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_Tratado de Animais Selvagens - Cubas - 2ed CAPITULO 5

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Fisiopatologiado Estresse
Heloísa Orsini
Eduardo Fernandes Bondan
Introdução
A manutenção de animais selvagens em cativeiro é uma prática bastante observada na atualidade, não apenas porque tais animais representam, para
alguns  indivíduos, uma alternativa aos animais de companhia mais  tradicionais, mas  também porque o cativeiro vem se  tornando cada vez mais um
recurso necessário para a conservação de espécies ameaçadas de extinção. Dadas às crescentes  situações de perda e de  fragmentação de habitats, de
caça predatória e de tráfico sofridas pelos animais, o cativeiro atua como centro de conservação e reserva genética de populações selvagens sujeitas à
extinção. A manutenção em confinamento de animais de natureza selvagem, entretanto,  traz desafios que dizem respeito à capacidade de tais animais
em se adaptar a esta condição. Geralmente, as condições restritivas e inadequadas de manejo e nutrição presentes fazem com que os animais estejam
constantemente submetidos a uma situação de estresse, que afeta a sua higidez. Este capítulo visa descrever os mecanismos envolvidos na indução do
estresse, bem como os aspectos  fisiopatológicos deste processo, que  traz agravos à saúde e ao bem­estar dos animais e que pode  também ocasionar
alterações comportamentais.
Considerações sobre o estresse
Definição
O termo estresse é traduzido do inglês como força ou influência desagradável, pressão ou tensão. O médico de origem húngara Hans Selye foi o
principal  pesquisador  a  descrever  os  fenômenos desenvolvidos neste  processo,  considerando­o  como o denominador  comum de  todas  as  reações de
adaptação do organismo.
Segundo  Selye1,  o  estresse  é  um  processo  registrado  em  uma  ampla  diversidade  de  organismos  vivos,  incluindo  até  animais  desprovidos  de
sistema  nervoso  central  (SNC)  e  células  mantidas  em  culturas  fora  do  organismo.  Pode  ser  desencadeado  por  uma  diversidade  de  agentes  (é
inespecífico),  mas,  em  organismos mais  complexos,  atinge  especificamente  alguns  órgãos,  tais  como  as  adrenais,  o  timo  e  o  trato  gastrintestinal.
Segundo Cubas2,  o  estresse pode  ser  definido  como um processo  fisiológico,  neuro­hormonal,  pelo qual  passam os  seres vivos para  enfrentar  uma
mudança ambiental, o que frequentemente é uma condição desfavorável.
Causas
A  reação  de  estresse  (fenômeno  de  adaptação)  é  desencadeada  por  diversos  fatores,  chamados  conjuntamente  de  agentes  de  estresse  ou  de
estressores.
Segundo Fowler3, os estressores para os animais dividem­se em quatro grupos de agentes: somáticos, psicológicos, comportamentais e mistos. Os
agentes somáticos incluem todos os fatores que estimulam sensações físicas, como sons, imagens e odores estranhos, manipulação, calor, frio, fome,
sede  etc.  Os  agentes  psicológicos  incluem  sentimentos  de  frustração,  apreensão,  ansiedade,  medo,  terror  etc.  Os  agentes  comportamentais  estão
estreitamente ligados aos psicológicos e se relacionam a superpopulações, disputas territoriais ou hierárquicas, condições não familiares de ambiente,
mudanças no  ritmo biológico e  falta de contato social, de privacidade, de alimentos e de estímulos naturais. Por  fim, os agentes mistos  incluem má
nutrição,  intoxicações,  ação  de  agentes  infecciosos  e  parasitários,  queimaduras,  cirurgias,  administração  de medicamentos,  imobilizações  química  e
física e confinamento.
■
Apesar  de  tais  agentes  poderem  causar  estresse  tanto  nos  animais  de  vida  livre  como  nos mantidos  em  cativeiro,  o  confinamento  intensifica  a
resposta3. Isto ocorre porque, nesta condição, não existe a possibilidade de fuga do animal do ambiente que o incomoda, colocando­o em uma situação
de necessidade de adaptação persistente.
As  condições  de  cativeiro  afetam  os  animais  de  diferentes maneiras.  De maneira  geral,  o  cativeiro  é  um  ambiente  pouco  estimulante,  além  de
previsível e incompleto, visto que muitos dos aspectos do ambiente natural de ocorrência das espécies não conseguem ser reproduzidos com eficiência.
Os animais encontram­se geralmente em condições de restrição de movimentos e de motivação para atividades exploratórias, devido à falta de espaço
físico e à deficiência de estímulos ambientais. A maioria dos animais se alimenta de dietas fixas e em horários definidos, não havendo a necessidade de
esforço  para  a  realização  desta  e  de  outras  atividades  naturais  (o  que  consome  grande  parte  do  tempo  dos  animais  quando  em  vida  livre). Muitos
indivíduos  se  encontram em áreas  expostas  ao público. O  resultado  é  que os  animais  acabam  tendo pouco  controle  da  sua própria  vida  e,  portanto,
podem apresentar consequências negativas relacionadas com o estresse4.
Algumas  das  situações  estressoras mais  comuns  em  cativeiro  são  as  superlotações  de  recintos  e  a  alocação  conjunta  de  indivíduos  de  espécies
diferentes,  que  podem  ocasionar  agressividade  e  necessidade  de  defesa  territorial5.  A  inserção  de  novos  animais  em  recintos  também  provoca
problemas de agressividade, pela necessidade de estabelecimento de novas organizações hierárquicas6. Do mesmo modo, o isolamento de animais que
convivem em sociedade, a separação de companheiros, o alojamento próximo de espécies antagônicas (predador e presa)7 e a proximidade com os seres
humanos e com os animais domésticos também podem causar problemas relacionados com o estresse.
Uma das causas mais importantes de estresse em animais em cativeiro é a deficiência nutricional. Segundo Mader8, cada espécie tem preferências
alimentares  e  adaptações  digestivas  e metabólicas,  que  influenciam o  seu  requerimento  de  água,  calorias  e  nutrientes. Neste  caso,  se  o manejo  dos
animais  em  cativeiro  não  for  realizado  de  modo  adequado,  pode  ocorrer  um  grave  impacto  no  seu  metabolismo,  influenciando  a  necessidade
nutricional. Além disso, no cativeiro, a variedade de alimentos é diferente da encontrada no ambiente selvagem tanto na aparência, quanto no conteúdo
e no sabor. Assim, a dieta oferecida pode causar estresse nos animais, pois comumente a composição nutricional não é balanceada ou é desconhecida.
Fisiopatologia
Considerações gerais
Quando um organismo é estimulado por agentes estressores, ocorrem modificações no seu equilíbrio fisiológico que são imediatamente detectadas
por neurorreceptores. As informações recebidas são transmitidas, por meio de impulsos nervosos, até o SNC, que as analisa, processa e desencadeia
respostas  para  órgãos  efetores,  induzindo  reações  que  são  primariamente  dirigidas  a  enfrentar  as  alterações  ambientais  ocorridas7.  Em  humanos,
descreve­se que a resposta desencadeada pelo organismo frente aos estressores compreende três níveis essenciais: o cognitivo, o comportamental e o
fisiológico9.
O nível cognitivo se relaciona ao modo como o indivíduo processa a informação proveniente dos estímulos e avalia a sua possibilidade de resposta.
O nível comportamental abrange as possibilidades comportamentais de um indivíduo frente à condição estressora9. Depende de um aprendizado prévio
de condutas pertinentes a determinadas situações e segue, geralmente, um padrão característico de cada espécie. As respostas comportamentais básicas
desenvolvidas  são o enfrentamento  (ataque),  a  evitação  (fuga,  esquiva, vocalização etc.)  e  a passividade  (colapso)3,9. Por  fim, o nível  fisiológico  se
relaciona às funções orgânicas que ocorrem nos indivíduos em decorrência do estresse9.
