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ROMANCES XXI E XXIV DO ROMANCEIRO DA INCONFIDÊNCIA, CECÍLIA MEIRELES para o podcast Literatura Oral

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Romances XXI e XXIV do Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles #23
Olá! Este é o Literatura Oral, podcast de leitura comentada e de sugestões literárias. Eu sou Sabrina Siqueira, jornalista com doutorado em literatura. 
Olá a todos que estão com esperança de ventos de mudança para as eleições presidenciais de 2022, desde o último sábado, 7 de novembro, quando Trump foi derrotado nos EUA. Eu comemoro a derrota dele porque é a derrota das ideias de preconceito, de exclusão, e de descaso com o meio ambiente que essa pessoa representa. E assim como essas ideias foram derrotadas lá, espero que aqui também prevaleça a empatia e o bom senso coletivo na escolha do próximo presidente. 
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A leitura de hoje evoca justamente duas das palavras que me levam a comemorar a derrota de Trump: esperança de que também no Brasil o presidente preconceituoso seja derrotado e não se reeleja, e ideias para um mundo melhor. As duas palavras do episódio de hoje são esperança e ideias!
No último episódio eu comentei a determinação pelo mutismo voluntário das protagonistas de Maina Mendes, da portuguesa Maria Velho da Costa, e de Clara, de A casa dos espíritos, da escritora Isabel Allende. Duas escritoras que se posicionaram criticamente contra às ditaduras de seus países e usaram o mutismo de suas protagonistas como metáfora ao silenciamento do povo oprimido pelas ditaduras militares e à condição feminina em sociedades onde predomina a mentalidade patriarcal. 
Hoje eu trago a poesia de uma brasileira que dialoga com esses ideais, que é Cecília Meireles. Pela primeira vez temos um episódio dedicado à poesia no Literatura Oral. Vou ler dois poemas do Romanceiro da Inconfidência que tem como mote essas duas palavras tão importantes e fortes: esperança e ideias. Os poemas que eu escolhi são o XXI e o XXIV, também nomeados como Romance XXI ou das ideias e Romance XXIV ou da bandeira da inconfidência. Os poemas desse livro, chamado Romanceiro da Inconfidência, levam quase todos o nome de “romance”. Cecília Meireles ainda não está em domínio público, mas espero não ter problemas de violação de direitos autorais por estar lendo, até porque estou fazendo uma homenagem à poeta, que faria aniversário no 7 de novembro. Uma curiosidade: ela não gostava de ser chamada de poetisa.
Cecília Meireles era carioca e nasceu em 1901. Faleceu em 1964, portanto ainda não faz 70 anos de sua morte, que é o tempo que precisa pra obra entrar em domínio público. Além da poesia, Cecília também se dedicou ao jornalismo, à produção de ensaios e de literatura infantil. Foi pintora, tradutora e professora. Ela defendia o projeto de reforma e modernização do ensino, criticando veementemente aqueles que pregavam pela volta do ensino religioso às escolas públicas. Adorava música e chegou a estudar canto, violão e violino. Essa paixão se reflete na sua poesia, que é muitas vezes musical. Foram diversos livros de poesia publicados em vida e outros tantos póstumos. Cecília recebeu muitos prêmios e um título de doutora honoris causa pela Universidade de Nova Delhi, na Índia.
A poesia de Cecília Meireles é intimista e não estava oficialmente filiada a nenhum movimento literário, mas sua obra é comumente associada à segunda geração do modernismo, pela época em que foi escrita. Entre os seus temas mais frequentes estão a solidão, a passagem do tempo, a efemeridade da vida, a identidade, o abandono e a perda. Ela escolhe vocabulário que alude ao cotidiano e trabalha com versos livres. Se eu tivesse que escolher uma palavra pra definir Cecília seria “serenidade”, porque a poesia dela me passa uma sensação de serenidade, de aceitação madura diante do inevitável, que é a passagem do tempo, da solidão, de tudo que não se pode mudar. Ela também evoca muitas vezes em sua poesia, imagem de retrato, imagem congelada no tempo, espelho, fotografia, olhar para si, o que confere a característica do intimismo a sua obra. 
