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Clara F. | MEDICINA | 2020.2 Hemostasia ➢ COAGULAÇÃO → processo de formação de fibrina ➢ HEMOSTASIA → coagulação fisiológica que acontece em resposta ao dano vascular ➢ TROMBOSE → coagulação patológica com formação de coágulo localizado e que pode ocluir o vaso ➢ FIBRINÓLISE → processo de dissolução do coágulo e que atua com a fibrina formada • Os componentes que participam do processo de coagulação são: proteínas plasmáticas (zimogênios de serinoproteases e cofatores), células (plaquetas, endotélio e outras células sanguíneas) e íons (principalmente cálcio) • As serinoproteases necessitam ser convertidas de sua forma inativa (zimogênio) para sua forma enzimaticamente ativa através de proteólise parcial • As células possuem superfície fosfolipídica para ancoramento de proteínas e amplificação da coagulação (complexos tenase e protrombinase) na presença de íons cálcio • O processo de coagulação tem potencial de amplificar um pequeno estímulo inicial em um tampão hemostático (com fibrina e plaquetas ativadas). O processo possui 3 fases → iniciação, amplificação e propagação etapa que ocorre em resposta ao dano vascular que expõe o subendotélio ao sangue • As plaquetas se aderem ao local danificado por meio de interações → o fator de von Willebrand (FvW) que normalmente está circulante no plasma, pode ligar-se ao colágeno exposto da matriz extracelular e à glicoproteína (Gp) Ib, presente na superfície plaquetária. Estando próximas do subendotélio, as plaquetas se ligam ao colágeno pela GpVI → essa ligação promove sinalização em cascata e ativação das integrinas plaquetárias, responsáveis por mediar a ligação das plaquetas com o subendotélio (adesão plaquetária) • Em paralelo ao processo plaquetário, o fator tecidual (FT), presente no subendotélio, é exposto e se liga ao FVII circulante no plasma. O FT é uma glicoproteína transmembrana → atua como receptor e cofator para o FVII → uma vez complexados, o FVII é rapidamente convertido a FVII ativado (FVIIa) e o complexo FT/FVIIa resultante ativa os fatores IX e X. O fator Xa (FXa) se liga ao FVa e converte pequenas quantidades de protrombina em trombina. A quantidade de trombina inicialmente gerada é insuficiente para formação do coágulo, mas suficiente para retroalimentar a coagulação através da ativação dos fatores V, VIII e XI e de receptores da superfície plaquetária etapa que se inicia a partir das pequenas quantidades de trombina geradas na etapa de iniciação sobre os receptores plaquetários e fatores de coagulação • A ação da trombina nas plaquetas pode acontecer de diversas formas → a trombina liga-se a GPIb e mediante essa ligação, a trombina sofre uma alteração conformacional que permite a clivagem dos receptores ativadores de protease plaquetária (PAR) – são proteínas presentes na plaqueta – pela trombina → a interação da trombina com o PAR-1 engatilha um processo de sinalização em cascata que resulta na ativação plaquetária → a ativação leva a alterações como (1) mudança no citoesqueleto plaquetário com modificação na forma da plaqueta (2) aumento da expressão de fosfatidilserina (FS) na superfície externa da plaqueta – fato importante para a atividade coagulante. Quando as plaquetas são ativadas, a FS migra para a porção externa da membrana, permitindo a formação de complexos de amplificação da coagulação – complexos tenase e protrombinase – que são congregações de fatores, cofatores e íons na superfície das plaquetas (3) desgranulação plaquetária com liberação dos conteúdos dos grânulos α e denso. O conteúdo dos grânulos densos (em especial o ADP), exerce uma retroalimentação positiva nas plaquetas adjacentes para que ocorra a ativação plaquetária adicional. O FV parcialmente ativado (presente nos grânulos α) é convertido para a forma completamente ativa por ação da trombina ou do FXa • Nessa etapa, a trombina age principalmente através da ativação do FVIII e do FV plaquetário ou FV plasmático ligado a plaquetas. A ação da trombina Clara F. | MEDICINA | 2020.2 sobre o FVIII ativa-o e promove sua dissociação do FvW → essa etapa da amplificação resulta na geração de plaquetas ativadas que possuem os cofatores Va e VIIIa ligados em sua superfície • As plaquetas ativadas + cofatores Va e VIIIa ligados em sua superfície funcionam como plataforma para o ancoramento de proteínas e formação dos complexos tenase e protrombinase na superfície plaquetária • O FIXa (que foi formado na fase de iniciação) vai ligar- se à plaquetas ativadas de duas formas → dependente e independente do FVIIIa DEPENDENTE DO FVIIIA: ocorre formação do complexo FIXa/VIIIa (complexo tenase) → que ativa o FX na superfície plaquetária → o FXa ligado a plaqueta forma um complexo com o FVa também ligado a plaqueta (complexo protrombinase) que é capaz de converter protrombina em trombina A trombina cliva o fibrinogênio e libera dois radicais das subunidades α e β (fibrinopéptides A e B) que resulta na conversão do fibrinogênio em monômeros de fibrina. Os monômeros se agregam em protofibrilas. Por último, a trombina ativa o FXIII que estabiliza as protofibrilas e torna o coágulo estável A trombina também ativa o FXI na superfície plaquetária através de retroalimentação positiva → o FXIa pode ativar o FIXa, aumentando a geração de FXa A trombina pode ainda clivar PAR-4, contribuindo para mudanças na forma da plaqueta e maior estabilização do coágulo é o processo de lise do coágulo • Ocorre pela ação do sistema fibrinolítico → que atua sobre a fibrina formada, envolvendo as proteínas: (1) plasminogênio (Pg) que é uma proenzima inativa (2) os ativadores do plasminogênio, que são o ativador do plasminogênio tecidual (t-PA) e o ativador de plasminogênio urocinase (u-PA) (3) os inibidores da ativação de plasminogênio, que são o inibidor do ativador de plasminogênio-1 (PAI-1) e o inibidor do ativador de plasminogênio-2 (PAI-2) (4) os inibidores da plasmina, que são a α2-antiplasmina (α2-AP) e a α2-macroglobulina (α2-MG) (5) o inibidor do sistema fibrinolítico, que é o inibidor fibrinolítico ativado pela trombina (TAFI) • Se inicia quando o Pg circulante se adere ao coágulo e é convertido em plasmina pela ação do tPA – liberado pelo endotélio vascular • A fibrina quando formada atua como cofator para a conversão de Pg em plasmina → principal mediador da fibrinólise • A plasmina vai clivar os resíduos de lisina das cadeias e da molécula de fibrina → resulta na formação de produtos de degradação da fibrina → essa estrutura de fibrina alterada deixa exposta a porção carboxi- terminal dos resíduos de lisina que propiciam