Respostas fisiológicas ao estresse – Fases do estresse
O conjunto de respostas fisiológicas desencadeadas frente a um agente estressor é chamado de síndrome geral da adaptação (SGA). A SGA pode
ser dividida em três estágios que se diferenciam em decorrência do tempo: a fase de alarme, a fase de adaptação ou resistência e a fase de exaustão ou
esgotamento1.
Fase de alarme
A fase de alarme (primeira fase da SGA) é representadapelo estado de prontidão geral do organismo. Nesta condição, o organismo é mobilizado
como um todo no esforço à adaptação, sem o envolvimento específico ou exclusivo de algum órgão em particular1.
A reação de alarme ocorre em segundos a minutos a partir da estimulação por agentes estressores, e possibilita ao animal uma resposta imediata ao
perigo, em forma de luta ou de fuga5. Corresponde ao processo de estresse agudo, no qual há predominância da resposta do sistema nervoso autônomo
simpático, resultando na liberação de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina).
O sistema nervoso autônomo simpático (SNAs), assim como o sistema nervoso autônomo parassimpático (SNAps) são subdivisões anatômicas do
sistema nervoso autônomo (SNA). Ambos são responsáveis pela inervação e pelo controle das funções dos tecidos e dos órgãos que não apresentam
controle  voluntário,  como  é  o  caso  da musculatura  lisa  visceral,  da musculatura  estriada  cardíaca  e  das  glândulas.  São  ativados  principalmente  por
centros nervosos  localizados na medula  espinal,  no  tronco encefálico,  no hipotálamo e  em algumas  áreas do  córtex  cerebral,  em especial,  do  córtex
límbico. Diferenciam­se em relação a algumas de suas características anatômicas e funcionais e, de maneira geral, agem de maneira antagônica sobre a
determinação das funções orgânicas.
O SNAs e o SNAps são  igualmente constituídos por duas  fibras nervosas que  realizam sinapse no  interior de gânglios – uma partindo do SNC
(fibra  pré­ganglionar)  e  outra  que  tem  contato  direto  com  os  órgãos­alvo  (fibra  pós­ganglionar).  A  comunicação  entre  tais  fibras  e  delas  com  os
órgãos­alvo é realizada por neurotransmissores (Figura 5.1).
No  SNAs,  as  fibras  pré­ganglionares  têm  origem  em  segmentos  torácicos  e  lombares  da  medula  espinal  (mais  precisamente  entre  o  primeiro
segmento  torácico  e  o  segundo  segmento  lombar).  O  neurotransmissor  envolvido  na  transferência  de  informações  entre  suas  fibras  pré  e  pós­
ganglionares é a acetilcolina, e entre suas fibras pós­ganglionares e órgãos­alvos é, principalmente, a norepinefrina (algumas fibras pós­ganglionares
simpáticas, como as que inervam as glândulas sudoríparas, os músculos piloeretores e alguns vasos sanguíneos, liberam acetilcolina). No SNAps, as
fibras pré­ganglionares têm origem no tronco encefálico (III, VII, IX e X pares de nervos cranianos) e em segmentos sacrais da medula espinal (entre
o primeiro e o quarto  segmentos). O décimo par de nervos cranianos  (nervo vago)  é  a principal via pela qual  as  fibras pré­ganglionares do SNAps
deixam  o  SNC.  Neste  sistema,  a  transferência  de  informações  entre  as  fibras  pré  e  pós­ganglionares  e  destas  para  os  órgãos­alvo  é  feita  pela
acetilcolina10.
Em relação à conformação anatômica das  fibras nervosas, no SNAps, ao contrário do que ocorre no SNAs, as  fibras pós­ganglionares são mais
curtas  do  que  as  pré­ganglionares.  Tal  característica  é  um  dos  fatores  que  contribuem  para  o  fato  de  a  ação  do  SNAps  promover  respostas  mais
específicas sobre os tecidos orgânicos do que o SNAs, que tende a promover respostas mais difusas. Isto ocorre porque a maior extensão das fibras
pós­ganglionares  do  SNAs  possibilita  que  sofram mais  ramificações  e  que,  portanto,  inervem  um maior  número  de  tecidos  do  que  as  fibras  pós­
ganglionares do SNAps.
Em relação às funções dos dois sistemas, sabe­se que o tipo de neurotransmissor liberado por fibras pós­ganglionares, bem como a sua ação sobre
receptores celulares específicos presentes em órgãos­alvo são responsáveis pelas diferenças funcionais encontradas entre eles. No SNAs, a epinefrina
(hormônio  produzido por  células  da medula  da  glândula  adrenal)  também participa  da  resposta,  o  que  a  torna  amplificada  e  contribui  para  que  seja
menos específica e mais generalizada do que a resposta parassimpática. Define­se, portanto, que frente à ação simpática, os órgãos são estimulados de
duas maneiras distintas: diretamente, pelos nervos simpáticos, e indiretamente, por hormônios medulares. Tal mecanismo é importante para garantir a
funcionalidade  do  sistema  caso  ocorram  falhas  e  porque  os  hormônios,  uma  vez  liberados  no  sangue,  conseguem  atingir  estruturas  não  inervadas
diretamente por fibras nervosas10.
Figura 5.1 Esquema da organização anatômica das  fibras nervosas que  formam os sistemas nervosos autônomos simpático e parassimpático e dos
neurotransmissores liberados por elas. ACh = acetilcolina; ADR = adrenalina; C = região cervical da medula espinal; NOR = noradrenalina; S = região
sacral da medula espinal; SNAps = sistema nervoso autônomo parassimpático; SNAs = sistema nervoso autônomo simpático; TE = tronco encefálico;
T/L = regiões torácica e lombar da medula espinal.
A  epinefrina  é  um  hormônio  liberado  no  sangue  frente  à  estimulação  direta  de  células  da medula  da  glândula  adrenal  por  fibras  nervosas  que
corresponderiam a fibras pré­ganglionares do SNAs (Figura 5.1). A secreção de epinefrina ocorre concomitantemente à de norepinefrina. As células
secretoras de epinefrina e de norepinefrina presentes na medula da glândula adrenal, chamadas de células cromafins, correspondem a células neuronais
modificadas,  embriologicamente  derivadas  do  tecido  nervoso.  Tais  células  constituem­se  de  fibras  nervosas  rudimentares  e  correspondem  aos
neurônios pós­ganglionares propriamente ditos11.
Em geral,  a epinefrina e a norepinefrina  liberadas pela medula da glândula adrenal promovem em seus órgãos­alvo os mesmos efeitos causados
pela  estimulação  direta  por  nervos  simpáticos,  entretanto,  os  efeitos  são mais  duradouros,  visto  que  a  retirada  de  tais medidores  do  sangue  é mais
demorada.
A epinefrina, assim como a norepinefrina, tem ações em receptores alfa­adrenérgicos, presentes na maioria dos tecidos­alvo e estimulatórios (com
exceção dos da musculatura lisa intestinal), e beta­adrenérgicos (beta­1, encontrados no músculo cardíaco e nos rins, e beta­2, encontrados em locais
não inervados pelo SNAs), inibitórios em sua maioria, com exceção dos receptores do músculo cardíaco. A acetilcolina, por sua vez, age em receptores
muscarínicos,  encontrados  em  junções  neuroefetoras  do  SNAps,  e  nicotínicos,  presentes  nos  gânglios  do  SNA  e  nas  junções  neuromusculares  da
musculatura esquelética10–12.
