionais colaboram para o seu funcionamento: diretor, coordenadora pedagógica, professores titulares e professores de áreas específicas. Além das cuidadoras de crianças com necessidades especiais, das serventes e faxineiras. Todos colaboram para que a escola seja um ambiente agradável. Apesar de o contato ter sido feito de forma rápida nesse projeto, essa escola foi palco de um trabalho de um ano com o PIBID (Programa Institucional Brasileiro de Iniciação à Docência) anteriormente, quando ainda estava cursando Letras/Língua Portuguesa, no Centro Universitário São Camilo - ES. Nela, pude absorver inúmeras experiências quanto aos desafios de ser um professor. Conheci de perto a realidade de uma escola periférica, mas que conta com profissionais altamente qualificados e com anseio de uma educação melhor para com os discentes. Como já conhecia a maioria dos alunos, foi prazeroso estar com eles novamente. Com aproximadamente 75% dos discentes negros, o projeto foi uma ótima oportunidade de readentrar no assunto, já que nesse um ano em que trabalhei com projetos do PIBID na Emeb, foram aplicados outros projetos sob a mesma vertente. Nos projetos anteriores foi notado que ainda existem práticas discriminatórias enraizadas nas crianças, que, na maioria dos casos, são falas que vem de suas próprias casas e são reproduzidas na escola. Ora agem por impulso, na intenção de “implicar” ou denegrir um colega, ora imitam algo que escutaram na televisão ou em outra situação. 9 Os profissionais da educação, como professores, coordenadores pedagógicos e gestores das unidades de ensino também devem ter cautela com o uso das palavras colocadas em sala de aulas, pois segundo Munaga (2005), alguns dentre nós não receberam na sua educação e formação de cidadãos, de professores e educadores o necessário preparo para lidar com o desafio que a problemática da convivência com a diversidade e as manifestações de discriminação dela resultadas colocam quotidianamente na nossa vida profissional. Essa falta de preparo, que devemos considerar como reflexo do nosso mito de democracia racial compromete, sem dúvida, o objetivo fundamental da nossa missão no processo de formação dos futuros cidadãos responsáveis de amanhã. No projeto atual que foi aplicado para a realização deste trabalho de conclusão de curso, primeiramente houve uma conversa informal com a professora, a fim de pedir autorização para realização do mesmo e conversar um pouco sobre a realidade dos alunos. Foi enfocado que, devido aos projetos trabalhados anteriormente, notou-se que as crianças ainda necessitavam de mais trabalhos sobre a temática. Posteriormente, foi feita uma observação in loco com a aplicação do projeto “Contos Africanos”. Foram escolhidos dois contos para a leitura em sala de aula. Em relação ao Projeto Político-Pedagógico da EEEFM “Maria Angélica Marangoni Santana”, pode-se salientar que, além de ser uma determinação legal, expressa em lei, ela possibilita a apresentação da identidade da escola, assim como suas concepções e seus anseios. De acordo com o Projeto político-pedagógico da escola: A unidade de ensino, assim como todas as escolas, tem como objetivo oferecer à comunidade ensino de qualidade, contribuindo para o desenvolvimento da autonomia do discente, do seu senso crítico e de sua criatividade, formando assim cidadãos e sujeitos pensantes. Além muni-los de condições para que todos os sujeitos consigam desenvolver suas capacidades para a formação plena, transformando a realidade social e proporcionando dignidade humana, instruída pelo conhecimento e pela ética. (EEEFM, 2013, p. 11) Para a pesquisa, foram utilizados três instrumentos diferentes: a entrevista e o questionário para a professora e a observação in loco. A entrevista se deu com uma conversa informal com a professora. Mesmo já conhecendo a maioria dos discentes, perguntei como estava o comportamento dos mesmos. Se já haviam amadurecido em relação à temática de alguma forma. Partindo da mesma premissa, foi feita a observação in loco, observando tanto professora, quanto alunos. Primeiramente em uma aula normal cotidiana e, posteriormente, nos dias de aplicação do projeto, em visitas semanais, totalizando