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FPM III JULIANA 1 DEMÊNCIAS CONCEITOS Os cinco “is”: iatrogenia; insuficiência cognitiva; insta- bilidade e quedas; incontinência; imobilidade. Definição: síndrome clínica adquirida, caracterizada por prejuízo progressivo das habilidades cognitivas, grave o bastante para interferir nas atividades sociais e ocupacionais habituais do indivíduo. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS É uma síndrome – conjunto de sinais que podem ter di- versas causas – e não uma doença; presença de déficit cognitivo, acometendo a memória e pelo menos mais uma área da cognição além da memória; sensório pre- servado e prejuízo funcional. DOMÍNIOS COGNITIVOS Memória: capacidade de armazenar informações; Linguagem: capacidade de compreensão e expressão orla e escrita; Função executiva: capacidade de planejamento, abs- tração – entender as entrelinhas, sequenciamento, monitoramento e desempenho de atividades comple- xas; Gnosia: capacidade de reconhecer objetos, cores e pessoas. Praxia: capacidade motora (coordenação, sequência motora); Habilidade visuoespacial: capacidade da percepção es- pacial e das relações dos objetos e locais. QUEIXAS CLÍNICAS • O paciente não costuma reclamar, porém, a família e/ou cuidadores próximos reclamam. Dificuldade de aprender informações novas; dificulda- des para executar atividades complexas (dirigir, traba- lhar); não saber o que foi fazer no local ou o que foi buscar; perder objetos pela casa; guardar objetos em locais impróprios; esquecer objetos (chaves, dinheiro); não dar recados; não tomar medicamentos de forma adequada; esquece de compromissos, de pagar contas; esquecer nomes; repetitividade (contar sempre a mesma história); dificuldade para localização espacial; baixa capacidade de julgamento; repetir e perseverar em ações; insistir que aquela não é a sua casa; não dis- tinguir a realidade do que passa na TV; deixar de reali- zar tarefas manuais ou artesanais; perda de "bom senso" (comentários impróprios, jocosidade, alterações de sexualidade, mudanças de aspectos mo- rais prévios, trocar de roupa em público). DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL I Síndromes depressivas: queixas cognitivas – memória, atenção, concentração, o próprio paciente percebe; início mais recente e mais preciso de sintomas; pro- gressão rápida; queixas enfatizadas e detalhadas; pe- quenos esforços para realizar tarefas; prejuízo precoce de atividades sociais; respostas do tipo “não sei”. Estados confusionais (delirium): alteração cognitiva global devida a alteração orgânica; inicio agudo e curso flutuante; diminuição do estado de alerta e atenção; hiper ou hipoatividade psicomotora; alucinações visu- ais/auditivas. Muitas vezes, o paciente fica depressivo pelos sintomas cognitivos e vice-versa (é necessário que a depressão seja tratada e novos testes cognitivos sejam feitos). DIAGNÓSTICO Anamnese: primeiros sinais e sintomas; início abrupto ou não; ordem de instalação dos sintomas; uso de fár- macos que comprometem a cognição; avaliação do comprometimento para realizar as atividades diárias; história familiar; avaliação do estado mental (apatia ou desinibição, mudança do humor ou da afetividade, ideias delirantes, alucinações visuais ou completas, comportamento repetitivo, mudanças do sono, hábitos alimentares ou comportamento sexual) EXAME FÍSICO Avalia sinais de risco para doenças cerebrovasculares (HAS, arritmias e sopros carotídeos); carências nutrici- onais; doenças sistêmicas; sinais neurológicos (altera- ção da marcha, assimetria de força muscular, sinais ex- trapiramidais, reflexo de preensão palmar, reflexo de sucção). AVALIAÇÃO COGNITIVA • Deve ser considerado em conjunto com dados da anamnese + exame físico. Demência: 1. Com comprometimento estrutural do SNC: de- mências primarias → demência é a manifestação principal (Alzheimer, DFT, Lewy) ou demência pode ser a manifestação principal (Parkinson, PSP, Hun- tington). 