Os  efeitos  da  epinefrina  são  praticamente  iguais  aos  da  norepinefrina,  com  algumas  particularidades  inerentes  a  cada  uma.  Em  geral,  a
norepinefrina excita principalmente receptores do tipo alfa­adrenérgicos e, em menor grau, receptores do tipo beta­adrenérgicos, como os presentes no
coração10.  Por  essa  razão,  a  epinefrina  tem  efeitos  mais  intensos  do  que  a  norepinefrina  na  estimulação  da  contração  cardíaca,  apresentando  uma
capacidade maior de aumentar o débito cardíaco. A epinefrina age com maior intensidade também sobre o metabolismo dos tecidos. A norepinefrina,
por  sua  vez,  promove  vasoconstrição  de maneira  generalizada  nos  tecidos  orgânicos,  enquanto  a  epinefrina  é  vasoconstritora  em  grande  parte  dos
tecidos orgânicos e vasodilatadora na musculatura esquelética e na musculatura cardíaca.
De  maneira  geral,  impulsos  simpáticos  e  parassimpáticos  são  transmitidos  de  modo  contínuo  para  o  organismo,  constituindo  um  tônus  que
possibilita  o  controle  das  funções  dos  diferentes  tecidos  e  órgãos  –  a  Tabela 5.1  demonstra  os  principais  eventos  relacionados  com  a  estimulação
específica  de  receptores  pelos  mediadores  químicos  do  SNA  simpático  (epinefrina  e  norepinefrina)  e  do  SNA  parassimpático  (acetilcolina).  Nas
situações de alarme do estresse, entretanto, a  liberação maciça das catecolaminas do SNAs promove simultaneamente alguns eventos orgânicos,  tais
como:  aumento  da  frequência  e  da  força  de  contração  cardíaca,contração  esplênica  (aumentando  o  aporte  de  sangue  para  o  interior  dos  vasos),
diminuição da circulação sanguínea para órgãos periféricos (não necessários para a rápida atividade motora) e aumento para músculos ativos, aumento
da pressão arterial, aumento da  frequência  respiratória, broncodilatação,  liberação de glicose pelo  fígado via glicogenólise,  lipólise  (disponibilizando
lipídios  para  a  síntese  de  glicose),  dilatação  pupilar  (midríase),  aumento  de  linfócitos B  e T  circulantes  (tais  células  apresentam  receptores  do  tipo
beta­2  adrenérgicos,  que  podem  ser  estimulados  diretamente  pelas  catecolaminas13),  aumento  do  metabolismo  celular  como  um  todo,  aumento  da
atividade  mental,  diminuição  da  produção  de  urina  e  consequente  aumento  da  pressão  arterial  por  retenção  de  líquidos,  vasodilatação  local  na
musculatura  esquelética  etc.  Os  objetivos  gerais  de  tais  processos  relacionam­se  ao  aumento  da  distribuição  de  sangue,  oxigênio  e  energia  para
músculos e órgãos vitais e à preparação geral do organismo para possíveis danos (Tabela 5.2).
A ação simpática fornece uma ativação extra do organismo em situações de estresse, para possibilitar o desenvolvimento de atitudes mais rápidas
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por  parte  dos  animais10.  Alterações  de  coloração  cutânea  frente  à  ação  das  catecolaminas  também  podem  ocorrer,  como  se  observa  em  algumas
espécies de répteis. Descreve­se que, em camaleões, a estimulação com epinefrina promove a alteração da cor da pele para verde claro14.
 
Tabela 5.1 Principais eventos relacionados com a estimulação específica de receptores pelos mediadores químicos do sistema nervoso autônomo simpático
(epinefrina e norepinefrina) e do sistema nervoso autônomo parassimpático (acetilcolina).
Órgãos-alvo Sistema nervoso autônomo simpático (receptor: ações) Sistema nervoso autônomo parassimpático (receptor: ações)
Coração Beta-1 adrenérgico: taquicardia e aumento da força de contração Muscarínico: bradicardia
Pulmão Beta-2 adrenérgico: broncodilatação Muscarínico: broncoconstrição
Intestinos Alfa-1 adrenérgico: diminuição do peristaltismo e da secreção Muscarínico: aumento do peristaltismo e da secreção
Vesícula urinária Beta-2 adrenérgico: relaxamento da musculatura lisa com retenção da
urina
Muscarínico: contração da musculatura lisa com liberação da urina
Pupila ocular Alfa-1 adrenérgico: midríase Muscarínico: miose
Arteríolas/veias Alfa adrenérgico: constrição
Beta-2 adrenérgico: dilatação
–
Pâncreas Alfa adrenérgico: diminuição da secreção de enzimas e inibição da
secreção de insulina
Muscarínico: aumento da secreção de enzimas e de insulina
Adaptada de Silverthorn11 e Livingston12.
 
Tabela 5.2 Principais ações das catecolaminas e dos glicocorticoides.
Catecolaminas (mesmos efeitos da estimulação simpática, porém com ações mais prolongadas – duração 5 a 10 vezes maior)
Taquicardia (maior efeito da epinefrina)
Vasoconstrição (maior efeito da norepinefrina)
Vasodilatação local na musculatura esquelética
Aumento da pressão arterial
Taquipneia
Broncodilatação
Midríase
Contração esplênica
Inibição da motilidade e secreção digestiva
Diminuição da produção de urina
Glicogenólise, com aumento dos níveis glicêmicos
Lipólise, com aumento dos ácidos graxos livres circulantes
Estimulação da cicatrização, da coagulação sanguínea e da resposta imunológica
Estimulação da liberação dos grânulos de renina para ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona
Glicocorticoides
Lipólise/mobilização de ácidos graxos dos depósitos de gordura
Catabolismo proteico/mobilização de aminoácidos de tecidos extra-hepáticos
Gliconeogênese
Redução da sensibilidade do músculo esquelético e do tecido adiposo à ação da insulina
Elevação da concentração sanguínea de glicose
Ação anti-inflamatória (por inibição da formação dos metabólitos do ácido araquidônico, da estabilização das membranas lisossômicas e da modulação da ação de outros mediadores químicos inflamatórios, tais como
a IL-1)
Inibição da cicatrização tecidual
Ação antialérgica e imunossupressora (por apoptose de timócitos e supressão da produção de citocinas e quimiocinas)
Aumento da produção de hemácias
Estimulação da secreção ácida e de pepsina e inibição da secreção de muco no estômago
Adaptada de Guyton10, Silverthorn11, Livingston12 e Tizard21.
Ao final da fase de alarme, o organismo deve retornar gradualmente ao seu estado de equilíbrio. Inicia­se, assim, a atividade parassimpática, que
diminui as frequências cardíaca e respiratória e aumenta o tônus e o peristaltismo dos tratos gastrintestinal e urinário – que se encontravam alterados
durante a reação simpática. As catecolaminas, que se encontravam aumentadas na circulação, são rapidamente removidas via reabsorção pelas próprias
terminações nervosas, difusão para o sangue ou degradação por enzimas como a monoaminoxidase, encontrada nas próprias terminações nervosas, e a
catecol­O­metiltransferase, encontrada de forma difusa em todos os tecidos orgânicos10,11.
Fase de adaptação
Caso o agente estressor seja mantido, os animais entram na fase de adaptação do estresse1, caracterizada pela hiperatividade da glândula adrenal,
com liberação de glicocorticoides e continuação da atividade do SNAs. Ocorre ativação de todo o sistema endócrino para que o animal concentre maior
quantidade de energia para se defender.
Esta  fase  corresponde  ao  estresse  crônico,  no  qual  a  resposta  hormonal  predomina  sobre  a  nervosa. O  animal  se  habitua  à  presença  do  agente
estressor, entrando em um estado de adaptação, no qual a resposta ao agente torna­se diminuída ou antecipada (o animal desenvolve a reação mesmo
diante da perspectiva do estímulo). Segundo Dantzer e Mormede5,  esta  resposta é mais  tardia que a  resposta catecolaminérgica, alcançando seu pico
máximo em 20 a 30 min após a exposição à agressão e podendo perdurar por muito tempo.