o período de 8 horas, no 1 0 turno matutino. A turma analisada tem aproximadamente trinta alunos, com idades entre nove e doze anos. Essa classe, do quinto ano, conta com personalidades muito diferentes, tanto no conhecimento quanto no comportamento: enquanto há alunos que sabem muito, outros têm muitas dificuldades de aprendizado. Assim como enquanto uns são mais acuados e quietos, outros são mais barulhentos. Como a primeira observação da classe foi feita em um dia normal cotidiano, pôde-se observar o comportamento regular dos discentes. Eles permanecem no pátio de entrada atétocar o sinal, momento em que entram para a sala de aula e ocupam seus lugares. Como de praxe, alguns deles são mais agitados, tendo dificuldades em se manterem em seus lugares. Por conseguinte, a professora é obrigada a intervir inúmeras vezes. Após a mesma conseguir certo controle sob a turma, ela começa a recepcioná-los, dando bom dia e dizendo o que irão estudar naquela aula. Prosseguindo, a docente inicia a correção de um exercício passado para a casa na aula passado. Nota-se que nem todos realizaram e que, por isso, os que não fizeram são insultados pelos outros colegas, com palavras que denigrem a inteligência dos mesmos. Tal “brincadeira”, querendo ou não, fere a autoestima do discente e deve ser reprimida pelo professor, como foi feito. Rapidamente a professora se posicionou perante a turma que quem não fez, não deixou de fazer por que não sabia e sim por falta de responsabilidade. Sendo assim, a professora deu mais alguns minutos para os que não conseguiram realizar as atividades em casa realizarem na escola. Essa aula cotidiana analisada serviu para que os alunos fossem analisados de forma informal, para que fosse possível notar a essência de cada um. Assim que os demais alunos finalizaram, a professora corrigiu as atividades e tirou as respectivas dúvidas. De modo geral, a turma tem ótimos alunos, que são inteligentes. Faltando somente o que foi comentado anteriormente, responsabilidade e força de vontade para se aproveitar ao máximo os ensinamentos que a escola tem a oferecer. Posteriormente, toca-se o sinal para o intervalo, hora em que os alunos fazem suas refeições. Neste intervalo, pode-se observar outro ponto muito importante: o tratamento de aluno para com aluno. Principalmente nas discussões, notou-se que muitas vezes, a forma de responder dos discentes discrimina a etnia do outro. Já virou praticamente rotina. O mais curioso é que os próprios alunos negros também depreciam outros alunos negros, perdendo – ou não tendo- a consciência do quão triste e depreciativo essa prática é. Também foi notado que a maioria dos alunos que sofrem com o preconceito, não 1 1 respondem ou reagem. Apenas abaixam a cabeça, ou mudam de assunto, ou até mesmo dão uma risada sem graça sem saber o que fazer. De acordo com Jaccoud (2009): “Desigualdades raciais na escola vão se construindo no cotidiano da vida escolar, passando, segundo depoimentos colhidos em trabalhos de cunho etnográfico, de sentimentos de constrangimento e inadequação decorrentes de seu tipo físico, cor de pele, cabelo e pertencimento racial, até a naturalização de posições sociais subalternas e de insucesso escolar”. Portanto, pode-se afirmar que este tratamento pode causar sequelas na vida do discente, prejudicando-o de inúmeras formas diferentes, mas principalmente emocionalmente. Ao final da aula, todos os detalhes citados anteriormente foram conversados com a professora. A mesma disse que todos os dias passam pela mesma situação. Ela conta que são muito agressivos uns com os outros. Agressão física é difícil de ocorrer, mas a verbal é constante. A coordenadora pedagógica, que estava junto no momento da conversa, reiterou a fala da colega, dizendo que sonha com o dia em que eles convivam melhor entre sim, sem tantas discussões. Depois desta conversa informal sobre o comportamento dos alunos, foi conversado sobre o projeto que seria aplicado na próxima semana. A proposta era aplicar um projeto denominado “Contos Africanos”, onde seriam lidos contos de origem africana, como “A Gazela e o Caracol”, “A Menina que não Falava” e a “As Belas Filhas de Mufaro”. Ambos