sítios adicionais para a ligação de plasmina e t-PA → contribuem para a propagação da fibrinólise • A regulação desse processo ocorre principalmente pela ação do PAI-1, da α2-AP e do TAFI. O PAI-1 inibe o t-PA e u-PA. A α2-AP inibe a ação da plasmina. Estando na presença da trombomodulina (TM), o TAFI inibe a fibrinólise através da modificação do substrato da fibrina; ele elimina os resíduos C-terminais de arginina e lisina da fibrina parcialmente degradada e isso resulta em menor ligação e ativação do Pg na superfície da fibrina Clara F. | MEDICINA | 2020.2 • O controle envolve diferentes vias em diferentes níveis do processo: • Regula a fase inicial da etapa de iniciação da coagulação • O IVFT se liga e inibe o FXa que está ligado ao complexo FT-FVIIa. Se inativado pelo IVFT, o FXa somente pode ser produzido via complexo FIXa/VIIIa • É o inibidor primário da trombina e de outras proteases ativadas (fatores Xa, IXa, XIa, XIIa e calicreína) • É um inibidor fraco da maioria das proteases, mas sua ação é acelerada na presença da heparina ou substâncias similares que estão presentes na superfície dascélulas endoteliais • Via que inibe os cofatores Va e VIIIa • A PC é um zimogênio dependente da vitamina K → tem como receptor uma proteína transmembrana, a TM • O receptor endotelial da PC (REPC) aumenta a ativação da PC pelo complexo trombina/TM → que ativa a PC • A PC ativada (PCa), ao ser liberada do complexo, inativa os cofatores Va e VIIIa • A proteína S (PS) – proteína também dependente da vitamina K – atua como cofator da PCa → acelera a inativação dos cofatores Va e VIIIa e ainda pode inibir o complexo tenase e protrombinase independentemente da PC • Proteína anticoagulante, zimogênio dependente da vitamina K • Atua como cofator para o inibidor de protease dependente da PZ (IPZ) → inibidor específico do fator Xa • A inibição do fator Xa pela IPZ é incrementada pela PZ na presença de cálcio e FL • A superfície luminar do endotélio normal possui propriedades antitrombóticas em função da: (1) exposição de glicosaminas semelhantes a heparina (2) secreção de inibidores de plaquetas incluindo prostaciclinas e óxido nítrico (3) secreção de inibidores da coagulação, como TM, OS e IVFT (4) secreção de ativadores da fibrinólise como o u-PA e t- PA • Quando ativadas por lesão tecidual ou estímulo agressivo como citocinas inflamatórias, endotoxinas ou hipóxia, as propriedades antitrombóticas das células endoteliais convertem-se em propriedades protrombóticas, caracterizadas pela exposição de FT, fosfolípides aniônicos na superfície externa da membrana celular, secreção de ativadores de plaquetas, exposição de receptores para fatores de coagulação e cofatores e secreção de inibidores da fibrinólise. • Por outro lado, o subendotélio possui componentes altamente trombogênicos, tais como colágeno, FvW e outras moléculas envolvidas na adesão/agregação plaquetária. • As plaquetas são células anucleadas, internamente, são constituídas por um sistema de membranas, organelas e grânulos denso e α que possuem papel crítico na função plaquetária. Os grânulos densos contêm principalmente ADP, Trifosfato de Adenosina (ATP), serotonina e cálcio. Os grânulos α contêm, dentre outros componentes, FvW, fator 4 plaquetário, o fator de crescimento derivado de plaqueta, Clara F. | MEDICINA | 2020.2 fibrinogênio, fibronectina, vitronectina, trombospondina, fator V e P-selectina hemofilias tanto a hemofilia A (hemofilia clássica) quanto a hemofilia B (doença de Christmas) são doenças hemorrágicas hereditárias → acontecem por deficiências quantitativas ou qualitativas dos fatores VIII e IX, respectivamente. • A hemofilia A corresponde a 80% dos casos e possui prevalência maior do que a hemofilia B • São doenças de transmissão recessiva ligada ao cromossomo X → são transmitidas ao sexo masculino pelas mães portadoras da mutação. Existem casos esporádicos/isolados em que não necessariamente são observados outros casos na família • Os defeitos genéticos da hemofilia A compreendem deleções, inserções e mutações por todo o gene do fator VIII • Se o indivíduo do sexo masculino não possuir o alelo normal, a deficiência manifesta-se clinicamente como hemofilia e o indivíduo afetado não irá transmitir a doença aos filhos porque o cromossomo Y é normal. No entanto, todas as duas filhas serão portadoras de um alelo alterado (mulheres portadoras de hemofilia) porque herdam o cromossomo X paterno. A maioria das mulheres será clinicamente normal por causa da presença do alelo normal materno. A mulher portadora poderá transmitir a doença para 50% dos filhos e o estado de portadora para 50% de suas filhas • Mulheres quando portadoras do gene mutante são habitualmente assintomáticas. A demonstração de níveis plasmáticos subnormais do fator VIII sugere a presença do estado de portadora enquanto a presença de valores normais não exclui essa condição → a quantificação isolada do fator não permite o diagnóstico da situação de portadora • Tanto da hemofilia A quanto da hemofilia B baseia-se na quantificação da atividade coagulante dos fatores VIII e IX respectivamente EXAMES LABORATORIAIS: • Uma vez que os fatores VIII e IX fazem parte do mecanismo intrínseco da coagulação, a avaliação dessa via estará anormal → anormalidade na contagem plaquetária, no tempo de sangramento e no tempo de protrombina (TP). O alongamento no tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPa) dependerá da gravidade da hemofilia e do reagente utilizado CLASSIFICAÇÃO: • A frequência e a gravidade do quadro hemorrágico estão relacionadas com as concentrações plasmáticas do fator deficiente → a gravidade está diretamente relacionada ao grau de deficiência do fator • As hemofilias A e B estão classificadas em graves, moderadas e leves de acordo ao nível plasmático do fator VIII ou IX • PACIENTES HEMOFÍLICOS GRAVES → história de hemorragia desde a infância com aparecimento posterior de sangramentos intra-articulares, hematomas musculares pós-traumáticos e mesmo espontâneos; pode haver presença de sangramentos pós-exodontias e procedimentos cirúrgicos • PACIENTES HEMOFÍLICOS LEVES → pode haver problemas diagnósticos, ainda mais se o paciente nunca tiver sido submetido à cirurgia. História de hemorragias em indivíduos do sexo masculino da família materna ajuda no diagnóstico GRAVE • Sangramentos espontâneos desde a infância • Hemartroses e outras manifestações hemorrágicas espontâneas frequentes MODERADA • Hemorragia secundária a trauma pequeno ou cirúrgica • Hemartroses espontâneas LEVE • Hemorragias secundárias a traumatismos e cirurgias GRAVES → níveis