Fisiologicamente,  a  fase  de  adaptação  do  estresse  é  caracterizada  pela  ativação  continuada  do  eixo  hipotalâmico­hipofisário­adrenal,  visando,
principalmente,  à  liberação  de  glicocorticoides  e,  consequentemente,  à  produção  de  energia  em quantidade  suficiente  para  aumentar  a  resistência  do
organismo perante o agente estressor5.
Frente  à  situação  de  adaptação  do  estresse,  estímulos  estressores  são  transmitidos  até  a  eminência  mediana  do  hipotálamo,  que  controla  as
atividades gerais do SNA e do sistema endócrino, e o estimulam a sintetizar e  secretar o hormônio hipotalâmico  liberador de corticotropina  (HLC).
Estressores  psicológicos  agem  via  sistema  límbico,  estimulando  principalmente  a  amígdala  e  o  hipocampo,  que,  posteriormente,  transmitem  a
informação ao hipotálamo medial posterior, estimulando a liberação de HLC. Uma vez liberado, o HLC alcança a adeno­hipófise, por meio dos vasos
porta­hipotalâmico­hipofisários,  e  lá  induz  a  síntese  e  a  secreção  do  hormônio  adrenocorticotrófico,  também  chamado  de  adrenocorticotropina
(ACTH)10 (Figura 5.2).
O ACTH é um hormônio polipeptídico, que faz parte de uma grande molécula proteica precursora, a pró­opiomelanocortina (POMC). Dela fazem
parte também a melanocortina (MSH), que tem ação sobre os melanócitos, e os opioides endógenos (endorfinas), que reduzem a percepção da dor15.
Em  situações  de  normalidade,  quando  o  ACTH  é  liberado,  nenhum  dos  outros  dois  hormônios  (MSH  ou  endorfinas)  é  secretado  em  quantidades
suficientes para promover efeitos importantes no organismo. No entanto, situações que promovem o aumento patológico da liberação de ACTH podem
acarretar  o  aumento  da  atividade  orgânica  de  tais  hormônios  também10.  Algumas  doenças  humanas  e  animais,  como,  por  exemplo,  a  síndrome  de
Cushing, podem acarretar pigmentações de mucosas e de pele por ação do MSH, que estimula a produção de melaninapor melanócitos16. Em virtude
de sua semelhança com o MSH, o ACTH tem efeitos fracamente estimulantes de melanócitos também10. Demonstrou­se em experimentos com ratos
que o estresse por alteração de temperatura e por mudanças ambientais promove aumentos de ACTH e de MSH17. Além disso, a mudança de coloração
frente a situações estressoras já foi descrita em animais, tais como em algumas espécies de peixes18 e de répteis14. A associação entre a  liberação de
ACTH promovida pelas situações de estresse e a  liberação de endorfinas  também é descrita em algumas situações psíquicas humanas e em animais,
tais como as automutilações, nas quais se pressupõe o comportamento doloroso como um reforço positivo para a liberação das endorfinas. Observou­
se, em humanos, que pacientes mais gravemente afetados por processos de automutilação expressam níveis mais elevados de opioides no plasma19.
Figura 5.2 Esquema da ativação do eixo hipotálamo­hipófise­adrenal  frente à ação de agentes estressores  físicos e psicológicos. ACTH = hormônio
adrenocorticotrófico; CRH = hormônio hipotalâmico liberador de corticotropina.
Uma  vez  liberado  na  corrente  sanguínea,  o  ACTH  atinge  células  do  córtex  das  glândulas  adrenais,  gerando  uma  sinalização  para  que  haja  a
produção  de  hormônios  adrenocorticais.  Diferentes  hormônios  são  produzidos  por  regiões  específicas  do  córtex  da  adrenal,  tais  como  os
mineralocorticoides  (em  especial,  a  aldosterona,  que  é  proveniente  da  zona  glomerulosa, mais  superficial  do  córtex  da  adrenal),  alguns  andrógenos
sexuais  (liberados  pela  zona  reticular  do  córtex  da  adrenal, mais  profunda)  e  os  glicocorticoides  (liberados  principalmente  pela  zona  fasciculada  do
córtex da adrenal,  intermediária, e, em menores quantidades, pela zona reticular). Todos eles são compostos esteroides formados, sobretudo, a partir
do colesterol e têm receptores intracelulares nas suas células­alvo11,12.
A  ativação  do  córtex  da  adrenal  pelo ACTH,  frente  à  situação  de  estresse mantido,  promove  principalmente  a  secreção  de  glicocorticoides  (em
especial,  cortisol  e  corticosterona)  no  sangue10.  Os  glicocorticoides  prolongam  e  completam  a  ação  das  catecolaminas.  Exercem  diversos  efeitos
metabólicos  que  facilitam  a  obtenção  de  energia  pelo  organismo  e  desempenham  uma  importante  função  na manutenção  da  homeostase,  provendo
suporte em situações desfavoráveis5 (Tabela 5.2).
De maneira geral, os glicocorticoides atuam sobre o metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, na intenção de mobilizar reservas celulares
para  a  produção  de  energia  e  para  a  síntese  de  outros  compostos  necessários  para  o  organismo  nas  situações  de  estresse20.  Assim,  por  exemplo,
aminoácidos e ácidos graxos armazenados, respectivamente, em reservas como os músculos e o  tecido adiposo, são mobilizados para o fígado, onde
serão  utilizados  para  a  síntese  de  glicose  pela  via  da  gliconeogênese. Os  glicocorticoides  aumentam de  6  a  10  vezes  a  gliconeogênese  pelas  células
hepáticas,  via  aumento  de  enzimas  necessárias  para  a  conversão  de  aminoácidos  em glicose  e  via mobilização  de  aminoácidos  e  lipídios  de  tecidos
extra­hepáticos10. Uma vez que a glicose é rapidamente utilizada pelo organismo para a produção de energia na forma de adenosina trifosfato (ATP),
em  especial  pelo  encéfalo,  os  glicocorticoides  agem  promovendo  o  catabolismo  de  proteínas,  carboidratos  e  lipídios  e  diminuindo  a  utilização  de
glicose pelas células do corpo, bem como a síntese lipídica e proteica nos tecidos extra­hepáticos, na intenção de viabilizar todos esses compostos para
o aumento da glicemia.
▶
Os  glicocorticoides  exercem  também  ações  supressoras  da  resposta  inflamatória,  causando,  por  exemplo,  a  inibição  de  mediadores  químicos
envolvidos na inflamação aguda.
Em geral, os processos inflamatórios, independentemente da causa que os provocou, cursam com eventos vasculares (vasodilatação e aumento da
permeabilidade  vascular)  e  celulares  (mediados  principalmente  por  leucócitos),  que  visam  ao  aumento  do  fluxo  sanguíneo  e  do  aporte  de  líquidos,
proteínas e células sanguíneas para as áreas acometidas na intenção de delimitar, diluir e/ou destruir os agentes promotores do processo inflamatório.
Contam  também com a participação de  substâncias químicas,  liberadas nos  locais de  lesão,  além de células  endoteliais  e  leucócitos, que promovem
uma  comunicação  intercelular  e  modulam  a  atividade  inflamatória.  Alguns  exemplos  de  mediadores  químicos  que  participam  dos  processos
inflamatórios  são  citocinas,  como  a  interleucina  1  (IL­1)  e  o  fator  de  necrose  tumoral  (TNF),  que  exercem  múltiplos  efeitos  estimuladores  da
inflamação,  como  vasodilatação,  aumento  da  permeabilidade  vascular,  aumento  da  temperatura  corporal  e  outras  alterações;  quimiocinas,  que
promovem o recrutamento de diferentes tipos de leucócitos para o sítio inflamatório; e metabólitos derivados do ácido araquidônico, dentre outros. O
ácido araquidônico é um ácido graxo essencial presente na membrana plasmática das células, liberado pela ação de uma enzima chamada de fosfolipase
A2 frente a perturbações celulares. Pode ser processado por duas vias metabólicas diferentes, gerando os chamados metabólitos do ácido araquidônico:
a  via  da  lipo­oxigenase,  que  gera  lipoxinas  e  leucotrienos,  e  a  via  da  ciclo­oxigenase,  que  gera  prostaglandinas,  prostaciclinas  e  tromboxanos.  Os
metabólitos  do  ácido  araquidônico,  em  conjunto,  exercem  diferentes  ações  pró­inflamatórias  no  organismo,  indo  desde  alterações  vasculares  até  o
recrutamento de leucócitos e a promoção de febre.
