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1 DIREITO DAS COISAS Tatiane de Aguiar Cabral BIBLIOGRAFIA: GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 5: direito das coisas. 14. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS COISAS Para nos elucidar quanto à conceituação de Direito das Coisas, Carlos Roberto Gonçalves parte da concepção de Clóvis Beviláqua, (falecido jurista e legislador brasileiro) que obtempera o Direito das Coisas como um complexo de normas reguladoras das relações jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, portanto, precisam estar no mundo físico, para que se possa sobre elas exercer domínio. Coisa é o gênero e bem é espécie. Porém, apenas faz-se bem jurídico do Direito das Coisas, aqueles que são úteis e raros (suscetíveis de apropriação pelo homem, no qual se confere valor econômico). Aqueles que são abundantes como ar atmosférico, água dos oceanos, não são bens jurídicos tutelados pelo Direito das Coisas (também se enquadram aqui, os bens jurídicos como a vida, a liberdade, a honra..., que são protegidos por outra área do Direito, não cabendo, portanto, no ramo do Direito das coisas). Convém salientar, que ambas as expressões “Direito das Coisas” e “Direitos Reais” possuem conceito e objetivo idênticos, e tratam da mesma matéria. É o ramo do Direito Civil mais influenciado pelo Direito Romano e possui como matriz de regência a propriedade, cujo conceito não é único e sofreu várias evoluções ao longo da história. Inicialmente individualista, ao chegar na Era Medieval, a propriedade sofre uma dualidade de sujeitos (o que podia dispor da terra e o que a cedia a outrem), contudo, a disponibilidade real do bem caia nas mãos do soberano (detentor do poder político), que se baseava num sistema hereditário como forma de garantir o domínio. Com a Revolução Francesa, a propriedade adquire novamente uma concepção individualista, porém, gradativamente vai se modificando para uma concepção mais preceituada nos aspectos da função social da propriedade, predominando-se o interesse público sobre o privado, concepção na qual, se faz imperiosa em nosso ordenamento jurídico atual (art. 5º, XXIII, CRFB/88 c/c art. 1.228, CC/2002). Cumpre salientar que o direito das coisas não está regulado apenas no Código Civil, senão também em inúmeras leis especiais, como as que disciplinam, por exemplo, a alienação fiduciária, a propriedade horizontal, os loteamentos, o penhor agrícola, pecuário e industrial, o financiamento para aquisição da casa própria, além dos Códigos especiais já citados (Código de Águas e Código de Minas), concernentes às minas, águas, caça e pesca e florestas, e da própria Constituição Federal. Para um melhor entendimento desta matéria, faz-se necessário delimitar e precisar o objeto do Direito das Coisas, para tanto, convém distinguir os direitos reais dos direitos pessoais. É cediço que o vocábulo reais deriva de res, que no âmbito do Direito, significa coisa. Assim, para a doutrina clássica, o direito real consiste no poder jurídico, direto e imediato, do titular (polo ativo) sobre a coisa, com exclusividade e contra todos. Logo, os demais sujeitos da sociedade (polo passivo), têm dever de absterem-se dos atos que possam ofender/violar o direito do titular. No momento em que o direito é violado, o sujeito passivo, que era indeterminado, torna-se determinado. Já o direito pessoal é uma relação jurídica, cujo sujeito ativo pode exigir do sujeito passivo determinada prestação. Possui como elementos, portanto, os sujeitos (ativo e passivo) e a prestação. O direito pessoal é direito relativo, visto que é oponível apenas às pessoas que fazem parte daquela relação jurídica. Já o direito real possui como elementos: o sujeito ativo, a coisa e o domínio da coisa (vínculo entre sujeito ativo e a coisa), sendo direito absoluto, pois é oponível a todos. Fundamentando-se neste entendimento, o Código Civil brasileiro consagrou a chamada Teoria dualista ou clássica, que como esboçado, prega a distinção entre os direitos reais e pessoais (obrigacionais). As normas que regulam os direitos reais são de natureza cogente, de ordem pública, ao passo que as disciplinadoras do direito obrigacional são em regra, dispositivas ou facultativas, com livre autonomia de vontade das partes. O direito real possui efetivação direta, sem intervenção, ou dependência de colaboração de outrem para que exista e seja exercido. Ao passo de que o direito pessoal carece de intervenção de outro sujeito de direito. O direito real possui por objeto, coisa determinada, cuja violação é fato positivo, visto que o titular possui gozo permanente de seus direitos, que podem ser adquiridos por usucapião e apenas possui um sujeito passivo determinado no momento em que é violado, caso contrário, é sempre oponível a todos. Já o direito pessoal, possui por objeto a prestação, que pode ser genérica 2 e determinável, cuja violação nem sempre consiste num fato positivo, possuindo a relação um caráter transitório, visto que se extingue quando é cumprida a obrigação, que desde o seu nascimento já possui pessoa determinada e é oponível somente a esta (obs: não são cabíveis de usucapião). Convém consignar alguns princípios: a. Princípio da aderência, especialização ou inerência: estabelece um vínculo direto e imediato entre titular e a coisa, do qual não necessita de outrem para existir. A relação se estabelece de modo que o titular do direito pode perseguir a coisa (jus persequendi), onde quer que ela se encontre, com quem quer que ela esteja e mesmo que a coisa se transmita a terceiros (fundamenta-se no art. 1.228, CC que faculta ao proprietário usar, gozar, dispor e reaver a coisa). b. Princípio do absolutismo: o caráter absoluto, decorre do fato de o direito real ser um direito direto e imediato, se manifestando, portanto, com oponibilidade erga omnes, fazendo surgir daí, o direito de sequela ou jus persequendi, ou seja, o direito de perseguir a coisa e de reivindica- la em poder de quem quer que esteja (ações possessórias), como também o jus praeferendi (direito de preferência) sobre a coisa. c. Princípio da publicidade ou da visibilidade: por serem oponíveis erga omnes, os direitos reais necessitam que todos possam conhecer os titulares, para não os molestar (caráter conferidor de eficácia aos direitos reais). O registro e a tradição são meios de publicidade da titularidade dos direitos reais. d. Princípio da taxatividade ou numerus clausus: a lei os enumera de forma taxativa, sendo considerados somente os elencados na lei (numerus clausus), não ensejando, assim, aplicação analógica da lei. Os direitos reais existentes no nosso ordenamento jurídico estão previstos no art. 1.225, CC, há, contudo, alguns outros direitos reais disciplinados de modo esparso no ordenamento jurídico brasileiro. Todavia, como todo direito real precisa de prescrição legal, é vedado as partes criar direitos reais, assim, toda limitação ao direito de propriedade que não esteja prevista em lei como sendo um direito real, possui, portanto, natureza obrigacional, visto que, se os direitos reais possuem oponibilidade erga omnes, seria inadmissível que as partes criem deveres jurídicos que se oponham a toda a sociedade. e. Princípio da tipicidade: os direitos reais existem em consonância com os tipos legais (lei). São, portanto, modelos dos tipos determinados e enumerados de forma taxativa pela norma consagrada no texto positivo. Só assim, poderão ser tidos como direitos reais. f. Princípio da perpetuidade: a doutrina classifica a propriedade como um direito perpétuo, visto que não se perde pelo não uso, mas somente por formas legais: desapropriação, usucapião, renúncia, abandono, etc., contudo,verifica-se que essa perpetuidade não é absoluta, visto que também se extingue o direito nas já referidas circunstâncias, porém, confere-se aos direitos reais mais estabilidade que aos direitos obrigacionais que possuem caráter transitório, já que estes se extinguem imediatamente após cumprida a obrigação. g. Princípio da exclusividade: cada sujeito exerce seu direito real com exclusividade, visto que não é possível instalar-se direito real onde outro já exista, ou seja, duas pessoas não ocupam o mesmo espaço jurídico, de modo que, não pode haver dois direitos reais, de igual conteúdo, sobre a mesma coisa. (Exemplos: no condomínio, cada consorte tem direito a porções ideais, distintas e exclusivas, nenhum consorte possui direito a mesma porção do imóvel; na locação, há um desmembramento da posse entre o possuidor direto -locatário- e o indireto -locador- por essa razão, cada um deles exerce, direta e imediatamente, sobre o imóvel, direitos distintos e sem intermediação do outro). h. Princípio do desmembramento: o direito de propriedade pode desmembrar-se em todos os outros tipos de direitos reais, beneficiando terceiros que passam a exercê- los sobre coisa alheia (posse direta), contudo, há uma ulterior reunificação desses direitos no direito de propriedade- matriz, através da consolidação, em que o direito volta ao proprietário, e este volta a ter o domínio pleno da res. À exemplo da locação, em que como exposto, há a figura do possuidor direto (locatário) e a do indireto (locador/proprietário), em que ambos exercem poder de posse sobre o 3 imóvel de modo distinto em virtude do desmembramento (visto que o locatário só possui os direitos de uso e gozo, enquanto o proprietário possui