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Indaial – 2019 Técnicas de Tradução em Língua espanhoLa Prof. Dr. Wellington Freire Machado 1a Edição Copyright © UNIASSELVI 2019 Elaboração: Prof. Dr. Wellington Freire Machado Revisão, Diagramação e Produção: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. Impresso por: M149t Machado, Wellington Freire Técnicas de tradução em língua espanhola. / Wellington Freire Machado. – Indaial: UNIASSELVI, 2019. 141 p.; il. ISBN 978-85-515-0421-5 1. Língua espanhola. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD 460 III apresenTação Olá, acadêmico! É com sensação de entusiasmo e sentimento de dever cumprido que apresentamos este valioso material para sua iniciação ao estudo das Técnicas de Tradução em Língua Espanhola. Este livro didático foi concebido com base em reflexões teórico-práticas adaptadas aos objetivos de aprendizagem, estabelecidos pela UNIASSELVI. Como você já sabe, a UNIASSELVI prioriza um alto padrão de qualidade, que acompanha o livro desde seu planejamento até a execução final. Esta disciplina está dividida em três unidades: Teorias, critica e história da tradução; Procedimentos técnicos e literários da tradução; e O ensino de lín- gua estrangeira e a tradução. Em cada uma delas você conhecerá técnicas, refle- xões, normas e questões pertinentes ao estudo da tradução em língua espanhola. Ao término de cada unidade, você encontrará autoatividades complementares ao conteúdo estudado. Para que você conheça questões próprias de cunho teórico e prático, na Unidade 1 serão apresentados tópicos específicos de teoria, crítica e história da tradução. Esta primeira parte – apesar de bastante teórica – proporcionará uma dimensão apropriada do que significam os Estudos da Tradução em âmbito aca- dêmico. Na Unidade 2 conheceremos os procedimentos técnicos e literários da tradução: é neste momento em que poderemos vislumbrar como colocar a mão na massa. Aparecerão, então, questões como as escolhas do tradutor, os recursos tecnológicos que podem ser empregados durante o ato de tradução, os textos técnicos, os textos literários – como a poesia, o conto, o romance e o teatro –, as questões de recursos audiovisuais (como a dublagem e a legendagem), a tradu- ção jurídica e a tradução técnica e científica. Por fim, na Unidade 3, conheceremos outro viés da pesquisa aplicada em tradução: o ensino de língua estrangeira e a tradução. Nesta etapa, serão abordadas questões como a linguística aplicada à tradução, a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a didática específica na formação de tradutores e intérpre- tes. Neste momento, estudaremos as noções de tradução direta e inversa, a tra- dução especializada, a questão da interpretação e, por fim, o papel do intérprete e o mundo da tradução simultânea. Ao terminar o presente livro você terá estudado teorias, procedimentos e técnicas de tradução de textos em língua espanhola. Faremos, ao longo desta jornada, diversos exercícios que nos auxiliarão a fixar o conhecimento aqui com- partilhado, e treinar estas questões nos domínios da língua na qual você está estudando, a língua espanhola. IV Aceite este material como uma porta que o guiará ao mundo incrível da tradução. Seja muitíssimo bem-vindo a este universo! Aproveite com sabedoria o que a sua UNIASSELVI lhe proporciona. Prof. Dr. Wellington Freire Machado V Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade. Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos! NOTA VI VII Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! LEMBRETE VIII UNIDADE 1 – TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA DA TRADUÇÃO ............................................1 TÓPICO 1 – PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO ...................................................................3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................3 2 A CONTRIBUIÇÃO DO FORMALISMO RUSSO ..........................................................................6 3 JIŘÍ LEVÝ E A RELAÇÃO COM O CÍRCULO DE PRAGA ...........................................................9 4 OUTRA VISÃO SOBRE O TRADUZIR ...........................................................................................12 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................16 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................17 TÓPICO 2 – TEORIAS CONTEMPORÂNEAS .................................................................................19 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................19 2 A QUESTÃO SISTÊMICA NO FORMALISMO RUSSO .............................................................20 3 ITAMAR EVEN-ZOHAR E A TEORIA DOS POLISSISTEMAS ................................................22 4 A ESPECIFICIDADE DA TRANSCRIAÇÃO .................................................................................30 5 A TRADUÇÃO CULTURAL ...............................................................................................................34 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................39 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................40 UNIDADE 2 – PROCEDIMENTOS TÉCNICOS E LITERÁRIOS DA TRADUÇÃO ................41 TÓPICO 1 – A TRADUÇÃO LITERÁRIA ..........................................................................................43 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................43 2 A IMPORTÂNCIA DO TRADUTOR NO CAMPO LITERÁRIO ...............................................443 DUAS TENDÊNCIAS EM TRADUÇÃO DE FICÇÃO .................................................................46 4 A ESCOLHA DO TRADUTOR DE FICÇÃO ..................................................................................50 5 A TRADUÇÃO DE POESIA ...............................................................................................................54 RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................59 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................60 TÓPICO 2 – ASPECTOS PROFISSIONAIS DA TRADUÇÃO ......................................................65 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................65 2 A INVISIBILIDADE DO TRADUTOR ............................................................................................66 3 A TRADUÇÃO E AS TOMADAS DE DECISÕES .........................................................................69 4 A QUESTÃO DA FLUÊNCIA .............................................................................................................72 RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................74 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................75 TÓPICO 3 – A PRÁTICA DA TRADUÇÃO .......................................................................................77 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................77 2 A TRADUÇÃO JURAMENTADA ....................................................................................................78 3 TRADUÇÃO JURÍDICA .....................................................................................................................81 4 LEGENDAGEM E DUBLAGEM ........................................................................................................84 sumário IX RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................88 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................................89 UNIDADE 3 – O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA E A TRADUÇÃO .............................91 TÓPICO 1 – AS LÍNGUAS DE SINAIS ..............................................................................................93 1 INTRODUÇÃO .....................................................................................................................................93 2 SURGIMENTO DAS LÍNGUAS DE SINAIS ................................................................................94 3 AS LÍNGUAS DE SINAIS NO MUNDO HISPÂNICO ................................................................97 4 LIBRAS....................................................................................................................................................98 5 A PROFISSÃO DE LIBRAS NO BRASIL: PROFESSOR, TRADUTOR/INTÉRPRETE .......100 RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................105 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................106 TÓPICO 2 – PROGRAMAS DE APOIO À TRADUÇÃO (PAT) ...................................................107 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................107 2 O TRADUTOR FREELANCER E O MANEJO DE FERRAMENTAS .......................................108 3 FERRAMENTAS ÚTEIS ....................................................................................................................108 3.1 TRADOS ..........................................................................................................................................109 3.2 WORDFAST ....................................................................................................................................109 3.3 GOOGLE TRANSLATE ................................................................................................................110 3.4 MYMEMORY ..................................................................................................................................111 3.5 OMEGAT .........................................................................................................................................112 4 UMA REFLEXÃO SOBRE O USO DE SOFTWARES DE TRADUÇÃO ..................................113 RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................116 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................117 TÓPICO 3 – NICHOS DA TRADUÇÃO ...........................................................................................119 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................119 2 TRADUÇÃO MÉDICA ......................................................................................................................120 3 TRADUÇÃO FARMACÊUTICA .....................................................................................................120 4 TRADUÇÃO DE GAMES .................................................................................................................121 5 TRADUÇÃO E-COMMERCE ...........................................................................................................122 6 TRADUÇÃO WEB ..............................................................................................................................123 RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................125 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................126 TÓPICO 4 – A FORMAÇÃO DE TRADUTORES E INTERPRETES ..........................................129 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................129 2 A TRADUÇÃO SIMULTÂNEA .......................................................................................................130 3 A SITUAÇÃO PROFISSIONAL DO TRADUTOR HOJE ..........................................................133 4 ASSOCIAÇÕES DE TRADUTORES ..............................................................................................134 RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................136 AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................137 REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................138 1 UNIDADE 1 TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA DA TRADUÇÃO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • conhecer os enfoques da tradução enquanto disciplina acadêmica; • estudar as principais teorias da tradução; • reconhecer as especificidades presentes nas teorias tradicionais e nas con- temporâneas; • entender a importância do Formalismo Russo para as primeiras teorias da tradução; • conhecer a história da disciplina para, nas unidadesseguintes, estudar questões ligadas à prática da tradução; • estudar a noção de Polissistemas; • explorar teorias contemporâneas fundamentais, como a Teoria da Trans- criação, a Teoria dos Polissistemas e Tradução Cultural. Esta unidade está dividida em dois tópicos. No decorrer da unidade você en- contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO TÓPICO 2 – TEORIAS CONTEMPORÂNEAS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 3 TÓPICO 1 UNIDADE 1 PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 1 INTRODUÇÃO Querido acadêmico! Antes de qualquer início é preciso escolher um ponto de partida. Nestas palavras iniciais explicaremos sobre o que trata este livro didático e também discorreremos a respeito da tradução como disciplina acadêmica. Começaremos, então, por esse último. O termo Estudos da Tradução surge a partir da proposição de James Holmes, em artigo intitulado The name and nature of Translation Studies. Originalmente pensado em inglês, o autor sugere o título de Translation Studies, o que foi amplamente aceito por outros estudiosos do ramo. De acordo com Introdução aos Estudos Tradutológicos (2015, p. 9), atualmente, pode-se dizer que os Estudos da Tradução, no que tange ao âmbito da pesquisa pura, bipartem-se em duas perspectivas infinitamente amplas: (a) os estudos descritivos da tradução; (b) os estudos teóricos da tradução. Os estudos descritivos, de acordo com a proposta de Holmes (1988), centram- -se no produto (product-oriented, a tradução em si mesma), na função (function-orien- ted, a tradução em determinado contexto social) e também no processo (process-orien- ted, o que acontece na mente do tradutor, o processo de traduzir). A pesquisa focada no produto descreve a tradução como um todo, voltando seu foco para a questão textual: a comparação entre traduções e o contraste entre tra- duções diferentes. Já os estudos focados na função se voltam, como o próprio nome sugere, para a função da tradução em dado contexto sociocultural. O foco aqui, dife- rentemente dos estudos descritivos com enfoque no produto, volta-se para a questão do contexto, no qual se realiza determinada tradução. Já não mais o texto, mas o contexto. A questão histórica também possui grande importância para os estudos orientados por este caminho, segundo Holmes. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 4 FIGURA 1 – PESQUISA FOCADA NO PRODUTO FONTE: <http://bit.ly/2P61SrP>. Acesso em: 29 nov. 2019. Ainda, segundo Introdução aos Estudos Tradutológicos, (2015, p. 9), com relação aos estudos descritivos focados em questões de cunho psicológico, pode-se dizer que os estudiosos desse ramo consideram métodos do campo da psicologia para realizar suas pesquisas. Na contraface dos estudos descritivos se encontram os estudos teóricos. Se por um lado os estudos descritivos se voltam para a descrição em três níveis possí- veis, o que os estudos teóricos de tradução fazem é valer-se dos resultados obtidos na pesquisa descritiva para elaborar proposições de âmbito maior. As teorias que se centram no meio, conforme Holmes (1988), dedicam-se a es- tudar o meio em que ocorre a tradução, que pode ser a tradução feita por computado- res, a tradução feita por intérpretes, ou também as CAT Tools, ferramentas do campo da computação que auxiliam o tradutor a realizar a sua tarefa. Já as teorias que se voltam para a área estão mais restritas ao par de línguas envolvidas (por exemplo es- panhol-português). Diferentemente do enfoque voltado na área, que se vale de uma abordagem comparatista, as teorias enfocadas no nível lidam com os níveis linguís- ticos possíveis de serem explorados. O nível da palavra, as terminologias etc. Ainda no nível do texto, as teorias dedicadas ao tipo textual se voltam para a questão dos gêneros, sejam eles literários ou não. Por último, e não menos importante, as teorias que se voltam à época enfocam em textos contemporâneos ou antigos. Já as teorias restritas a um tipo de problema se voltam, como o próprio nome sugere, a problemas próprios da área da tradução. TÓPICO 1 | PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 5 FIGURA 2 – O TRABALHO DE INTÉRPRETE FONTE: <http://bit.ly/3410laQ>. Acesso em: 29 nov. 2019. A pesquisa aplicada em tradução se debruça sobre uma série de elementos empíricos que dizem respeito diretamente ao ato de traduzir em si. Um dos elemen- tos desta pesquisa é a questão da tradução e do ensino: a formação do tradutor, a questão da técnica e problemas enfrentados no dia a dia de trabalho. A questão das ferramentas, por sua vez, dedica-se aos recursos que o tradutor terá ao seu dispor durante o trabalho da tradução: dicionários de dúvidas, gramáticas, dicionários eti- mológicos etc. Já o campo relativo ao âmbito das políticas de tradução, volta-se às políticas linguísticas e a outras questões de política cultural. Por último, e não menos importante, na ponta do ramo em pesquisa aplicada em tradução, encontra-se o viés da crítica de tradução: é através desta pesquisa que se abaliza o mérito de traduções específicas, como destaca Holmes (1988). Tendo em vista este apanhado, o que espe- rar, então, desta disciplina a partir deste ponto? FIGURA 3 – FERRAMENTAS QUE AUXILIAM O TRADUTOR FONTE: <http://bit.ly/356ulmK>. Acesso em: 29 nov. 2019. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 6 FIGURA 4 – O IMPÉRIO ROMANO E AS ORIGENS DA TRADUÇÃO FONTE: <http://bit.ly/2P3wutV>. Acesso em: 29 nov. 2019. Conheceremos, nestas páginas iniciais, nomes e teorias significativas que pensaram questões pertinentes à tradução enquanto disciplina acadêmica. Aborda- remos, assim, questões teóricas que envolvem desde o nível da palavra, enquanto forma, até uma abordagem histórico-cultural da tradução. 