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▶ ▶ ■ ■ Fisiopatologiado Estresse Heloísa Orsini Eduardo Fernandes Bondan Introdução A manutenção de animais selvagens em cativeiro é uma prática bastante observada na atualidade, não apenas porque tais animais representam, para alguns indivíduos, uma alternativa aos animais de companhia mais tradicionais, mas também porque o cativeiro vem se tornando cada vez mais um recurso necessário para a conservação de espécies ameaçadas de extinção. Dadas às crescentes situações de perda e de fragmentação de habitats, de caça predatória e de tráfico sofridas pelos animais, o cativeiro atua como centro de conservação e reserva genética de populações selvagens sujeitas à extinção. A manutenção em confinamento de animais de natureza selvagem, entretanto, traz desafios que dizem respeito à capacidade de tais animais em se adaptar a esta condição. Geralmente, as condições restritivas e inadequadas de manejo e nutrição presentes fazem com que os animais estejam constantemente submetidos a uma situação de estresse, que afeta a sua higidez. Este capítulo visa descrever os mecanismos envolvidos na indução do estresse, bem como os aspectos fisiopatológicos deste processo, que traz agravos à saúde e ao bemestar dos animais e que pode também ocasionar alterações comportamentais. Considerações sobre o estresse Definição O termo estresse é traduzido do inglês como força ou influência desagradável, pressão ou tensão. O médico de origem húngara Hans Selye foi o principal pesquisador a descrever os fenômenos desenvolvidos neste processo, considerandoo como o denominador comum de todas as reações de adaptação do organismo. Segundo Selye1, o estresse é um processo registrado em uma ampla diversidade de organismos vivos, incluindo até animais desprovidos de sistema nervoso central (SNC) e células mantidas em culturas fora do organismo. Pode ser desencadeado por uma diversidade de agentes (é inespecífico), mas, em organismos mais complexos, atinge especificamente alguns órgãos, tais como as adrenais, o timo e o trato gastrintestinal. Segundo Cubas2, o estresse pode ser definido como um processo fisiológico, neurohormonal, pelo qual passam os seres vivos para enfrentar uma mudança ambiental, o que frequentemente é uma condição desfavorável. Causas A reação de estresse (fenômeno de adaptação) é desencadeada por diversos fatores, chamados conjuntamente de agentes de estresse ou de estressores. Segundo Fowler3, os estressores para os animais dividemse em quatro grupos de agentes: somáticos, psicológicos, comportamentais e mistos. Os agentes somáticos incluem todos os fatores que estimulam sensações físicas, como sons, imagens e odores estranhos, manipulação, calor, frio, fome, sede etc. Os agentes psicológicos incluem sentimentos de frustração, apreensão, ansiedade, medo, terror etc. Os agentes comportamentais estão estreitamente ligados aos psicológicos e se relacionam a superpopulações, disputas territoriais ou hierárquicas, condições não familiares de ambiente, mudanças no ritmo biológico e falta de contato social, de privacidade, de alimentos e de estímulos naturais. Por fim, os agentes mistos incluem má nutrição, intoxicações, ação de agentes infecciosos e parasitários, queimaduras, cirurgias, administração de medicamentos, imobilizações química e física e confinamento. ■ Apesar de tais agentes poderem causar estresse tanto nos animais de vida livre como nos mantidos em cativeiro, o confinamento intensifica a resposta3. Isto ocorre porque, nesta condição, não existe a possibilidade de fuga do animal do ambiente que o incomoda, colocandoo em uma situação de necessidade de adaptação persistente. As condições de cativeiro afetam os animais de diferentes maneiras. De maneira geral, o cativeiro é um ambiente pouco estimulante, além de previsível e incompleto, visto que muitos dos aspectos do ambiente natural de ocorrência das espécies não conseguem ser reproduzidos com eficiência. Os animais encontramse geralmente em condições de restrição de movimentos e de motivação para atividades exploratórias, devido à falta de espaço físico e à deficiência de estímulos ambientais. A maioria dos animais se alimenta de dietas fixas e em horários definidos, não havendo a necessidade de esforço para a realização desta e de outras atividades naturais (o que consome grande parte do tempo dos animais quando em vida livre). Muitos indivíduos se encontram em áreas expostas ao público. O resultado é que os animais acabam tendo pouco controle da sua própria vida e, portanto, podem apresentar consequências negativas relacionadas com o estresse4. Algumas das situações estressoras mais comuns em cativeiro são as superlotações de recintos e a alocação conjunta de indivíduos de espécies diferentes, que podem ocasionar agressividade e necessidade de defesa territorial5. A inserção de novos animais em recintos também provoca problemas de agressividade, pela necessidade de estabelecimento de novas organizações hierárquicas6. Do mesmo modo, o isolamento de animais que convivem em sociedade, a separação de companheiros, o alojamento próximo de espécies antagônicas (predador e presa)7 e a proximidade com os seres humanos e com os animais domésticos também podem causar problemas relacionados com o estresse. Uma das causas mais importantes de estresse em animais em cativeiro é a deficiência nutricional. Segundo Mader8, cada espécie tem preferências alimentares e adaptações digestivas e metabólicas, que influenciam o seu requerimento de água, calorias e nutrientes. Neste caso, se o manejo dos animais em cativeiro não for realizado de modo adequado, pode ocorrer um grave impacto no seu metabolismo, influenciando a necessidade nutricional. Além disso, no cativeiro, a variedade de alimentos é diferente da encontrada no ambiente selvagem tanto na aparência, quanto no conteúdo e no sabor. Assim, a dieta oferecida pode causar estresse nos animais, pois comumente a composição nutricional não é balanceada ou é desconhecida. Fisiopatologia Considerações gerais Quando um organismo é estimulado por agentes estressores, ocorrem modificações no seu equilíbrio fisiológico que são imediatamente detectadas por neurorreceptores. As informações recebidas são transmitidas, por meio de impulsos nervosos, até o SNC, que as analisa, processa e desencadeia respostas para órgãos efetores, induzindo reações que são primariamente dirigidas a enfrentar as alterações ambientais ocorridas7. Em humanos, descrevese que a resposta desencadeada pelo organismo frente aos estressores compreende três níveis essenciais: o cognitivo, o comportamental e o fisiológico9. O nível cognitivo se relaciona ao modo como o indivíduo processa a informação proveniente dos estímulos e avalia a sua possibilidade de resposta. O nível comportamental abrange as possibilidades comportamentais de um indivíduo frente à condição estressora9. Depende de um aprendizado prévio de condutas pertinentes a determinadas situações e segue, geralmente, um padrão característico de cada espécie. As respostas comportamentais básicas desenvolvidas são o enfrentamento (ataque), a evitação (fuga, esquiva, vocalização etc.) e a passividade (colapso)3,9. Por fim, o nível fisiológico se relaciona às funções orgânicas que ocorrem nos indivíduos em decorrência do estresse9. Respostas fisiológicas ao estresse – Fases do estresse O conjunto de respostas fisiológicas desencadeadas frente a um agente estressor é chamado de síndrome geral da adaptação (SGA). A SGA pode ser dividida em três estágios que se diferenciam em decorrência do tempo: a fase de alarme, a fase de adaptação ou resistência e a fase de exaustão ou esgotamento1. Fase de alarme A fase de alarme (primeira fase da SGA) é representadapelo estado de prontidão geral do organismo. Nesta condição, o organismo é mobilizado como um todo no esforço à adaptação, sem o envolvimento específico ou exclusivo de algum órgão em particular1. A reação de alarme ocorre em segundos a minutos a partir da estimulação por agentes estressores, e possibilita ao animal uma resposta imediata ao perigo, em forma de luta ou de fuga5. Corresponde ao processo de estresse agudo, no qual há predominância da resposta do sistema nervoso autônomo simpático, resultando na liberação de catecolaminas (epinefrina e norepinefrina). O sistema nervoso autônomo simpático (SNAs), assim como o sistema nervoso autônomo parassimpático (SNAps) são subdivisões anatômicas do sistema nervoso autônomo (SNA). Ambos são responsáveis pela inervação e pelo controle das funções dos tecidos e dos órgãos que não apresentam controle voluntário, como é o caso da musculatura lisa visceral, da musculatura estriada cardíaca e das glândulas. São ativados principalmente por centros nervosos localizados na medula espinal, no tronco encefálico, no hipotálamo e em algumas áreas do córtex cerebral, em especial, do córtex límbico. Diferenciamse em relação a algumas de suas características anatômicas e funcionais e, de maneira geral, agem de maneira antagônica sobre a determinação das funções orgânicas. O SNAs e o SNAps são igualmente constituídos por duas fibras nervosas que realizam sinapse no interior de gânglios – uma partindo do SNC (fibra préganglionar) e outra que tem contato direto com os órgãosalvo (fibra pósganglionar). A comunicação entre tais fibras e delas com os órgãosalvo é realizada por neurotransmissores (Figura 5.1). No SNAs, as fibras préganglionares têm origem em segmentos torácicos e lombares da medula espinal (mais precisamente entre o primeiro segmento torácico e o segundo segmento lombar). O neurotransmissor envolvido na transferência de informações entre suas fibras pré e pós ganglionares é a acetilcolina, e entre suas fibras pósganglionares e órgãosalvos é, principalmente, a norepinefrina (algumas fibras pósganglionares simpáticas, como as que inervam as glândulas sudoríparas, os músculos piloeretores e alguns vasos sanguíneos, liberam acetilcolina). No SNAps, as fibras préganglionares têm origem no tronco encefálico (III, VII, IX e X pares de nervos cranianos) e em segmentos sacrais da medula espinal (entre o primeiro e o quarto segmentos). O décimo par de nervos cranianos (nervo vago) é a principal via pela qual as fibras préganglionares do SNAps deixam o SNC. Neste sistema, a transferência de informações entre as fibras pré e pósganglionares e destas para os órgãosalvo é feita pela acetilcolina10. Em relação à conformação anatômica das fibras nervosas, no SNAps, ao contrário do que ocorre no SNAs, as fibras pósganglionares são mais curtas do que as préganglionares. Tal característica é um dos fatores que contribuem para o fato de a ação do SNAps promover respostas mais específicas sobre os tecidos orgânicos do que o SNAs, que tende a promover respostas mais difusas. Isto ocorre porque a maior extensão das fibras pósganglionares do SNAs possibilita que sofram mais ramificações e que, portanto, inervem um maior número de tecidos do que as fibras pós ganglionares do SNAps. Em relação às funções dos dois sistemas, sabese que o tipo de neurotransmissor liberado por fibras pósganglionares, bem como a sua ação sobre receptores celulares específicos presentes em órgãosalvo são responsáveis pelas diferenças funcionais encontradas entre eles. No SNAs, a epinefrina (hormônio produzido por células da medula da glândula adrenal) também participa da resposta, o que a torna amplificada e contribui para que seja menos específica e mais generalizada do que a resposta parassimpática. Definese, portanto, que frente à ação simpática, os órgãos são estimulados de duas maneiras distintas: diretamente, pelos nervos simpáticos, e indiretamente, por hormônios medulares. Tal mecanismo é importante para garantir a funcionalidade do sistema caso ocorram falhas e porque os hormônios, uma vez liberados no sangue, conseguem atingir estruturas não inervadas diretamente por fibras nervosas10. Figura 5.1 Esquema da organização anatômica das fibras nervosas que formam os sistemas nervosos autônomos simpático e parassimpático e dos neurotransmissores liberados por elas. ACh = acetilcolina; ADR = adrenalina; C = região cervical da medula espinal; NOR = noradrenalina; S = região sacral da medula espinal; SNAps = sistema nervoso autônomo parassimpático; SNAs = sistema nervoso autônomo simpático; TE = tronco encefálico; T/L = regiões torácica e lombar da medula espinal. A epinefrina é um hormônio liberado no sangue frente à estimulação direta de células da medula da glândula adrenal por fibras nervosas que corresponderiam a fibras préganglionares do SNAs (Figura 5.1). A secreção de epinefrina ocorre concomitantemente à de norepinefrina. As células secretoras de epinefrina e de norepinefrina presentes na medula da glândula adrenal, chamadas de células cromafins, correspondem a células neuronais modificadas, embriologicamente derivadas do tecido nervoso. Tais células constituemse de fibras nervosas rudimentares e correspondem aos neurônios pósganglionares propriamente ditos11. Em geral, a epinefrina e a norepinefrina liberadas pela medula da glândula adrenal promovem em seus órgãosalvo os mesmos efeitos causados pela estimulação direta por nervos simpáticos, entretanto, os efeitos são mais duradouros, visto que a retirada de tais medidores do sangue é mais demorada. A epinefrina, assim como a norepinefrina, tem ações em receptores alfaadrenérgicos, presentes na maioria dos tecidosalvo e estimulatórios (com exceção dos da musculatura lisa intestinal), e betaadrenérgicos (beta1, encontrados no músculo cardíaco e nos rins, e beta2, encontrados em locais não inervados pelo SNAs), inibitórios em sua maioria, com exceção dos receptores do músculo cardíaco. A acetilcolina, por sua vez, age em receptores muscarínicos, encontrados em junções neuroefetoras do SNAps, e nicotínicos, presentes nos gânglios do SNA e nas junções neuromusculares da musculatura esquelética10–12. Os efeitos da epinefrina são praticamente iguais aos da norepinefrina, com algumas particularidades inerentes a cada uma. Em geral, a norepinefrina excita principalmente receptores do tipo alfaadrenérgicos e, em menor grau, receptores do tipo betaadrenérgicos, como os presentes no coração10. Por essa razão, a