os direitos de dispor e reaver o imóvel), contudo, essa situação de desmembramento é sempre transitória, visto que ao se extinguir o contrato de locação, a posse plena volta-se para o proprietário (direito de propriedade- matriz). Uma observação a ser feita quanto ao contrato de sublocação, é que este possui um desmembramento do desmembramento, digamos assim, pois, após a locação, há um segundo desmembramento (sublocação) em relação ao locatário, que outorga parte de sua posse para o sublocatário, de modo que, ambos exercerão um direito real juntamente com o proprietário, todavia, distintos entre si e proporcionais ao desmembramento (o sublocatário exercerá o seu direito em um menor grau que o locatário, que exercerá em menor grau que o proprietário). Tal como na locação, na sublocação, a posse retorna ao locatário, após a extinção do contrato de sublocação, contudo, nesse caso, não se trata do direito de propriedade-matriz, mas de posse indireta da coisa. Convém consignar que havendo o desmembramento sucessivo de posse da coisa, terá a posse direta somente àquele que tiver a coisa consigo, ademais, todas as posses serão indiretas, gradativamente. Contudo, os referidos desmembramentos sucessivos não diminuem o poder de propriedade-matriz do proprietário, que em caso de extinção dos demais contratos, tornará a ter domínio pleno da coisa (consolidação). A doutrina menciona, com efeito, a existência de algumas figuras híbridas ou intermédias, que se situam entre o direito pessoal e o direito real. Constituem, elas, aparentemente, um misto de obrigação e de direito real. (...) São chamadas de obrigações propter rem ou direitos reais inominados. Elas são ambulatórias, acompanham a coisa nas mãos de qualquer novo titular, de tal maneira que, ao se vender um prédio, transfere-se para o adquirente a obrigação de entrar com sua metade das despesas do muro comum, assim como para ele também são transferidas todas as obrigações que estão compreendidas na vizinhança. As referidas figuras híbridas, portanto, reúnem caracteres dos direitos reais e obrigacionais. Obrigação propter rem é a que recai sobre uma pessoa, por força de determinado direito real. Só existe em razão da situação jurídica do obrigado, de titular do domínio ou de detentor de determinada coisa. É o que ocorre, por exemplo, com a obrigação imposta aos proprietários e inquilinos de um prédio de não prejudicarem a segurança, o sossego e a saúde dos vizinhos (CC, art. 1.277). Decorre da contiguidade dos dois prédios. Por se transferir a eventuais novos ocupantes do imóvel (ambulat cum domino), é também denominada obrigação ambulatória. São obrigações que surgem ex vi legis, atreladas a direitos reais, mas com eles não se confundem, em sua estruturação. Enquanto estes representam ius in re (direito sobre a coisa, ou na coisa), essas obrigações são concebidas como ius ad rem (direitos por causa da coisa, ou advindos da coisa). Ela é, segundo entende, “uma obrigação de caráter misto, pelo fato de ter como a obligatio in personam objeto consistente em uma prestação específica; e como a obligatio in re estar sempre incrustrada no direito real”. Ônus reais são obrigações que limitam o uso e gozo da propriedade, constituindo gravames ou direitos oponíveis erga omnes, como, por exemplo, a renda constituída sobre imóvel. Aderem e acompanham a coisa. Por isso se diz que quem deve é esta e não a pessoa. Embora controvertida a distinção entre ônus reais e obrigações propter rem, costumam os autores apontar as seguintes diferenças: a) a responsabilidade pelo ônus real é limitada ao bem onerado, não respondendo o proprietário além dos limites do respectivo valor, pois é a coisa que se encontra gravada; na obrigação propter rem responde o devedor com todos os seus bens, ilimitadamente, pois é este que se encontra vinculado; b) os primeiros desaparecem, perecendo o objeto, enquanto os efeitos da obrigação propter rem podem permanecer, mesmo havendo perecimento da coisa; c) os ônus reais implicam sempre uma prestação positiva, enquanto a obrigação propter rem pode surgir com uma prestação negativa; d) nos ônus reais, a ação cabível é de natureza real (in rem scriptae); nas obrigações propter rem, é de índole pessoal. Também se tem dito que, nas obrigações propter rem, o titular da coisa só responde, em princípio, pelos vínculos constituídos na vigência do seu direito. Nos ônus reais, porém, o titular da coisa responde mesmo pelo cumprimento de obrigações constituídas antes da aquisição do seu direito. Obrigações com eficácia real são as que, sem perder seu caráter de direito a uma prestação, transmitem-se e são oponíveis a terceiro que adquira direito sobre determinado bem. Certas obrigações resultantes de contratos alcançam, por força de lei, a dimensão de direito real. Assim, quando determinada relação obrigacional merece tratamento de maior proteção, concede-se eficácia real a uma relação obrigacional, criando uma exceção à regra geral dos efeitos pessoais das relações obrigacionais. POSSE 1. Conceito 4 O conceito de posse, no direito positivo brasileiro, indiretamente nos é dado pelo art. 1.196 do Código Civil, ao considerar possuidor “todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade”. Sendo, portanto, possuidor aquele que independentemente de ser proprietário, exerce sobre uma coisa poderes ostensivos, conservando e defendo, agindo como dono se comporta em relação ao que é seu. Segundo o art.1204 do CC, adquire-se a posse quando se torna possível o exercício dos poderes inerentes ao proprietário da coisa, ou seja, constitui posse quando surge o efetivo poder de titular da relação sobre determinado bem, garantindo também a possibilidade de exerce-lo. Assim quando for possível exercer sobre uma coisa poderes ostensivos, conservando-a e defendo-a, agindo como o dono se comporta em relação ao que é seu, adquire-se a posse. 2. Teorias da posse O estudo da posse é repletode teorias que buscam explicar seus conceitos, essas se reduzem em dois tipos: teorias subjetivas, objetivas, ecléticas e sociológicas. a) Subjetiva – Savigny: O mérito do pesquisador se deu ao encontrar em seus estudos sobre a dogmática da posse, sua posição autônoma, em que existiam direitos exclusivos e resultantes da posse (ius possessionis), sendo esses direitos o núcleo próprio da teoria possessória. Para Savigny a posse é a união de dois elementos, o elemento objetivo e físico (corpus) e a intenção de se exercer poder sobre a coisa e ser propriamente dono, impedindo que outros intervenham (animus), a teoria se diz subjetiva em razão desse último elemento. Logo, não há posse se detém a coisa, mas, não há desejo de tê-la como dono (ex. locação). Ponto discutido: O direito não pode negar proteção ao locatário, por exemplo, contra um ladrão que consegue por violência a posse de um imóvel, pelo simples fato de haver ou não o animus. Para solucionar a questão Savigny criou a posse derivada, em que se transfere os direitos possessórios e não o direito de propriedade, para ao depositário, locatário e outros. Contudo, negou sua própria tese, visto que admitiu a posse sem intenção, mesmo distinguindo a posse com e sem ânimo. b) Objetiva – Ihering (acolhida): Nesta teoria o papel do animus não ganhou protagonismo, visto que o conceito de posse foi estabelecido conforme a maneira como o proprietário age em face da coisa, logo, os meios de exteriorização da propriedade. Portanto, Ihering entende que basta o corpus para a caracterização da posse, não o contato físico e sim a conduta para com a coisa. Assim, tem a posse aquele que se comporta como dono, o elemento subjetivo já está incluso, mas não é essencial o desejo de querer ser dono. A conduta de dono pode ser analisada objetivamente, sem a necessidade de pesquisar-se a intenção do agente. A posse, então, é a exteriorização da propriedade, a visibilidade do domínio, o uso econômico da coisa. Ela é protegida, em resumo, porque representa a forma como o domínio se manifesta. Um exemplo é o lavrador que deixa a sua colheita no campo mas conserva-a em sua posse e age para com o seu produto como todo produtor ordinário o faz. No entanto, se alguém deixa uma joia no campo, não conserva posse sobre ela, pois donos de joias não se comportam dessa maneira. A visibilidade da posse influencia na segurança da coisa e do domínio, pois, segundo a teoria objetiva a posse é a exterioridade ou visibilidade do domínio. Ou seja, para provar o estado da posse basta analisar a realidade e comportamentos, em casos mais complexos, é necessário ir até ato de aquisição, como no caso daqueles que possuem o terreno, mas, não produzem. Todavia, o dono não precisa acompanhar e ver tudo para reafirmar sua posse, basta que se comporte como possuidor, exteriorizando sua propriedade e possibilitando o uso econômico sobre a coisa. Assim, o aspecto de normal relação com a coisa constitui a posse, quando o propósito da coisa se perde e seu destino econômico é afetado, perde também a posse. Para Ihering, posse e detenção se distanciam devido a obstáculos legais, logo, a lei desqualifica a posse em certas situações, gerando os contextos de detenção. Neste ponto reside a diferença substancial entre as duas escolas, de Savigny e Ihering: “para a primeira, o corpus aliado à affectio tenendi gera detenção, que somente se converte em posse quando se lhes adiciona o animus domini (Savigny); para a segunda, o corpus mais