inferiores a 1% MODERADAS → níveis entre 1 e 5% LEVES → níveis > 5 até 40% Clara F. | MEDICINA | 2020.2 • Raramente sangramento espontâneo DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL: • É necessário diferenciar as hemofilias A e B para o tratamento adequado. Essa diferenciação é feita pela dosagem dos fatores VIII e IX • A diferenciação entre a hemofilia A e a doença de von Willebrand é feito estudando a atividade antigênica e funcional do fator von Willebrand • Tanto a hemofilia A quanto a B apresentam manifestações semelhantes → não é possível diferenciá-las clinicamente • Caracterizam-se pelo aparecimento de sangramentos que ocorrem após traumatismos de intensidade mínima • Há também presença das hemartroses e sangramentos musculares que podem acontecer sem associação a traumas evidentes • Uma vez que a função plaquetária é normal, não há sangramentos após pequenos ferimentos cortantes • Na hemofilia grave pode haver manifestações hemorrágicas de repetição e hemartroses graves → se não tratadas adequadamente evoluem para artropatias crônicas e incapacitantes. Esses pacientes ainda estão sujeitos a hemorragias graves que podem comprometer órgãos vitais • Na hemofilia moderada os hematomas e hemartroses podem não estar associados a traumas evidentes → se não tratadas podem evoluir com instabilidade articular e resultar em sangramentos importantes e frequentes • Na hemofilia leve os sangramentos somente ocorrem após traumas ou cirurgias, mas podem apresentar hemartroses espontâneas • No caso das crianças os sangramentos surgem quando começam a engatinhar. Nesse momento os sangramentos orais são frequente. Quando começa a andar surgem as hemorragias articulares e musculares, além de equimoses pós-traumáticas • Manifestação hemorrágica mais comum nos hemofílicos • As articulações acometidas são os joelhos, cotovelos, tornozelos, ombros, coxofemorais e punhos • Na hemofilia grave as hemartroses começam aos 2 ou 3 anos de idade • São geralmente espontâneas ou sem traumatismo evidente • Os hematomas musculares são a segunda causa mais comum de sangramento nos hemofílicos graves. Podem ocorrer espontaneamente ou após traumatismos pequenos • Seforem pequenos e superficiais, são autolimitados e apenas apresentam desconforto local. Na hemofilia grave podem aumentar progressivamente e dissecar em todas as direções, acarretando consequências sérias devido à compressão de estruturas nobres • Quando não tratados adequadamente podem resultar em organização fibrosa com contração muscular • Ocorre em 2/3 dos hemofílicos, em geral após os 12 anos • A intensidade pode variar de leve alteração da coloração urinária à hematúria franca com eliminação de coágulos • Em geral não se associa a alterações no sistema geniturinário. Usualmente é autolimitada. • Pode se apresentar na forma de hematêmese e/ou melena • Se for persistente ou recorrente pode existir uma lesão anatômica • O sangramento intracraniano é o evento hemorrágico mais perigoso para o paciente hemofílico, ocorrendo após traumatismos ou espontaneamente. • Pode ocorrer em qualquer faixa etária, no entanto a prevalência do sangramento intracraniano apresenta dois picos, na infância, sobretudo em recém-nascidos, e após os 50 anos de idade. • Os sintomas comumente surgem logo após o evento traumático, mas às vezes podem aparecer depois de dias ou semanas, principalmente nos hematomas subdurais. Clara F. | MEDICINA | 2020.2 • Todo hemofílico com cefaleia não habitual, especialmente se intensa ou com duração superior a 4 horas, deve ser investigado quanto à presença de sangramento intracraniano e, na sua suspeita, deve ser imediatamente tratado com reposição de fator seguido de avaliação com tomografia computadorizada. • A punção lombar somente pode ser realizada após reposição de fator para 50% (0,5 UI/mL) • Habitualmente realizado em centros de tratamento com equipe multiprofissional capacitada e com treinamento no manejo desses pacientes. • A abordagem é complexa e inclui o uso de terapia de reposição de concentrado do fator deficiente, tratamento adjuvante, preventivo e o tratamento das complicações associadas à hemofilia. • A terapia de substituição envolve a educação e treinamento de técnicas de autoinfusão de concentrado de fator ao paciente e à sua família, o pilar do tratamento domiciliar. • O maior objetivo do tratamento da hemofilia é a prevenção das hemartroses, uma vez que a artropatia hemofílica é a maior causa de morbidade nesses pacientes. • A reposição com concentrados de fator da coagulação é o componente mais importante da terapia. • O tratamento pode ser feito sob demanda ou de maneira profilática. O tratamento sob demanda deve ser instituído na presença das primeiras evidências de uma hemorragia, enquanto a profilaxia é feita visando evitar um quadro hemorrágico → pode ser feita antes de um procedimento, que pode resultar em hemorragia; como uma medida temporária, de curta duração, para reduzir uma tendência hemorrágica aumentada, ou, por período prolongado, permanente, a fim de serem evitadas as hemartroses e o desenvolvimento das artropatias. • As manifestações hemorrágicas dos pacientes hemofílicos devem ser tratadas com a infusão do fator deficiente. • Diferentes concentrados de fator VIII ou IX são disponíveis na atualidade • Ao se planejar o tratamento de um paciente hemofílico A ou B com concentrado de fator VIII e IX, respectivamente, deve-se considerar que o nível hemostático do fator a ser alcançado varia com o tipo e a localização do sangramento ou com o procedimento a ser realizado • A desmopressina (DDAVP) pode ser utilizada como modalidade terapêutica nos pacientes com hemofilia A leve e moderada, na mesma dose utilizada para doença de von Willebrand (0,3 g/kg de peso). • As drogas antifibrinolíticas têm sido usadas como terapia adjuvante nos sangramentos de mucosas, sendo muito úteis nos procedimentos odontológicos → estão formalmente contraindicadas na presença de hematúria • Medicamentos contendo ácido acetilsalicílico devem ser evitados por causa da ação antiplaquetária. Como analgésico, pode ser empregado o paracetamol, em algumas ocasiões, associado à codeína. Para os adultos, com dor mais intensa, o dextropropoxifeno pode ser utilizado. Anti-inflamatórios, como o ibuprofeno e o naproxeno, podem ser úteis em algumas situações. Os inibidores da COX-2, por não interferirem com a função plaquetária, representam outra opção terapêutica • É a sequela mais frequente e incapacitante em pacientes hemofílicos, e acomete principalmente os joelhos, tornozelos, cotovelos e coxofemorais. • As hemartroses