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FARMACOLOGIA I ANESTÉSICOS LOCAIS Os anestésicos locais bloqueiam a condução de impulsos nas fibras nervosas, bloqueando as sensações ou até mesmo a atividade motora de uma área limitada do organismo. A anestesia local ocorre quando a propagação dos potenciais de ação é bloqueada, de modo que a sensação não pode ser transmitida desde o local de origem do estímulo até o cérebro. A cocaína foi o primeiro anestésico local introduzido na prática clínica, mas parou de ser usada devido ao fato de que seu uso crônico estava associado a dependência psicológica. Novos anestésicos locais foram introduzidos com o objetivo de reduzir efeitos colaterais e obter início de ação mais rápido e duradouro de ação, como a procaína, lidocaína, benzocaína, bupivacaína, dentre outros. ASPÉCTOS QUÍMICOS As moléculas de anestésico local são constituídos por um grupo lipofílico (ex: anel aromático) unida por uma ligação éster ou amida a um grupo ionizável (ex: amina). Como as ligações éster são mais propensas a sofrer hidrólise do que as ligações amida, os ésteres geralmente apresentam uma duração de ação mais curta. A benzocaína não possui grupo básico. Os anestésicos locais são bases fracas que, em geral, são disponíveis sob forma de sais para aumentar a solubilidade e estabilidade. No organismo, ocorrem na forma ionizada (cátion) ou não ionizada (base sem carga), dependendo do pKa do fármaco e o pH dos líquidos corporais. O pKa da maioria desses fármacos situa-se na faixa de 8 a 9. Portanto, a maior porcentagem existente nos líquidos corporais estará na forma ionizada. A forma ionizada é a forma mais ativa no local do receptor. Entretanto, a forma não-ionizada é importante para a rápida penetração através das membranas biológicas, até porque o canal onde esses fármacos atuam é mais acessível pelo lado interno da membrana celular. Portanto, anestésicos locais são muito menos efetivos quando injetados em tecidos infectados (ambiente com baixo pH extracelular), pois uma pequena porcentagem estará na forma não-ionizada e disponível para a difusão. FARMACOCINÉTICA A aplicação de anestésico local a uma área altamente vascularizada, resulta em absorção mais rápida e níveis sanguíneos mais elevados. A maioria dos anestésicos locais tem ação vasodilatadora, que aumenta a taxa em que são absorvidos para a circulação sistêmica. As substâncias vasoconstritoras, como a epinefrina, reduzem a absorção sistêmica dos anestésicos locais a partir do local de injeção ao diminuir o fluxo sanguíneo nessas áreas. Isto é importante para fármacos com duração de ação intermediária, como procaína e lidocaína, pois aumenta a duração de ação. Mediante a diminuição dos níveis sanguíneos do anestésico pela adição de vasoconstritores, a captação neuronial localizada é aumentada, enquanto os efeitos tóxicos sistêmicos são reduzidos (aumenta a concentração local). Portanto, a epinefrina ou a felipressina costumam ser acrescentadas às soluções de anestésico injetadas localmente com a finalidade de promover vasoconstrição. Grupo lipofílico Cadeia intermediária Grupo hidrofílico ÉSTER AMIDA Os anestésicos locais do tipo éster são metabolizados no plasma, e os do tipo amida no fígado. Os anestésicos locais do tipo éster são hidrolisados muito rapidamente no sangue pela butirilcolinesterase circulante, motivo pelo qual a procaína apresenta meia-vida plasmática de menos de um minuto. Os metabólitos produzidos são derivados do ácido p-aminobenzoico (PABA), responsáveis por reações alérgicas em alguns pacientes. Já a ligação amida dos anestésicos locais do tipo amida é hidrolisada por enzimas do citocromo P450. Consequentemente, a toxicidade dos anestésicos do tipo amida tem mais tendência a ocorrer em pacientes portadores de doença hepática. A meia-vida plasmática dura cerca de 1-2 horas. A acidificação da urina promove ionização do grupo hidrofílico, facilitando sua excreção. MECANISMO DE AÇÃO A iniciação do potencial de ação depende de canais de sódio dependentes de voltagem, os quais se abrem quando a membrana é despolarizada. Os anestésicos locais atuam principalmente por bloqueio dos canais de sódio regulados por voltagem, impedindo o início e a propagação dos potenciais de ação por impedirem o aumento de condutância de Na+. O bloqueio dos canais de sódio é dependente da voltagem e do tempo. Os canais no estado de repouso tem menor afinidade pelos anestésicos locais, ao contrário dos canais ativados e inativados. Como os anestésicos locais bloqueiam todos os nervos, além da perda da sensação de dor, pode ocorrer paralisia motora (às vezes desejável durante a cirurgia). AÇÕES SOBRE OS NERVOS A bainha de mielina se enrola em torno das fibras nervosas