a affectio tenendi geram posse, que se 5 desfigura em mera detenção apenas na hipótese de um impedimento legal (Ihering). A proteção possessória é elemento indispensável para posse, pois, em meio a uma ação possessória a propriedade está na defensiva e a reinvindicação na ofensiva, ou seja, o proprietário fica dispensado de comprovar sua posse sobre a coisa, pois em alguns casos é impossível comprovar tal fato, bem como, pode um intruso usar dessa alegação e obter imerecida proteção. Essa é provisória, até que o intruso seja convencido por meios ordinários, na própria ação. c) Sociológicas: Silvio Perozzi, na Itália, Raymond Saleilles, na França, e Antonio Hernández Gil, na Espanha. Deram eles novos rumos à posse, fazendo-a adquirir a sua autonomia em face da propriedade. Tais ideias dão ênfase ao caráter econômico e à função social da posse, aliada aos preceitos constitucionais, permitindo que em alguns contextos, a posse prepondere sobre a propriedade. Em 1966 foi publicada a Teoria Social da Posse de Perozzi, relacionada a abstenção de terceiros para com a posse, em que a posse necessita do corpus, animus e resulta do fator social, ou seja, é necessário haver uma abstenção coletiva para que o possuidor se efetive, obtendo a plena disposição de fato de uma coisa. Já a teoria da apropriação econômica de Saleilles, preconiza que a posse é independente do direito real, pois a primeira se manifesta segundo uma consciência social considerada economicamente. Há posse onde há relação de fato suficiente para estabelecer independência econômica do possuidor, distinguindo, portanto, posse e detenção. Por fim, Hernandez entende que a posse atua com uma função social, estando ela intrinsicamente relacionada as ações práticas humanas, tais como necessidade e trabalho. Sendo assim, a posse deve ser enquadrada na estrutura e função do Estado social, como um programa de distribuição de recursos. De acordo com essa visão, o inciso XXIII do art.5º da CF afirma a função social da propriedade. Assim, a atual visão é a de posse – trabalho, em que a lei deve proteger a posse que traz o trabalho criador, como investimentos e construções. 3. Natureza jurídica da posse Inicia-se com o questionamento se a posse é um fato ou direito, e que para isso existem três teorias: a) Direito: Se os direitos são interesses juridicamente protegidos, então, a posse é um interesse juridicamente protegido. A posse é a condição da econômica utilização da propriedade e por isso o direito a protege, tendo por causa um fato. b) Fato: a posse não tem autonomia e por isso não tem valor jurídico próprio, visto que o fato possessório não está subordinado aos princípios que regulam a relação jurídica no seu nascimento, transferência e extinção. c) Eclética: A posse é fato e direito, pois considerando em si mesma é um fato e considerando os efeitos que produz é um direito, como por exemplo a usucapião e interdito. A última teoria é a aceita, contudo, faz se mister entender se trata de direitos reais ou pessoais. Ao analisarmos os princípios de ambos os direitos, compreende-se que se trata de um direito real, visto que o próprio conceito de direitos pessoais não se encaixa na posse “relação ou vínculo jurídico que confere ao credor o direito de exigir do devedor o cumprimento da prestação”. No entanto, para Marcus Vinicius Rios Gonçalves, a posse não é oponível erga omnes, logo, não é absoluta e por isso acabe cedendo a propriedade. Melhor, desse modo, ficar com a opinião de Clóvis Beviláqua: a posse não é direito real, mas sim direito especial. José Carlos Moreira Alves acolhe tal entendimento, dizendo que, “desanimados, em razão das peculiaridades que a posse apresenta, de a enquadrarem em qualquer das categorias jurídicas da dogmática moderna, vários autores se têm limitado a salientar que a posse é uma figura especialíssima, e, portanto, sui generis”. Assim, aduz: “Em verdade, no direito moderno, a posse é um instituto jurídico sui generis... Sendo instituto sui generis, não só não se encaixa nas categorias dogmáticas existentes, mas também não dá margem à criação de uma categoria própria que se adstringiria a essa figura única”. 4. Fundamentosda posse O direito protege a posse como figura de direitos reais e a posse em sua plena autonomia, essa proteção se deve para garantir a paz social e a estabilidade e continuidade do estado. Sendo assim, se alguém se instala em um imóvel e fica por um ano e um dia de maneira pacífica, surge a jus possessionis ou posse formal, que é caracterizada pela sua autonomia e falta de titularidade, 6 protegido contra terceiros e até proprietários. Por outro lado, o direito à posse é conferido ao portador do título de direitos reais, sendo o jus possidendi ou posse causal. A posse, neste caso, constitui parte do direito real, não sendo autônoma, mas, ainda assim se protege essa situação contra atos de violência, visando a paz social. Se o sujeito se enquadra em ambas distinções (execução e titularidade), seus títulos não precisarão ser verificados, mas, se o possuidor não for o real titular, o titular se abstém, consolidando a situação do possuidor, que poderá adquirir a propriedade por meio do usucapião, ou, o verdadeiro titular reivindica sua posse por meio da ordem jurídica. Portanto, o jus possessionis persevera até que o jus possidendi o extinga. 5. Posse e detenção O exercício sob o corpus material da coisa identifica detenção, sendo a posse o animus domini (vontade de possuir para si), e a exterioridade do domínio, ou seja, tem a posse aquele que se comporta como proprietário. Para Ihering, a detenção é a posse degradada, em que por virtude da lei, se avilta em detenção. Ademais, somente a posse confere direitos e efeitos jurídicos, sendo esse o fator distintivo. Por outro lado, o detentor é aquele que “em relação de dependência para com outro” e conserva a posse “em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas” (art.1.198 CC). O possuidor exerce de fato em razão de interesse próprio, enquanto o detentor o exerce em nome de outrem, como é o caso dos caseiros. Logo, o detentor age conforme lhe determina o possuidor, e não de maneira independente. Conforme disciplina Moreira Alves, a detenção é “a relação material com a coisa com animus diverso do rem sibi habendi ou do domini, ou a relação material com a coisa com o mesmo animus da posse (animus que se reduz à consciência e se revela pelo elemento objetivo), a que a lei, porém, nega efeitos possessórios”. Outros artigos falam sobre os casos em que o exercício de fato não constitui a posse, são eles: art. 1.208, que trata sobre impedimentos para o surgimento da posse, e o art.1.224 do CC, que trata sobre a mera detenção enquanto o possuir não presente tenha notícia do esbulho e se abstenha que retomar a coisa. Por fim, não há posse de bens públicos, art.183 e art.191 da CF proíbem a usucapião de tais bens. 6. Objeto da posse e a posse dos direitos pessoais Para os romanos, a posse sobre coisas não físicas era denominada quase posse, séculos depois o conceito de posse foi ampliado, por influência do direito canônico, e passou a acolher direitos pessoais. No séc. XIX estendeu-se a posse aos direitos reais e obrigacionais, que implicavam nos poderes sobre uma coisa. Todavia, o CC 2002 seguiu o entendimento dado de Beviláqua que suprimiu a alusão à posse de direitos. Assim sendo, o art. 488 corresponde ao art. 1.199 do novo diploma, que tem a seguinte redação: “Se duas ou mais pessoas possuírem coisa indivisa, poderá cada uma exercer sobre ela atos possessórios, contanto que não excluam os dos outros compossuidores”. O art. 490 foi reproduzido no art. 1.201 do Código de 2002, sem a expressão final: “ou do direito possuído”. A redação ficou sendo a seguinte: “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. E o art. 493, I, foi substituído pelo art. 1.204, verbis: “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. Acrescenta Beviláqua, na obra citada, que “o Código reconhece a posse dos direitos, que consiste na possibilidade incontestável do efetivo exercício de um direito. Como, porém, a posse é estado de fato, correspondente à propriedade, os direitos suscetíveis de posse são apenas os que consistem em desmembramentos dela, os direitos reais, excluída, naturalmente, a hipoteca, porque ela não importa utilização nem detenção da coisa vinculada à garantia de pagamento. Os direitos pessoais são estranhos ao conceito de posse”. Obs: Os bens semi-corpóreos surgiram com o desenvolvimento tecnológico da humanidade, como energia, ondas de frequência televisiva, linhas telefônicas e outros. Sendo que a proteção possessória não tem sido negada, mas o entendimento é de que nunca há de ser ela deferida contra o concedente do serviço, mas contra aqueles que turbam a utilização 7. Modos de aquisição da posse O Código Civil de 2002, coerente com a teoria objetiva de Ihering, adotada no art. 1.196, não fez discriminação dos modos de aquisição da posse, limitando se a proclamar, no art. 1.204: “Adquire- se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade”. A aquisição pode se concretizar por qualquer dos modos de aquisição em geral. a) Originário: 7 Neste caso não há relação de causalidade entre a posse atual e a anterior, como nos casos em que há esbulho, e o vício posteriormente convalesce. Assim, adquire-se a posse de modo originário quando não há consentimento do possuidor