recorrentes causam danos articulares que ocorrem na membrana sinovial (hiperplasia e hiperemia) e causam instabilidade articular, resultante da hipoatrofia da musculatura periarticular. • Admite-se que o sangramento intra-articular tenha origem nos vasos sinoviais, espontaneamente ou após traumatismos não evidentes ou triviais, com a hemorragia dirigindo-se para a cavidade articular ou dentro da diáfise ou epífise óssea. • A presença do sangue na região intra-articular, associada ao espasmo muscular, faz com que ocorra aumento da pressão no espaço sinovial. Após um primeiro episódio de hemartrose, a articulação pode retornar ao estado funcional normal, porém, mais comumente, não há absorção completa do sangue, o qual induz alterações inflamatórias crônicas e proliferativas da membrana sinovial, fazendo com que a articulação permaneça edemaciada e dolorosa por período prolongado, mesmo na ausência de novas hemorragias (sinovite). Clara F. | MEDICINA | 2020.2 • É uma complicação pouco frequente, porém grave. • Ocorre quando o volume de sangue em um hematoma muscular é grande e a sua reabsorção é incompleta, de modo que o hematoma persiste como uma lesão cística encapsulada, contendo fluido serossanguíneo ou material viscoso. • Nos adultos os pseudotumores, geralmente, localizam-se na pelve, fêmur e tíbia, enquanto nas crianças, embora sejam eventos mais raros, ocorrem, predominantemente, nos pequenos ossos das mãos e dos pés. • Os pseudotumores são indolores e tendem a aumentar de tamanho durante um período de anos, causando compressão e destruição dos músculos adjacentes, nervos e ossos. • Constitui atualmente a principal complicação decorrente do tratamento da hemofilia. • Alguns pacientes com inibidor contra o fator IX desenvolvem anafilaxia e/ou síndrome nefrótica quando são expostos ao fator IX. • Os anticorpos neutralizadores resultam de uma resposta imune complexa, multifatorial, envolvendo tanto fatores de risco genéticos quanto ambientais. Doenca de von Willembrand doença hemorrágica, causada por defeitos hereditários na concentração, estrutura ou função do fator von Willebrand. Os pacientes com essa alteração hemostática representam um grupo heterogêneo, já que as expressões fenotípicas da doença podem variar em intensidade e oscilar com o tempo, além das mutações do fator von Willebrand poderem ter efeitos complexos. • É uma grande glicoproteína multimérica, com várias e importantes atividades biológicas dependentes dos seus distintos domínios funcionais. • Defeitos no fator von Willebrand podem causar manifestações hemorrágicas com características típicas de anormalidades plaquetárias ou de hemofilia leve a moderadamente grave. • No plasma, o fator von Willebrand e o fator VIII coagulante circulam formando um complexo • Na célula endotelial, o fator von Willebrand sintetizado é continuamente secretado para o plasma ou para o subendotélio, fazendo parte da matriz extracelular, ou, então, é estocado nos corpúsculos de Weibel-Palade, quando será liberado por ação de estímulos fisiológicos, como trombina, histamina, fibrina e radicais de oxigênio, ou da desmopressina. • Nas plaquetas, o fator von Willebrand está contido nos grânulos, sendo secretado após estimulação pela trombina, ADP, colágeno ououtro agente ativador, ligando-se ao complexo glicoprotéico IIb/IIIa das plaquetas ativadas HISTÓRIA CLÍNICA E EXAME FÍSICO: • Começar a história clínica enfatizando a história de manifestações hemorrágicas pessoais e em qualquer familiar. Isto deve incluir a presença de sangramentos espontâneos ou pós-traumáticos, sua intensidade, os locais das hemorragias, a duração e a facilidade com que os sangramentos são interrompidos. • Os sangramentos mais frequentemente relatados pelos pacientes com DVW são epistaxe, menorragia, hemorragia pós-exodontia, equimose, sangramento após pequenos ferimentos, gengivorragia, sangramento pós-operatório, sangramento gastrintestinal e hemartrose. Essas manifestações hemorrágicas geralmente são leves ou moderadas, refletindo o predomínio da doença de von Willebrand tipo 1. As hemorragias graves podem acontecer nos pacientes com doença de von Willebrand tipo 3, em alguns pacientes com tipo 2 e raramente no tipo 1. • Manifestações hemorrágicas pouco comuns, como hemartrose, são observadas geralmente nas formas graves da doença de von Willebrand. • Deve-se sempre ter em consideração que as manifestações hemorrágicas podem ser modificadas pela presença de comorbidades e pelo uso de medicamentos, como aspirina, anti-inflamatórios não hormonais, contraceptivos orais e antidepressivos. • Embora a presença de história familiar positiva para doença hemorrágica seja útil para a identificação de pessoas que provavelmente tenham doença de von Willebrand, isto nem sempre ocorre, principalmente nos pacientes com DVW leve e com familiares assintomáticos ou oligossintomáticos. • Com relação a hereditariedade da doença de von Willebrand, nos tipos 1, 2A e 2B ele é, usualmente, Clara F. | MEDICINA | 2020.2 autossômico dominante. Nos tipos 2N e 3 é autossômico recessivo. • O exame físico deve ser realizado visando avaliar a manifestação hemorrágica quanto a sua localização, distribuição e tamanho. Além disso, pode fornecer evidências que sugiram outras causas para as manifestações hemorrágicas. AVALIAÇÃO LABORATORIAL INICIAL: • Não existe teste laboratorial de triagem disponível sensível para a detecção da maioria dos tipos de doença de von Willebrand e com baixa taxa de resultados falso-positivos. • O emprego do Tempo de Sangramento (TS) e do Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada (TTPA) → são testes adequados somente para o diagnóstico das formas graves (DVW tipo 3 • Nos pacientes com história evidente de sangramentos cutâneos e mucosos, devem ser realizados os testes iniciais para doença de von Willebrand, isto é, as quantificações do fator VIII coagulante (FVIII), do Antígeno do Fator Von Willebrand (FVW:Ag) e da atividade de cofator de ristocetina do Fator Von Willebrand (FVW:RCo). OUTROS EXAMES LABORATORIAIS PARA DEFINIÇÃO E DIAGNÓSTICO DA DOENÇA DE VON WILLEBRAND: • A relação FVW:RCo/FVW:Ag pode auxiliar no diagnóstico dos subtipos 2A, 2B e 2M, possibilitando diferenciá-los da doença de von Willebrand tipo 1. Valores inferiores a 0,5 ou 0,7 têm sido empregados como critério para a presença de FVW com função anormal, ou seja, doença de von Willebrand tipo 2. • A Agregação/ Aglutinação Plaquetária Induzida pela Ristocetina (RIPA) avalia a concentração da droga que induz um valor preestabelecido de agregação plaquetária (30%). A maioria dos