epinefrina tem efeitos mais intensos do que a norepinefrina na estimulação da contração cardíaca, apresentando uma capacidade maior de aumentar o débito cardíaco. A epinefrina age com maior intensidade também sobre o metabolismo dos tecidos. A norepinefrina, por sua vez, promove vasoconstrição de maneira generalizada nos tecidos orgânicos, enquanto a epinefrina é vasoconstritora em grande parte dos tecidos orgânicos e vasodilatadora na musculatura esquelética e na musculatura cardíaca. De maneira geral, impulsos simpáticos e parassimpáticos são transmitidos de modo contínuo para o organismo, constituindo um tônus que possibilita o controle das funções dos diferentes tecidos e órgãos – a Tabela 5.1 demonstra os principais eventos relacionados com a estimulação específica de receptores pelos mediadores químicos do SNA simpático (epinefrina e norepinefrina) e do SNA parassimpático (acetilcolina). Nas situações de alarme do estresse, entretanto, a liberação maciça das catecolaminas do SNAs promove simultaneamente alguns eventos orgânicos, tais como: aumento da frequência e da força de contração cardíaca,contração esplênica (aumentando o aporte de sangue para o interior dos vasos), diminuição da circulação sanguínea para órgãos periféricos (não necessários para a rápida atividade motora) e aumento para músculos ativos, aumento da pressão arterial, aumento da frequência respiratória, broncodilatação, liberação de glicose pelo fígado via glicogenólise, lipólise (disponibilizando lipídios para a síntese de glicose), dilatação pupilar (midríase), aumento de linfócitos B e T circulantes (tais células apresentam receptores do tipo beta2 adrenérgicos, que podem ser estimulados diretamente pelas catecolaminas13), aumento do metabolismo celular como um todo, aumento da atividade mental, diminuição da produção de urina e consequente aumento da pressão arterial por retenção de líquidos, vasodilatação local na musculatura esquelética etc. Os objetivos gerais de tais processos relacionamse ao aumento da distribuição de sangue, oxigênio e energia para músculos e órgãos vitais e à preparação geral do organismo para possíveis danos (Tabela 5.2). A ação simpática fornece uma ativação extra do organismo em situações de estresse, para possibilitar o desenvolvimento de atitudes mais rápidas • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • por parte dos animais10. Alterações de coloração cutânea frente à ação das catecolaminas também podem ocorrer, como se observa em algumas espécies de répteis. Descrevese que, em camaleões, a estimulação com epinefrina promove a alteração da cor da pele para verde claro14. Tabela 5.1 Principais eventos relacionados com a estimulação específica de receptores pelos mediadores químicos do sistema nervoso autônomo simpático (epinefrina e norepinefrina) e do sistema nervoso autônomo parassimpático (acetilcolina). Órgãos-alvo Sistema nervoso autônomo simpático (receptor: ações) Sistema nervoso autônomo parassimpático (receptor: ações) Coração Beta-1 adrenérgico: taquicardia e aumento da força de contração Muscarínico: bradicardia Pulmão Beta-2 adrenérgico: broncodilatação Muscarínico: broncoconstrição Intestinos Alfa-1 adrenérgico: diminuição do peristaltismo e da secreção Muscarínico: aumento do peristaltismo e da secreção Vesícula urinária Beta-2 adrenérgico: relaxamento da musculatura lisa com retenção da urina Muscarínico: contração da musculatura lisa com liberação da urina Pupila ocular Alfa-1 adrenérgico: midríase Muscarínico: miose Arteríolas/veias Alfa adrenérgico: constrição Beta-2 adrenérgico: dilatação – Pâncreas Alfa adrenérgico: diminuição da secreção de enzimas e inibição da secreção de insulina Muscarínico: aumento da secreção de enzimas e de insulina Adaptada de Silverthorn11 e Livingston12. Tabela 5.2 Principais ações das catecolaminas e dos glicocorticoides. Catecolaminas (mesmos efeitos da estimulação simpática, porém com ações mais prolongadas – duração 5 a 10 vezes maior) Taquicardia (maior efeito da epinefrina) Vasoconstrição (maior efeito da norepinefrina) Vasodilatação local na musculatura esquelética Aumento da pressão arterial Taquipneia Broncodilatação Midríase Contração esplênica Inibição da motilidade e secreção digestiva Diminuição da produção de urina Glicogenólise, com aumento dos níveis glicêmicos Lipólise, com aumento dos ácidos graxos livres circulantes Estimulação da cicatrização, da coagulação sanguínea e da resposta imunológica Estimulação da liberação dos grânulos de renina para ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona Glicocorticoides Lipólise/mobilização de ácidos graxos dos depósitos de gordura Catabolismo proteico/mobilização de aminoácidos de tecidos extra-hepáticos Gliconeogênese Redução da sensibilidade do músculo esquelético e do tecido adiposo à ação da insulina Elevação da concentração sanguínea de glicose Ação anti-inflamatória (por inibição da formação dos metabólitos do ácido araquidônico, da estabilização das membranas lisossômicas e da modulação da ação de outros mediadores químicos inflamatórios, tais como a IL-1) Inibição da cicatrização tecidual Ação antialérgica e imunossupressora (por apoptose de timócitos e supressão da produção de citocinas e quimiocinas) Aumento da produção de hemácias Estimulação da secreção ácida e de pepsina e inibição da secreção de muco no estômago Adaptada de Guyton10, Silverthorn11, Livingston12 e Tizard21. Ao final da fase de alarme, o organismo deve retornar gradualmente ao seu estado de equilíbrio. Iniciase, assim, a atividade parassimpática, que diminui as frequências cardíaca e respiratória e aumenta o tônus e o peristaltismo dos tratos gastrintestinal e urinário – que se encontravam alterados durante a reação simpática. As catecolaminas, que se encontravam aumentadas na circulação, são rapidamente removidas via reabsorção pelas próprias terminações nervosas, difusão para o sangue ou degradação por enzimas como a monoaminoxidase, encontrada nas próprias terminações nervosas, e a catecolOmetiltransferase, encontrada de forma difusa em todos os tecidos orgânicos10,11. Fase de adaptação Caso o agente estressor seja mantido, os animais entram na fase de adaptação do estresse1, caracterizada pela hiperatividade da glândula adrenal, com liberação de glicocorticoides e continuação da atividade do SNAs. Ocorre ativação de todo o sistema endócrino para que o animal concentre maior quantidade de energia para se defender. Esta fase corresponde ao estresse crônico, no qual a resposta hormonal predomina sobre a nervosa. O animal se habitua à presença do agente estressor, entrando em um estado de adaptação, no qual a resposta ao agente tornase diminuída ou antecipada (o animal desenvolve a reação mesmo diante da perspectiva do estímulo). Segundo Dantzer e Mormede5, esta resposta é mais tardia que a resposta catecolaminérgica, alcançando seu pico máximo em 20 a 30 min após a exposição à agressão e podendo perdurar por muito tempo. Fisiologicamente, a fase de adaptação do estresse é caracterizada pela ativação continuada do eixo hipotalâmicohipofisárioadrenal, visando, principalmente, à