precedente. Exemplificando, primeiramente o primeiro possuidor apresentava sua posse escoimada com vícios, tais vícios desparecem ao ser ele esbulhado, fazendo com que o esbulhador exerça sua posse livre de vícios, visto que esses se convalesceram. Obs: O art.1.207 em sua segunda parte traz uma exceção, em que pode ter outros defeitos, mas, não vícios anteriores, ao facultar ao sucessor singular direito de unir a sua posse a de seu antecessor, para os efeitos legais. • Apreensão da coisa: apropriação unilateral de coisa “sem dono”, a coisa é sem dono quando tiver sido abandonada ou quando não for de ninguém. Ocorre a apreensão quando a coisa é retirada de outrem sem a sua permissão. Neste último, mesmo tendo ocorrido com violência ou clandestinidade, se o primitivo possuidor se omitir, não reagindo em defesa da posse ou não defendendo por meio de interditos, os vícios desaparecem e terá o novo possuidor obtido posse injusta, sendo merecedora de proteção. Obs: Se tratando de coisas imóveis, adquire a posse pelo fato de o possuidor deslocar para a sua esfera de influência, logo, sua ocupação e uso da coisa. • Exercício do direito: o art.1.379 proclama que o exercício incontestado e contínuo de uma servidão aparente conduz à usucapião, adquire-se pelo exercício dos direitos reais sobre coisa alheia, ou seja, o exercício daqueles direitos que podem ser objeto de uma relação possessória. Exemplo é a passagem constante de água por um terreno alheio, capaz de gerar servidão de águas. Ter o exercício do direito é poder usar e utilizar desses. • Disposição da coisa ou do direito: é um desdobramento da ideia do exercício do direito, em que se caracteriza pela conduta normal do titular do passo ou domínio. Assim, se o possuidor vende sua posse ou cede possíveis diretos de servidão de águas, está realizando ato de disposição, capaz de induzir a condição de possuir. b) Derivados: Diz-se que a posse é derivada quando há anuência do anterior possuidor, como no negócio jurídico, havendo, portanto, a transmissão da posse ao adquirente, pelo alienante (art.104 CC). Neste caso, o adquirente recebe a coisa com seus vícios de quando a coisa pertencia ao antigo dono. (art..206 CC). • Tradição: O ato pressupõe um acordode vontades, um negócio jurídico de alienação, seja a título gratuito, seja a título oneroso. São requisitos da tradição a entrega da coisa, a intenção das partes de efetuar a tradição e a justa causa, como o negócio jurídico. Contudo, devido a diversidade de possíveis circunstancias, ela se divide em três espécies: a) real (entrega material da coisa), simbólica ( representada por um ato de significado, como a entrega das chaves do carro vendido) e enfim, a ficta (quando, mesmo transferindo o domínio da coisa, o vendedor conserva essa em seu poder como locatário). A tradição ficta se divide em: a) traditio brevi manu: o possuidor de uma coisa alheia (locatário) passa a possui-la como própria, como o arrendatário que se torna proprietário; b) constituto possessório: o vendedor transferindo a outrem o domínio da coisa, conserva-a em seu poder como locatário, ou seja, antes possuir e agora locatário. A clausula constituto não se presume, deve estar expressa, fazendo com que o comprador só adquira a posse indireta, que é transferida sem a entrega material da coisa. Nos dois casos, não é preciso renovar a entrega da coisa, pois ambas as cláusulas visam evitam complicações com duas entregas sucessivas. • Sucessão na posse (art.1206 e art.1207 CC): A transmissão mortis causa pode ser universal e a título singular. A primeira ocorre quando o herdeiro é chamado a suceder na totalidade da herança ou parte dela. No segundo caso, o testador deixa ao beneficiário um bem certo e determinado, o legado, como um veículo ou terreno. A sucessão legitima sempre é universal, já a testamentária pode ser universal ou singular. É necessário ressaltar que a sucessão universal aceita a coisa com todos os direitos e qualidades a ela inerentes, logo, se a posse era viciada ou de má-fé, transfere-se da mesma forma. Por outro lado, a título singular, há uma acessão da posse e não sucessão. Já a sucessão inter vivos opera a título singular, como é o caso 8 da acessio possessionis, em que o comprador une sua posse a do seu antecessor, contudo, essa é facultativa. Ocorrendo esse instituto, a posse permanece eivada de vícios da anterior, contudo, se desligar a posse do antecessor, inicia-se uma nova posse e com essa, o prazo para usucapião. A usucapião extraordinária dispensa boa-fé e pode o comprador utilizar o período de posse de má-fé de seu antecessor para que se consume em menor prazo, não havendo a junção das posses, a posse atual fica livre de vícios e por isso necessita de um prazo maior. 8. Quem pode adquirir a posse O art.1205 CC proclama que podem adquirir a posse pela própria pessoa ou seu representante e pelo terceiro sem mandato, dependendo da ratificação. No primeiro caso, a pessoa pode adquirir a coisa se for capaz, caso não seja, deve estar assistida ou representada. Vale ressaltar que não é necessário um procurador formal. Bastando um vínculo jurídico, realizando a posse alieno nomine, como é o caso do jardineiro que vai buscar as plantas para o patrão. Admite-se também que terceiro, mesmo sem mandato, adquira posse em nome de outrem, a depender de ratificação, sendo a figura do gestor de negócios. O exemplo doutrinário é de alguém que cerca uma área e coloca um procurador, mas, esse cultiva na área em nome do mandante e em outra vizinha. O capataz, então, mesmo não sendo mandatário para o cultivo da segunda área, pode adquirir a posse por meio da ratificação do titular, expressa ou tácita. 9. Perda da posse Perde a posse, como aduz o artigo 1.223 do CC quando cessa o poder sobre o bem, ainda que contra a vontade do possuir. São hipóteses dessa situação: a) Abandono: o possuidor renuncia à posse, manifestando vontade de largar o que lhe pertence. Para configurar o abandono é necessário o não uso da coisa e o ânimo de renunciar o direito. Além disso, pode perder a posse por abandono do representante, desde que, o possuidor avisado do ocorrido, se abstém de recorrer a coisa, ou, tente retoma-la e é repelido. b) Tradição: quando há efetiva intensão de transferir a posse a outrem, como a venda do objeto. Além disso, é necessário ressaltar que mesmo a tradição ficta, em que se dispensa a tradição, é meio de perda de posse e conversão do animus para um, de aquisição para o outro. c) Perda da coisa: se a coisa desaparece, é impossível exercer poder físico sobre ela, como é o caso do pássaro que foge da gaiola. Assim, a impossibilidade de reencontrar a coisa e a desistência de procura-la efetiva a perda de posse, pois, se perde a coisa em casa, ao reavê-la, permanece com seu estado de possuidor. d) Destruição da coisa: uma vez que o objeto perece, extingue-se o direito. Tal fato pode ocorrer por meios naturais ou fortuitos. Caracteriza-se destruição da coisa quando o bem deixa de ter as qualidades essenciais a sua utilização ou valor econômico e ainda quando o for impossível distinguir a coisa nos casos de confusão e outros. e) Colocação da coisa fora do comércio: quando a coisa se tornar inaproveitável ou inalienável, passa a categoria de coisa extra commercium, verificando a perda da posse pela impossibilidade de haver poder físico sobre o objeto da posse. f) Pela posse de outrem: ainda que a posse tenha se formado contra a vontade do primitivo possuidor, o desapossamento violento ou clandestino por ato de terceiro, da origem a detenção eivada de vício pela violência ou clandestinidade. 10. Recuperação de coisas móveis e títulos do portador Tal dispositivo estava presente no CC 1916, mas, não foi incluído no código de 2002. Contudo, nada impede que o proprietário que tenha perdido o título de portador ou tenha sido injustamente desapossado, o reivindique da pessoa que o detiver ou requeira sua anulação e substituição por outro, pelo procedimento comum. Por outro lado, valendo-se de coisa móvel, imóvel e semovente, prevalece a regra geral, em que o proprietário injustamente privado da coisa que lhe pertença, pode reivindica-la de quem a detenha (art.1228 CC). Obs: Aquele que adquire a coisa extraviada ou roubada, só adquire a posse em leilão público ou privado, em que o alienante de boa-fé se torna dono (art.1268). Além disso, não transfere a propriedade quando tiver por título negócio jurídico nulo. Nos casos de estelionato e apropriação indébita, não pode o proprietário reivindicar a coisa, se esta estiver em poder de terceiro de boa-fé. Pode a 9 vítima voltar para o autor do ato ilícito, para exercer seus eventuais direitos. 11. Perda da posse para o ausente O CC de 2002 compreende que só se considera perdida a posse pra quem não presenciou o esbulho, quando, tendo noticia dele, se abstém de retornar coisa, ou, tentando recupera-la, é violentamente repelido (art.1224 d art.1210 CC). Assim, a simples ausência não importa perda de posse, podendo o possuidor, mesmo que ausente, continuar a posse solo animo, ainda que a coisa tenha sido ocupada pro terceiro, durante a sua ausência. 