Diversas ações dos glicocorticoides  são  relacionadas com efeitos anti­inflamatórios. Por exemplo, uma vez que  inibem a ação da enzima celular
fosfolipase A215, acabam diminuindo a produção dos metabólitos inflamatórios do ácido araquidônico. A redução destes metabólitos, especialmente das
prostaglandinas e dos leucotrienos, acaba inibindo processos que são observados nas respostas inflamatórias, tais como o aumento da permeabilidade
vascular  e  a  vasodilatação  (envolvidos na  formação do  edema),  a  febre,  a  hiperalgesia  e  a migração de  leucócitos  para os  tecidos. A diminuição da
febre também é promovida via inibição das atividades da IL­1.
Frente à  liberação de glicocorticoides, a fagocitose  também é diminuída, sendo este um evento bastante associado à estabilização das membranas
lisossomais promovida pelos glicocorticoides. Tal  processo  impede  a  liberação de  enzimas proteolíticas,  prevenindo  a  autólise  celular  desencadeada
por  lesões.  A  redução  na  liberação  de  enzimas  proteolíticas  pelos  lisossomos  gera,  como  efeito  secundário,  a  diminuição  da  permeabilidade  dos
capilares, evitando os processos inflamatórios10. Na inflamação, os glicocorticoides apresentam também efeitos supressores das células que compõem
o sistema imune, em especial os linfócitos21.
Em  geral,  todos  os  efeitos  desencadeados  pelos  glicocorticoides  podem  ser  observados  durante  a  fase  de  adaptação  do  estresse.  Em  condições
normais, ao final deste processo, a homeostasia deve se restabelecer. Deste modo, o excesso de glicocorticoides liberados na circulação deve agir sobre
o hipotálamo, diminuindo a formação do HLC, e sobre a glândula hipófise, diminuindo a formação do ACTH, por mecanismos de feedback negativo.
Os glicocorticoides liberados no sangue, por sua vez, devem ser catabolizados e inativados após exercerem suas funções específicas. O fígado é o local
mais  importante  na  formação  de  compostos  biologicamente  inativos  a  partir  dos  esteroides  e  na  solubilização  destes  compostos  em  água,  para  que
sejam mais facilmente eliminados na bile ou na urina na forma de metabólitos do cortisol20.
Fase deexaustão
A fase de exaustão é a última fase da SGA. Ocorre após a fase de adaptação, quando o estímulo estressor continua mantido até que o animal não
tenha mais capacidade de se adaptar. Deste modo, o  relaxamento e o  retorno à homeostasia não ocorrem,  levando o animal a um estado de exaustão
emocional e física. Os mecanismos adaptativos falham e ocorre deficiência nas reservas de energia. A fase corresponde ao período pré­agônico, com
falência orgânica múltipla. As modificações biológicas apresentadas são semelhantes às da reação de alarme, mas o organismo não consegue mais se
restabelecer  sozinho. A  fase de  exaustão não é necessariamente  irreversível,  desde que não afete o organismo de modo generalizado1. A Figura  5.3
mostra os principais eventos desencadeados em cada uma das fases da SGA.
Alterações somáticas relacionadas com o estresse
Apesar de a reação de estresse se tratar de um fenômeno fisiológico de adaptação frente a mudanças, ela deixa de ser um evento positivo quando a
ação do agente estressor sobre o organismo exige um esforço contínuo por parte do animal para manter a sua viabilidade.
Evidenciam­se duas condições de estresse: o eustresse e o distresse. O eustresse diz  respeito ao estresse  fisiológico, necessário à  sobrevivência
dos  indivíduos  frente  às  adversidades. O  distresse,  por  sua  vez,  corresponde  às  condições  de  estresse  contínuo,  que  causam  efeitos  prejudiciais  ao
organismo6,22.
De modo geral, o eustresse está mais relacionado com as fases agudas de estresse (reação de alarme) e o distresse às fases mais crônicas (reações
de adaptação e de exaustão)6,22. No entanto, apesar desta generalização, efeitos deletérios provocados pela condição podem ocorrer em qualquer uma
das fases da SGA. Segundo Selye1, quando o organismo se defronta com um agente tão nocivo a ponto de a contínua exposição ser incompatível com a
vida, a morte ocorre dentro das primeiras horas ou dias, ou seja, ainda durante a fase de alarme. Além disso, os animais em estado de alerta também se
tornam mais suscetíveis a comprometimentos orgânicos, como traumas, lacerações, fraturas, contusões e concussões, causados pela própria situação3.
Figura 5.3 Esquema das fases da síndrome geral da adaptação e suas consequências para o organismo. EP = epinefrina; FC = frequência cardíaca;
FR = frequência respiratória; NOR = norepinefrina; PA = pressão arterial; SNAs = sistema nervoso autônomo simpático.
Uma  condição  patológica  bastante  associada  à  reação  de  alarme  do  estresse  é  a  miopatia  de  esforço,  descrita  principalmente  em  herbívoros
selvagens,  mas  também  em  algumas  espécies  de  aves  e  de  mamíferos.  Neste  processo,  a  estimulação  estressora  aguda,  devido  principalmente  à
captura,  à  manipulação,  ao  transporte  e  à  contenção  dos  animais,  promove  uma  síndrome  caracterizada  por  intensa  dor,  rigidez  locomotora,
incoordenação, paresia,  paralisia,  oligúria,  acidose metabólica,  depressão  e morte. Nesta  síndrome, ocorre  esgotamento da  função do SNAs  frente  a
uma situação grave de estresse, causando, entre outras coisas,  interrupção súbita da atividade da musculatura esquelética, com consequente estase do
fluxo  sanguíneo  e  hipoxia  tecidual.  Nos  músculos,  a  ausência  de  oxigênio  causada  pelo  processo  faz  com  que  ocorra  glicólise  anaeróbica  para
fornecimento  de  energia,  levando  à  formação  de  ácido  láctico  como  produto  final.  A  associação  da  acidose  tecidual  com  o  calor  acumulado  na
musculatura contribui para a necrose do tecido muscular, promovendo a liberação de mioglobina e de potássio. A mioglobina é tóxica para as células
epiteliais dos túbulos contorcidos proximais dos rins, podendo provocar, em conjunto com a vasoconstrição periférica causada pelas catecolaminas do
SNAs, falência renal aguda. O aumento do potássio na corrente circulatória, por sua vez, pode causar fibrilação e falência aguda do coração, visto que
altera  o  potencial  elétrico  de  membrana  das  fibras  cardíacas,  impedindo  a  sua  repolarização.  As  alterações  descritas,  em  conjunto  com  outras
consequências relacionadas com a alteração orgânica provocada pela intensa reação de alarme, tais como acidose metabólica, azotemia e hipoperfusão
tecidual  generalizada,  podem  ocasionar  choque  e  óbito  dos  animais23.  Procedimentos  de  contenção  em  aves,  muitas  vezes,  causam morte  imediata
durante a reação de alarme do estresse, pela mesma situação.
Nas  fases  crônicas,  as  alterações  patológicas  provocadas  pela  situação  de  estresse  se  relacionam,  principalmente  à  produção  excessiva  de
glicocorticoides  e  à  manutenção  por  períodos  prolongados  da  resposta  simpática.  As  alterações  somáticas  produzidas  em  tais  fases  englobam
modificações específicas na função de diferentes órgãos e sistemas, além de sinais não específicos de doença, tais como fraqueza e perda de peso, entre
outros.