liberação de glicocorticoides e, consequentemente, à produção de energia em quantidade suficiente para aumentar a resistência do organismo perante o agente estressor5. Frente à situação de adaptação do estresse, estímulos estressores são transmitidos até a eminência mediana do hipotálamo, que controla as atividades gerais do SNA e do sistema endócrino, e o estimulam a sintetizar e secretar o hormônio hipotalâmico liberador de corticotropina (HLC). Estressores psicológicos agem via sistema límbico, estimulando principalmente a amígdala e o hipocampo, que, posteriormente, transmitem a informação ao hipotálamo medial posterior, estimulando a liberação de HLC. Uma vez liberado, o HLC alcança a adenohipófise, por meio dos vasos portahipotalâmicohipofisários, e lá induz a síntese e a secreção do hormônio adrenocorticotrófico, também chamado de adrenocorticotropina (ACTH)10 (Figura 5.2). O ACTH é um hormônio polipeptídico, que faz parte de uma grande molécula proteica precursora, a próopiomelanocortina (POMC). Dela fazem parte também a melanocortina (MSH), que tem ação sobre os melanócitos, e os opioides endógenos (endorfinas), que reduzem a percepção da dor15. Em situações de normalidade, quando o ACTH é liberado, nenhum dos outros dois hormônios (MSH ou endorfinas) é secretado em quantidades suficientes para promover efeitos importantes no organismo. No entanto, situações que promovem o aumento patológico da liberação de ACTH podem acarretar o aumento da atividade orgânica de tais hormônios também10. Algumas doenças humanas e animais, como, por exemplo, a síndrome de Cushing, podem acarretar pigmentações de mucosas e de pele por ação do MSH, que estimula a produção de melaninapor melanócitos16. Em virtude de sua semelhança com o MSH, o ACTH tem efeitos fracamente estimulantes de melanócitos também10. Demonstrouse em experimentos com ratos que o estresse por alteração de temperatura e por mudanças ambientais promove aumentos de ACTH e de MSH17. Além disso, a mudança de coloração frente a situações estressoras já foi descrita em animais, tais como em algumas espécies de peixes18 e de répteis14. A associação entre a liberação de ACTH promovida pelas situações de estresse e a liberação de endorfinas também é descrita em algumas situações psíquicas humanas e em animais, tais como as automutilações, nas quais se pressupõe o comportamento doloroso como um reforço positivo para a liberação das endorfinas. Observou se, em humanos, que pacientes mais gravemente afetados por processos de automutilação expressam níveis mais elevados de opioides no plasma19. Figura 5.2 Esquema da ativação do eixo hipotálamohipófiseadrenal frente à ação de agentes estressores físicos e psicológicos. ACTH = hormônio adrenocorticotrófico; CRH = hormônio hipotalâmico liberador de corticotropina. Uma vez liberado na corrente sanguínea, o ACTH atinge células do córtex das glândulas adrenais, gerando uma sinalização para que haja a produção de hormônios adrenocorticais. Diferentes hormônios são produzidos por regiões específicas do córtex da adrenal, tais como os mineralocorticoides (em especial, a aldosterona, que é proveniente da zona glomerulosa, mais superficial do córtex da adrenal), alguns andrógenos sexuais (liberados pela zona reticular do córtex da adrenal, mais profunda) e os glicocorticoides (liberados principalmente pela zona fasciculada do córtex da adrenal, intermediária, e, em menores quantidades, pela zona reticular). Todos eles são compostos esteroides formados, sobretudo, a partir do colesterol e têm receptores intracelulares nas suas célulasalvo11,12. A ativação do córtex da adrenal pelo ACTH, frente à situação de estresse mantido, promove principalmente a secreção de glicocorticoides (em especial, cortisol e corticosterona) no sangue10. Os glicocorticoides prolongam e completam a ação das catecolaminas. Exercem diversos efeitos metabólicos que facilitam a obtenção de energia pelo organismo e desempenham uma importante função na manutenção da homeostase, provendo suporte em situações desfavoráveis5 (Tabela 5.2). De maneira geral, os glicocorticoides atuam sobre o metabolismo de carboidratos, proteínas e lipídios, na intenção de mobilizar reservas celulares para a produção de energia e para a síntese de outros compostos necessários para o organismo nas situações de estresse20. Assim, por exemplo, aminoácidos e ácidos graxos armazenados, respectivamente, em reservas como os músculos e o tecido adiposo, são mobilizados para o fígado, onde serão utilizados para a síntese de glicose pela via da gliconeogênese. Os glicocorticoides aumentam de 6 a 10 vezes a gliconeogênese pelas células hepáticas, via aumento de enzimas necessárias para a conversão de aminoácidos em glicose e via mobilização de aminoácidos e lipídios de tecidos extrahepáticos10. Uma vez que a glicose é rapidamente utilizada pelo organismo para a produção de energia na forma de adenosina trifosfato (ATP), em especial pelo encéfalo, os glicocorticoides agem promovendo o catabolismo de proteínas, carboidratos e lipídios e diminuindo a utilização de glicose pelas células do corpo, bem como a síntese lipídica e proteica nos tecidos extrahepáticos, na intenção de viabilizar todos esses compostos para o aumento da glicemia. ▶ Os glicocorticoides exercem também ações supressoras da resposta inflamatória, causando, por exemplo, a inibição de mediadores químicos envolvidos na inflamação aguda. Em geral, os processos inflamatórios, independentemente da causa que os provocou, cursam com eventos vasculares (vasodilatação e aumento da permeabilidade vascular) e celulares (mediados principalmente por leucócitos), que visam ao aumento do fluxo sanguíneo e do aporte de líquidos, proteínas e células sanguíneas para as áreas acometidas na intenção de delimitar, diluir e/ou destruir os agentes promotores do processo inflamatório. Contam também com a participação de substâncias químicas, liberadas nos locais de lesão, além de células endoteliais e leucócitos, que promovem uma comunicação intercelular e modulam a atividade inflamatória. Alguns exemplos de mediadores químicos que participam dos processos inflamatórios são citocinas, como a interleucina 1 (IL1) e o fator de necrose tumoral (TNF), que exercem múltiplos efeitos estimuladores da inflamação, como vasodilatação, aumento da permeabilidade vascular, aumento da temperatura corporal e outras alterações; quimiocinas, que promovem o recrutamento de diferentes tipos de leucócitos para o sítio inflamatório; e metabólitos derivados do ácido araquidônico, dentre outros. O ácido araquidônico é um ácido graxo essencial presente na membrana plasmática das células, liberado pela ação de uma enzima chamada de fosfolipase A2 frente a perturbações celulares. Pode ser processado por duas vias metabólicas diferentes, gerando os chamados metabólitos do ácido araquidônico: a via da lipooxigenase, que gera lipoxinas e leucotrienos, e a via da ciclooxigenase, que gera prostaglandinas, prostaciclinas e tromboxanos. Os metabólitos do ácido araquidônico, em conjunto, exercem diferentes ações próinflamatórias no