2. Sem comprometimento estrutural do SNC: causas tóxico-metabólicas. FPM III JULIANA 2 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL II Causas potencialmente reversíveis: 1. Induzida por drogas. 2. Desordens metabólicas: hipo ou hipertireoidismo, hipo ou hipercalcemia, síndrome de Cushing, do- ença de Addison, insuficiência renal, insuficiência hepática, hipóxia ou hipercapnia (DPOC). 3. Transtornos nutricionais: deficiência de B12, folato ou tiamina (demência de Korsakoff). 4. Infecções: neuro sífilis, neurocriptocose, meningi- tes ou encefalites, HIV, doenças priônicas → pro- gressão rápida (Creutzfeldt-Jakob = vaca louca). 5. Hidrocefalia de pressão intermitente. 6. Neoplasias primárias ou secundárias. 7. Traumas: hematomas subdurais crônicos, intrapa- renquimatosos. 8. Vasculutos. Causas irreversíveis: 1. Doença de Alzheimer; 2. Demência com corpúsculos de Lewy; 3. Demência vascular; 4. Outras demências degenerativas (frontotemporal, Parkinson, paralisia supranuclear progressiva (PSP) e Huntington. CAUSAS DE DEMÊNCIA Observação: demência mista → pacientes com mu- danças cognitivas, teve um AVC e piorou – paciente já com Alzheimer e com mudanças vasculares considerá- veis. EXAMES COMPLEMENTARES Exames laboratoriais: hemograma completo, função renal, função hepática, função tireoidiana, eletrólitos, glicemia, urina rotina, sorologias (HIV, VDRL), dosagem de vitaminas (folato, B12). Neuroimagem: serve para diagnóstico diferencial; TC de crânio, RM cerebral (se possível); SPECT (tomografia por emissão de pósitrons; injeta glicose submarcada, cérebro capta nas partes mais saudáveis; suporte no di- agnostico, suspeita de demência frontotemporal – área frontotemporal capta menos substância – e degenera- ção córticobasal – área córticobasal capta menos subs- tância), volumetria por RM, espectroscopia de prótons por RM e PER (diagnóstico diferencial com comprome- timento cognitivo leve, monitorização da progressão de DA, pesquisa). Exame de LCR (líquido cefalorraquidiano): demência com menos de 65 anos; curso rapidamente progres- sivo; apresentação e curso atípicos; hidrocefalia comu- nicante; suspeita de doença inflamatória ou infecciosa no SNC. DOENÇA DE ALZHEIMER (DA) Causa mais frequente de demência; principal fator de risco = idade; 30% das pessoas que morrem depois dos 65 anos, preenchem critérios anatomopatológicos para a DA. Existe uma forma familiar de inicio precoce e a forma mais comum é de início tardio. A forma pré-se- nil (10%) tem padrão de transmissão genética AD (Chr 1, 14 e 21). • Influencias genéticas e do meio ambiente são con- sideradas na etiopatogenia. Os genes PS1 (Chr 14), APP (Chr 21) e PS2 (Chr 1) estão implicados na forma familiar. O alelo E4 do gene APOE (Chr 19) é fator de risco para DA de início tardio. O alelo E2 é protetor e o E3 é neutro. FATORES DE RISCO Idade; história familiar; fatores genéticos; trauma de crânio; sexo feminino; baixo nível educacional. FISIOPATOLOGIA Não é muito compreendida atualmente; ocorre acú- mulo da proteína beta amiloide (placa senis) extracelu- lares devido metabolismo anormal da APP; há acúmulo de emaranhados neuro fibrilares intracelulares (ENF) em decorrência de mutações no gene da proteína TAU. Ocorre inflamação cerebral mediada por comple- mento. FPM III JULIANA 3 SINAIS E SINTOMAS Percepção dos familiares, em geral, é maior que dos pacientes; exame neurológico é normal nas fases inici- ais; sintoma inicial = esquecimento de fatores recen- tes; piora progressiva dos sintomas com perda funcio- nal evidente; outros sinais de perda cognitiva apare- cem com o tempo → funções executivas, habilidades visuoespaciais, linguagem, praxias; sintomas neuropsi- quiátricos são mais comuns nas fases mais avançadas. Demência leve: esquecimento de fatos recentes, re- petitividade, disfunção executiva, podem aparecer sintomas neuropsiquiátricos (apatia, depressão).Demência moderada: dependência