Seu primeiro livro de poemas foi publicado em 1919, Espectro, com 17 sonetos. Em 1965, um ano após seu falecimento, a Academia Brasileira de Letras concedeu-lhe o Prêmio Machado de Assis pelo conjunto de sua obra. 
Mas Cecília também escreveu poesia socialmente engajada. Ela defendia suas ideias sobre educação e liberdade com firmeza, e isso ajuda a explicar a perseguição velada que sofre do governo Vargas, a quem denominava “o ditador”. Cecília era muito crítica sobre as reformas do ensino implementadas nesse governo, porque se posicionava em defesa de uma escola moderna, que proporcionasse mudanças sociais, oferecendo oportunidades a todos. Romanceiro da Inconfidência foi publicado em 1953 e problematiza questões da política nacional e da formação identitária brasileira. A inspiração veio de uma visita de Cecília a Ouro Preto, cidade que no século XVIII era Vila Rica. 
Romanceiro é um gênero literário que compila poesias ou canções de caráter popular. Em geral, possui um tema central, que está em todos os romances do livro. Não confundir esse romance, que é como são chamados os poemas formadores do romanceiro com o gênero literário moderno, romance, que é narrativa em prosa. 
O Romanceiro da Inconfidência é composto de 85 romances, 5 falas, 4 cenários e uma serenata, que são outros formatos poéticos dentro da obra. E está impregnado da sensibilidade de Cecília no que se refere à crítica social. Os poemas dão uma nova dimensão à Conjuração Mineira, mostrando dramas individuais nos tensos e violentos episódios que vão desde a descoberta do ouro e de pedras preciosas nas Minas Gerais até à Inconfidência, ocorrida no século XVIII. Nesse poemas, Cecília usa a medida métrica redondilha menor, ou medida velha, que são 5 sílabas poéticas, e redondilha maior, que é o verso de 7 sílabas. Mas ela não se prende totalmente a essas medidas e usa também versos livres. 
Romanceiro da Inconfidência caracteriza- se como uma obra lírica, de reflexão, mas com um contexto épico, narrativo, firmemente calcado na história. Em 1789, inspirados pelas ideias iluministas européias e pela independência dos Estados Unidos, alguns homens tentam organizar um movimento para libertar a colônia brasileira de sua metrópole portuguesa. 
Uma pesada carga tributária sobre o ouro extraído das Minas Gerais deixava os que viviam dessa renda cada vez mais descontentes. Assim, donos de minas, profissionais liberais – entre os quais alguns poetas árcades e outros começaram a conspirar contra Portugal. Contudo, o movimento é delatado e os envolvidos, presos. Alguns são condenados ao exílio, e o único a ser executado, na forca, é Tiradentes, em 21 de abril de 1792.
O romance XXI fala das ideias de liberdade sonhadas pelos inconfidentes, e até cita nomes dos americanos envolvidos com a independência deles contra a Inglaterra. E o romance XXIV é um dos mais representativos do livro e contém o que talvez sejam os versos mais conhecidos de Cecília, “liberdade essa palavra/ que o sonho humano alimenta/ que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda”. Esse poema relaciona o ato de confecção da bandeira dos inconfidentes com todo o movimento que eles preparavam em Vila Rica.
Tem algumas palavras diferentes, que eu não conhecia, talvez tu também não saiba:
Almocafre é um tipo de enxada usada na mineração, e aleives são detratores, difamadores.
Vamos à leitura?
Cecília faz alusão, em alguns poemas, ao País das Arcádias, evocado no período literário Arcadismo que predominou em Minas Gerais, no século XVIII. Os poetas dessa escola, como Cláudio Manuel da Costa e Tomáz Antônio Gonzaga, trabalhavam com a ideia do bucólico, de musas e ninfas, e de que eram pastores em uma vida no campo, quando na verdade eram intelectuais urbanos, muitos deles envolvidos com a Inconfidência e a favor de maior liberdade do Brasil no comércio do seu ouro, contrários à exploração de Portugal. Interessante que o formato “romanceiro” escolhido por Cecília para o livro tem origem ibérica. 