tipos e subtipos apresenta hipoaglutinação induzida pela ristocetina, porém os pacientes com o subtipo 2B e com doença de von Willebrand tipo plaquetário são caracterizados por resposta exacerbada induzida pela ristocetina • A capacidade de ligação do Fator Von Willebrand ao Colágeno (FVW:CB) avalia a ligação do domínio A3 do FVW ao colágeno fibrilar; • A quantificação da afinidade do fator von Willebrand pelo fator VIII coagulante permite fazer o diagnóstico do subtipo 2N da doença de von Willebrand, distinguindo-a da hemofilia A leve ou moderada. • Na análise do padrão multimérico do fator von Willebrand os multímeros do fator von Willebrand, com tamanhos variados, são separados em gel de agarose, permitindo visualizar a presença de todos os multímeros, a redução/ausência dos multímeros de alto peso molecular e/ou de peso molecular intermediário, a ausência de todos os multímeros ou a presença de multímeros com peso molecular superior ao normal. • O fator von Willebrand, o fator VIII coagulante e o fibrinogênio são proteínas marcadoras de fase aguda • A doença de von Willebrand tipo 1 corresponde às deficiências parciais do fator von Willebrand, sendo as manifestações hemorrágicas decorrentes das menores concentrações plasmáticas do fator von Willebrand. • A doença de von Willebrand tipo 1 pode ser causada pela redução da secreção de fator von Willebrand funcionalmente normal, com distribuição multimérica praticamente normal, ou por depuração aumentada do fator von Willebrand. A maior susceptibilidade do fator von Willebrand à clivagem proteolítica também pode ser fator modulador da gravidade da doença de von Willebrand tipo 1. • A doença de von Willebrand tipo 1 é a forma mais comum, compreendendo 70 a 80% dos casos e, usualmente, apresenta padrão de transmissão autossômico dominante, com penetrância incompleta (60%). • Caracteriza-se por apresentar alterações da molécula do fator von Willebrand, sem alterar sua atividade antigênica, de modo que não há paralelismo entre os valores da atividade de cofator de ristocetina e do antígeno do fator von Willebrand. O tipo 2 é subdividido nos seguintes subtipos: SUBTIPO 2A: • Corresponde a variantes qualitativas com redução da adesão plaquetária dependente do fator von Willebrand e deficiência seletiva dos multímeros de elevado peso molecular. A redução dos multímeros de alto peso molecular está associada à redução desproporcional da interação do Fator von Willebrand com as plaquetas (FVW:RCo) ou com o tecido conetivo (FVW:CB) em relação à concentração plasmática do fator von Willebrand. • A doença de von Willebrand tipo 2A usualmente parece ser transmitida como característica autossômica dominante, embora em alguns casos seja recessiva Clara F. | MEDICINA | 2020.2 SUBTIPO 2B: • Inclui as variantes qualitativas que apresentam maior afinidade pela glicoproteína Ib das plaquetas e se expressa laboratorialmente por aumento da agregação plaquetária induzida por baixas concentrações de ristocetina. SUBTIPO 2M: • Corresponde às variantes com redução da adesão plaquetária dependente do fator von Willebrand sem associação com deficiência seletiva dos multímeros de alto peso molecular. A formação e a secreção dos grandes multímeros são aproximadamente normais, mas ocorrem mutações que tornam anormal a ligação do fator von Willebrand às plaquetas ou ao subendotélio. SUBTIPO 2N: • Inclui as variantes com mutações homozigóticas ou heterozigóticas que reduzem a capacidade de ligação do fator von Willebrand ao fator VIII. A concentração plasmática do FVIII encontra-se desproporcionalmente reduzida em relação ao fator von Willebrand e o diagnóstico é realizado através da quantificação da ligação do Fator von Willebrand ao fator VIII (FVW:FVIIIB). A doença de von Willebrand subtipo 2N pode ser confundida com hemofilia A leve, especialmente em pacientes do gênero masculino que não apresentam evidências de hereditariedade ligadas ao cromossomo X. • A doença de von Willebrand grave ou tipo 3 é decorrente de uma intensa redução da síntese do fator von Willebrand, resultando em níveis plasmáticos muito baixos do fator von Willebrand (<5 UI/dL), da atividade de cofator de ristocetina (< 5 UI/dL), da capacidade de ligação ao colágeno (< 5 UI/dL) e de fator VIII coagulante (10 UI/dL).1 • Consequentemente, os pacientes apresentam manifestações hemorrágicasgraves, com sangramentos cutâneos e mucosos, além de hemorragias musculares e intra-articulares.22 Sua transmissão é autossômica recessiva, sendo os pais, heterozigotos, oligossintomáticos ou assintomáticos. : • O tratamento dos pacientes com doença de von Willebrand se baseia em três estratégias (1) aumentar as concentrações plasmáticas de fator von Willebrand através da secreção de estoques endógenos por estimulação das células endoteliais pela vasopressina (2) reposição do fator von Willebrand através da infusão de concentrados de fator von Willebrand (3) uso de agentes que promovem a hemostasia e a cicatrização tecidual, sem alterar substancialmente as concentrações plasmáticas do fator von Willebrand. • Essas alternativas serão utilizadas de acordo com o tipo e gravidade da doença de von Willebrand, gravidade da manifestação hemorrágica e a natureza do sangramento atual ou em potencial. Contudo, de acordo com a situação, mais de uma dessas opções terapêuticas poderá ser usada em conjunto. DESMOPRESSINA: é um análogo sintético da vasopressina que causa o aumento das concentrações plasmáticas do fator VIII coagulante e do fator von Willebrand, quando administrado em voluntários normais ou em pacientes com hemofilia A leve e doença de von Willebrand. Embora tenha importante ação antidiurética, relacionada com a estimulação de receptores V2 de vasopressina, o DDAVP apresenta pequena ou nenhuma ação sobre os receptores V1 de vasopressina, presente nos músculos lisos. Aparentemente, o DDAVP atua ao promover a liberação do fator von Willebrand, especialmente os multímeros de alto peso molecular, dos corpúsculos de Weibel-Palade do endotélio vascular, através de mecanismo mediado pela adenosina-monofosfato cíclica (AMPc), além da liberação do fator VIII coagulante das células dos sinusoides hepáticos, e ao melhorar a interação entre as plaquetas e o subendotélio mediada pelos monócitos e por outro agente agregante, independente do fator von Willebrand. A dose habitual de desmopressina é de 0,3 microgramas/kg, administrada por via subcutânea ou intravenosa, diluída em 30 a 50 mL de solução salina, infundida em 15 a 30 minutos. Após 15 a 30 minutos do término da infusão, as concentrações plasmáticas do fator VIII