2 A CONTRIBUIÇÃO DO FORMALISMO RUSSO Alguma vez você já ouviu falar no Formalismo Russo? O Formalismo Russo foi uma corrente de crítica literária muito importante, surgida no começo do século XX e com reverberações posteriores. Na história dos estudos da tradução no ociden- te, esta escola não é reconhecida como um marco de fundação nos estudos tradutó- rios. No entanto, as bases do formalismo serviram para orientar a metodologia de estudiosos como Jiří Levý, conforme veremos a seguir. Afinal, o que defendia o For- malismo Russo? FIGURA 5 – O FORMALISTA BORIS MIKHAILOVICH EIKHENBAUM (1886-1959) FONTE: <http://bit.ly/2E2pE1G>. Acesso em: 29 nov. 2019. TÓPICO 1 | PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 7 Em seu livro intitulado Teorias Contemporâneas da Tradução, Edwin Gentzler (professor de literatura comparada e ex-diretor do Centro de Tradução da Universi- dade de Massachusetts, Amhers), traça as principais características do Formalismo Russo, que de alguma forma serviram de base para os estudos posteriores de Jiří Levý na década de 1960. Um dos primeiros apontamentos de Gentzler diz respeito à questão da lite- rariedade: ele relembra que os formalistas russos buscavam isolar e definir o que os seguidores dessa corrente entendiam por "literariedade". Para tanto, esses estudiosos focavam em questões que "viam como fato literário separando artefatos literários de outras disciplinas, tais como a psicologia, sociologia e história cultural" (GENTZLER, 2009, p. 111). Essa questão é importante porque nos dá a dimensão exata do entendi- mento de arte e literatura que possuíam os formalistas. Para Viktor Chklovski (1973, p. 40), um dos formalistas mais estudados, a arte é entendida como “a soma dos dis- positivos artísticos e literários que o artista manipula para criar sua obra". Gentzler comenta que a literatura e os textos estudados eram vistos pelos formalistas como possuindo autonomia (independência). O autor considera esse con- ceito bastante importante para a construção de teorias contemporâneas da tradução, pois o enfoque se volta para o texto em si e suas especificidades, nãopara noções idealizadas: Essa noção é importante para a atual geração de estudiosos tradutores interessados em como a tradução literária pode contribuir com a teoria da tradução, pois lhes permite enfocar sua investigação em traços determi- nantes específicos de textos literários, em vez de noções metafísicas acerca da natureza da literatura e do significado (GENTZLER, 2009, p.111). Além disso, também é importante mencionar que os formalistas se preo- cupavam com a questão da singularidade do texto: para Gentzler (2009), eles ten- tavam determinar o que difere o texto literário de outros, ou, em suas palavras: "o que faz os textos literários diferentes de outros textos, que os torna novos, criativos, inovadores" (GENTZLER, 2009, p.11). Alguma vez você já parou para pensar na questão do significado das pala- vras na literatura? Veja o que diz o importante crítico literário brasileiro Ítalo Mori- coni no livro Como e por que ler a poesia brasileira do século XX (2002, p. 8), a respeito do significado da palavra em âmbito poético: Toda linguagem tem seu quê de poesia. Mas a poesia é onde o “quê” da linguagem está mais em pauta. A poesia brinca com a linguagem. Chama atenção para possibilidades de sentido. Explora significativamente coinci- dências sonoras entre palavras. Fabrica identidades por analogia, através de imagens ou metáforas: mulher é flor, rapaz é rocha, amor é tocha. Nu- vem é pluma. Pedra é sono. Ainda nas palavras do autor: UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 8 Ocorre que a palavra poesia abrange sentidos que vão além da linguagem verbal, oral ou escrita. Ela também se refere a um universo muito mais amplo e menos exclusivo ou especializado que o do livro e da leitura. É o lado aquém livro da poesia. Que tem a ver com o universo da cultura, tem a ver com o ar que nos envolve. Um filme pode ter poesia. Um gesto, comum ou excepcional, pode ter poesia. A poesia está no ar. A poesia é popular. Se mulher é flor, a poesia está na boca do povo, vem da boca do povo. Espera-se que a poesia enquanto arte específica das palavras de algum modo, revele ou esteja articulada com essa poesia além livro, essa poesia da vida (MORICONI, 2002, p. 8-9). De fato, ao longo da história da humanidade, a literatura, arte cujo principal instrumento é a palavra, tem relegado amostras significativas do poder humano de criação e reinvenção do já conhecido. Uma abordagem formalista da criação literá- ria nos permite contemplar a arte não no que diz respeito a sua estrutura profunda (como defendem teóricos do nível de Chomsky e Nida), mas sim no que tange aos seus elementos estruturais superficiais, conforme menciona Gentzler em seu manual de teoria da tradução. Por falar em significado das palavras, você já leu alguma obra de Guimarães Rosa? Foi um importante autor brasileiro conhecido por seu grande poder de invenção linguística e neologismos. Rosa criou palavras, brincou com o significado e escreveu com traço fino o seu nome na história da literatura brasileira. Ficou curioso? Recomendamos a leitura de Grande Sertão: Veredas. FONTE: ROSA, G. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Companhia das Letras, 2019. DICAS Observe, agora, o que diz Edwin Gentzler (2009, p. 112) com relação ao formalismo e aos Estudos da Tradução: O formalismo e os estudos de tradução privilegiam elementos estruturais superficiais e os analisam a fim de aprender o que determina o status literário. De fato, os formalistas russos, embora usassem conceitos temá- ticos, relegavam-nos a um status secundário e estavam mais interessa- dos em conceitos composicionais. Argumentavam que as ideias abstratas frequentemente tinham a mesma aparência no decorrer da história; im- portante para eles era como os conceitos temáticos se expressavam. Os estudos da tradução usam conceitos temáticos de um modo semelhante, mudando-os de uma posição primária e determinante para um conceito dependente da cultura e língua na qual estão inseridos. Gentzler ainda enfatiza: TÓPICO 1 | PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 9 Talvez o aspecto mais importante e menos entendido do Formalismo Rus- so seja sua dimensão histórica. Os ataques contra a escola tendem a criti- car suas crenças “decadentes” da arte pela arte, e sua falta de parâmetros históricos. Os formalistas russos, contudo, não só analisavam os textos de maneira sincrônica, mas também diacrônica, tentando compreender como os textos se relacionam a uma tradição literária determinante. Sua análise formal incorporava, portanto, fatores intrínsecos e extrínsecos para deter- minara contribuição de um texto específico para uma tradição literária em evolução ou seu distanciamento dela (GENTZLER, 2009, p. 112). FIGURA 6 – EDWIN GENTZLER, AUTOR DE DIMENSÕES PRECURSORAS NA TEORIA DA TRADUÇÃO FONTE: <http://tic-conference.eu/images/Edwin2-10.JPG>. Acesso em: 22 fev. 2019. Com o advento da autenticidade, a metodologia e as convicções formalistas influenciaram gerações subsequentes de teóricos e pensadores sobre a arte, a palavra e os princípios de tradução. É o caso dos autores que conheceremos no subtópico seguinte. 3 JIŘÍ LEVÝ E A RELAÇÃO COM O CÍRCULO DE PRAGA Os grupos conhecidos como checo e eslovaco eram constituído por teóricos como Jiří Levý, Frantisek Miko e Anton Popovic. De acordo com Gentzler (2009) estes grupos evoluíram a partir do próprio Formalismo Russo. Uma questão importante sinalizada pelo autor é o distanciamento do conceito de literatura "como obra au- tônoma isolada do resto do mundo" (GENTZLER, 2009, p. 113). Para o autor, este movimento já começara anteriormente nas etapas últimas do formalismo: UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 10 Um dos motivos de o texto de Levy, Umèni Preklodu (Tradução literária) (1963), traduzido para o alemão como Die Literarísche Übersetzung (1969), ser tão instrumental para os estudos da tradução foi justamente o fato de utilizar as doutrinas do Formalismo Russo, aplicando-as ao tema da tra- dução e mostrando como as leis estruturais formalistas se localizavam na história e como elas interagem com pelo menos duas tradições literárias ao mesmo tempo, a da cultura-fonte e a da cultura receptora (GENTZLER, 2009, p. 113). FIGURA 7 – JIŘÍ LEVÝ FONTE: <http://bit.ly/2Lxly5N>. Acesso em: 20 fev. 2019. Jiří Levý (1926–1967) nasceu na Tchecoslováquia (atual República Checa). Foi um dos mais importantes pesquisadores da tradução de seu tempo. Levý também atuava como historiador e teórico da literatura, sendo o seu pensamento fundamental para o desenvolvimento da teoria da tradução naquele país. De acordo com Gentzler (2009), Levý possuía fortes raízes formalistas, o que é percebido através da metodologia linguística perceptível no projeto teórico do autor. Gentzler (2009) afirma que um primeiro fato que sobressai foi a distinção feita por Roman Jakobson em On Linguistic Aspect of Translation, obra de 1959: Os estruturalistas de Pragaviam os textos como incorporados em redes se- mióticas da língua como um código ou complexo de elementos linguísticos que se combinam de acordo com certas regras. Cada palavra, assim, rela- ciona-se com outros segmentos do mesmo texto (sincrônica) e outras pala- vras em textos na tradição literária (diacrônica) (GENTZLER, 2009, p. 114). Levý estabeleceu, então, um modelo. Nesse modelo era salutar que se man- tivesse a qualidade literária da obra de arte. Isto é, a tradução não agiria como um "agente facilitador", convertendo a complexidade do texto da cultura-fonte em algo mais palatável para a cultura-receptora. Além de Jakobson, outro membro do Círcu- TÓPICO 1 | PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 11 lo Linguístico de Praga, foi salutar para a criação da teoria e Levý: Vilém Mathesius. Gentzler (2009, p. 114) afirma que em 1913 escrevera que "a meta fundamental da tradução literária era alcançar, ou pelos mesmos artifícios ou por outros, o mesmo efeito artístico que no original" FIGURA – VILÉM MATHESIUS, PRESIDENTE DO CÍRCULO Acadêmico! Ao longoda sua trajetória alguma vez você já deve ter ouvido falar no Círculo Linguístico de Praga. Vamos relembrar o que foi o Círculo? O Círculo Linguístico de Praga, também conhecido como "Escola de Praga", foi um dos movimentos mais importantes no âmbito das letras no século XX. O grupo reuniu importantes linguistas e críticos literários responsáveis por estudos no âmbito da semiótica e do estruturalismo. Este grupo, estabelecido na cidade de Praga, havia teóricos do nível de Roman Jakobson, René Wellek, Vilém Mathesius e Nikolai Trubetzkoy. FONTE: <http://ualk.ff.cuni.cz/userfiles/index.jpg>. Acesso em: 29 nov. 2019. NOTA Observe o que diz Gentzler (2009) sobre a concepção do efeito da tradução poética na teoria de Levý (amparado nas reflexões de Matheisus): "A tradução significativa da poesia prova que a correspondência do efeito artístico é muito mais importante que os artifícios artísticos equivalentes. Mathesius afirmava que a tradução dos artifícios artísticos iguais ou quase iguais costuma fazer com que a tradução exerça efeitos diferentes no leitor” (GENTZLER, 2009, p. 114). UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 12 O entendimento da língua para Levý passava pela ideia de que esta é um sistema semiótico conformada por aspectos sincrônicos e diacrônicos. Caro acadêmico! Você lembra quando estudamos os conceitos de sincronia e diacronia no livro Linguística Aplicada à Língua Espanhola? Na ocasião, dissemos: “Os conceitos de sincronia e diacronia são de importância vital para os estudos linguísticos. Saussure estabeleceu dois tipos de linguísticas: a linguística sincrônica e a linguística diacrônica. A sincrônica se ocupa de um recorte temporal (por exemplo, a língua no século XV). Já a linguística diacrônica se ocupa com as transformações da língua através do tempo (a língua nos séculos XV, XVI, XVII, XVIII...). O significado das palavras sincronia e diacronia está ligado à origem na língua grega: Diacronia, do grego dia ‘através’ e chrónos ‘tempo’, quer dizer ‘através do tempo’, e sincronia, do grego syn ‘juntamente’ e chrónos ‘tempo’, significa ‘ao mesmo tempo’" (MACHADO, 2017, p. 10). FONTE: MACHADO, W. F. Linguística aplicada à língua espanhola. Indaial: Uniasselvi, 2017. IMPORTANT E Uma das chaves para compreender a teoria de Levý, no que tange aos seus limites e à filosofia que emprega, pode ser encontrada na ideia exposta por Gentzler (2009) ao discorrer sobre a crença formalista em relação a poeticidade: A crença formalista de que a poeticidade era uma qualidade formal, algo que podia ser separado de uma obra, é crucial para compreendermos a teoria de tradução de Levý. Ele acreditava que poderia determinar, pela lógica, aqueles aspectos que fazem de um texto uma obra de arte, sepa- rando-os do conteúdo, do mundo, do sistema linguístico, substituindo-os por elementos estilísticos de uma língua diferente, igualmente separados de tudo o mais, e chegar a uma obra igualmente artística (GENTZLER, 2009, p. 115). Assentado sobre bases formalistas e inspirado por importantes nomes do Círculo de Praga, como Roman Jakobson e Vilém Mathesius, a Teoria da Tradução de Jiří Levý acrescenta ânimo aos Estudos da Tradução ao pensar a obra de arte ar- ticulada em sistemas linguístico distintos, considerando especificidades em culturas diferentes, a fonte e a receptora. 4 OUTRA VISÃO SOBRE O TRADUZIR Susan Bassnnet, professora universitária e importante teórica dos Estudos da Tradução, publicou, em 1980, um livro intitulado Translation Studies (Estudos da Tra- dução, em tradução livre). As ideias defendidas pela professora da Universidade de TÓPICO 1 | PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 13 Warnick surgiram, segundo Gentzler, na esteira dos debates com os seus estudantes de pós-graduação. As ideias de Bassnnet são tão significativas, que Gentzler afirma que o livro fora "talvez o livro mais vendido de Estudos da Tradução" (GENTZLER, 2009, p. 132). Afinal, o que defende Bassnnet? FIGURA 8 – SUSAN BASSNETT FONTE: <http://bit.ly/356zLy7>. Acesso em: 20 fev. 2019. Primeiramente, é importante mencionar que Bassnett rompe com uma pers- pectiva tradicional de teoria da tradução ao defender que "não há um modo correto de traduzir um texto literário" (GENTZLER, 2009, p. 132). Além disso, no livro de Bassnett também é defendida a ideia de que a interpretação da tradução seja baseada "na comparação da função do texto como original e traduzido" (GENTZLER, 2009, p. 132). Veja o que diz Gentzler a respeito do modus operandi da teórica inglesa: Em uma análise de um histórico da tradução de diversas versões do 13º po- ema de Catulo, por exemplo, ela usa uma definição bastante geral do termo “função” para descrever “de maneira objetiva” as diferentes versões. Na verdade, porém, Bassnett parece se distanciar de uma tradução feita por sir Walter Marris, que “caiu no abismo esperando pelo tradutor que resolva se amarrar a um esquema de rima muito formal”, e preferir uma versão cheia de jargões e letras de rock’n ’roll de Franlc Copley, que ela acha “mais próxi- ma do poema latino do que a versão literal de Marris”. Por fim, ao discorrer sobre uma versão de Ben Jonson, que traduziu o soneto em um poema de 41 versos, ela sugere que se “aproxima mais em espírito, tom e linguagem a Catulo que qualquer uma das outras duas versões” (Bassnett, 1980, p. 88- 91). É claro que Bassnett tenta, retoricamente, decompor o conceito estreito dos leitores do que deveria ser uma tradução literária e nos ajudar a ver os fenômenos de tradução em um sentido mais amplo. Ela parece dar prefe- rência, contudo, à inclusão de efeitos de ostranenie, possibilitando aos tradu- tores acrescentar comentários e passagens a fim de acompanhar os efeitos do original e tornar o texto relevante para o leitor contemporâneo. Seu largo uso do termo “função” e sua aplicação liberal do conceito de mudança ate- nuam as fronteiras entre definições tradicionais de tradução e adaptação (GENTZLER, 2009, p. 132). As proposições da autora inglesa surgiram a partir de reflexões a respeito do flamengo/holandês. A perspectiva adotada pela autora, como percebemos através da exposição de Gentzler, traz-nos uma visão completamente ampliada da tradução, UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 14 isolando problematicamente questões como função, efeitos e atualização do texto aos leitores de determinada língua / tempo histórico. Você sabe quem foi Catulo? Gaius Valerius Catullus foi um poeta romano nascido em Verona, aproximadamente 87 anos antes de Cristo! Durante o período republicano, o poeta romano é conhecido historiograficamente por ter rompido com as temáticas mitológicas presentes no passado romano, utilizando claramente em seus poemas uma linguagem coloquial. NOTA Gentzler (2009) menciona o trabalho de James Holmes como uma espécie de contraponto à perspectiva de Bassnett: "ele quer revelar primeiro o processo de tra- dução, para depois entender por que determinadas decisões foram tomadas, antes de julgar o resultado como bom/mau, verdadeiro/inverídico ou compreendido/mal compreendido" (GENTZLER, 2009, p. 135). Nessa visão, a questão da tomada de decisão do tradutor é algo indissociável do processo de tradução, havendo sempre um leque de possibilidades à disposição do tradutor, que a todo momento se vê condicionado a realizar escolhas. Gentzler (2009, p. 135) pontua que "qualquer que seja o desenrolar da tradução, outras tradu- ções sempre são possíveis, não melhores nem piores, mas diferentes, dependendo da poética do tradutor". Esta abertura nos dá outra dimensão do processo de tradução, pois nos ensi- na que o processo de escolhas do tradutor não precisa necessariamente se dar no âm- bito da língua original ou na língua-alvo, mas no que Gentzler (2009) chama de "zona cinza", que se situa entre ambas línguas. Isto significa dizer que o tradutor, indivíduo conhecedor da língua/cultura fonte e da língua/cultura alvo, pondera, compara e es- colhe a todo momento. A diferençaentre as abordagens de Holmes e de Bassnett é que Holmes tenta preservar o som, o sentido, o ritmo, o “material” textual do objeto na língua e recriar essas sensações específicas - som, sentido e associação - a despeito de limitações inerentes na língua-alvo, enquanto Bassnett enfoca o tema central e o significado, deriva a “função original” e permite a subs- tituição de grande parte do texto, com todas as particulares ressonâncias e associações, por algo novo e muito diferente, mas que, em teoria, afeta o lei- tor da mesma maneira. Em ambos os casos, atendo-se à definição da teoria dos estudos de tradução, podemos ver como os métodos para os tradutores em treinamento e/ou a real prática da tradução dão substância a qualquer discussão de teoria (GENTZLER, 2009, p.135). TÓPICO 1 | PRIMEIROS ESTUDOS DA TRADUÇÃO 15 Você pode encontrar o artigo The name and the nature of Translation Studies em https://www.tau.ac.il/tarbut/tirgum/holmes75.htm. O texto está disponibilizado em língua inglesa. DICAS 16 Neste tópico, você aprendeu que: • É recente a existência da tradução como disciplina acadêmica. • A pesquisa pura em tradução se biparte em estudos descritivos e estudos teóricos. • James S. Holmes foi quem propôs o termo Translation Studies (Estudos da Tradução). • A pesquisa aplicada explora a questão do ensino, das ferramentas, das políticas de tradução e da crítica. • O Formalismo Russo serviu de base para as primeiras teorias acadêmicas que eclo- diram na segunda metade do século XX. • Jiří Levý utilizou perspectivas do Formalismo Russo aplicadas à tradução, consi- derando aspectos relativos à cultura fonte e cultura receptora. • Susan Bassnett isola problematicamente questões como função, efeitos e atualiza- ção do texto aos leitores de determinada língua / tempo histórico. RESUMO DO TÓPICO 1 17 1 Relacione as colunas: Indique a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) 1 – 2 – 2 – 1 – 2 – 1 – 2. b) ( ) 1 – 1 – 1 – 1 – 2 – 1 – 2. c) ( ) 2 – 2 – 1 – 1 – 1 – 1 – 2. d) ( ) 2 – 1 – 2 – 1 – 1 – 1 – 1. e) ( ) 2 – 2 – 2 – 1 – 1 – 1 – 1. 