Com Romanceiro da Inconfidência, Cecília Meireles confere uma visão humana àquele que foi o primeiro movimentode emancipação do Brasil: a Inconfidência Mineira. A poeta recria os fatos históricos em seus versos, que mesclam relatos dos inconfidentes e dos governantes com a fala de uma infinidade de atores como tropeiros, ciganos, mulheres, caixeiros e bêbados. Da mesma forma, a cidade, os montes e os cavalos se apresentam como testemunhas de um tempo de sonho, traição, corrupção, medo e sofrimento. 
Em seu estudo da obra, Leopoldo Bernucci argumenta que o Romanceiro procura questionar “a autoridade da história ao impregná-la com uma ironia poderosa que desvela as várias distorções e contradições dos episódios". Com o Romanceiro da Inconfidência, Cecília questiona o conceito de neutralidade na história. O verso que encerra as estrofes do romance XXI, “E as ideias”, funciona como um estribilho, um refrão que rompe a estrutura métrica do poema e, assim, reforça o caráter subversivo dessas ideias. Nesse poema, Cecília chama atenção para o papel relegado às mulheres: se brancas, isoladas nas casas grandes, habitando em silêncio o canto das alcovas, calando seus sentimentos em rezas e em esperas, e se pretas, escravas, servindo de mães pretas, amas de leite, criando os filhos das senhoras ou sendo reduzidas a objetos de prazer dos senhores. Essa denúncia corajosamente escrita em versos por Cecília não era comum no Brasil de 1953, quando o livro foi publicado. Era uma época de tentar maquiar a realidade e criar uma identidade nacionalista de povo pacífico e de relações homogêneas. Com versos compostos de substantivos simples, de frases feitas de uma única palavra, Cecília oferece ao leitor a apreensão de forma seca e direta da realidade de diversidade e de crueldade do Brasil oitocentista. Kátia da Costa Bezerra, no ensaio “Romanceiro da Inconfidência: a construção de uma biografia em falsete”, que eu usei na redação do roteiro deste episódio, explica que “o uso de pontos para separar os substantivos impede a fluidez da leitura, uma estratégia que parece querer forçar o leitor a refletir sobre cada um desses termos”. É o que acontece quando a gente tem as palavras soltas separadas por pontos, tais como: feiticeiros, ungüentos, ervas, troncos, chibatas. Essas palavras constroem um imaginário que nos conta toda uma narrativa que, no exemplo dessas palavras que eu peguei, são dos costumes trazidos da África com os escravos, sua tradição de cura com uso de erva e os castigos a que esse povo era submetido quanto tentava expressar sua cultura. A criação de imagens de métodos curativos chama atenção para outra realidade do tempo de exploração das minas: um cotidiano marcado por doenças e ferimentos em ambiente hostil, nas minerações, e pela escassa oferta de tratamento médico especializado para servir ao povo. Ainda no poema XXI, Cecília Meireles faz referência a Aleijadinho e à arte barroca do período, quando escreve: “anjos e santos nascendo/ em mãos de gangrena e lepra”. 
Hoje eu li os romances XXI ou das ideias e XXIV ou da bandeira da inconfidência, que são 2 dos 85 poemas chamados romances do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. Espero que vocês levem essa mensagem da poeta de anseio por liberdade e respeito pelo povo pra votar nas eleições municipais do próximo domingo, e não votem em candidato que reproduz preconceito ou que apóia presidente negacionista, perverso e desrespeitoso. Entenda que apoiar esses discursos é se prejudicar, a você e a quem você estima. Vote pela vida. E na sequência, fiscalize e cobre as ações dos seus candidatos a prefeito e vereador.
Fiquem bem, um abraço e até o próximo episódio!

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