coagulante e do fator von Willebrand podem apresentar incrementos de 3 a 5 vezes os valores basais, mantendo altos níveis por 4 a 8 horas. Uma vez que as respostas individuais são semelhantes em diferentes ocasiões, uma dose teste de DDAVP realizada por ocasião do diagnóstico permite estabelecer o padrão de resposta individual. O protocolo de infusão teste de DDAVP consiste na administração de 0,3 μg/kg de DDAVP, diluído em 50 mL de soro fisiológico e com infusão em 30 minutos; a mesma dosagem pode ser aplicada por via subcutânea. Antes do Clara F. | MEDICINA | 2020.2 início da infusão e após 30 minutos, 1 hora, 2 horas e 4 horas após a administração da desmopressina são quantificados o FVIII, FVW:Ag e FVW:RCo; a contagem plaquetária é realizada pelo menos antes da infusão e após 2 horas. São considerados responsivos os pacientes que após duas horas da infusão mostram aumento de pelo menos três vezes os valores basais de FVIII e FVW:RCo, com níveis mínimos de 30 UI/dL e TS igual ou inferior a 12 minutos, quando prolongado. De acordo com o tipo e a gravidade das manifestações hemorrágicas, a aplicação da desmopressina pode ser repetida a cada 12-24 horas. Tem sido demonstrado que a resposta à segunda aplicação de desmopressiva é 30% menor do que após a primeira, não havendo concordância entre os autores quanto aos pacientes tornarem-se menos responsivos à desmopressina com o uso repetido subsequente (taquifilaxia). Ao empregar-se a via subcutânea, em cada local de aplicação pode ser injetado no máximo 1,5 mL, o que implica em várias punções, quando é utilizado, para o tratamento, o produto que apresenta concentração de 4 microgramas/mL. Para o uso intranasal, a dose administrada deve ser 10 vezes superior à que seria aplicada por via intravenosa ou subcutânea. Existem duas formulações com concentrações diferentes de spray para uso nasal, 100 microgramas/mL e 1.500 microgramas/mL. A forma mais diluída é empregada para uso em casos de diabetes insipidus e não aumenta consistentemente os níveis do fator VIII coagulante e do fator von Willebrand.26 As respostas após os usos subcutâneo e intranasal são observadas uma hora após a aplicação. Os efeitos colaterais da desmopressina, em geral, são leves e transitórios, consistindo de rubor, cefaleia e taquicardia, que cedem com a redução da velocidade da infusão intravenosa. Ainda se descrevem hipotensão arterial, fadiga, náusea e dor abdominal. Embora não tenham sido descritos episódios de eventos vaso-oclusivos em pacientes com doença de von Willebrand tratados com desmopressina, esse medicamento deve ser usado com muito cuidado em pacientes idosos com doença aterosclerótica, em razão dos relatos de acidente vascular isquêmico e infarto agudo do miocárdio em pacientes urêmicos ou com hemofilia A tratados com o DDAVP. Por causa da propriedade antidiurética da desmopressina, deve-se estar atento ao risco da ocorrência de hiponatremia e retenção hídrica, os quais são relativamente raros segundo alguns autores. O efeito antidiurético de uma única dose de desmopressina persiste por 24 horas, sendo mais prolongado com doses repetidas. A retenção hídrica pode também desencadear crises convulsivas, tendo as crianças com menos de dois anos maior sensibilidade a essa situação. Quando do uso de doses repetidas e cirurgias, deve-se fazer restrição hídrica (1.500-2.000 mL/dia nos adultos e ¾ da dose de manutenção em crianças abaixo dos 2 anos), controle eletrolítico e da osmolalidade sérica, nas primeiras 24 horas de tratamento. Sempre que possível, nas crianças abaixo dos 2 anos e nos adultos acima dos 65 anos, deve-se evitar o uso repetido da desmopressina. As melhores respostas ao uso do DDAVP ocorrem nos pacientes com doença de von Willebrand tipo 1. O uso da desmopressina mostra eficácia somente para uma minoria dos pacientes com subtipos 2A e 2M, o que exige monitorização do FVW:RCo. Embora, classicamente, no subtipo 2B o DDAVP seja contraindicado, por causa do risco de acentuação da plaquetopenia, em alguns relatos da literatura o DDAVP tem apresentado utilidade clínica. No subtipo 2N o DDAVP promove elevação das concentrações do fator VIII, o qual apresentará meia-vida mais curta em razão da ausência do fator von Willebrand. TRATAMENTO DE SUBSTITUIÇÃO PARA ELEVAÇÃO DAS CONCENTRAÇÕES DO FVW: a terapia de substituição é indicada para os pacientes que não respondem ao DDAVP ou que apresentam alguma contraindicação para seu uso dessa medicação. Por causa do risco, embora reduzido, da transmissão de infecções virais pelo crioprecipitado, os concentrados comerciais, submetidos à inativação viral, originalmente desenvolvidos para o tratamento da hemofilia A, passaram a ser empregados nos pacientes com doença de von Willebrand não responsiva à desmopressina. O tratamento com concentrados comerciais contendo fator VIII-fator von Willebrand segue as mesmas regras empregadas no uso dos concentrados de fator VIII utilizados na hemofilia A. Como esses produtos contêm grandes quantidades do fator VIII e do fator von Willebrand, são obtidas altas concentrações plasmáticas desses fatores após as infusões. Observa-se que o aumento do fator VIII é maior do que o calculado pelas doses infundidas, por causa da estabilização do fator VIII endógeno, que é produzido normalmente, pelo fator von Willebrand administrado de maneira exógena. Por motivos semelhantes, é inadequado o emprego de concentrados comerciais que apresentam alta atividade específica do fator VIII coagulante,com pequena quantidade do fator von Willebrand. As elevadas concentrações plasmáticas de fator VIII após várias infusões de concentrado de fator VIII-fator von Willebrand podem aumentar o risco de tromboembolismo venoso, como sugerido em estudos epidemiológicos.25 Outros fatores de risco trombótico associados às altas concentrações plasmáticas do fator VIII são idade avançada, trombose prévia, obesidade, cirurgia, Clara F. | MEDICINA | 2020.2 imobilização, uso de estrogênios e de antifibrinolíticos. Por esse motivo, nessas situações recomenda-se a quantificação diária do fator VIII, a fim de serem evitados valores superiores a 100%, além da implementação de profilaxia antitrombótica farmacológica, particularmente quando o tratamento de reposição é realizado para procedimentos cirúrgicos maiores e na presença de fatores de risco de tromboembolismo venoso. Nas situações associa das com risco trombótico particularmente elevado seria possível considerar o emprego de concentrados que contenham maior quantidade de fator von Willebrand em relação ao fator VIIII, visando reduzir a possibilidade da