12. Classificação da posse a) Posse Direta e Posse Indireta (art.1197 CC) Segundo a teoria de Ihering a posse plena é a em que o possuidor exerce de fato os poderes inerentes à propriedade, como se sua fosse a coisa. É uma denominação que tem em vista o seu conteúdo. Contudo, pode a posse possuir desdobramentos, em que, a coisa possui utilização econômica e exercício de fato de alguns direitos inerentes a propriedade. Aquele que se comporta como se tivesse tais direitos sobre a coisa, ainda que não tenha sob sua dominação direta, é possuidor da coisa. Logo, existe: Posse direta: o terceiro fica com a posse direta Posse Indireta: titular do direito real fica com a posse indireta Obs: Ambos possuem direito a proteção no caso contra terceiros,contudo, somente ao possuidor indireto é destinado o direito de adquirir a coisa em virtude de usucapião, pois possui animo de dono. Os desdobramentos da posse podem ser sucessivos. Assim, feito o primeiro desdobramento da posse, poderá o possuidor direto efetivar novo desmembramento, tornando-se, destarte, possuidor indireto, já que deixa de ter a coisa consigo. Havendo desdobramentos sucessivos da posse, terá posse direta apenas aquele que tiver a coisa consigo: o último integrante da cadeia dos desdobramentos sucessivos. Os demais integrantes da cadeia terão, todos, posse indireta, em gradações sucessivas. b) Posse exclusiva / composse / posses paralelas Exclusiva: a posse é de um único possuidor, seja ela pessoa física ou jurídica, tendo sob a mesma posse plena, direta ou indireta. Assim, se a posse do esbulhador, cassada a violência ou clandestinidade, se torna posse exclusiva. Se ele arrendar a posse a uma só pessoa, sua posse indireta será exclusiva, bem como será a posse direta. A posse plena pode ser ou não exclusiva. Composse (art.1199 CC): Vários possuidores exercem sobre a mesma coisa, posse direta ou indireta, se opondo a posse exclusiva. Exemplo de composse é marido e mulher em regime de comunhão de bem, no caso, há um condomínio, pois ambos exercem a posse sobre a coisa, e cada um possuem uma parte abstrata da coisa. Dado lhe é praticar todos os atos possessórios que não excluam a posse dos outros compossuidores. Cada qual pode invocar a proteção possessória para defesa do objeto comum, de maneira que não exclua a posse dos outros. Obs: Existe ainda a composse pró diviso, em que todos utilizam de forma pacifica o direito de cada um, após ter sido realizado uma divisão de fato. Por outro lado, a composse será pró indiviso se todos ao mesmo tempo exercerem os poderes de fato sobre a totalidade da coisa, caracterizando a exploração comum do bem). Posses paralelas: concorrência ou sobreposição das posses, onde existe posses com naturezas diversas sobre a mesma coisa. Neste caso, a posse direta e indireta são exemplos. c) Posse justa e Posse injusta (art.1200 CC) O legislador classifica a posse como justa e injusta a partir do momento de sua aquisição, sendo assim o art.1208 do CC afirma que não autorizam a aquisição da posse “os atos violentos ou clandestinos, senão depois de cessar a violência ou a clandestinidade”. A posse viciada é justa e suscetível de proteção com relação a estranhos, injusta em relação ao legitimo possuidor, mas, poderá ser justa frente ao terceiro que não tenha posse alguma. Para proteção da posse, basta que ela seja justa em relação ao adversário. Podem os vícios se convalescerem, contudo, enquanto não findam, caracteriza-se apenas a detenção. Cessados, surge a posse injusta em relação a quem a perdeu. Para cessar a clandestinidade, basta que o esbulhador não oculte a coisa, tornando possível que o legitimo possuidor venha tomar ciência sobe o ocorrido. Além disso, a violência cessa quando o esbulhado deixar de reagir e a mera detenção passa a ser considerada posse. Ressalta a exceção formada pela precariedade, já que essa não pode convalescer (art.1208), seja porque representa abuso de confiança, seja porque a obrigação de devolver a coisa recebida em confiança nunca cessa. Assim, o 10 esbulhador passa de possuidor justo para injusto, em relação ao esbulhado. Na posse de mais de ano e dia, o possuidor será mantido provisoriamente, inclusive contra o proprietário, até ser convencido pelos meios ordinários (CC, arts. 1.210 e 1.211; CPC, art. 558, caput e parágrafo único). Cessadas a violência e a clandestinidade, a posse passa a ser “útil”, surtindo todos os efeitos, nomeadamente para a usucapião e para a utilização dos interditos. Obs: Nada impede que uma posse inicialmente injusta se transforme em justa, quer pela ação do possuidor, quer pelo decurso do tempo. como seria o caso de quem tomou pela violência comprar do esbulhado, ou de quem possui clandestinamente herdar do desapossado. Justa: posse isenta de vícios, por ter sido adquirida segundo os modos previstos na lei ou sem vício jurídico externo. Injusta: posse adquiria viciosamente, por violência ou clandestinidade ou por abuso precário. Ex. expulsar alguém de um imóvel a força. Violenta: a violência pode ser física ou moral, no caso dessa última, a coação é incluída, se exercida no ato do estabelecimento da posse. As ameaças que tenha consequência o abandono da posse por parte de quem as sofreu, se equiparam a violência material. Independente do responsável pela violência, a posse é injusta se ocorrer. Clandestina: é a posse daquele que furta um objeto ou ocupa um imóvel as escondidas, as ocultas da pessoa cujo poder queira tirar, como é o exemplo do ladrão que furta com sutileza. Precária: o agente se nega a devolver a coisa, findo o contrato. Devendo restituir a coisa ao proprietário, o sujeito se nega, como em alugueis e empréstimos, passando a obter a coisa em seu próprio nome. Atenção, pois se a tradição foi feita como símbolo de transmissão da propriedade, há necessidade de anular o negócio jurídico para que a transferência deixe de valer. Contudo, se a tradição foi feira apenas para transmitir a posse, e não NJ, essa será injusta, e aquele que perdeu poderá requerer ao uso das ações possessórias. Obs: não se deve confundir violência com má-fé, pois a primeira pode existir sem a segunda d) Posse de boa-fé e Posse de má-fé A boa-fé no direito das coisas representa numerosos privilégios e imunidades sobre a matéria da posse, pode o possuidor de boa-fé (não ao proprietário) criar o domínio, ter direito à percepção dos frutos, exime o possuidor de indenizar a perda ou deterioração do bem em sua posse, regulamenta a hipótese de quem, com material próprio, edifica ou planta em terreno alheio; e, ainda, outorga direito de ressarcimento ao possuidor pelos melhoramentos realizados. O conceito de boa-fé no CC está no art.1201 CC, em que conceitua a posse de boa-fé como aquela em que “o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa”. Decorre da consciência de se ter adquirido a posse por meios legítimos, no entanto, erros inescusáveis, geados por ignorância ou grosseria, não são considerados com de boa-fé. Enquanto que a má-fé e a consciência sobre a existência do vício, e ainda assim o faz. O seu conceito, portanto, funda-se em dados psicológicos, em critério subjetivo, ao contrário da posse injusta e justa, em que se analisa critérios objetivos (existência de vícios ou não). Duas teorias tratam sobre a má-fé, a psicóloga em que o interessado tem ciência sobre os impedimentos da aquisição, e ética, que liga a má-fé a ideia de culpa. A culpa, a negligência ou a falta de diligência comum são enfocadas, pois, como excludentes da boa-fé, como fazem os adeptos da concepção ética. Todavia, a boa-fé não é essencial para o uso das ações possessórias, bastando que haja uma posse justa, ainda que de má-fé. A boa-fé somente ganha relevância, com relação à posse, em se tratando de usucapião, de disputa sobre os frutos e benfeitorias da coisa possuída ou da definição da responsabilidade pela sua perda ou deterioração. O CC estabelece que o justo título, como fundamento jurídico de direito, presume-se a boa-fé, exceto se houver prova em contrário ou se a lei não admitir tal ato (juris tantum). Em resumo, justo título é o que se seria hábil para transmitir o domínio e a posse, se não contivessem vício impeditivo. Nestes casos, o ônus da prova passa a ser da parte contrária, que deverá demonstrar que o possuidor estava ciente de não ser justa posse. Em termos de usucapião, o justo título deve ser capaz de transmitir o domínio, enquantoque em termos de posse, basta ser causa jurídica, como um contrato de locação. A posse de boa-fé só se transforma em má-fé quando as circunstancias façam presumir que o possuidor não ignorou os impedimentos (art.1205 CC). Com relação aos frutos, benfeitorias e acessões, essas só são adquiridas se no momento da colheita ou realização, a boa-fé persistia. Enquanto essa durar, o possuidor tem direito a indenização pelas benfeitorias necessárias e uteis e levantar as voluptuárias que não lhe forem indenizadas. Para a usucapião, a boa-fé deve persistir durante todo o período prescricional. A jurisprudência defende 11 que no momento da citação ocorre a transformação da posse de boa-fé em má-fé, pois o possuidor toma ciência dos vícios de sua posse. e) Posse nova e Posse velha (art.1211) O decurso do tempo tem o objetivo de consolidar a situação de fato, permitindo que a posse se liberte de vícios de violência e clandestinidade. O artigo em questão dispõe que, quando mais de uma pessoa se disser possuidora, a coisa será mantida com aquele que a possuir, se não manifesto vícios. Além disso, não se pode confundir posse nova e velha com ação de força nova e ação de força de velha, pois nesse caso, leva-se em consideração o tempo decorrido desde a turbação ou esbulho. Se o turbado ou esbulhado reagiu