não mencionavam em nenhum momento práticas de preconceito racial ou algo parecido. A intenção de usá-los era para adentrar ao assunto com os discentes. Na semana seguinte, houve a aplicação do projeto, onde foi feita a leitura pausada dos contos. Perguntei aos alunos se eles sabiam quem havia escrito aqueles textos ou de onde eram. Nenhum deles palpitou. Contei aos mesmo que eram contos africanos, tão antigos, mas tão antigos, que já se enraizaram como patrimônio cultural e já nem se sabe mais quem foi que os criou. Como já poderia se imaginar, ficaram espantados e curiosos do porque eu havia levado tais contos para leitura em sala de aula. Com isso, houve a oportunidade de adentrar ao assunto planejado. Foi dito a eles que a África é muito rica em cultura. E que apesar de não termos o costume de encontrar Contos Africanos para leitura, eles existem e são muito ricos em conteúdo. Embora não encontremos muitos livros de origem africana, existem outras coisas que vem da Cultura Africana, como muitas comidas saborosas e muitas roupas elegantes que usamos. As estampas étnicas, a 1 2 capoeira e a paçoca são exemplos disso. Romão (2005) afirma que a escola deve ser provocadora da criação e criatividade dos alunos, para que, fazendo uma leitura da realidade, sejam capazes de superar mecanismos de exclusão e seletividade em prol de uma participação melhor qualificada no mundo do trabalho. Diante disso, podemos notar que a cultura afro-brasileira enriqueceu grandemente a nossa, e que só temos a agradecer tudo que nos foi deixado e ensinado. Por conseguinte, não havia motivo de denegrir o outro ou insultá-lo por ele ser negro e que ser negro era motivo de orgulho. Outro fator mencionado aos alunos foi que nós, brasileiros, somos uma mistura de muitas etnias, ou seja, em nossas veias corre sangue de inúmeras etnias diferentes, como a italiana, espanhola, portuguesa, dentre outras, assim como a africana. Segundo Munanga (2005), o resgate da memória coletiva e da história da comunidade negra não interessa apenas aos alunos de ascendência negra. Interessa também aos alunos de outras ascendências étnicas, principalmente branca, pois ao receber uma educação envenenada pelos preconceitos, eles também tiveram suas estruturas psíquicas afetadas. Portanto, foi mencionado também sobre o período de escravidão e das atrocidades que os negros sofreram somente por ter a cor da pele diferente. Mas que hoje, têm-se a consciência de quão errônea foi nossa sociedade em acatar tais atrocidades. Todos devemos ser tratados com igual respeito, independente da cor de nossa pele, da nossa religião, dos nossos gostos, ou seja, da nossa cultura. Munanga (2005), afirma que cremos que a educação é capaz de oferecer tanto aos jovens como aos adultos a possibilidade de questionar e desconstruir os mitos de superioridade e inferioridade entre grupos humanos que foram introjetados neles pela cultura racista na qual foram socializados. Por conta disso, foi feito um questionário oral com os discentes. De forma delicada, foi perguntado aos mesmos se alguém já tinha feito algum comentário relacionado ao tom de suas peles que os deixaram tristes. A maioria afirmou que sim. Esse é um tema bem delicado, que deve sim ser falado em sala de aula, mas de forma muito minuciosa. Com toda essa conversa deveras delicada, uma aluna resolveu se manifestar. A mesma disse que por várias vezes era denegrida pelos amigos, que a chamavam de vários nomes relacionados à sua cor. Perguntei a ela qual foi sua atitude, e a mesma informou que na hora ela fica sem palavras. E é isso que acontece com milhares de crianças todos os dias. Mais do que rápido, aconselhei a mesma que tivesse orgulho de quem ela é, incluindo todas as suas 1 3 qualidades e defeitos. Que ela era especial do jeito que era e que nenhuma característica externa nos define, o que vale é nosso caráter e nossa conduta. Na semana seguinte, no mesmo horário, o projeto foi aplicado em outra turma. A mesma foi tão receptiva quanto a anterior, tendo também reações bem parecidas, como a explanação de experiências preconceituosas que sofreram. Ao final, repeti a fala da turma anterior, enfatizando a importância de se