organismo, indo desde alterações vasculares até o recrutamento de leucócitos e a promoção de febre. Diversas ações dos glicocorticoides são relacionadas com efeitos antiinflamatórios. Por exemplo, uma vez que inibem a ação da enzima celular fosfolipase A215, acabam diminuindo a produção dos metabólitos inflamatórios do ácido araquidônico. A redução destes metabólitos, especialmente das prostaglandinas e dos leucotrienos, acaba inibindo processos que são observados nas respostas inflamatórias, tais como o aumento da permeabilidade vascular e a vasodilatação (envolvidos na formação do edema), a febre, a hiperalgesia e a migração de leucócitos para os tecidos. A diminuição da febre também é promovida via inibição das atividades da IL1. Frente à liberação de glicocorticoides, a fagocitose também é diminuída, sendo este um evento bastante associado à estabilização das membranas lisossomais promovida pelos glicocorticoides. Tal processo impede a liberação de enzimas proteolíticas, prevenindo a autólise celular desencadeada por lesões. A redução na liberação de enzimas proteolíticas pelos lisossomos gera, como efeito secundário, a diminuição da permeabilidade dos capilares, evitando os processos inflamatórios10. Na inflamação, os glicocorticoides apresentam também efeitos supressores das células que compõem o sistema imune, em especial os linfócitos21. Em geral, todos os efeitos desencadeados pelos glicocorticoides podem ser observados durante a fase de adaptação do estresse. Em condições normais, ao final deste processo, a homeostasia deve se restabelecer. Deste modo, o excesso de glicocorticoides liberados na circulação deve agir sobre o hipotálamo, diminuindo a formação do HLC, e sobre a glândula hipófise, diminuindo a formação do ACTH, por mecanismos de feedback negativo. Os glicocorticoides liberados no sangue, por sua vez, devem ser catabolizados e inativados após exercerem suas funções específicas. O fígado é o local mais importante na formação de compostos biologicamente inativos a partir dos esteroides e na solubilização destes compostos em água, para que sejam mais facilmente eliminados na bile ou na urina na forma de metabólitos do cortisol20. Fase deexaustão A fase de exaustão é a última fase da SGA. Ocorre após a fase de adaptação, quando o estímulo estressor continua mantido até que o animal não tenha mais capacidade de se adaptar. Deste modo, o relaxamento e o retorno à homeostasia não ocorrem, levando o animal a um estado de exaustão emocional e física. Os mecanismos adaptativos falham e ocorre deficiência nas reservas de energia. A fase corresponde ao período préagônico, com falência orgânica múltipla. As modificações biológicas apresentadas são semelhantes às da reação de alarme, mas o organismo não consegue mais se restabelecer sozinho. A fase de exaustão não é necessariamente irreversível, desde que não afete o organismo de modo generalizado1. A Figura 5.3 mostra os principais eventos desencadeados em cada uma das fases da SGA. Alterações somáticas relacionadas com o estresse Apesar de a reação de estresse se tratar de um fenômeno fisiológico de adaptação frente a mudanças, ela deixa de ser um evento positivo quando a ação do agente estressor sobre o organismo exige um esforço contínuo por parte do animal para manter a sua viabilidade. Evidenciamse duas condições de estresse: o eustresse e o distresse. O eustresse diz respeito ao estresse fisiológico, necessário à sobrevivência dos indivíduos frente às adversidades. O distresse, por sua vez, corresponde às condições de estresse contínuo, que causam efeitos prejudiciais ao organismo6,22. De modo geral, o eustresse está mais relacionado com as fases agudas de estresse (reação de alarme) e o distresse às fases mais crônicas (reações de adaptação e de exaustão)6,22. No entanto, apesar desta generalização, efeitos deletérios provocados pela condição podem ocorrer em qualquer uma das fases da SGA. Segundo Selye1, quando o organismo se defronta com um agente tão nocivo a ponto de a contínua exposição ser incompatível com a vida, a morte ocorre dentro das primeiras horas ou dias, ou seja, ainda durante a fase de alarme. Além disso, os animais em estado de alerta também se tornam mais suscetíveis a comprometimentos orgânicos, como traumas, lacerações, fraturas, contusões e concussões, causados pela própria situação3. Figura 5.3 Esquema das fases da síndrome geral da adaptação e suas consequências para o organismo. EP = epinefrina; FC = frequência cardíaca; FR = frequência respiratória; NOR = norepinefrina; PA = pressão arterial; SNAs = sistema nervoso autônomo simpático. Uma condição patológica bastante associada à reação de alarme do estresse é a miopatia de esforço, descrita principalmente em herbívoros selvagens, mas também em algumas espécies de aves e de mamíferos. Neste processo, a estimulação estressora aguda, devido principalmente à captura, à manipulação, ao transporte e à contenção dos animais, promove uma síndrome caracterizada por intensa dor, rigidez locomotora, incoordenação, paresia, paralisia, oligúria, acidose metabólica, depressão e morte. Nesta síndrome, ocorre esgotamento da função do SNAs frente a uma situação grave de estresse, causando, entre outras coisas, interrupção súbita da atividade da musculatura esquelética, com consequente estase do fluxo sanguíneo e hipoxia tecidual. Nos músculos, a ausência de oxigênio causada pelo processo faz com que ocorra glicólise anaeróbica para fornecimento de energia, levando à formação de ácido láctico como produto final. A associação da acidose tecidual com o calor acumulado na musculatura contribui para a necrose do tecido muscular, promovendo a liberação de mioglobina e de potássio. A mioglobina é tóxica para as células epiteliais dos túbulos contorcidos proximais dos rins, podendo provocar, em conjunto com a vasoconstrição periférica causada pelas catecolaminas do SNAs, falência renal aguda. O aumento do potássio na corrente circulatória, por sua vez, pode causar fibrilação e falência aguda do coração, visto que altera o potencial elétrico de membrana das fibras cardíacas, impedindo a sua repolarização. As alterações descritas, em conjunto com outras consequências relacionadas com a alteração orgânica provocada pela intensa reação de alarme, tais como acidose metabólica, azotemia e hipoperfusão tecidual generalizada, podem ocasionar choque e óbito dos animais23. Procedimentos de contenção em aves, muitas vezes, causam morte imediata durante a reação de alarme do estresse, pela mesma situação. Nas fases crônicas, as alterações patológicas provocadas pela situação de estresse se relacionam, principalmente à produção excessiva de glicocorticoides e à manutenção por períodos prolongados da resposta simpática. As alterações somáticas produzidas em tais fases englobam modificações específicas na função de diferentes órgãos e sistemas, além de sinais não específicos de doença, tais como fraqueza e perda de peso, entre outros. Um dos principais sistemas afetados pela condição de estresse crônica é o sistema imunológico. As ações dos glicocorticoides em relação a ele incluem