e evita que a corrente perca intensidade em seu percurso. A bainha se interrompe em intervalos variáveis e a membrana entra em contato com o meio extracelular. Esses pontos sem mielina são os nódulos de Ranvier. Nas fibras mielinizadas, as trocas iônicas só se processam nos nódulos de Ranvier, onde o impulso se faz aos saltos, de um nódulo ao outro (condução saltatória). Classificação de algumas fibras nervosas: TIPO DE FIBRA MIELINA DIÃMETRO (μ) FUNÇÃO Aα ++ 6-22 Eferentes motoras Aδ ++ 1-4 Aferentes sensoriais (dor, tato) C - 0,3-1,3 Aferentes sensoriais (dor, tato) As fibras nervosas diferem significativamente na suscetibilidade ao bloqueio dos anestésicos locais, dependendo da diferença no seu tamanho e grau de mielinização. a) EFEITO DO DIÂMETRO DA FIBRA – anestésicos locais bloqueiam preferencialmente as fibras pequenas. Nos nervos mielinizados, de dois a três nodos de Ranvier sucessivos precisam ser bloqueados pelo anestésico para interromper a propagação de impulsos. Quanto maiores e mais espessas as fibras nervosas (ex: neurônios motores), mais distantes os nodos, criando maior resistência ao bloqueio. Nervos mielinizados tendem a ser bloqueados antes dos não mielinizados de mesmo diâmetro. b) EFEITO DA FREQUÊNCIA DE DESCARGA – o bloqueio pelos fármacos é mais pronunciado em frequências mais elevadas de despolarização (dependente da voltagem e do tempo). As fibras sensoriais (de dor) apresentam uma frequência de descarga elevada e um potencial de ação de duração relativamente longo. Já a frequência de descarga das fibras motoras é mais lenta e tem potenciais de duração mais curta. Portanto, as fibras A-delta e C (que participam da transmissão da dor) são bloqueadas mais cedo que as outras, com concentrações mais baixas do anestésico local. c) EFEITO DA POSIÇÃO DA FIBRA NO FEIXE NERVOSO – a localização das fibras no feixe nervoso periférico constitui uma exceção às regras anteriormente citadas. Nos grandes troncos nervosos, os nervos motores exibem habitualmente uma localização circunferencial, sendo os primeiros a serem expostos ao anestésico local quando o mesmo é administrado no tecido que circunda o nervo. Portanto, o bloqueio nervoso motor pode ocorrer antes do bloqueio sensorial. EFEITOS SOBRE OUTRAS MEMBRANAS EXCITÁVEIS Os anestésicos locais podem exercer seus efeitos sobre as membranas celulares cardíacas. Portanto, alguns desses fármacos são úteis como agentes antiarrítmicos. EFEITOS ADVERSOS Os efeitos sistêmicos após absorção do anestésico pode causar algumas formas de toxicidade. Todos os anestésicos locais em baixas concentrações tem capacidade de provocar sonolência, tontura e inquietação. Em concentrações muito altas pode ocorrer convulsões. No tecido cardíaco, podem deprimir a força da contração cardíaca e causar dilatação arteriolar, levando à hipotensão sistêmica. Além disso, os anestésicos locais do tipo éster (que são metabolizados em derivados do PABA) podem causar reações alérgicas em uma pequena porcentagem dos pacientes (reações alérgicas aos do tipo amida são extremamente raras). TÉCNICAS DE ADMINISTRAÇÃO a) ANETESIA TÓPICA– a lidocaína, tetracaína e benzocaína podem ser usadas para anestesia de superfícies como nariz, boca, brônquios (geralmente na forma de spray). b) ANESTESIA INFILTRATIVA – a solução anestésica é injetada no tecido a ser anestesiado. O agente atinge as terminações nervosas sensitivas, impedindo sua excitação. Serve para procedimentos cirúrgicos localizados e superficiais. Muito empregada em odontologia. Pode-se usar vasoconstritores para prolongamento do efeito (exceto em dedos das mãos ou dos pés, pelo risco de lesão isquêmica). c) ANESTESIA REGIONAL INTRAVENOSA – a solução anestésica é injetada no interior da rede vascular, com o suprimento sanguíneo impedido por garroteamento. Técnica conhecida como bloqueio de Bier e usada em cirurgia de membros. Há risco de toxicidade sistêmica quando o manguito é desinflado prematuramente. d) ANESTESIA POR BLOQUEIO DO NERVO – o anestésico local é injetado próximo a um nervo para produzir perda de sensibilidade periférica. A instalação da anestesia pode ocorrer lentamente. e) ANESTESIA ESPINAL (RAQUIANESTESIA) – o anestésico é injetado no espaço subaracnóide, de modo a atuar nos nervos espinais e na medula. Usada em cirurgias abdominais, pélvicas ou de membros inferiores. f) ANESTESIA EPIDURAL – o anestésico é injetado no espaço epidural. Usado para analgesia obstetrícia. Tanto a espinal quanto a epidural oferecem riscos de bradicardia, hipotensão e depressão respiratória. Fontes: Farmacologia (Penildon); Farmacologia ilustrada (Clark); Farmacologia B. e Clínica (Katzung); Farmacologia (Rang e Dale)
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