ocorrência de concentrações plasmáticas muito elevadas do fator VIII. Este deveria ser o concentrado de preferência nos pacientes com doença de von Willebrand tipo 3 com necessidade de tratamento profilático regular. A administração dos concentrados de fator VIII- -fator von Willebrand por infusão contínua tem se mostrado eficaz, segura e conveniente, propiciando economia de 20 a 50%, quando se compara com as infusões intermitentes. DROGAS ANTIFIBRINOLÍTICAS: são drogas que ligam-se, reversivelmente, ao plasminogênio, bloqueando a sua ligação à fibrina, sua ativação e transformação à plasmina. Como essas drogas penetram no espaço extravascular e acumulam-se nos tecidos, admite-se que a sua eficácia decorra da inibição da fibrinólise tecidual e consequente estabilização do coágulo. Existem dois derivados sintéticos com atividade antifibrinolítica, o ácido aminocaproico (ácido 6-amino-hexanoico) e o ácido tranexâmico (ácido 4-[aminometil]ciclo- hexanocarboxílico), que é dez vezes mais potente do que o ácido aminocaproico. Não há evidências de que o uso do ácido tranexâmico possa causar eventos trombóticos ou reações colaterais irreversíveis, e por isso pode ser utilizado cronicamente. Existe uma única contraindicação para o seu emprego, que é a presença de hematúria originada das vias urinárias altas, devido ao risco de formação de coágulos no ureter e consequente hidronefrose. A dose do ácido tranexâmico é de 10 mg/kg, por via intravenosa, e 20 mg/kg, por via oral, repetidas cada 6 a 8 horas. Para o ácido aminocaproico, sua dose é de 50 a 60 mg/kg, repetida cada 4 horas, por via oral. O melhor efeito do ácido tranexâmico é obtido quando ele é empregado para hemorragias de mucosas, sendo muito utilizado para o tratamento de menorragias, quando é usado desde o início do fluxo menstrual até ocorrer redução significante do sangramento, ou então na dose de 4 gramas, numa única administração diária, por 3 a 5 dias. Os antifibrinolíticos também podem ser utilizados localmente ou topicamente em lesões hemorrágicas. O uso de soluções de ácido tranexâmico a 5%, na forma de bochechos suaves, por 2 minutos, repetidos a cada 6 horas, mostra-se eficaz quando de sangramentos orais ou após exodontias. A ingestão líquida ou alimentar deve ser evitada na primeira hora após a realização desse procedimento. O uso do ácido tranexâmico pode ter como efeitos colaterais náuseas, vômitos e, às vezes, diarreia. A injeção intravenosa rápida pode causar tontura ou hipotensão. ESTRÓGENOS: os estrógenos aumentam as concentrações plasmáticas do fator von Willebrand, aparentemente, por estimulação direta da célula endotelial, porém de modo variável e sem possibilidade de prever. O uso continuado de anticoncepcionais orais contendo estrogênios poderá ser eficaz contra a menorragia em situações em que os antifibrinolíticos foram ineficientes, mesmo em mulheres com doença do tipo 3, em que essa modalidade terapêutica não afeta as concentrações plasmáticas do fator VIII e do fator von Willebrand. PREDNISONA: na hematúria, tanto os antifibrinolí- ticos como os concentrados de fator aumentam o risco da formação de coágulos com consequente cólica renal. Nos pacientes com doença do tipo 3, em que o DDAVP é ineficaz, a prednisona, na dose de 0,5 mg/kg/dia, por 5 dias, e 0,25 mg/kg/dia, nos 5 dias subsequentes, pode ser útil no tratamento da hematúria de intensidade moderada. Aparentemente, atua nos capilares renais e não propicia a forma- ção de coágulos maiores. HEMOSTASIA LOCAL: o uso local de selantes de fibrina é indicado nas exodontias e nas postectomias, sempre associado à aplicação local e sistêmica de droga antifibrinolítica. A aplicação de Gelfoam, embebido com antifibrinolítico, é eficaz no tratamento de epistaxe. Trombocitopenia é definida como a contagem de plaquetas abaixo de 150.000/mL, cifra que é válida desde o RN até o indivíduo idoso. São muitas e diversas as causas de trombocitopenia, de forma que o diagnóstico deve se Clara F. | MEDICINA | 2020.2 basear em uma pesquisa sistemática com base na anamnese, exame físico e finalmente nos testes laboratoriais. • Deve ser pesquisada a exposição a drogas na forma de medicamentos ou de drogas de abuso, e ainda o contato acidental ou profissional com agentes tóxicos. As manifestações hemorrágicas, habitualmente relacionadas à trombocitopenia são as petéquias, equimoses e sangramento de mucosas. O exame físico pode revelar, além das sufusões hemorrágicas, sinais de doenças associadas como esplenomegalia, adenomegalia, lesões cutâneas ou articulares, presentes em síndromes linfoproliferativas e doenças autoimunes. • A falsa trombocitopenia pode decorrer da presença de grumos ou de macrocitose plaquetária que não são reconhecidos pelo contador automático. • A chamada pseudotrombocitopenia é causada pela aglutinação das plaquetas in vitro, induzida pelo anticoagulante EDTA de forma inespecífica, por proteínas plasmáticas, habitualmente imunoglobulinas da classe IgG. Pode-se repetir a contagem de plaquetas no sangue colhido em citrato de sódio como anticoagulante, para se obter a real contagem de plaquetas do paciente. • Pode ser decorrente da falta de produção de plaquetas pela medula óssea substituída por leucemia, linfoma ou infiltração por neoplasia de outra linhagem, ou ainda por células de depósito como na doença de Gaucher. A medula óssea pode ainda ter sido agredida por agentes tóxicos, quimioterápicos, por radioterapia ou por aplasia medular de origem imunológica. Também pode ocorre eritropoese ineficaz na anemia megaloblástica que causa, além de anemia macrocítica intensa, leucopenia e trombocitopenia. • As plaquetas tem vida média de 7 a 10 dias e o aumento de sua destruição periférica pode ocorrer por mecanismos imunológicos ou não imunológicos. As causas autoimunes da trombocitopenia incluem a púrpura trombocitopênica imunológica, o lúpus eritematoso sistêmico, doença linfoproliferativas ou infecções virais, como o HIV e o vírus da hepatite C. aloanticorpos também podem causar a trombocitopenia neonatal e a púrpura pós transfusional. Muitas drogas podem causas trombocitopenia por destruição periférica das plaquetas por meio de diferentes mecanismos. • É relativamente frequente em crianças no período neonatal e pode ser determinada por septicemia bacteriana, coagulação intravascular disseminada, enterocolite necrosante, trombose de grandes vasos, aspiração de líquido amniótico ou mecônio, insuficiência respiratória etc. a trombocitopenia do RN em BEG faz pensar em mecanismo imunológico: mediada por autoanticorpos maternos, como na púrpuratrombocitopênica