respeitar as diferenças Finalizando a aplicaçãodo projeto, senti-me com a sensação de tê-lo concluído com sucesso. Ao final, conversei com a coordenadora pedagógica e a professora regente da classe novamente, relatando sobre minha experiência positiva com o referido projeto. Ambas indicaram que foi de grande valia e que irão continuar o trabalho de implementação da lei 10.639/03. Concluindo, Munanga (2005) afirma que se nossa sociedade é plural, étnica e culturalmente, desde os primórdios de sua invenção pela força colonial, só podemos construí- la democraticamente respeitando a diversidade do nosso povo, ou seja, as matrizes étnico- raciais que deram ao Brasil atual sua feição multicolor composta de índios, negros, orientais, brancos e mestiços. 6 PROPOSTAS DE ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO PARA A REAL IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 O tema cultura afro-brasileira e africana é, de fato, um assunto deveras delicado. A aplicabilidade do mesmo em uma sala de aula torna-se um processo complexo, que exige métodos distintos e um plano de aula adaptável. O método utilizado levou em conta vários fatores, como a heterogeneidade dos discentes, que entenderam que a diversidade é um fator positivo e deve ser respeitada. Segundo Jaccoud (2009) a efetivação da referida lei impõe a adoção de políticas, programas e ações específicos voltados à população negra, associados e integrados às políticas universais, de modo a garantir o acesso continuado e as oportunidades iguais. Uma nova proposta de trabalho para o coordenador pedagógico sob a mesma perspectiva seria uma mostra cultural, promovendo a utilização dos cinco sentidos dos alunos, como as comidas típicas de origem africana representando o olfato e o paladar, tecidos com estampas de origem africana representando a visão e o tato, e músicas de origem africana representando a audição. 1 4 Segundo Munanga (2005), quando a finalidade é construir a cidadania numa sociedade pluriétnica e pluricultural, como é o caso da sociedade brasileira, é preciso que se tenha presente um elenco de objetivos com os quais se deve trabalhar. Munanga (2005) ainda reitera que outra proposta didático-pedagógica válida é, se possível, organizar visitas a instituições culturais, museus, casas de cultura, existentes na comunidade ou na cidade, para aprender mais sobre cultura, diversificação cultural, etnias formadoras da sociedade brasileira. Ampliando as propostas para com o tema em destaque, será possível transmitir cada vez mais conhecimentos sobre a cultura afro-brasileira e africana aos estudantes, acarretando na real aceitação em relação à diversidade étnica racial. CONSIDERAÇÕES FINAIS A lei 10.639/03 é de grande importância para a educação. Todos os profissionais da Unidade de Ensino, em conjunto, devem estar preparados e comprometidos para com a sua aplicação, independente dos contratempos do dia a dia. Se com apenas um projeto de poucos dias pôde constatar uma mudança no comportamento dos alunos, imagine se isso ocorrer de forma frequente. O coordenador pedagógico é peça fundamental para a aplicação da referida Lei. Este, junto ao docente, deve planejar as melhores formas de adentrar ao assunto em sala de aula em atenção aos cuidados a serem tomados devido ao tema ser deveras delicado. Come essa pesquisa, podemos concluir que, é necessário eliminar o preconceito enraizado na população através de práticas de conscientização, criando assim uma sociedade mais igualitária. Sabe-se que existem dificuldades, mas que elas não devem ser motivo para desistências, e sim de criação de novas metas mediante aos novos desafios, pois a qualidade da educação depende do esforço geral. REFERÊNCIAS LIBÂNEO, José Carlos. Pedagogia e pedagogos, para que?. 5. ed. São Paulo: 2002. PRZYBYLSKI, Edy. O supervisor escolar em ação. 2. Ed. Porto Alegre: Sagra, 1990. 1 5 PLACCO, Vera Maria Nigro de Souza (Org.). O Coordenador pedagógico e o cotidiano da escola. 8. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2010. BRASIL. MEC – Parâmetros Curriculares Nacionais - Introdução aos Parâmetros Curriculares Nacionais.1997. 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