Um dos principais  sistemas afetados pela  condição de estresse  crônica é o  sistema  imunológico. As ações dos glicocorticoides  em  relação a  ele
incluem a diminuição do nível de linfócitos circulantes, do volume do timo e de outros órgãos linfoides (como o baço e a bursa de Fabricius nas aves)
e a depressão da resposta inflamatória e dos mecanismos da imunidade humoral e celular.
Os glicocorticoides causam apoptose de timócitos, especialmente os de fenótipo duplo­positivo (CD4+ CD8+), precursores dos  linfócitos T CD4+
(auxiliares)  e  T  CD8+  (citotóxicos),  e  suprimem  a  produção  de  citocinas.  Deste  modo,  interferem  na  expansão  e  nos  mecanismos  efetores  dos
linfócitos T. Além disso, estabilizam as membranas lisossômicas,  inibindo a liberação de suas enzimas proteolíticas e prejudicando o processamento
antigênico  pelos macrófagos,  além  de  bloquearem  a  produção  de moléculas  quimiotáticas  para  leucócitos21.  A  associação  entre  todos  esses  fatores
promove efeitos imunossupressores sobre o organismo, que culminam em maior sensibilidade dos animais a infecções e em possíveis falhas vacinais.
Além da ação na resposta imune, os glicocorticoides interferem também no processo de cicatrização tecidual, limitando a proliferação de capilares
sanguíneos e de  fibroblastos e aumentando a quebra do colágeno. Acredita­se que  tais mecanismos estejam associados ao bloqueio da  interleucina 1
(IL­1), que, além de ter ações sobre a cicatrização tecidual, é um dos principais promotores da febre e da estimulação leucocitária21.
Também, frente à ação dos glicocorticoides, há uma mobilização excessiva de proteínas e de gordura dos  tecidos de armazenamento, o que pode
ocasionar fraqueza muscular e debilidade. Em humanos, descreve­se que o excesso de glicose liberado no sangue por ação do cortisol pode ocasionar
uma situação conhecida como diabetes adrenal e provocar obesidade, com deposição excessiva de gordura em regiões específicas, em especial no tórax
e na cabeça10.
Outros transtornos associados à ação prolongada do estresse dizem respeito aos sistemas digestório e circulatório. Uma vez que os glicocorticoides
estimulam a secreção ácida e de pepsina no estômago e inibem a renovação de células epiteliais e a secreção de muco, a sua ação continuada pode levar
à formação de úlceras gástricas e até peritonites, se as úlceras forem perfurantes. A motilidade gastrintestinal também pode ser prejudicada por causa
da ação simpática crônica. Em relação ao sistema cardiovascular, a ação simpática continuada pode ocasionar o impedimento da função diastólica, além
de  taquicardia  e  taquiarritmia24.  Pode ocasionar  também hipertensão por hipertrofia vascular  com consequente  aumento da  resistência periférica dos
vasos sanguíneos10. Frente a este quadro, a manutenção da atividade simpática sobre este sistema pode também provocar isquemia com degeneração e
necrose do miocárdio5. Nos pulmões, a atividade simpática prolongada pode promover aumento da pressão arterial local e edema24.Na reprodução, o estresse exerce efeito negativo sobre a secreção dos hormônios hipofisários que controlam o funcionamento dos órgãos sexuais –
as gonadotropinas. Os corticosteroides em excesso, assim como o ACTH, provocam a diminuição da produção de andrógenos pelos testículos e até a
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atrofia  testicular.  Nas  fêmeas,  provocam  diminuição  na  secreção  de  hormônio  luteinizante  (LH),  estrógeno  e  progesterona,  podendo  causar
infertilidade5 e diminuição na produção de ovos em animais que apresentam essa característica reprodutiva25.
Uma  vez  que  os  glicocorticoides,  em  especial  o  cortisol,  têm  atividade  mineralocorticoide  (apesar  de  fraca)15,  a  liberação  exacerbada  deste
hormônio em situações de estresse pode aumentar  a  reabsorção de  sódio nos  túbulos  renais  e promover,  como consequência, o  aumento da pressão
osmótica plasmática e, automaticamente, o aumento patológico da pressão arterial.
Em  farmacologia,  alguns  dos  efeitos  associados  ao  uso  exacerbado  de  glicocorticoides  exógenos  são  alterações  comportamentais,  tais  como
nervosismo, insônia, alterações de humor e doenças psíquicas, além de outros processos orgânicos15.
Quando o agente estressor continua mantido e os indivíduos entram em fase de exaustão, um problema bastante notado é a insuficiência da adrenal.
Se as alterações somáticas não forem resolvidas, há uma perda geral de reservas, falência orgânica múltipla e morte dos indivíduos.
Alterações comportamentais relacionadas com o estresse
Nas fases do estresse, além de alterações somáticas, como as descritas, ocorrem também modificações psicológicas e comportamentais.
O  comportamento  animal  pode  ser  definido  como  um  fenótipo,  ou  seja,  como  o  resultado  da  associação  entre  características  comportamentais
herdadas geneticamente e eventos ambientais que modulam ou modificam tais características11.
Fisiologicamente, o comportamento é ditado por um esquema de sinapses neuronais  inatas, que podem ser modificadas ou melhoradas de acordo
com  as  experiências  passadas  e  aprendidas  pelos  animais26.  O  aprendizado  e  a  memória  de  informações  criam  padrões  únicos,  individuais,  de
interconexões neuronais11, que geram comportamentos cada vez mais elaborados e complexos. Isto é possível por causa da alta plasticidade do SNC26.
Cada animal apresenta comportamentos sociais, sexuais, alimentares e lúdicos, além de habilidades cognitivas e de comunicação que são inerentes
à  sua  espécie27.  Alguns  destes  comportamentos  são  inatos  e  outros  podem  ser  aprendidos  durante  a  vida11.  Quando  um  comportamento  difere  em
forma, frequência ou contexto daquele apresentado pela maioria dos membros de uma espécie, passa a ser considerado como uma anormalidade, um
desvio  comportamental. Os  desvios  comportamentais mais  comumente  encontrados  são  as  estereotipias  (caracterizadas  por movimentos  repetitivos,
que, aparentemente, não têm nenhuma função – por exemplo: balançar o corpo para os lados ou para frente e para trás, andar de um lado para o outro
etc.), os comportamentos agressivos  (tanto autoagressivos,  tais como automutilações por arranhaduras,  lambeduras, mordeduras e arranchamento de
penas e pelos, quanto dirigidos a outros  indivíduos do grupo,  como canibalismo), os  comportamentos  sexuais  e maternais  inadequados  (rejeição ou
canibalismo dos neonatos, bicamento de ovos etc.) e a reatividade anormal (apatia, inatividade, hiperatividade e histeria), dentre outros28.
Define­se que o comportamento animal é iniciado a partir da percepção sensorial de alterações ambientais ou do próprio organismo, em conjunto
com a cognição e a memória de situações vividas. Tais informações são direcionadas até áreas integrativas do SNC, que irão processá­las e enviar uma
resposta motora, caracterizada por ações musculares e endócrinas, voluntárias ou inconscientes, que correspondem ao comportamento que o animal irá
executar em uma dada situação26.
As diferentes áreas integrativas do SNC geram respostas específicas. A medula espinal, por exemplo, gera respostas comportamentais reflexas, de
autopreservação. O hipotálamo, considerado como o centro da homeostase, gera comportamentos relacionados, entre outras coisas, à ingestão de água e
de comida, visto que lá se  localizam os centros da sede e da fome, além do centro da saciedade. A amígdala cerebral se relaciona a comportamentos
agressivos. O córtex cerebral, por sua vez, se relaciona a comportamentos mais complexos, que envolvem raciocínio e memória11.