2 A partir do que estudamos no subtópico 2, "A contribuição do Formalismo Russo", considere as seguintes afirmações: I- O Formalismo Russo foi uma escola que se dedicou exclusivamente aos Estudos da Tradução, sendo considerada a pioneira. II- Os formalistas russos buscavam isolar e definir o que os seguidores dessa cor- rente entendiam por "literariedade". III- Para os formalistas não havia diferença da forma dos textos literários para ou- tras formas. É CORRETO o que se afirma em: a) ( ) I, II e III. b) ( ) I e II. c) ( ) Apenas II. d) ( ) I e III. e) ( ) Todas as opções estão incorretas. 3 Marque a opção CORRETA: a) ( ) Susan Bassnett defende que há apenas um modo correto de traduzir. b) ( ) A questão da tomada de decisão por parte do tradutor é um ponto de refle- xão na teoria de James Holmes. c) ( ) Bassnett tenta preservar o som, o sentido, o ritmo, o “material” textual do objeto na língua e recriar essas sensações específicas. d) ( ) Holmes enfoca o tema central e o significado, deriva a “função original” e permite a substituição de grande parte do texto. e) ( ) Aspectos como questões, como função e tempo histórico não são importan- tes para a teoria de Bassnett. AUTOATIVIDADE Estudos descritivos de tradução Estudos teóricos de tradução ( ) Foco no produto ( ) Foco no meio ( ) Foco no tipo textual ( ) Foco no processo ( ) Foco na época ( ) Foco na função ( ) Foco na área 18 19 TÓPICO 2 TEORIAS CONTEMPORÂNEAS UNIDADE 1 1 INTRODUÇÃO A Teoria dos Polissistemas surgiu através dos estudos e reflexões de Itamar Even-Zohar, professor da Universidade de Tel Aviv (Israel). Even-Zohar é um dos mais importantes teóricos da cultura da atualidade e vem desenvolvendo, da segun- da metade do século XX aos dias atuais, importantes estudos que nos permitem com- preender a questão cultural a partir de uma perspectiva sistêmica. FIGURA 9 – A TEORIA DOS POLISSISTEMAS FONTE: <http://bit.ly/2LyWLhC>. Acesso em: 29 nov. 2019. Even-Zohar não é propriamente um tradutor ou especialista em Estudos da Tradução. No entanto, ao longo de sua vasta produção ensaística, dedicou-se a abordar a tradução literária no plexo central da cultura. No livro Polisistemas de Cul- tura (2017), o teórico israelense dedicou três ensaios ao tema da tradução: La posición de la literatura traducida en el polisistema literario; La fabricación del repertorio cultural y el papel de la transferencia; e Textemas vs. repertoremas en la traducción. Nas páginas seguintes conheceremos não somente a teoria de Even-Zohar, mas também uma ideia embrionária já perceptível no Formalismo Russo e outras teorias contemporâneas. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 20 Você pode baixar gratuitamente o livro Polisistemas de Cultura (2017), em espanhol, diretamente através do website do autor. Para fazê-lo, acesse: https://m.tau. ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/polisistemas_de_cultura2007.pdf. DICAS 2 A QUESTÃO SISTÊMICA NO FORMALISMO RUSSO Anteriormente, falamos nos primeiros formalistas russos e a influência desta significativa escola de crítica literária para os Estudos da Tradução. Você recorda qual era um dos principais conceitos associados ao formalismo? Na ocasião, men- cionamos a questão da "autonomia": a linguagem poética e literária, em uma visão formalista, só é literária ao demonstrar capacidade de ressignificação. Por esta razão, a questão da autonomia esteve no centro dos principais estudos de base formalista. Mas, em que ponto essa visão da literatura começa a mudar e por que isso é tão im- portante para os Estudos da Tradução e, por conseguinte, para a Teoria dos Polissis- temas de Itamar Even-Zohar? FIGURA 10 – YURI TYNIANOV (1894-1943) E A QUESTÃO SISTÊMICA FONTE: <http://bit.ly/2Prl822>. Acesso em: 29 out. 2019. Ao discorrer sobre o Formalismo Russo em Teorias contemporâneas da tra- dução, Gentzler (2009) menciona que em Boris Èjxenbaum já ocorre a defesa do aban- dono do entendimento da literatura como arte autônoma em prol de um entendi- mento histórico do fenômeno literário. Se a literatura é produzida em âmbito social, como ignorar as diferentes variáveis que influenciam em sua criação? https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/polisistemas_de_cultura2007.pdf https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/polisistemas_de_cultura2007.pdf TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 21 O problema desta perspectiva se dá, inicialmente, porque o estudo da for- ma – e a compreensão da autonomia dos textos literários e poéticos –, são pedras angulares na constituição desta escola de pensamento. No entanto, a mudança desta perspectiva ocorreu e, longe de ser uma traição ao modus operandi formalista, é vista pela crítica como um estágio natural das próprias ideias defendidas pelos formalistas russos. Veja o que diz Gentzler ao comentar esta questão: [...] essa ruptura do formalismo russo foi uma consequência natural da abordagem formalista: na análise de uma questão literária específica, o crítico logo percebia que o problema literário não só estava emaranhado na história, mas também influenciava a história na qual se insere, abrindo o problema complexo da evolução literária (GENTZLER, 2009, p. 144). Posterior às reflexões de Èjxenbaum, os formalistas seguintes passaram a considerar nuances de significativo valor histórico. Foi então que Yuri Tynianov (1928) escreveu ensaio intitulado Da Evolução Literária: O crítico logo percebia que o problema literário não só estava emara- nhado na história, mas também influenciava a história na qual se insere, abrindo o problema complexo da evolução literária. Segundo Tynjanov, qualquer nova obra literária deve necessariamente desconstruir unida- des existentes ou, por definição, deixa de ser literária. A tradição literária não era mais concebida como uma linha reta contínua, mas antes como uma luta envolvendo destruição e reconstrução a partir deelementos" (TYNIANOV, 1928 apud GENTZLER, 2009, p.144) Ruptura crítica – este é o termo com o qual Gentzler define Tynianov ao con- siderar o desenvolvimento do formalismo e a relevância desta escola para os Estudos da Tradução. A crítica, que o autor direcionou em outros ensaios, volta-se contra o projeto formalista, chegando a criticar a pesquisa desenvolvida por alguns colegas, considerando-as "superficiais e mecânicas e seus resultados ilusórios e abstratos" (GENTZLER, 2009, p. 144). FIGURA 11 – RÚSSIA, LOCAL E SURGIMENTO DO FORMALISMO RUSSO FONTE: <http://bit.ly/2rt0tCE>. Acesso em: 29 out. 2019. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 22 A teoria de Tynianov (1928) acrescenta a noção de sistema e alarga as frontei- ras do entendimento do fenômeno literário. Veja o que diz Even-Zohar a respeito do Formalista Russo: La formulación de Tynianov sobre las fronteras cambiantes de la literatu- ra, en cuanto campo de acción institucionalizado en el que los rasgos es- pecíficos que operan en él y por él están sometidos a una transformación constante, nos ha permitido liberarnos de la constricción de objetos de es- tudio ya delimitados por las instituciones de la sociedad (EVEN-ZOHAR, 2017, p. 26). FIGURA 12 – AS INFLUÊNCIAS DO TEMPO HISTÓRICO FONTE: <http://bit.ly/2E21sMQ>. Acesso em: 28 fev. 2019. Ao trazer a noção de sistema, o formalismo, então, abriu caminhos para os teóricos que viriam posteriormente no fluxo temporal. No subcapítulo seguinte co- nheceremos a teoria de Itamar Even-Zohar, em seus limites e importância para ques- tões de tradução. 3 ITAMAR EVEN-ZOHAR E A TEORIA DOS POLISSISTEMAS Atualmente, (re)conhecido como um dos mais importantes teóricos da cultu- ra vivo, não é à toa que a teoria de Even-Zohar reverbera pelos mais distintos campos, permitindo leituras atentas e constantemente renovadas. De todas as características e limites naturalmente existentes na teoria de Even-Zohar, o grande destaque diz res- peito ao alcance múltiplo e às possibilidades de leitura possíveis. A tradução, ponto diretamente relacionado com a questão literária, ganha grande destaque na linha de pensamento do teórico israelense. TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 23 FIGURA 13 – ITAMAR EVEN-ZOHAR, TEÓRICO DA UNIVERSIDADE DE TELAVIV FONTE:<http://bit.ly/2DZkxiD>. Acesso em: 29 out. 2019. A grande contribuição de Even-Zohar ao campo de estudos de cultura é o conceito de Polissistema. O Polissistema, como expressa o próprio nome, significa uma multiplicidade (poli) de sistemas que estão em constante interação. Estes siste- mas, que funcionam articulados uns com os outros, podem ser de natureza literária ou extraliterária. A Teoria dos Polissistemas busca compreender a atuação de formas distintas de escrita em uma cultura específica. A abordagem de Even-Zohar é considerada bastante completa porque ob- serva o fenômeno ao qual se debruça a partir de diversas variáveis que permitem a existência do fenômeno "A" ou "B". A esta altura, você deve estar se perguntando: de onde surgiu essa noção de sistemas múltiplos que se entrecruzam e geram fenôme- nos perceptíveis em âmbito social? A resposta está você encontra nas páginas anteriores ao texto que você está lendo, acadêmico. Relembre que há pouco falávamos sobre o teórico russo Yuri Ty- nianov (1928), especificamente sobre a singularidade deste teórico em relação aos demais formalistas russos. Gentzler (2009) comenta, em subcapítulo intitulado Ita- mar Even-Zohar: explorando relações literárias intrasistêmicas, que a inspiração de Even- -Zohar partiu, em primeira instância, dos conceitos outrora