a diminuição do nível de linfócitos circulantes, do volume do timo e de outros órgãos linfoides (como o baço e a bursa de Fabricius nas aves) e a depressão da resposta inflamatória e dos mecanismos da imunidade humoral e celular. Os glicocorticoides causam apoptose de timócitos, especialmente os de fenótipo duplopositivo (CD4+ CD8+), precursores dos linfócitos T CD4+ (auxiliares) e T CD8+ (citotóxicos), e suprimem a produção de citocinas. Deste modo, interferem na expansão e nos mecanismos efetores dos linfócitos T. Além disso, estabilizam as membranas lisossômicas, inibindo a liberação de suas enzimas proteolíticas e prejudicando o processamento antigênico pelos macrófagos, além de bloquearem a produção de moléculas quimiotáticas para leucócitos21. A associação entre todos esses fatores promove efeitos imunossupressores sobre o organismo, que culminam em maior sensibilidade dos animais a infecções e em possíveis falhas vacinais. Além da ação na resposta imune, os glicocorticoides interferem também no processo de cicatrização tecidual, limitando a proliferação de capilares sanguíneos e de fibroblastos e aumentando a quebra do colágeno. Acreditase que tais mecanismos estejam associados ao bloqueio da interleucina 1 (IL1), que, além de ter ações sobre a cicatrização tecidual, é um dos principais promotores da febre e da estimulação leucocitária21. Também, frente à ação dos glicocorticoides, há uma mobilização excessiva de proteínas e de gordura dos tecidos de armazenamento, o que pode ocasionar fraqueza muscular e debilidade. Em humanos, descrevese que o excesso de glicose liberado no sangue por ação do cortisol pode ocasionar uma situação conhecida como diabetes adrenal e provocar obesidade, com deposição excessiva de gordura em regiões específicas, em especial no tórax e na cabeça10. Outros transtornos associados à ação prolongada do estresse dizem respeito aos sistemas digestório e circulatório. Uma vez que os glicocorticoides estimulam a secreção ácida e de pepsina no estômago e inibem a renovação de células epiteliais e a secreção de muco, a sua ação continuada pode levar à formação de úlceras gástricas e até peritonites, se as úlceras forem perfurantes. A motilidade gastrintestinal também pode ser prejudicada por causa da ação simpática crônica. Em relação ao sistema cardiovascular, a ação simpática continuada pode ocasionar o impedimento da função diastólica, além de taquicardia e taquiarritmia24. Pode ocasionar também hipertensão por hipertrofia vascular com consequente aumento da resistência periférica dos vasos sanguíneos10. Frente a este quadro, a manutenção da atividade simpática sobre este sistema pode também provocar isquemia com degeneração e necrose do miocárdio5. Nos pulmões, a atividade simpática prolongada pode promover aumento da pressão arterial local e edema24.Na reprodução, o estresse exerce efeito negativo sobre a secreção dos hormônios hipofisários que controlam o funcionamento dos órgãos sexuais – as gonadotropinas. Os corticosteroides em excesso, assim como o ACTH, provocam a diminuição da produção de andrógenos pelos testículos e até a ▶ atrofia testicular. Nas fêmeas, provocam diminuição na secreção de hormônio luteinizante (LH), estrógeno e progesterona, podendo causar infertilidade5 e diminuição na produção de ovos em animais que apresentam essa característica reprodutiva25. Uma vez que os glicocorticoides, em especial o cortisol, têm atividade mineralocorticoide (apesar de fraca)15, a liberação exacerbada deste hormônio em situações de estresse pode aumentar a reabsorção de sódio nos túbulos renais e promover, como consequência, o aumento da pressão osmótica plasmática e, automaticamente, o aumento patológico da pressão arterial. Em farmacologia, alguns dos efeitos associados ao uso exacerbado de glicocorticoides exógenos são alterações comportamentais, tais como nervosismo, insônia, alterações de humor e doenças psíquicas, além de outros processos orgânicos15. Quando o agente estressor continua mantido e os indivíduos entram em fase de exaustão, um problema bastante notado é a insuficiência da adrenal. Se as alterações somáticas não forem resolvidas, há uma perda geral de reservas, falência orgânica múltipla e morte dos indivíduos. Alterações comportamentais relacionadas com o estresse Nas fases do estresse, além de alterações somáticas, como as descritas, ocorrem também modificações psicológicas e comportamentais. O comportamento animal pode ser definido como um fenótipo, ou seja, como o resultado da associação entre características comportamentais herdadas geneticamente e eventos ambientais que modulam ou modificam tais características11. Fisiologicamente, o comportamento é ditado por um esquema de sinapses neuronais inatas, que podem ser modificadas ou melhoradas de acordo com as experiências passadas e aprendidas pelos animais26. O aprendizado e a memória de informações criam padrões únicos, individuais, de interconexões neuronais11, que geram comportamentos cada vez mais elaborados e complexos. Isto é possível por causa da alta plasticidade do SNC26. Cada animal apresenta comportamentos sociais, sexuais, alimentares e lúdicos, além de habilidades cognitivas e de comunicação que são inerentes à sua espécie27. Alguns destes comportamentos são inatos e outros podem ser aprendidos durante a vida11. Quando um comportamento difere em forma, frequência ou contexto daquele apresentado pela maioria dos membros de uma espécie, passa a ser considerado como uma anormalidade, um desvio comportamental. Os desvios comportamentais mais comumente encontrados são as estereotipias (caracterizadas por movimentos repetitivos, que, aparentemente, não têm nenhuma função – por exemplo: balançar o corpo para os lados ou para frente e para trás, andar de um lado para o outro etc.), os comportamentos agressivos (tanto autoagressivos, tais como automutilações por arranhaduras, lambeduras, mordeduras e arranchamento de penas e pelos, quanto dirigidos a outros indivíduos do grupo, como canibalismo), os comportamentos sexuais e maternais inadequados (rejeição ou canibalismo dos neonatos, bicamento de ovos etc.) e a reatividade anormal (apatia, inatividade, hiperatividade e histeria), dentre outros28. Definese que o comportamento animal é iniciado a partir da percepção sensorial de alterações ambientais ou do próprio organismo, em conjunto com a cognição e a memória de situações vividas. Tais informações são direcionadas até áreas integrativas do SNC, que irão processálas e enviar uma resposta motora, caracterizada por ações musculares e endócrinas, voluntárias ou inconscientes, que correspondem ao comportamento que o animal irá executar em uma dada situação26. As diferentes áreas integrativas do SNC geram respostas específicas. A medula espinal, por exemplo, gera respostas comportamentais reflexas, de autopreservação. O hipotálamo, considerado como o centro da homeostase, gera comportamentos relacionados, entre outras coisas, à ingestão de água e de comida, visto que lá se localizam os centros da sede e da fome, além do centro da saciedade. A amígdala cerebral se relaciona