As emoções estão estreitamente relacionadas com o comportamento. Em humanos, relata­se que as alterações comportamentais, principalmente as
relacionadas  com  a  autoagressividade,  são  mais  observadas  em  indivíduos  mantidos  em  confinamento  (prisões,  instituições  corretivas  etc.),  pela
prevalência de emoções negativas nestas condições29.
As  emoções  estabelecem circuitos  neuronais  complexos  entre  diversas  áreas  encefálicas,  incluindo o  córtex  cerebral,  o  hipotálamo  e  a  amígdala
(que, em conjunto, formam o sistema límbico). O sistema límbico fornece uma interpretação emocional das informações sensoriais recebidas do meio.
Deste modo, impulsos sensoriais podem apresentar impactos emocionais (euforia, frustração, medo, raiva, desejo etc.)11. Nas condições de estresse, a
sinalização feita para o organismo é, especialmente, de uma situação de medo, que exige uma ação protetora9.
Embora a função do sistema límbico não seja completamente conhecida, sabe­se que ele atua influenciando o SNA, os músculos esqueléticos e o
eixo hipotálamo­hipófise e glândulas associadas. Deste modo, sua atividade pode interferir, entre outros fatores, na secreção de diversos mediadores
químicos e hormônios e no tônus muscular. A atividade do sistema límbico pode, portanto, influenciar comportamentos sexuais, promover alterações
metabólicas  associadas  à  ação  de  diferentes  hormônios,  tais  como  o  hormônio  do  crescimento,  os  hormônios  tireoideanos  e  do  córtex  da  adrenal,
estimular a atividade do SNAs ou do SNAps e aumentar ou diminuir o tônus muscular, promovendo, respectivamente, tremores e astenia. A associação
das  informações  provenientes  do  sistema  límbico  com  as  provenientes  de  outras  regiões  encefálicas  auxiliam  no  desencadeamento  de  respostas
comportamentais apropriadas ao meio circundante10.
A  motivação  é  um  fator  emocional  bastante  associado  ao  comportamento.  Corresponde  aos  sinais  internos  do  organismo  que  formam
comportamentos  voluntários,  ou  seja,  que  promovem  comportamentos  destinados  a  um  objetivo. Muitos  impulsos motivacionais,  como  a  busca  de
água  e  de  alimentos,  por  exemplo,  são  expressões  de  sistemas  reguladores  fisiológicos,  estando  relacionados  com  a  sobrevivência.  Impulsos
motivacionais mais complexos, como a curiosidade, abrangem áreas mais extensas do SNC e estão ligados às emoções11.
De  maneira  geral,  os  animais,  incluindo  o  ser  humano,  tendem  a  repetir  comportamentos  que  satisfazem  algum  impulso  motivacional  ou
necessidade.  Quando  os  indivíduos  alcançam  a  saciedade,  os  comportamentos  são  cessados.  Deste  modo,  existe  um  reforço  positivo  para  que
determinado  comportamento  seja  executado  em determinadas  situações26. A  ausência  de motivação  e  de  emoções  positivas  (saciedade  e  prazer,  por
exemplo) pode ocasionar distúrbios comportamentais11.
Em relação ao estresse, conforme descrito anteriormente, quando um animal se depara com uma ameaça ao seu bem­estar, à sua integridade física,
ou até mesmo à sua sobrevivência, ele experimenta uma série de respostas comportamentais e neurovegetativas, que caracterizam a reação de medo9.
Do ponto de vista evolutivo, o estresse  tem suas  raízes nas  reações de defesa dos animais. Deste modo, além de  reações  físicas, o estresse  também
gera alterações psicológicas relacionadas com o medo, tais como apatia, depressão,desânimo, desalento, hipersensibilidade emotiva, ira, irritabilidade,
ansiedade, surtos psicóticos e crises neuróticas. Outras emoções negativas (frustração, solidão, tédio, falta de motivação etc.) também estão associadas
ao estresse e desenvolvem alterações físicas e comportamentais deletérias11. Desta maneira, é possível definir que as emoções podem promover efeitos
sobre  o  organismo,  chamados  de  efeitos  psicossomáticos. Muitas  situações,  tais  como  excitação,  raiva  ou  ansiedade,  promovem  uma  estimulação
simpática massiva, com as consequências já descritas anteriormente para este sistema. Estados como depressão e letargia podem estimular a resposta
parassimpática  e  promover  efeitos  opostos.  As  reações  de  medo,  tais  como  ocorrem  nas  situações  de  estresse,  podem  tanto  causar  estimulação
simpática como parassimpática, promovendo efeitos dos dois sistemas10.
Relata­se que as atividades de alguns neurotransmissores presentes no SNC (norepinefrina, dopamina, serotonina, neurotransmissores opiáceos e
outros) estão vinculadas às emoções e ao comportamento animal19.
A  norepinefrina,  por  exemplo,  tem,  além  de  funções  sistêmicas,  ações  inibitórias  e  excitatórias  do  SNC. Neste  sistema  específico,  encontra­se
envolvida no controle do humor (em conjunto com a serotonina), do sistema de vigília e das atividades exploratórias. A sua deficiência se relaciona à
depressão e o seu excesso às manias, que podem ser observadas em alguns indivíduos15.
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A dopamina corresponde ao precursor  imediato da norepinefrina. Tem distribuição restrita em partes do encéfalo, sendo a sua concentração mais
elevada no sistema límbico, no sistema nigroestriado (associado ao controle motor) e em algumas regiões do hipotálamo e da hipófise. Deste modo,
suas  ações  principais  estão  respectivamente  associadas  à  emoção  e  ao  comportamento,  ao  controle  de  funções  motoras  e  ao  controle  de  funções
endócrinas,  como a  inibição da  secreção de prolactina. Outras de  suas  funções  abrangem a vasodilatação,  o  aumento da  contração do miocárdio  e  a
regulação do centro do vômito15.
As ações da dopamina  se  relacionam a  receptores neuronais  chamados de D1  (subtipos D1 e D5) e D2  (subtipos D2, D3  e D4). Os  receptores  da
família D2 parecem ser mais associados ao controle comportamental – a estimulação excessiva do subtipo D4, por exemplo, pode estar relacionada com
a esquizofrenia e a dependência de fármacos em humanos15.
Segundo  Prado­Lima29,  a  ação  comportamental  da  dopamina  é  pouco  clara  e  controversa.  Uma  vez  que  a  dopamina  tem  forte  ligação  com  as
sensações de prazer, de motivação e de euforia, acaba sendo muito associada aos comportamentos de vício em humanos, inclusive aos comportamentos
autodestrutivos11.  Além  disso,  a  dopamina  parece  estar  relacionada  com  a  ansiedade  e  a  irritabilidade19.  Existem  relatos  de  que,  quando  há
predisposição genética, a sua atividade pode incrementar ações psicóticas. Descreve­se também que o excesso de dopamina pode provocar estereotipias
e comportamentos agressivos. Um experimento realizado com ratos demonstrou que animais que recebiam injeções contínuas de anfetamina (potente
liberador de dopamina e de norepinefrina) apresentavam diminuição de suas atividades exploratórias normais e aumento de movimentos estereotipados
sem relação com estímulos externos15, provavelmente associados aos  sistemas dopaminérgicos cerebrais envolvidos no controle dos movimentos. A
ação  dopaminérgica  sobre  a  agressividade  também  foi  demonstrada  em  um  estudo  com  aves  de  criação  que  receberam  injeção  de  bloqueadores  do
receptor D2. Tais animais apresentaram uma diminuição na frequência de comportamentos agressivos de bicamento de companheiros30.