imunológica, ou por alo- anticorpos maternos, no caso de mães sensibilizadas a antígenos plaquetários. Esta última condição deve ser identificada precocemente, pois traz risco de hemorragia grave. • Na investigação da trombocitopenia, alguns achados são importantes para orientar no diagnóstico. A presença de grumos plaquetários, especialmente com distribuição não uniforme das plaquetas no esfregaço, faz pensar em pseudotrombocitopenia. O aumento do volume plaquetário, que pode ser constatado pela presença de macroplaquetas no esfregaço, ou pela medida do volume plaquetário feita por alguns contadores automáticos, está em geral relacionado ao aumento do ‘turnover’ plaquetário, isto é, ao aumento da produção de plaquetas pela medula óssea em resposta à sua destruição periférica aumentada, como é o caso na púrpura trombocitopênica imunológica e na coagulação intravascular disseminada. A presença de sinais de hemólise, como anemia, reticulocitose e policromasia, faz pensar em determinadas doenças. • O achado de esquizócitos sugere a púrpura trombocitopênica trombótica ou síndrome hemolítico-urêmica, cujo diagnóstico será firmado em conjunto com outros achados clínicos e laboratoriais. Na ausência de esquizócitos, a hemólise pode ser secundária à presença de autoanticorpos, característica da síndrome de Evans, ou ser de natureza não imune, como na hemoglobinúria paroxística noturna. • Nas trombocitopenias por aumento da destruição de plaquetas, o mielograma mostra riqueza do setor megacariocítico, o que não é especifico de nenhuma das causas associadas, sendo pouco útil no diagnóstico diferencial das trombocitopenias por aumento de destruição. Alterações da série vermelha e de leucócitos auxiliam no diagnóstico de aplasia de medula, leucemia, infiltração da medula óssea por linfoma e de síndrome mielodisplásica. Nesses casos, a análise da medula óssea é fundamental para que se estabeleça o diagnóstico Clara F. | MEDICINA | 2020.2 • Envolve a interação das plaquetas com componentes do endotélio vascular e com proteínas plasmáticas como o fator de von Willebrand. • Os testes relacionados à hemostasia primária são: tempo de sangramento, contagem de plaquetas e avaliação da função plaquetária. • É geralmente feita em sangue total anticoagulado com EDTA, usando-se contadores automáticos de células. Podem ainda avaliar a distribuição do volume plaquetário, observando a presença de plaquetas grandes, regenerativas. • É a medida da função plaquetária. Consiste na realização de uma perfuração com cerca de 1 mm de profundidade, de modo a lesar apenas pequenos vasos, onde atuam os processos envolvidos na hemostasia primária. • O tempo de sangramento de Duke é realizado preferencialmente no lóbulo da orelha, pois a polpa digital é mais sujeita a variações determinadas pelo tônus vascular. • A técnica de Ivy é feita no antebraço, com o manguito de esfigmomanômetro insuflado a 40 mm de mercúrio, realizando um corte padronizado com lâmina especial • O tempo de sangramento estará prolongado em casos de trombocitopenia. Habitualmente esse prolongamento é proporcional à redução do número de plaquetas. • Para o estudo dos componentes plasmáticos, utiliza-se o plasma livre de hemácias, glóbulos brancos e plaquetas, ou o chamado plasma pobre em plaquetas, obtido a partir do sangue total colhido na presença de um anticoagulante. • O anticoagulante é o citrato de sódio e a proporção entre o volume de anticoagulante e o volume de sangue total é padronizada, pois os testes coagulométricos são baseados no tempo que o plasma leva para coagular, a partir do momento em que se adiciona o cloreto de cálcio, o qual vai repor esse íon que é quelado pelo anticoagulante. • Os métodos coagulométricos baseiam-se na formação do coágulo de fibrina, que pode ser visualizado no tubo, nas técnicas manuais, ou detectado fotometricamente, através dos aparelhos denominados coagulômetros. • Os métodos coagulométricos são: tempo de protrombina (TP), tempo de tromboplastina parcial ativado (TTPA), tempo de trombina (TT), pesquisa de anticoagulante circulante, dosagem de fibrinogênio e dosagem de fatores. • Consiste na determinação do tempo de formação do coágulo de fibrina após a adição de tromboplastina tecidual (fator III) e de cálcio, o que promove a ativação do fator VII, seguida da ativação do fator X, iniciando a via comum da coagulação. • Dessa forma, o TP mede os fatores envolvidos na via extrínseca e na via comum, sendo independente da via intrínseca. O TP depende do nível dos fatores vitamina K dependentes (II, VII e X), sendo o teste usado no controle de pacientes em uso de anticoagulantes orais. • Consiste na determinação do tempo de coagulação do plasma após adição de um ativador da fase de contato da coagulação e de cefalina, que substitui o fosfolipídeo da membrana plaquetária. • O tempo de trombina é obtido após adição de trombina em baixa concentração ao plasma puro, de maneira que o tempo de coagulação é influenciado pela concentração de fibrinogênio e pela presença de inibidores da formação de fibrina, tais como a heparina. • O anticoagulante lúpico é um anticorpo dirigido contra proteínas que se ligam a fosfolipídeos e interfere com o reagente utilizado nos testes, como a cefalina, prolongando o TTPA, embora não haja inibição da coagulação. Clara F. | MEDICINA | 2020.2 • O fibrinogênio pode ser medido por teste baseado no tempo de coagulação do plasma por alta concentração de trombina, ou método de Clauss, e por avaliação da densidade óptica do coágulo. • A dosagem de fatores pode ser feita individualmente, utilizando-se um plasma deficiente apenas no fator que se quer determinar. Esse plasma tem um tempo de coagulação (TP ou TTPA) bastante prolongado por causa da ausência de um único fator, mas ele contém níveis normais dos demais fatores, de modo que a adição de um plasma normal vai encurtar o tempo proporcionalmente à concentração do fator presente no plasma normal. • A identificação do estado de ativação da coagulação permite identificar indivíduos expostos a maior risco de trombose e melhor aplicar medidas profiláticas. • Os testes que permitem avaliar a coagulação de sangue total e que mostram uma visão global do processo da coagulação são muito úteis em ambientes clínicos ou cirúrgicos onde se fazem necessárias presteza e precisão de resultados para conduta imediata, como nas salas de emergência e centro cirúrgico. A tromboelastografia, mais antiga, e a tromboelastometria, que representa modificações na técnica inicial, alcançam esses objetivos.
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