apresentados por Tynia- nov, "como sistema, normas literárias e a noção de evolução como uma luta contínua entre vários sistemas literários" (GENTZLER, 2009, p. 148). O lugar de fala de Even- -Zohar é a cultura hebraica, e as principais motivações que conduziram sua linha de pensamento, estão relacionadas com a tradução de textos literários para o hebraico e a relação do hebraico com outros sistemas. Observe, agora, a definição de Gentzler a respeito do Polissistema: UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 24 Even-Zohar adotou o conceito de sistema de Tynjanov, sua estrutura hie- rárquica de diferentes sistemas literários, seu conceito de desfamiliariza- ção como artifício medidor de significação literária histórica e, por fim, seu conceito de mutação e evolução literária. A definição de Even-Zohar de Polissistema é igual ao conceito de sistema de Tynjanov, incluindo as estruturas literárias, semiliterárias e extraliterárias. O termo “Polissis- tema” é, portanto, global, abordando todos os sistemas literários, tanto maiores quanto menores, existentes em determinada cultura. A substân- cia de sua pesquisa envolve sua exploração das complexas inter-relações entre os vários sistemas, principalmente os sistemas maiores e os subsis- temas menores (GENTZLER, 2009, p. 149). O que você está achando das teorias que estamos apresentando a você? Complexo? Difícil de visualizar mentalmente? De fato, acadêmico, estes conceitos não são fáceis em um primeiro momento. Apesar disso, eles são importantes para que possamos dar início aos nossos Estudos da Tradução. Ao compreender a história desta disciplina em nível acadêmico, assim como outras questões teóricas, automaticamente estaremos aptos para avançar rumo a questões pertinentes ao ato de traduzir. UNI Onde entra a questão da tradução nessa ideia de Polissistema apresentado pelo teórico israelense? Even-Zohar considerou que a literatura traduzida deveria ser incluída no Polissistema: "em todos os modelos de sistemas anteriores, as tra- duções eram invariavelmente classificadas como sistemas secundários; os dados de Even-Zohar mostravam que tal classificação pode ser incorreta" (GENTZLER, 2009, p. 150). A questão centra-se, especificamente, em torno dos sistemas de cultu- ras maiores e sistemas de culturas menores. Gentzler (2009) comenta que a tradução no âmbito das culturas maiores "como a anglo-americana ou francesa, diferem dos polissistemas de nações mais jovens ou menores, como Israel ou os Países Baixos" (GENTZLER, 2009, p. 150). Por serem autossuficientes, os polissistemas de cultura maior escanteiam a tradução literária para a margem social, ao passo que em culturas menores essas traduções ocupam um espaço de maior destaque. Esta conclusão é um exemplo bastante notável de um tipo de investigação realizada no domínio da Teoria do Polissistemas: o foco não está na tradução em si (enquanto forma), mas na rever- beração desta em âmbito sociocultural, o que redimensiona o espectro de pesquisa do investigador. TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 25 FIGURA 14 – UNIVERSIDADE DE TEL AVIV, BERÇO DA TEORIA DE IVEN ZOHAR FONTE: <http://bit.ly/36hB8u7>. Acesso em: 31 out. 2019. Observe o que diz Even-Zohar a respeito da relação dos textos de origem e a literatura receptora: Mi tesis es que las obras traducidas si se relacionan entre ellas al menos de dos maneras: por el modo en que los textos de origen son seleccionados por la literatura receptora, pues nunca hay una ausencia total de relación entre los principios de selección y los co-sistemas locales de la literatu- ra receptora (para decirlo con la mayor cautela posible); y por el modo en que adoptan normas, hábitos y criterios específicos -en resumen, por su utilización del repertorio literario –, que resulta de sus relaciones con otros co-sistemas locales. Dichas relaciones no se limitan al nivel lingüís- tico, sino que aparecen también en cualquier otro nivel de selección. De esta forma, la literatura traducida puede poseer un repertorio propio y hasta cierto punto exclusivo (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 224). Você pode ler o ensaio La posición de la literatura traducida en el polisistema literario, acessando: http://bit.ly/2YvOsbH. FONTE: EVEN-ZOHAR, I. La posición de la literatura traducida en el polisistema literario. Traducción de Montserrat Iglesias Santos revisada por el autor. In: EVEN-ZOHAR,I. Teoría de los Polisistemas, Estudio introductorio, compilación de textos y bibliografía por Montserrat Iglesias Santos. Bibliotheca Philologica, Serie Lecturas. Madrid: Arco, 1999. pp. 223-231. DICAS UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 26 Even-Zohar defende que há uma relação entre a cultura originária e a re- ceptora e esta relação se manifesta na escolha dos textos traduzidos. O autor afirma, ainda, que considera a literatura traduzida "no solo como un sistema integrante de cualquier polisistema literario, sino como uno de los más activos en su seno" (EVEN- -ZOHAR, 1999, p. 224). Outro ponto relevante é a questão da posição da obra traduzida no Polissis- tema literário, que não pode ser estaticamente primária ou secundária, sendo esta re- lação variável (a depender das circunstâncias). Gentzler (2009) esmiúça essa questão, exemplificando cada um dos momentos em que a condição se alterna de secundária para primária: Even-Zohar especifica três circunstâncias sociais que geram uma situação na qual a tradução ocuparia uma posição primária: quando uma literatura é “jovem” ou no processo de ser estabelecida; quando uma literatura é “pe- riférica” ou “ fraca” ou ambas as coisas e quando uma literatura está viven- do uma “crise” ou um momento de mudança (Even-Zohar, 1978a: 24). No primeiro caso, como é próprio da situação israelita e parece característico da cultura checa do século XIX (MACURA, 1990), a tradução supre a ne- cessidade de uma literatura jovem de usar sua língua nova para tantas e va- riadas espécies de escrita quantas forem possíveis. Como não podem criar todas as formas e gêneros, os textos traduzidos servem como a referência mais importante, durante certo período de tempo (embora não se limitem a essa função na hierarquia). Segundo Even-Zohar, o mesmo princípio se aplica à segunda situação, na qual uma literatura fraca, geralmente de uma nação menor, como Israel, não é capaz de produzir todas as espécies de escrita que um sistema mais forte, maior, reproduz - daí a inabilidade para produzir inovação e a subsequente dependência da tradução para introdu- zir textos que estabeleçam precedentes. Em tais circunstâncias, os textos tra- duzidos servem não apenas como um meio pelo qual novas ideias podem ser importadas, mas também como a forma de escrita mais imitada por escritores “criativos” na língua nativa. Na terceira situação, talvez análoga à situação cultural na América do Norte na década de 1960, modelos lite- rários definidos já não estimulam a nova geração de escritores, que recor- rem a outras fontes para encontrar ideias e formas. Sob tais circunstâncias históricas, ou combinação de circunstâncias, tanto escritores estabelecidos quanto de vanguarda produzem traduções, e, pelo texto traduzido, novos elementos são introduzidos em um sistema literário que, sem eles, não apa- receria (GENTZLER, 2009, p. 151). Como podemos perceber, a tradução em uma perspectiva polissistêmica está muito além da questão puramente textual, envolvendo condições socioculturais e atores que de alguma forma determinam o status ou a posição das traduções no âm- bito do polissistema literário. Em outras palavras, questão social é fundamental na determinação dos papéis desempenhados pelas traduções feitas em determinado sis- tema. Isso está diretamente ligado ao quão forte determinado sistema literário é (com modelos pré-existentes, presença ou não de cânone estabelecido etc). Even-Zohar, no entanto, afirma que “não somente o status socioliterário da tradução depende de sua posição dentro do polissistema, mas a prática da tradução também está subordinada a determinada posição” (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 231). TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 27 Outra questão relevante é o porquê do surgimento de traduções. Gentzler comenta que Even-Zohar fala em "vácuos" em determinada cultura literária. Estes vácuos constituiriam a falta de características "técnicas, formas e até gêneros" (GENT- ZLER, 2009, p. 152). Nesse sentido, a tradução preencheria um espaço até então não existente na cultura receptora, alargando, assim, os horizontes da cultura que rece- beu. Pelo contrário, se não são feitas importações – de literatura estrangeira e de tra- duções –, o sistema manter-se-ia estagnado e impossibilitado de desenvolver-se até o desejável estado de dinâmico. Imagine você uma cultura literária muito jovem: uma nação recém-criada, uma língua sem memória conhecida ou tradição literária conservada. A tradução, em um contexto assim, passaria a apresentar linguagens "novas" aos produtores literá- rios da cultura receptora. É como se o sistema A fornecesse a semente necessária pra que novas formas de literatura cresçam no solo receptor. Even-zohar especifica que a literatura traduzida pode estar conectada com repertórios inovadores (caracterizados por ele como primários) ou com repertórios conservadores (secundários). O que ocorre quando determinada tradução (inovado- ra, primária) penetra no solo da cultura receptora? [...] "no se puede mantener una distinción nítida entre textos originales y textos traducidos" (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 225). Ocorre uma espécie de fusão que torna por limitar as fronteiras. Isso acontece, sobretudo, porque, para o autor, muitas vezes as traduções são feitas por escritores destacados ou então membros da vanguarda que estão prestes a se transformar. Se pensarmos nos maiores escritores brasileiros, prontamente perceberemos que muitos deles, além de escritores, também eram tradutores. Este é o caso de Ma- chado de Assis, Manuel Bandeira, Cecília Meirelles e Haroldo de Campos. Juntos, os referidos autores traduziram ninguém menos que Edgard Allan Poe, Charles Di- ckens, Virginia Woolf, Shakespeare, Sor Juana Inés de la Cruz, José Zorilla, Bertold Brecht, Jean de Cocteau, Friedrich Schiller, Ezra Pound, Homero, Maiakovski. Um caso de vanguarda, por exemplo, liga-se à figura de Haroldo de Cam- pos (a quem conheceremos nas páginas seguintes). Campos fazia parte do grupo Noigandres, grupo brasileiro de poetas de vanguarda formado em 1952, por nomes como Décio Pignatari, Augusto de Campos e Haroldo de Campos. Este grupo foi o responsável pelo surgimento da Poesia Concreta no Brasil. Juntos, traduziram obras de vanguarda que de alguma forma inspiraram a criação de outras similares no Po- lissistema literário nacional. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 28 FIGURA 15 – REVISTA NOIGANDRES. FONTE: <http://bit.ly/2YwbpeH>. Acesso em: 25 fev 2019. Você conhece a literatura concretista do século XX? Os concretistas apresen- taram uma nova forma de fazer literatura no Polissistema literário brasileiro. Suas contribui- ções até hoje expressam um modo de fazer arte bastante particular. NOTA Ainda sobre a inserção de uma tradução em dada cultura, Even-Zohar si- naliza que no momento em que surgem novos modelos literários, a tradução se transforma em um dos instrumentos de elaboração do novo repertório. Ou seja, é a partir dela que se criarão outras formas literárias: "A través de obras extranjeras se introducen en la litertura local ciertos rasgos (tanto princípios como elementos) antes inexistentes" (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 225). Se incorporam, além de novos modelos, uma série de traços como "un lenguaje (poético) nuevo o nuevos modelos y técnicas compositivas" (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 225). Os critérios que selecionam as obras traduzidas, adverte Even-Zohar, já são pré-determinados pela situação predominan- te no polissistema local. Os textos não são escolhidos a esmo, de forma aleatória. Eles são escolhidos por que são compatíveis com o campo de expectativas da cultura receptora, com "las nuevas tendencias y con el papel supuestamente innovador que pueden asumir dentro de la literatura receptora" (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 225). Pense, por exemplo, no Polissistema literário brasileiro e no mercado editorial nacional. Basta uma visita nas principais livrarias localizadas em cidades de grande, médio e pequeno porte, para percebera invasão de diversos tipos de bestsellers que a cada ano invadem o mercado nacional e são devorados por um público receptor ávi- TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 29 do pelos lançamentos. Desde meados do século XIX, o Polissistema literário brasilei- ro vem buscando sua afirmação frente a outros sistemas tradicionais. Lembre-se que os primeiros esforços partiram dos românticos, como José de Alencar, que buscavam na natureza e na cor local a verdadeira identidade brasileira. Dado o advento da globalização, da internet e do surgimento de outras for- mas de arte, (como o cinema, a televisão e os quadrinhos), hoje, menos de duzentos anos após os esforços dos primeiros românticos, o Polissistema literário nacional ain- da importa repertórios de matriz primárias (inovadoras). As séries de livros publica- dos por George R. R. Martin (Game of Thrones), são exemplos bastante tangíveis, que motivaram toda uma nova geração de escritores que produzem histórias inspiradas no estilo do autor inglês: Raphael Draccon, Felipe Castilho, Leonel Caldela e outros. FIGURA 16 – RAPHAEL DRACCON / GEORGE MARTIN FONTE: <http://bit.ly/2rx5xWu>. Acesso em: 29 nov. 2019. A teoria de Even-Zohar nos permite entender, então, como a tradução literá- ria se articula com o Polissistema que a recebe, considerando variáveis que podem ser de ordem diversa e contribuindo com uma visão bastante ampla de uma teoria da tradução. Com Even-Zohar é dado um passo além do Formalismo Russo e das ou- tras teorias predecessoras. Compreende-se o entendimento de teóricos como James S. Holmes (a quem Even-Zohar dedica uma epígrafe na introdução do ensaio La po- sición de la literatura traduzida en el polisistema literário: a la memoria de James S Holmes, un gran estudioso de la traducción y un muy querido amigo” (EVEN-ZOHAR, 1999, p. 223) e esclarece as relações entre literatura, tradução e cultura. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 30 Recomendamos a leitura dos seguintes ensaios de Even-Zohar sobre a tradução literária: EVEN-ZOHAR, I. La fabricación del repertorio cultural y el papel de la transferencia. In: Interculturas, Transliteraturas. Sanz Cabrerizo, Amelia ed. Madrid: Arco Libros, 2008. p. 217- 226. Disponível em: https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/EZ-Fabricaccion- del-repertorio2008.pdf. Acesso em: 29 out. 2019. FONTE: EVEN-ZOHAR, I. La posición de la literatura traducida en el polisistema literario. Traducción de Montserrat Iglesias Santos revisada por el autor. In: EVEN-ZOHAR, I. Teoría de los Polisistemas, Estudio introductorio, compilación de textos y bibliografía por Montserrat Iglesias Santos. [Bibliotheca Philologica, Serie Lecturas] Madrid: Arco Libros, 1999. p. 223-231. Disponível em: https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/EZ- Posicion-Traduccion.pdf. Acesso em: 29 out. 2019. DICAS 4 A ESPECIFICIDADE DA TRANSCRIAÇÃO No Brasil, a Teoria da Transcriação em âmbito poético surgiu através da mão de Haroldo de Campos (1929-2003). Campos foi um poeta e tradutor brasileiro e re- conhecido como um dos principais nomes do Concretismo. Fazia parte do grupo Noigandres com seu irmão, o poeta Augusto de Campos, e Décio Pignatari. Publicou grande parte dos seus poemas na revista homônima do grupo. O que significa o termo Transcriação, cunhado pelo autor paulista? Primeira- mente, cabe afirmar que a Transcriação é um conceito complexo de difícil definição, inclusive para o próprio Haroldo de Campos. Nas linhas seguintes buscaremos elen- car as principais características que conformam a ideia de transcriação desenvolvida pelo teórico paulistano. https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/EZ-Fabricaccion-del-repertorio2008.pdf https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/EZ-Fabricaccion-del-repertorio2008.pdf https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/EZ-Posicion-Traduccion.pdf https://m.tau.ac.il/~itamarez/works/papers/trabajos/EZ-Posicion-Traduccion.pdf TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 31 FIGURA 17 – HAROLDO DE CAMPOS FONTE: <http://bit.ly/2P2IxHS>. Acesso em: 29 out. 2019. Você sabe o que foi o Concretismo? “Os princípios do concretismo afastam da arte qualquer conotação lírica ou simbólica. O quadro, construído exclusivamente com elementos plásticos – planos e cores –, não tem outra significação senão ele próprio. A pintura concreta é "não abstrata", afirma Van Doesburg em seu manifesto, "pois nada é mais concreto, mais real, que uma linha, uma cor, uma superfície". Os desdobramentos da arte concreta na poesia se evidenciam em São Paulo pelo lançamento da revista Noigandres, em 1952, editada pelos irmãos Haroldo de Campos (1929-2003) e Augusto de Campos (1931), e por Décio Pignatari (1927-2012). No Rio de Janeiro, alunos do curso de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), tendo como teóricos os críticos Mário Pedrosa (1900-1981) e Ferreira Gullar (1930-2016), formam o Grupo Frente, em 1954.” FONTE: Concretismo. In: ENCICLOPÉDIA ITAÚ CULTURAL. São Paulo: Itaú Cultural, 2019. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo370/concretismo>. Acesso em: 4 de mar. 2019. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7. IMPORTANT E A tradução, na visão de Haroldo de Campus, não é apenas uma simples transferência da língua original para a traduzida. O trabalho do tradutor é uma espé- cie de criação que mantém na língua traduzida a essência das nuances presentes no texto original. Esta definição vale, em primeira instância, para o âmbito da tradução poética. Veja o que diz a Enciclopédia Itaú Cultural (2019, s.p) a respeito do termo: O principal objetivo do tradutor, segundo a concepção de Haroldo, é fa- zer coam que, de alguma maneira, a essência poética da língua de partida encontre ressonância da língua de chegada, mesmo que isso signifique certas alterações semânticas em relação ao poema original, as chamadas “lei das compensações em poesia. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 32 O objetivo do texto, em uma visão transcriadora, é mais importante do que o significado específico das palavras ao serem traduzidas. Ao detectar os elementos estruturais (como versos, sons e ritmos), o transcriador deve manter este objetivo do texto original, mantendo-se fiel aos propósitos do autor. É importante mencionar que há liberdade criativa no ato de transcriar, contanto que se mantenha o objetivo prin- cipal. Imagine um poema que ao ser lido transpareça ao leitor a impressão de estar ouvindo as ondas do mar. O transcriador poderá, para manter este objetivo em sua trancriação, optar por formas que melhor se adequem a este objetivo na língua para a qual o texto será traduzido. Desde o barroco, ou seja, desde sempre, não nos podemos pensar como identidade fechada e conclusa, mas sim, como diferença, como abertura, como movimento dialógico da diferença, contra o pano de fundo do universal [...] essa prática diferencial articulada a um código universal é também, por definição, uma prática tradutória Haroldo de Campos, Transcriação, p. 198-199 (apud REVISTA CIRCULADÔ. Ano IV, n. 5. set/ 2016). UNI Sem lugar a dúvidas, a Transcriação poética é um ato de criação literária e demanda um grau de complexidade bastante considerável. Esta atividade demanda no transcriador uma grande sensibilidade poética e desenvolvida capacidade de cria- ção. Estes pré-requisitos, portanto, fazem do ato transcriador um delicado caminho no âmbito da tradução. Recomendamos a leitura do dossiê intitulado Tradução como criação e crítica – Haroldo de Campos e Henri Meschonnic, de autoria de Guilherme Gontijo Flores. FONTE: FLORES, G. G. Tradução como criação e crítica – Haroldo de Campos e Henri Meschonnic. Revista CIRCULADÔ, São Paulo, ano IV, n. 5, set. 2016. Disponível em: http:// www.casadasrosas.org.br/crhc/arquivos/revista-circulado-ed5.pdf. Acesso em: 31 out. 2019. DICAS A transcriação, hoje, ultrapassa os limites da poesia e pode ser encontrada também em outros segmentos, como é o casodo marketing. Dado ao seu enfoque estético, a teoria da transcriação se faz presente em outras formas de tradução que demandam fidelidade ao objetivo estético. TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 33 Em um âmbito geral, observe o que diz Martins (2016, s.p.) a respeito da téc- nica e da distinção entre Tradução e Transcriação: Entende-se por “transcriação” o processo de transportar uma mensagem criada em uma língua para outra. Mas transcriar não é sinônimo de traduzir – então qual é a diferença? A transcriação é a transformação de uma mensagem geral, que contém não só con- teúdo escrito como também design visual e imagens. Envolvendo, deste modo, o contexto cultural de uma comunicação escrita, as- sim como um anúncio, folheto ou site. O processo de transcriação requer um olhar abrangente para a mensagem, a fim de adaptá-la ao público sem ignorar os elementos de design principais, visando a consistência – principalmente ao lidar com mercados nacionais. Durante o processo de transcriação, o transcriador pode escolher restruturar a forma como a informação é apresentada para que a mensagem inerente seja mais relevante para o público alvo. O con- teúdo original do idioma de partida é utilizado como base para a versão transcriada para a outra língua. É como pedir para alguém reescrever algo com suas próprias palavras. FIGURA 18 – TRANSCRIAÇÃO FONTE: <http://bit.ly/2E17kpK>. Acesso em: 29 out. 2019. Vamos especificar, então, as diferenças entre transliteração, tradução e trans- criação? A transliteração constitui em uma transcrição das palavras de um alfabeto para outro idioma. Na sequência, observe um exemplo bastante simples de transli- teração: o nome do autor transliterado do português para a língua grega: de Wellin- gton Freire Machado em português temos, então Ουέλλινγκτον Φρέιρ Ματσάντο. UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 34 Acesse translate.google.com e tente transliterar o seu nome para outros idiomas com alfabetos distintos do nosso. Ouça o áudio e surpreenda-se com as distintas formas de pronúncia. DICAS Já a tradução encontra palavras de sentidos equivalentes em idiomas distintos. Veja o que diz o dicionário Michaelis (TRANSPOSIÇÃO, c2019) a respeito da tradução: Transposição ou versão de uma língua para outra; técnica que consiste em traduzir palavra, enunciado, texto, obra etc. falado ou escrito, de uma língua para outra, possibilitando sua compreensão por alguém que não conhece ou não domina a língua em que originalmente o enunciado foi emitido. Por fim, a transcriação ocorre quando o tradutor encontra formas de pre- servar o sentido original do texto. De todas as atividades inerentes ao ato de tra- duzir esta é, sem sombra de dúvidas, a mais complexa, visto que demanda gran- de conhecimento, técnica e perspicácia. 5 A TRADUÇÃO CULTURAL O conceito de Tradução Cultural apresenta um entendimento da tradução além do simples ato de verter um texto de uma língua para outra. A língua, aspecto fundamental da cultura, é um elemento de grande complexidade e se encontra no cerne do fractal cultural. Observar a história dos povos, portanto, é lançar automati- camente um olhar para a história da tradução. Com tantos idiomas e dialetos distri- buídos sobre os sete continentes, a tradução transformou-se na atividade que melhor representa a natureza humana. A comunicação efetiva, que respeita as diferenças em suas mínimas particu- laridades, é um pilar de grande importância no âmbito da tradução, já que esta só pode ser alcançada a partir da consciência do outro. Observe o que diz Pires (2008, p. 2) a respeito da questão cultural nos domínios da tradução: Para haver a comunicação entre duas culturas, é fundamental que a lín- gua traduza não apenas fatos e informações, mas sim a forma de pensar e de valorar da outra cultura. O mediador deve dominar tanto a língua quanto a cultura dos povos envolvidos na tradução, como origem e como meta. Também é preciso haver equilíbrio de poderes entre uma cultura e outra, para haver uma relação de troca. Caso contrário, a tradução pode- rá ficar comprometida, ou com o excesso de preocupação com a cultura meta, ou com o excesso de respeito pela cultura de origem. TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 35 A tradução cultural acontece partindo do cuidado do tradutor ao transitar por culturas distintas: "se a tradução literária se vale de duas línguas e dois sistemas lite- rários distintos, a tradução cultural pressupõe dois elementos, no mínimo, com identi- dades próprias, construídas com base na história, na língua e na religião, entre outros aspectos" (PIRES, 2008, p. 2). Peter Burke, na introdução de seu livro intitulado A tradução cultural nos primór- dios da Europa Moderna (uma coletânea de ensaios coorganizada com R. Po-chia Hsia), discute a "tradução entre línguas no contexto da tradução entre culturas” (BURKE, 2009, p.13). FIGURA 19 – PETER BURKE FONTE: <http://bit.ly/2RzcfpD>. Acesso em: 29 out. 2019. Um dos pontos iniciais comentados pelos historiadores ingleses é a questão das diferenças culturais de uma cultura para a outra (como a questão do humor). Alguma vez você já ouviu uma piada em outro idioma e não achou graça? Observe o que dizem a respeito do tema: Diferenças entre culturas, bem como entrelínguas reduzem o que se chamou de “tradutibilidade” dos textos. Um grande problema para qualquer pessoa que esteja traduzindo literatura cômica, por exemplo, é que o senso de humor das várias culturas, suas “culturas do riso”, como foram chamadas, são muito diferentes. Piadas não conseguem cruzar fronteiras. De maneira similar, com frequência elas estagnam ao longo dos séculos ou se tornam ininteligíveis, como as referências aos chifres dos maridos em Shakespeare, que podem ter feito as pla- teias elisabetanas rolar de rir pelos corredores do Globe, mas são sau- dadas com silêncio hoje em dia (BURKE, 2009, p. 13). UNIDADE 1 | TEORIAS, CRÍTICA E HISTÓRIA 36 Por qual razão a questão da tradução se tornou objeto de estudo – e ponto de reflexão – de um teórico do campo da história? Na coletânea de artigos são aborda- dos aspectos como as missões católicas e as traduções na China (de 1583 a 1700), a língua como meio de transferência de valores culturais, a tradução da teoria política em um contexto europeu moderno, a questão do latim, e outros temas cujo enfoque se centra na questão cultural. Burke (2009) afirma que os historiadores fazem "a me- dição entre o passado e o presente e enfrentam os mesmos dilemas de outros traduto- res" (BURKE, 2009, p. 14). O principal dilema dos historiadores é manter a fidelidade ao original, sem deixar que se perca a compreensão dos leitores da língua meta. Por exemplo, deveríamos falar da “política” de um rei medieval? A palavra não ocorre em textos medievais. Ela não era necessária, já que um rei medieval não precisava convencer eleitores a ele- gê-lo apresentando-lhes um programa de ações futuras. Ele pode ter tido uma política no sentido de certos princípios ou estratégias subjacentes a suas ações políticas cotidianas, desde a promoção da justiça até a ampliação dos limites de seu reino, mas uma política no moderno sentido de um programa é um conceito anacrônico (BURKE, 2009, p. 14). FIGURA 20 – CAPA DA EDIÇÃO BRASILEIRA DO LIVRO DE PETER BURKE FONTE: <http://bit.ly/38lDcTW>. Acesso em: 29 out. 2019. TÓPICO 2 | TEORIAS CONTEMPORÂNEAS 37 Apesar do termo tradução cultural hoje estar associado a Burke, o autor es- clarece que a alcunha se deu pela mão do antropólogo Edward Evans-Pritchard: “a expressão ‘tradução cultural’ foi originalmente cunhada por antropólogos do círcu- lo de Edward Evans-Pritchard, para descrever o que ocorre em encontros culturais quando cada lado tenta compreender as ações do outro" (BURKE, 2009, p. 14). Como exemplo de tradução cultural, Burke (2009) menciona no ensaio O caso da antropóloga Laura Bohannan, que contou a história de Hamlet a um povo da África Ocidental. Burke comenta que Bohannan ouviu