A  serotonina  (5­hidroxitriptamina)  apresenta  funções  diversas  no  organismo.  Exerce  controle  sobre  alguns  comportamentos  (comportamentos
alimentares e comportamentos alucinatórios – causados pela hipofunção serotoninérgica em algumas áreas encefálicas) e sobre o humor, a emoção, o
sono, a vigília, a temperatura corporal e as vias sensoriais (principalmente a nocicepção). Alguns experimentos mostraram que animais que sofreram
lesões  em áreas  encefálicas  associadas  à  ação da  serotonina  apresentaram  respostas  exageradas  a  estímulos  sensoriais,  assustando­se  e  afastando­se
mais rapidamente de estímulos que normalmente não causariam esse efeito. Isto indica que a capacidade normal de desconsiderar formas irrelevantes
de estímulos sensoriais exige que as vias de ação da serotonina estejam preservadas15.
A serotonina age principalmente em receptores chamados de 5­HT, de diversos subtipos, determinando diferentes  funções orgânicas. A ação em
receptores 5­HT2A, por exemplo, está associada ao aumento da impulsividade e da agressividade, enquanto a ação em receptores 5­HT2B se relaciona à
diminuição destes mesmos comportamentos29. Em estudos experimentais com aves, relata­se que a administração de antagonistas de receptores 5­HT1
resulta em aumento na agressividade dos animais30, mostrando a diversidade de ações destes receptores.
A  serotonina,  assim  como  a  dopamina  e  a  norepinefrina,  controla  diversas  formas  de  comportamento.  Relata­se,  por  exemplo,  em  um  grande
número  de  estudos  em  humanos,  uma  associação  entre  a  hipofunção  serotoninérgica  e  os  comportamentos  impulsivos  e  agressivos,  bem  como  os
comportamentos  suicidas  e  obsessivo­compulsivos.  Alguns  destes  estudos  mostraram  que  pacientes  depressivos,  que  apresentavam  concentrações
baixas de metabólitos da serotonina no liquor (ácido 5­hidroxi­indolacético ou 5­HIAA), apresentavam maior probabilidade de cometer suicídio do que
pacientes depressivos com concentrações normais deste metabólito29.
Por fim, os neurotransmissores opiáceos (endorfinas, encefalinas etc.) têm ação central e são responsáveis por diminuir a percepção da dor. Têm­
se demonstrado que estímulos dolorosos resultam na liberação aumentada desses neurotransmissores. Acredita­se que os comportamentos repetidos de
automutilação  podem  servir  como  um  reforço  positivo  para  a  liberação  destes  opioides. Observou­se  em  humanos,  que  pacientes mais  gravemente
afetados por processos de automutilação expressam níveis mais elevados de opioides no plasma.
Considerações finais
Frente ao quadro atual de constante perda e possibilidade de extinção de diversas espécies de animais selvagens na natureza, o cativeiro tem atuado
como  uma  importante  ferramenta  no  esforço  conservacionista.  Sabe­se,  entretanto,  que  a  manutenção  em  confinamento  de  espécies  selvagens,  em
ambientes restritivos e na presença de fatores estressores, pode provocar alterações somáticas e comportamentais, afetando a higidez animal por uma
condição de estresse mantido. Ressalta­se que muitos destes animais permanecerão na condição de cativos por  longos períodos de  tempo, visto que,
em  muitas  situações,  a  sua  introdução  ou  reintrodução  na  natureza  não  é  viável.  O  longo  período  de  cativeiro  provoca  inabilidades  físicas  e
psicológicas,  necessárias  à  sobrevivência  dos  animais  em  vida  livre.  Por  essas  razões,  conhecer  os mecanismos  básicos  que  regem  a  condição  de
estresse  de  cativeiro  é  importante,  sobretudo,  para  que  haja  preocupação  com  o  bem­estar  e  a  qualidade  de  vida  animal  durante  o  período  de
confinamento.  Disso  depende,  inclusive,  o  sucesso  do  próprio  cativeiro.  A  adoção  de  medidas  para  amenização  do  estresse,  tais  como  o
condicionamento animal (para diminuir o sofrimento na realização de procedimentos corriqueiros) e o enriquecimento ambiental (na tentativa de tornar
o  ambiente  mais  estimulante  e  natural),  é  de  extrema  importância.  Neste  sentido,  sugere­se  a  leitura  dos  capítulos  correlacionados  (Capítulo  8  –
Condicionamento Operante– Base Teórica e Aplicação no Treinamento de Animais Selvagens em Cativeiro; Capítulo 7 – Enriquecimento Ambiental).
Preocupações  com  a  nutrição  e  o  manejo  também  são  essenciais  nesse  sentido.  Para  o  veterinário  que  lida  com  animais  selvagens,  a  atenção  às
questões psicológicas associadas às doenças, e não apenas às suas causas físicas, é fundamental. Desta maneira, estar atento aos sinais de estresse e à
presença de estressores é importante. Muitas vezes, a melhoria das condições ambientais exclui a necessidade de utilização de técnicas mais invasivas
ou agressivas de tratamento. Por fim, ressalta­se que a conscientização da população para a solução de problemas ambientais gerados, sobretudo, pela
ação humana e o desenvolvimento de projetos de educação ambiental e de uso sustentável de recursos naturais é essencial na conservação das espécies
em seus habitats, evitando a necessidade atual de se recorrer ao cativeiro.
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Leitura complementar
COE, J. C. Steering the ark toward Eden: design for animal well­being. Journal of the American Veterinary Medical Association, v. 223, p. 977­980, 2003.
NEWBERRY, R. C. Environmental enrichment:  increasing the biological relevance of captive environments. Applied Animal Behavior Science, v. 44, p. 229­243,
1995.
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Métodos de Marcação e Identificação
Lauro Leite Soares Neto
Introdução
A identificação individual de animais é essencial tanto para o manejo em cativeiro como no trabalho a campo e no manejo de populações de animais
selvagens em vida livre, sobretudo em estudos de comportamento, distribuição, uso de habitat, população e parâmetros referentes à história de vida1.
Esta identificação pode ser realizada por meio da realização de marcas naturais ou artificiais, sendo estas temporárias ou permanentes. Um método de
marcação  ideal  deve  apresentar  como  características:  causar  o  mínimo  de  dor,  sofrimento  ou  interferência  no  comportamento,  longevidade  e  vida
social; ser de fácil e rápida aplicação; tornar possível a identificação à distância, sem que haja necessidade de contenção; ser permanente ou permanecer
durante todo o período de pesquisa; ter custo acessível2,3.
A  seguir,  estão  descritos  os  principais  métodos  de  marcação  utilizados  em  animais  selvagens,  bem  como  as  situações  em  que  são  indicadas.
Informações sobre a legislação brasileira podem ser encontradas no item “Legislação”, no final deste capítulo.
Utilização de marcas naturais
A observação de características morfológicas individuais em um grupo de animais selvagens não requer a aplicação de qualquer instrumento nesses
animais,  e  geralmente  elas  são  visíveis  à  distância,  sendo  um método  baratoe  de  praticamente  nenhum  impacto  negativo  no  animal.  Indivíduos  de
algumas  espécies  podem  ser  reconhecidos  por  variação  em  cor  de  pelos  (Figura  6.1),  penas  e  pele  ou  pelo  padrão  de  manchas,  pintas,  listras;
características  faciais  e de  corpo,  como  rugas,  cicatrizes  e outras deformidades; porte  e  condição  física;  sexo e  comportamento2,4. Alguns  exemplos
práticos seriam as marcações faciais em tigres (Panthera tigris), dobras de pele nos flancos de rinocerontes­indianos (Rhinoceros unicornis), as listras
nos  flancos  de  zebras  de  diferentes  espécies  (Equus  spp.)  (Figura  6.2),  as  manchas  no  corpo  de  girafas  (Giraffa  camelopardalis)  e  diversas
características, principalmente faciais, em muitas espécies de primatas. Cicatrizes visíveis à média distância (Figuras 6.3 e 6.4), bem como membros e
cornos tortos ou quebrados (Figuras 6.5 e 6.6) também são ótimos exemplos de marcação natural.
Figura 6.1 Grupo de lhamas (Lama glama), no qual os animais são facilmente diferenciados pela coloração dos pelos.

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