a comportamentos agressivos. O córtex cerebral, por sua vez, se relaciona a comportamentos mais complexos, que envolvem raciocínio e memória11. As emoções estão estreitamente relacionadas com o comportamento. Em humanos, relatase que as alterações comportamentais, principalmente as relacionadas com a autoagressividade, são mais observadas em indivíduos mantidos em confinamento (prisões, instituições corretivas etc.), pela prevalência de emoções negativas nestas condições29. As emoções estabelecem circuitos neuronais complexos entre diversas áreas encefálicas, incluindo o córtex cerebral, o hipotálamo e a amígdala (que, em conjunto, formam o sistema límbico). O sistema límbico fornece uma interpretação emocional das informações sensoriais recebidas do meio. Deste modo, impulsos sensoriais podem apresentar impactos emocionais (euforia, frustração, medo, raiva, desejo etc.)11. Nas condições de estresse, a sinalização feita para o organismo é, especialmente, de uma situação de medo, que exige uma ação protetora9. Embora a função do sistema límbico não seja completamente conhecida, sabese que ele atua influenciando o SNA, os músculos esqueléticos e o eixo hipotálamohipófise e glândulas associadas. Deste modo, sua atividade pode interferir, entre outros fatores, na secreção de diversos mediadores químicos e hormônios e no tônus muscular. A atividade do sistema límbico pode, portanto, influenciar comportamentos sexuais, promover alterações metabólicas associadas à ação de diferentes hormônios, tais como o hormônio do crescimento, os hormônios tireoideanos e do córtex da adrenal, estimular a atividade do SNAs ou do SNAps e aumentar ou diminuir o tônus muscular, promovendo, respectivamente, tremores e astenia. A associação das informações provenientes do sistema límbico com as provenientes de outras regiões encefálicas auxiliam no desencadeamento de respostas comportamentais apropriadas ao meio circundante10. A motivação é um fator emocional bastante associado ao comportamento. Corresponde aos sinais internos do organismo que formam comportamentos voluntários, ou seja, que promovem comportamentos destinados a um objetivo. Muitos impulsos motivacionais, como a busca de água e de alimentos, por exemplo, são expressões de sistemas reguladores fisiológicos, estando relacionados com a sobrevivência. Impulsos motivacionais mais complexos, como a curiosidade, abrangem áreas mais extensas do SNC e estão ligados às emoções11. De maneira geral, os animais, incluindo o ser humano, tendem a repetir comportamentos que satisfazem algum impulso motivacional ou necessidade. Quando os indivíduos alcançam a saciedade, os comportamentos são cessados. Deste modo, existe um reforço positivo para que determinado comportamento seja executado em determinadas situações26. A ausência de motivação e de emoções positivas (saciedade e prazer, por exemplo) pode ocasionar distúrbios comportamentais11. Em relação ao estresse, conforme descrito anteriormente, quando um animal se depara com uma ameaça ao seu bemestar, à sua integridade física, ou até mesmo à sua sobrevivência, ele experimenta uma série de respostas comportamentais e neurovegetativas, que caracterizam a reação de medo9. Do ponto de vista evolutivo, o estresse tem suas raízes nas reações de defesa dos animais. Deste modo, além de reações físicas, o estresse também gera alterações psicológicas relacionadas com o medo, tais como apatia, depressão,desânimo, desalento, hipersensibilidade emotiva, ira, irritabilidade, ansiedade, surtos psicóticos e crises neuróticas. Outras emoções negativas (frustração, solidão, tédio, falta de motivação etc.) também estão associadas ao estresse e desenvolvem alterações físicas e comportamentais deletérias11. Desta maneira, é possível definir que as emoções podem promover efeitos sobre o organismo, chamados de efeitos psicossomáticos. Muitas situações, tais como excitação, raiva ou ansiedade, promovem uma estimulação simpática massiva, com as consequências já descritas anteriormente para este sistema. Estados como depressão e letargia podem estimular a resposta parassimpática e promover efeitos opostos. As reações de medo, tais como ocorrem nas situações de estresse, podem tanto causar estimulação simpática como parassimpática, promovendo efeitos dos dois sistemas10. Relatase que as atividades de alguns neurotransmissores presentes no SNC (norepinefrina, dopamina, serotonina, neurotransmissores opiáceos e outros) estão vinculadas às emoções e ao comportamento animal19. A norepinefrina, por exemplo, tem, além de funções sistêmicas, ações inibitórias e excitatórias do SNC. Neste sistema específico, encontrase envolvida no controle do humor (em conjunto com a serotonina), do sistema de vigília e das atividades exploratórias. A sua deficiência se relaciona à depressão e o seu excesso às manias, que podem ser observadas em alguns indivíduos15. ▶ ▶ 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. A dopamina corresponde ao precursor imediato da norepinefrina. Tem distribuição restrita em partes do encéfalo, sendo a sua concentração mais elevada no sistema límbico, no sistema nigroestriado (associado ao controle motor) e em algumas regiões do hipotálamo e da hipófise. Deste modo, suas ações principais estão respectivamente associadas à emoção e ao comportamento, ao controle de funções motoras e ao controle de funções endócrinas, como a inibição da secreção de prolactina. Outras de suas funções abrangem a vasodilatação, o aumento da contração do miocárdio e a regulação do centro do vômito15. As ações da dopamina se relacionam a receptores neuronais chamados de D1 (subtipos D1 e D5) e D2 (subtipos D2, D3 e D4). Os receptores da família D2 parecem ser mais associados ao controle comportamental – a estimulação excessiva do subtipo D4, por exemplo, pode estar relacionada com a esquizofrenia e a dependência de fármacos em humanos15. Segundo PradoLima29, a ação comportamental da dopamina é pouco clara e controversa. Uma vez que a dopamina tem forte ligação com as sensações de prazer, de motivação e de euforia, acaba sendo muito associada aos comportamentos de vício em humanos, inclusive aos comportamentos autodestrutivos11. Além disso, a dopamina parece estar relacionada com a ansiedade e a irritabilidade19. Existem relatos de que, quando há predisposição genética, a sua atividade pode incrementar ações psicóticas. Descrevese também que o excesso de dopamina pode provocar estereotipias e comportamentos agressivos. Um experimento realizado com ratos demonstrou que animais que recebiam injeções contínuas de anfetamina (potente liberador de dopamina e de norepinefrina) apresentavam diminuição de suas atividades exploratórias normais e aumento de movimentos estereotipados sem relação com estímulos externos15, provavelmente associados aos sistemas dopaminérgicos cerebrais envolvidos no controle dos movimentos. A ação dopaminérgica sobre a agressividade também foi demonstrada em um estudo com aves de criação que receberam injeção de bloqueadores do receptor D2. Tais animais apresentaram uma diminuição na frequência de comportamentos