logo, intentando a ação dentro do prazo de ano e dia, contado da data da turbação ou do esbulho, poderá pleitear a concessão da liminar (CPC/73, art. 924; CPC/2015, art. 558), por se tratar de ação de força nova. Passado esse prazo, no entanto, como visto, o procedimento será ordinário, sem direito a liminar, sendo a ação de força velha. Posse nova: menos de ano e dia. Posse velha: ano e dia ou mais f) Posse natural e posse civil ou jurídica Natural: se constitui pelo exercício de poderes de fato sobre a coisa (detenção material e efetiva da coisa). Posse civil / jurídica: se adquire por força da lei, sem a necessidade de atos físicos ou apreensão de objetos, como é o caso do constituto possessório. g) Posse ad interdicta e Posse ad usucapionem Ad Interdicta: pode ser defendida por interditos, logo, pelas ações possessórias quando molestada, mas, não conduz a usucapião. Ex. locatário é vítima de ameaça ou turbação, pode defender a coisa ou recupera-la pela ação possessória, até mesmo contra o proprietário. Para que a posse seja protegida, basta ser justa e sem vícios. Ad usucapionem: a posse se prolonga por determinado tempo estabelecido em lei, defendendo ao seu titular a aquisição de domínio, é aquela capaz de gerar propriedade. h) Posse pro diviso e posso pro indiviso Pro indiviso: compossuidores tem posse apenas de partes ideais da coisa Pro diviso: se cada compossuidor divide o imóvel e estabelece domínio sobre uma parte, neste caso, cada um pode moer ação possessória contra outro possuidor que moleste no exercício de seus direitos. 13. Efeitos da posse Os efeitos da posse geram discussões doutrinárias sobre o tema, a primeira corrente defende que os efeitos são múltiplos, enquanto a segunda entende que a posse gera apenas um efeito: induzir a presunção de propriedade. Em suma, conclui-se que a posse produz cinco efeitos evidentes: a) a proteção possessória, abrangendo a autodefesa e a invocação dos interditos; b) a percepção dos frutos; c) a responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa; d) a indenização pelas benfeitorias e o direito de retenção; e) a usucapião. a) Proteção Possessória: proteção conferira ao possuidor, dentro dos limites do indispensável para manutenção ou restituição da posse, essa ocorre de dois modos (art.1210 CC): • Autodefesa -Legítima defesa: A primeira somente tem lugar enquanto a turbação perdurar, estando o possuidor na posse da coisa. Ou seja, quando o possuidor se acha presente e é turbado no exercício de sua posse, pode reagir, fazendo uso da defesa direta, agindo, então, em legítima defesa. -Desforço imediato: ocorre quando o possuidor, já tendo perdido a posse (esbulho), consegue reagir, em seguida, e retomar a coisa. O desforço imediato é praticado diante do atentado já consumado, mas ainda no calor dos acontecimentos. O possuidor tem de agir com suas próprias forças, embora possa ser auxiliado por amigos e empregados, permitindo-se lhe ainda, se necessário, o emprego de armas. *A ação deve ser logo após o esbulho, permitindo em regra um pequeno lapso de tempo. *Somente ações indispensáveis para a retomada da posse podem ser realizadas. O excesso na defesa da posse pode acarretar a indenização de danos causados. • Ações possessórias As ações tipicamente possessórias são: manutenção, reintegração e interdito proibitório -Legitimidade Passiva e Ativa: exige-se a condição de possuidor para propor os interditos, mesmo que não tenha títulos. O contrário também precede, se apenas tem o direito, mas, não tem a posse não poderá utilizar da ação, com exceção dos herdeiros que podem unir sua posse ao de seu antecessor utilizar dessa saída (art.1207 CC). Possuidores diretos e indiretos tem direito a ação possessória contra terceiros e um contra o outro (art.1197 CC). A legitimidade passiva é do autor ou 12 mandatário (aquele que ordenou) da ameaça, turbação ou esbulho, assim como o terceiro de má- fé que recebeu a coisa esbulhada. Contra o terceiro que recebeu a coisa de boa-fé não cabe ação de reintegração e sim ação petitória. -Conversão da ação possessória e ação de indenização: pode o possuidor demandar ação possessória e pleitear perdas e danos, de modo cumulativo. Caso a coisa pereça ou deteriore, só resta a indenização, cabendo ao juiz tomar uma posição em relação ao fato novo, se no caso a perda ocorrer depois do ajuizamento da demanda. Por outro lado, se a perda ocorrer depois da sentença, mas, antes da execução, aplica-se por analogia o art.627 do CC. • Ações Possessórias no CPC -A fungibilidade dos interditos: Com base no art.554 do CPC, se o autor ingressar com uma ação possessória em vez de outra, o juiz poderá outorgar proteção legal referente aquela ação em quem os requisitos forem aprovados, logo, a parte expõe os fatos e o juiz aplica o direito. O princípio só pode ser aplicada com relação as três ações possessórias em sentido estrito, sendo assim, a conversão do interdito proibitório em interdito de manutenção ou reintegração de posse é autorizada, já a ação de manutenção de posse, não há mais lugar para ser intentado o interdito proibitório por falta de interesse de agir. A correção pode ser feita pelo juiz já ao despachar a inicial e proferir decisão concessiva ou denegatória da liminar, bem como na sentença definitiva. Pode ser realizada também na fase recursal, pelo juízo de segundo grau. -Cumulação de pedidos: O art.555 CPC permite a cumulação de pedidos na ação possessória de maneira facultativa. Observa-se que que as perdas e danos pode ser fixada pelo juiz desde logo, se houver elementos para tal. -Caráter dúplice das ações possessórias: A ação possui natureza dúplice quando inexiste predeterminação do polo ativo e passivo, logo, qualquer um dos sujeitos pode ajuizar contra o outro. como na ação de prestação de contas, que pode ser ajuizada não só por aquele a quem são devidas, como também pelo que as deve, servindo a sentença de título executivo contra qualquer deles, independentemente de quem seja autor ou réu, não sendo possível aplicar a reconvenção. O art.556 do CPC admite que tendo a lei conferido caráter dúplice às ações possessórias, não se faz necessário pedido reconvencional. Se se julgar ofendido em sua posse, o réu pode formular, na própria contestação, os pedidos que tiver contra o autor. Isso ocorre em razão de que ambas as partes podem arguir a condição depossuidores, devendo o juiz decidir quem tem a melhor posse. -Distinção entre juízo possessório e juízo petitório - A exceção de domínio: A ação possessória discute a tutela da posse frente a uma ameaça, turbação ou esbulho, já a ação petitória é meio de tutela dos direitos reais, propriedade e outros. Enquanto a ação possessória estiver tramitando, a ação petitória não poderá ser acionada em relação ao direito à posse. A consequência prática da proibição é que poderá o possuidor não proprietário, desde que ajuíze ação possessória, impedir a recuperação da coisa pelo seu legítimo dono, pois este ficará impedido de recorrer à reivindicatória até que a possessória seja definitivamente julgada. -Procedimento: ação de força nova e ação de força velha: o art. 558 do CPC estabelece rito especial para o procedimento de manutenção e reintegração de posse quando a ação for proposta dentro de um ano e um dia de turbação ou esbulho, após esse prazo o rito será comum, não perdendo o caráter possessório da ação. A ação nova permite que seja estabelecia uma medida liminar. -A exigência de prestação de caução: o art.559 do CPC estabelece que se o réu provar que o autor o autor provisoriamente mantido ou reintegrado na posse carece de idoneidade financeira para, no caso de sucumbência, responder por perdas e danos, o juiz designar-lhe-á o prazo de 5 (cinco) dias para requerer caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa, ressalvada a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente. Poderá a caução ser real (imóveis, joias, dinheiro) ou fidejussória (carta de fiança). • Manutenção e reintegração da posse Caraterísticas e requisitos: A manutenção e reintegração apresentam características e requisitos semelhantes, a principal diferença é que o possuidor tem direito a ser mantido na posse no caso de turbação e reintegrado no caso de esbulho (art.506 CPC e 1210 CC). No esbulho o possuidor é privado de sua posse enquanto que na turbação, o possuidor é molestado, mas, continua na posse de seus bens. Obs: Quando houver turbação, cabe a ação de manutenção da posse, quando houver esbulho cabe a reintegração de posse. Posse: O art.5561 do CPC dispõe que o autor deve provar sua posse, a turbação ou esbulho realizado pelo réu, a data do ato e a continuação da possa, quando turbada, ou a perda da posse, no caso da ação de reintegração. É requisito inicial a posse, pois, não havendo essa o interdito deve ser repelido, acarretando a improcedência da ação, não 13 sendo cabível a extinção do processo sem julgamento do mérito. A posse, para ser tutelada, não depende de título ou causa, uma vez que se protege a posse formal. Igualmente, não depende da sua duração, nem da boa ou má-fé do possuidor. Ex. pessoa que adquire um imóvel e obtém a escritura definitiva, mas não a posse, por exemplo, porque o vendedor a retém, não pode socorrer-se da ação possessória, porque nunca teve posse. É caso, também, de reintegração se o vendedor transmite a posse na escritura e não a entrega de fato. Nesse momento passa a ser esbulhador. A pessoa que recebe a posse por ato inter vivos ou mortis causa pode mover ação possessória contra qualquer intruso, pois a posse foi transferida. Turbação: O autor deverá descrever quais fatos que o estão molestando o exercício da posse. O conceito de turbação é “ato que embaraça o livre exercício da posse”. Basta apenas o desejo do possuidor de que haja respeito por sua propriedade, não sendo necessário comprovar dano. A turbação é ofensa menor do que o esbulho, no sentido de que não tolhe por inteiro ao possuidor o exercício do poder fático sobre a coisa, mas embaraça-o, dificulta-o, embora sem chegar à consequência extrema da impossibilitação. Pode a turbação ser direta, que se exerce sobre o bem, indireta que é praticada externamente, mas, que repercute sobre a coisa possuída, positiva, quando resulta nas prática de atos materiais sobre a coisa e negativa, que dificulta, embaraça ou impede o livre exercício da posse. Esbulho: é ato pelo o qual o possuidor se vê privado da posse mediante violência, clandestinidade ou abuso de confiança, resultando na perda da posse contra a vontade do possuidor, quer a perda resulte de violência, quer de qualquer outro vício. No tocante à clandestinidade, o prazo de ano e dia tem início a partir do momento em que o possuidor toma conhecimento da prática do ato. Nessa hipótese não há oportunidade para o desforço imediato, que deve ser exercido logo após o desapossamento, isto é, ainda no calor dos acontecimentos. Obs: O esbulho resultante do vício da precariedade é denominado esbulho pacífico. Data da turbação ou do esbulho: a lei exige a prova da data da turbação ou esbulho, pois dela depende o procedimento a ser adotado. Se o ato foi feito a menos de um ano e um dia da data do ajuizamento, o procedimento será especial, com pedido de liminar de manutenção ou reintegração. Passado o prazo, o procedimento será comum, não perdendo o caráter possessório. Um ano e dia é prazo decadencial, por isso é fatal e não se suspende. Obs: A prova da data da turbação ou do esbulho é importante também para a verificação de eventual prescrição da ação, que se consuma no lapso de dez anos (CC, art. 205). Continuação ou perda da posse: necessita o autor provar, na ação de manutenção de posse, a sua posse atual, ou seja, que, apesar de ter sido molestado, ainda a mantém, não a tendo perdido para o réu. • Interdito proibitório Características e requisitos (art.567 CPC): há uma gradação nos atos perturbadores da posse, podendo ser: ameaça, turbação e esbulho. A terceira ação tipicamente possessória é o interdito proibitório, que possui caráter preventivo e visa impedir que se concretize a ameaça a posse, no entanto, para cada etapa existe uma ação específica. Ou seja, se o possuidor está sofrendo uma ameaça, mas se sente na iminência de uma turbação ou esbulho, poderá evitar, por meio da referida ação, que venham a consumar se. Pode então o ofendido mediante mandado proibitório cominar ao réu pena pecuniária caso seja avance etapas a caminho do esbulho ou turbação iminentes. São requisitos dessa ação: a) posse atual do autor; b) ameaça de turbação ou esbulho pelo réu; c) justo receio de ser concretizada a ameaça. Cominação da pena pecuniária: o interdito proibitório prevê como forma de evitar a concretização da ameaça, a pena pecuniária ao réu caso o preceito seja transgredido. O valor deve ser indicado pelo autor e fixado pelo juiz, visando desestimular o réu, mas, não podendo ultrapassar o dano que a transgressão acarretaria ao autor. Se a ameaça vier a se concretizar no curso do processo, o interdito proibitório será transformado em ação de manutenção ou de reintegração de posse, concedendo-se a medida liminar apropriada e prosseguindo-se no rito ordinário. b) Direito a percepção de frutos A percepção dos frutos (art.1214 CC): os frutos devem pertencer ao proprietário, sendo dele a coisa principal e as acessórias. No entanto, essa regra não prevalece quando o possuidor está de boa-fé, ou seja, convicto de que o bem possuído é seu. Quando comprovada a boa-fé, o direito do possuidor prevalecerá, a inércia do proprietário que possibilitou a posse alheia será punida e o possuidor poderá ter os resultados de seus trabalhos. O código exige justo titulo para aquisição de frutos, mesmo que sejam atos translativos, nulos ou putativos, a ausência de título não dá direito aos frutos. 14 Noção e espécies de frutos: produtos são utilidade que se retiram da coisa, diminuindo a quantidade, que não se reproduzem periodicamente, como metais das minas. Já os frutos são utilidades que uma coisa periodicamente produz, sem acarretarprejuízo do todo, como as frutas das arvores. Os frutos podem ser: Industriais: produzidos pelo homem. EX. Fábrica Civis: rendas produzidas pela coisa, em virtude de sua utilização por outrem que não o proprietário, como os juros e os aluguéis. Quanto ao estado, os frutos podem ser: Pendentes: unidos a coisa que os produziu Colhidos: depois que separados Estantes: separados e armazenados para venda Percipiendos: que deveriam ser, mas não foram colhidos Consumidos: não existem porque foram utilizados Fica o possuidor obrigado a indenizar o proprietário pelos produtos eu tenha obtido da coisa, se não puder restitui-los. A diferença no tratamento jurídico reside na circunstância de que os produtos diminuem o valor da coisa, enquanto os frutos deixam-na intacta Regras da restituição (CC, arts. 1.214 a 1.216) : o possuidor de boa-fé tem direito aos frutos percebidos e não aos pendentes ou colhidos antecipadamente, que devem ser restituídos e deduzidas as despesas de produção e custeio. Segundo o legislador, os frutos naturais e industriais são percebidos assim que separados, já os civis são percebidos dia a dia. Não são restituídos os frutos separados e já consumidos, pois o possuidor já praticou operações tais como venda e já realizou despesas. Salienta-se que o possuidor de má-fé reponde por todos os frutos, sejam eles colhidos, percebidos e não percebidos, desde momento que se constitui de má-fé, contudo, valendo-se do direito as despesas de produção e custeio (art.1216 CC). Obs: Mas, ao contrário do que se verifica com os frutos naturais e industriais, não é necessário que tenham sido efetivamente recebidos. O possuidor terá o direito de os receber até o dia em que cessar a boa-fé. c) A responsabilidade pela perda ou deterioração da coisa O art.1217 do CC preceitua que o possuidor de boa-fé não responde pela perda ou deterioração da coisa, o que não der causa, esse último termo significa que a responsabilidade do possuidor não se caracteriza, ao menos se tiver agido com dolo ou culpa. Ademais, o artigo 1218 do CC preceitua que o possuidor responde pela perda ou deterioração da coisa, ainda que acidentais, exceto se provar que de igual modo tais fatos teriam ocorrido estando em posse do reivindicante. d) Direito a indenização e retenção de benfeitorias O possuidor e os melhoramentos que realizou na coisa: em relação a coisa desde o dia em que se adquiriu até o dia em que foi condenada a restitui-la, pode ocorrer três hipóteses: a) coisa está no mesmo estado b) a coisa se deteriorou, foi danificada ou destruída; c) a coisa foi melhorada porque nela se edificou, plantou, ou em razão das despesas feitas para conserva-la. Neste último caso, as benfeitorias se dividem em necessárias, ou seja, que tem por finalidade conservar o bem e permitir sua normal exploração , as úteis que aumentam ou facilitam o uso do bem e aumentam seu valor e as voluptuárias que são para tornar o bem mais agradável. Regras da indenização das benfeitorias: o art.1219 do CC dispõe que o possuidor de boa-fé tem o direito à indenização das benfeitorias necessárias, úteis e voluptuárias, quando a última não puder leva-las (se não resultar em dano a coisa ou se o reivindicante não preferir ficar com ela) logo, tem o direito de retenção pelo valor das necessárias e úteis. Por outro lado, o artigo 1220 CC estabelece que o possuidor de má-fé receberá o ressarcimento apenas das benfeitorias necessárias, não podendo reter essas, muito menos, levar as voluptuárias. Direito de retenção (conceito, fundamento, natureza jurídica e modo de exercício): Consistem em um direito de credor de reter coisa alheia até que seja indenizado pelo crédito originário das benfeitorias ou acessões feitas por ele. Tal direito é muito comum quando exercido pelo empreiteiro construtor, locatário e aquele que faz conserto nas coisas. Trata-se, na realidade, de um meio coercitivo de pagamento, uma modalidade do art. 476 do Código Civil (exceptio non adimpleti contractus), transportada para o momento da execução, privilegiando o retentor porque esteve de boa-fé. São requisitos para o ato: a) detenção legítima de coisa que se tenha obrigação de restituir; b) crédito do retentor, exigível; c) relação de conexidade; e d) inexistência de exclusão convencional ou legal de seu exercício. e) Direito de usucapir Conceito e fundamento: é modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetíveis ao exercício continuado pela posse 15 prolongada do tempo, acompanhada dos requisitos legais. Aduz Carlos Gonçalves que “fundamento da usucapião está assentado, assim, no princípio da utilidade social, na conveniência de se dar segurança e estabilidade à propriedade, bem como de se consolidar as aquisições e facilitar a prova do domínio”. Obs. É a versão contrária da prescrição extintiva que trata sobre a perda do direito e de sua capacidade defensiva em consequência do não uso da coisa durante determinado tempo (art.205 e 206 CC). • Espécies: 1. Extraordinária (art.1238 CC) Requisitos: • 15 anos de posse (que pode ser reduzida em 10 se o possuidor estabeleceu moradia habitual ou nele realizado obras ou serviços produtivos); • Posse exercida com animus de dono de forma continua, mansa e pacífica • Não há necessidade de justo título ou boa-fé. Para a redução do prazo é necessário comprovar posse – trabalho e não pagamento de impostos / tributos, pois esse poderia propiciar direitos a quem não está em uma situação merecedora. A propriedade adquirida compõe-se de seus atributos componentes e dos direitos reais sobre a coisa alheia, como servidão, usufruto, uso, habitação e outros. 