agressivos de bicamento de companheiros30. A serotonina (5hidroxitriptamina) apresenta funções diversas no organismo. Exerce controle sobre alguns comportamentos (comportamentos alimentares e comportamentos alucinatórios – causados pela hipofunção serotoninérgica em algumas áreas encefálicas) e sobre o humor, a emoção, o sono, a vigília, a temperatura corporal e as vias sensoriais (principalmente a nocicepção). Alguns experimentos mostraram que animais que sofreram lesões em áreas encefálicas associadas à ação da serotonina apresentaram respostas exageradas a estímulos sensoriais, assustandose e afastandose mais rapidamente de estímulos que normalmente não causariam esse efeito. Isto indica que a capacidade normal de desconsiderar formas irrelevantes de estímulos sensoriais exige que as vias de ação da serotonina estejam preservadas15. A serotonina age principalmente em receptores chamados de 5HT, de diversos subtipos, determinando diferentes funções orgânicas. A ação em receptores 5HT2A, por exemplo, está associada ao aumento da impulsividade e da agressividade, enquanto a ação em receptores 5HT2B se relaciona à diminuição destes mesmos comportamentos29. Em estudos experimentais com aves, relatase que a administração de antagonistas de receptores 5HT1 resulta em aumento na agressividade dos animais30, mostrando a diversidade de ações destes receptores. A serotonina, assim como a dopamina e a norepinefrina, controla diversas formas de comportamento. Relatase, por exemplo, em um grande número de estudos em humanos, uma associação entre a hipofunção serotoninérgica e os comportamentos impulsivos e agressivos, bem como os comportamentos suicidas e obsessivocompulsivos. Alguns destes estudos mostraram que pacientes depressivos, que apresentavam concentrações baixas de metabólitos da serotonina no liquor (ácido 5hidroxiindolacético ou 5HIAA), apresentavam maior probabilidade de cometer suicídio do que pacientes depressivos com concentrações normais deste metabólito29. Por fim, os neurotransmissores opiáceos (endorfinas, encefalinas etc.) têm ação central e são responsáveis por diminuir a percepção da dor. Têm se demonstrado que estímulos dolorosos resultam na liberação aumentada desses neurotransmissores. Acreditase que os comportamentos repetidos de automutilação podem servir como um reforço positivo para a liberação destes opioides. Observouse em humanos, que pacientes mais gravemente afetados por processos de automutilação expressam níveis mais elevados de opioides no plasma. Considerações finais Frente ao quadro atual de constante perda e possibilidade de extinção de diversas espécies de animais selvagens na natureza, o cativeiro tem atuado como uma importante ferramenta no esforço conservacionista. Sabese, entretanto, que a manutenção em confinamento de espécies selvagens, em ambientes restritivos e na presença de fatores estressores, pode provocar alterações somáticas e comportamentais, afetando a higidez animal por uma condição de estresse mantido. Ressaltase que muitos destes animais permanecerão na condição de cativos por longos períodos de tempo, visto que, em muitas situações, a sua introdução ou reintrodução na natureza não é viável. O longo período de cativeiro provoca inabilidades físicas e psicológicas, necessárias à sobrevivência dos animais em vida livre. Por essas razões, conhecer os mecanismos básicos que regem a condição de estresse de cativeiro é importante, sobretudo, para que haja preocupação com o bemestar e a qualidade de vida animal durante o período de confinamento. Disso depende, inclusive, o sucesso do próprio cativeiro. A adoção de medidas para amenização do estresse, tais como o condicionamento animal (para diminuir o sofrimento na realização de procedimentos corriqueiros) e o enriquecimento ambiental (na tentativa de tornar o ambiente mais estimulante e natural), é de extrema importância. Neste sentido, sugerese a leitura dos capítulos correlacionados (Capítulo 8 – Condicionamento Operante– Base Teórica e Aplicação no Treinamento de Animais Selvagens em Cativeiro; Capítulo 7 – Enriquecimento Ambiental). Preocupações com a nutrição e o manejo também são essenciais nesse sentido. Para o veterinário que lida com animais selvagens, a atenção às questões psicológicas associadas às doenças, e não apenas às suas causas físicas, é fundamental. Desta maneira, estar atento aos sinais de estresse e à presença de estressores é importante. Muitas vezes, a melhoria das condições ambientais exclui a necessidade de utilização de técnicas mais invasivas ou agressivas de tratamento. Por fim, ressaltase que a conscientização da população para a solução de problemas ambientais gerados, sobretudo, pela ação humana e o desenvolvimento de projetos de educação ambiental e de uso sustentável de recursos naturais é essencial na conservação das espécies em seus habitats, evitando a necessidade atual de se recorrer ao cativeiro. Referências bibliográficas SELYE, H. The stress of life. New York: McGrawHill, 1956. 324p. CUBAS, Z. S. Cuidados veterinários com répteis em cativeiro. In: FRANCISCO, L. R. Répteis do Brasil – Manutenção em cativeiro. 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Um método de marcação ideal deve apresentar como características: causar o mínimo de dor, sofrimento ou interferência no comportamento, longevidade e vida social; ser de fácil e rápida aplicação; tornar possível a identificação à distância, sem que haja necessidade de contenção; ser permanente ou permanecer durante todo o período de pesquisa; ter custo acessível2,3. A seguir, estão descritos os principais métodos de marcação utilizados em animais selvagens, bem como as situações em que são indicadas. Informações sobre a legislação brasileira podem ser encontradas no item “Legislação”, no final deste capítulo. Utilização de marcas naturais A observação de características morfológicas individuais em um grupo de animais selvagens não requer a aplicação de qualquer instrumento nesses animais, e geralmente elas são visíveis à distância, sendo um método baratoe de praticamente nenhum impacto negativo no animal. Indivíduos de algumas espécies podem ser reconhecidos por variação em cor de pelos (Figura 6.1), penas e pele ou pelo padrão de manchas, pintas, listras; características faciais e de corpo, como rugas, cicatrizes e outras deformidades; porte e condição física; sexo e comportamento2,4. Alguns exemplos práticos seriam as marcações faciais em tigres (Panthera tigris), dobras de pele nos flancos de rinocerontesindianos (Rhinoceros unicornis), as listras nos flancos de zebras de diferentes espécies (Equus spp.) (Figura 6.2), as manchas no corpo de girafas (Giraffa camelopardalis) e diversas características, principalmente faciais, em muitas espécies de primatas. Cicatrizes visíveis à média distância (Figuras 6.3 e 6.4), bem como membros e cornos tortos ou quebrados (Figuras 6.5 e 6.6) também são ótimos exemplos de marcação natural. Figura 6.1 Grupo de lhamas (Lama glama), no qual os animais são facilmente diferenciados pela coloração dos pelos.
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