2. Ordinária (art.1242 cc) Requisitos: • Posse de 10 anos • Posse exercida com animus de dono, de forma continua, mansa e pacífica; • Justo título e boa-fé. Obs. Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico”. 3. Especial (art.183 da CF, art.9 e art.10 no Estatuto da Cidade, art.1239 e art.1240 no CC): também chamada de usucapião constitucional, por ter sido introduzida pela CF sobre duas formas: rural e urbana. 3.1. Especial rural: Requisitos: •Possuir por 5 anos ininterruptos, sem oposição, área rural contínua •A área não pode exceder 50 hectares (ampliação constitucional) •A área se tornou produtiva com seu trabalho •O possuidor deve estabelecer moradia. •O possuidor não poder ser proprietário de imóvel rural ou urbano •É proibido adquirir imóvel público por meio da usucapião. •Pessoa jurídica não pode requerer a usucapião rural, pois é dono de propriedade rural aquele que a tiver frutificado com o seu suor e tiver estabelecido sua morada. Observações: •O STF decidiu que é possível por meio da usucapião obter propriedade de terra menos do que o módulo rural estabelecido na região, pois o texto legal não estipula território mínimo. •O benefício é instituído em favor da família, então a morte de um dos cônjuges, dos conviventes ou daquele que dirige a família monoparental não prejudica direito dos demais integrantes. •Não pode o produtor acrescentar sua posse a dos seus antecessores, mesmo que ele faça parte da família ou trabalhe na terra. 3.2. Especial urbana: Requisitos: •Possuir área urbana de até 250 metros quadrados •Possuir a área por 5 anos, ininterruptamente, sem oposição. •Utiliza-se da área para moradia ou de sua família •Não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. •Ser o possuidorpessoa física Observações: •A espécie não se aplica a posse de terreno urbano sem construção. •Não é necessária boa-fé ou justo título. •Os imóveis públicos não são objetos de usucapião •O direito não será reconhecido ao novo possuir mais de uma vez. •O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. •O brasileiro nato e o naturalizado podem usucapir. O estrangeiro poderá fazê-lo somente se for residente no País. •Tal metragem abrange tanto a área do terreno quanto a construção, vedado que uma ou outra ultrapasse o limite assinalado. Ademais, não se soma a área construída à do terreno. •Não é possível ao usucapiente, que exerce posse sobre área urbana •Com metragem superior, usucapir área igual ou menor que a de duzentos e cinquenta metros quadrados, situada dentro de área maior. •Decidiu o TJ de SP que pode ser requerido usucapião especial em imóvel urbano inserido em área maior, mesmo que esteja em um território 16 existente em área que seria objeto de um loteamento. 3.2.1. Urbana individual do estatuto da cidade: dispõe o art. 9º da Lei n. 10.257/2001 que “aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinquenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural”. Observações: •Tanto a área (com a construção) como a edificação (só o direito de superfície) poderão ser objeto de usucapião urbana do Estatuto da Cidade. •O limite de duzentos e cinquenta metros quadrados não pode assim ser ultrapassado, seja para a área do terreno, seja para a edificação. •O §1 trata sobre o herdeiro legítimo, que tem pleno direito sobre a posse de seu antecessor desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão. •O estado civil de cada um dos possuidores é secundário, pois, o objetivo é beneficiar a família residente no imóvel. •Não é necessário exigir outorga do cônjuge, na hipótese da pessoa casada que viva com outra, como é o caso da companheira que visa usucapir. •O uso para fins que não sejam residenciais é afastado, exceto pequeno comércio. 3.2.2. Urbana coletiva do estatuto da cidade: dispõe a modalidade nos casos em que as áreas urbanas são ocupadas por população de baixa renda e seja impossível identificar os terrenos ocupados individualmente, devendo cumprir o prazo de 5 anos de moradia. “Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural”. É objetivo do artigo legalizar áreas de favelas ou aglomerados sem condições para se legalizar o domínio. Observações •A finalidade da usucapião coletiva é a formação de um condomínio •O estatuto afasta a possibilidade de usucapião individual de área que ultrapassar o limite máximo da metragem permitida. •Os ocupantes podem receber partes diferenciadas entre si, superior a 250 m. •O estatuto trata como núcleos urbanos informais e não composse. •Se alguns moradores que desejem usucapir individualmente e moram no centro da gleba se recusaram a integrar a lide, eles são citados, para atuarem no polo ativo, por se tratar de litisconsórcio necessário. Se a recusa for justificada, o processo será extinto, se não, o feito prosseguirá. •Atua como substituto processual a associação dos moradores, quando autorizada pelos representados. 3.2.3. Imobiliária administrativa: a lei que criou o “Minha casa, minha vida” incluiu regularizações fundiárias com o objetivo de transformar terras urbanas e urbanizadas. A lei 12.424, de 16 de junho de 2011, disciplina a usucapião administrativa requerida em cartório de registros de imóveis. Dispõe a lei que: Art. 25. A legitimação de posse, instrumento exclusivo para fins de regularização fundiária, constitui ato do Poder Público destinado a conferir título, por meio do qual fica reconhecida a posse de imóvel objeto da REURB, com a identificação de seus ocupantes, do tempo da ocupação e da natureza da posse, o qual é conversível em direito real de propriedade, na forma desta Lei. §1º A legitimação de posse poderá ser transferida por causa mortis ou por ato inter vivos. § 2º A legitimação de posse não se aplica aos imóveis urbanos situados em área de titularidade do Poder Público”. Dispõe o art. 26 da citada lei que, “sem prejuízo dos direitos decorrentes do exercício da posse mansa e pacífica no tempo, aquele em cujo favor for expedido título de legitimação de posse, decorrido o prazo de cinco anos de seu registro, terá a conversão automática dele em título de propriedade, desde que atendidos os termos e as condições do art. 183 da CF, independentemente de prévia provocação ou prática de ato registral”. § 1º: “Nos casos não contemplados pelo art. 183 da Constituição Federal, o título de legitimação de posse poderá ser convertido em título de propriedade, desde que satisfeitos os requisitos de usucapião estabelecidos na legislação em vigor, a requerimento do interessado, perante o registro de imóveis competente”. § 2º: “A legitimação de posse, após convertida em propriedade, constitui forma originária de aquisição de direito real, de modo que a unidade imobiliária com destinação urbana regularizada restará livre e desembaraçada de quaisquer ônus, direitos reais, gravames ou inscrições, eventualmente existentes em sua matrícula de origem, exceto quando disserem respeito ao próprio beneficiário”. O art. 27 da mencionada lei: “O título de legitimação de posse poderá ser cancelado pelo 17 Poder Público emitente, quando constatado que as condições estipuladas nesta Lei deixaram de ser satisfeitas, sem que seja devida qualquer indenização àquele que irregularmente se beneficiou do instrumento”. 3.3. Familiar: A lei n. 12.424, de 16 de junho de 2011estabeleceu a usucapião familiar, presente no art.1240, §1 do CC “Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m2 cuja propriedade dívida com ex cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Observações: •Exige-se que o usucapiente seja coproprietário do imóvel, em comunhão ou domínio com seu ex- cônjuge. •Exige-se que o ex-cônjuge tenha abandonado o lar de forma voluntária e injustificada, a separação de fato poderá ser o marco inicial da contagem do prazo da usucapião familiar. 3.4. Indígena: o art. 32 do mencionado Estatuto do Índio que “são de propriedade plena do índio ou da comunidade indígena (...) as terras havidas por qualquer das formas de aquisição do domínio, nos termos da legislação civil”. Por sua vez, o art. 33: “O índio, integrado ou não, que ocupe como próprio, por dez anos consecutivos, trecho de terra inferior a cinquenta hectares, adquirir-lhe-á a propriedade plena”. Observações: •Se o índio possuir plena capacidade, poderá propor diretamente a ação de usucapião. Não a tendo, será representado pela Funai. •A área usucapienda é somente a rural e particular, uma vez que a própria Constituição Federal proíbe a usucapião de bens públicos •A posse deve ser exercida por dez anos seguidos com animus domini, ou seja, com a intenção de ter a
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