para atividades da vida cotidiana, dificuldade para se lembrar de eventos mais significativos, desorientação no tempo e/ou espaço, déficit de linguagem, outros sintomas neuropsiquiátricos (psicose, agressividade). Demência grave: necessidade de auxílio para ativi- dades básicas de vida diária, redução significativa da fala, disfagia, dificuldades à marcha, incontinência esfincteriana. Sinais e sintomas x MEEM: quanto mais avançada a do- ença de Alzheimer, menor a pontuação do MEEM. DIAGNÓSTICO • Eminentemente clínico. História clínica: >60 anos, alterações cognitivas com re- percussões funcionais, piora progressiva, gradual e contínua, progressão variável (2-20 anos). Testes de Screening: MEEM, fluência verbal, teste do relógio. Entrevistas estruturadas: CAMDEX/CAMCOG, ENE- DAM, bateria de avaliação do CERAD. Exames complementares: exames laboratoriais nor- mais, neuroimagem (atrofia principalmente de hipo- campo e estruturas mesiais temporais). Diagnóstico definitivo: biópsia cerebral, anatomopato- lógico. TRATAMENTO • Tratamento medicamentoso: 1- modificador da doença (em estudo); 2- sintomático: inibidores da AChE; antagonista de receptor NMDA (diminuição do depósito de substâncias potencialmente causa- doras); Rivastigmina, Donepezil, Galantamina (ini- bidores de AChE) = fases leve e moderada (mas pode continuar na grave); cuidado com efeitos ad- versos; Memantina = fases moderada e grave (an- tagonistas de receptores de neurotransmissão glu- tamatérgica). FPM III JULIANA 4 • Tratamento não medicamentoso: apoio familiar, reabilitação cognitiva, apoio psicológico, adapta- ção ambiental. Evitar drogas anticolinérgicas; con- trole da agitação e das alucinações - antipsicóticos, antidepressivos, sedativos, anticonvulsivantes. O que não funciona: terapia anti-aging, medicina orto- molecular, terapêutica antioxidante, vitamina E, ômega 3, AINES, estatina, ginko biloba. DEMÊNCIA VASCULAR Segunda causa mais prevalente de demência; compre- ende uma variedade de síndroma de demências secun- darias a comprometimento vascular do SNC; quadro clínico varia conforme a apresentação; tratamento ba- sicamente dos fatores de risco e sintomas (exemplo: drenagem, tratar hipertensão, diabetes, dislipidemia, tratar alterações de comportamento, entre outros). DEMÊNCIA MULTIINFARTOS: resultante de infartos corticais e subcortais múltiplos, geralmente, resultan- tes de suboclusão de grandes artérias por tromboem- bolismo. Possui uma evolução típica em degraus (piora (súbita), mantém, piora, mantém, entre outros) = piora a cada evento vascular. DEMÊNCIA DE INFARTO ÚNICO ESTRATÉGICO: resul- tado de lesão pequena, mas localizada em áreas corti- cais ou subcorticais funcionalmente importante – giro angular esquerdo, tálamo (relacionados com a memó- ria). Piora súbita causada por evento vascular. Infartos lacunares: múltiplos infartos lacunares nos nú- cleos da base, ponte e substância branca frontal. Evo- lução em degraus (mas não tanto intenso). Demência de Binswanger (microvascular): comprome- timento extenso e predominante de substância branca. Causada por doença cerebral microvascular ("mini in- fartos") periventricular. Apresentação clínica seme- lhante ao Alzheimer – piora lenta. Demência por hipoperfusão (encefalopatia hipóxica): parada cardíaca prolongada ou sepsia ou hipotensão grave que gera isquemia cerebral. Múltiplas formas de lesão – dispersas por todo o cérebro. Demência hemorrágica: resultante de hematoma sub- dural crônico, hemorragia subaracnóidea e hematoma cerebral associado a angiopatia amiloide. Quadro cog- nitivo e motor – rebaixamento súbito do nível de cons- ciência. Com a drenagem cirúrgica, pode haver me- lhora. FPM III JULIANA 5 DEMÊNCIA POR CORPÚSCULOS DE LEWY (DCL) Demência degenerativa primária; sinoclueínapatia; iní- cio entre 60-80 anos; mais frequente em homens; curso progressivo, rápido e flutuante. Sintomas preco- ces; quedas frequentes (passos curtos). • Sintomas psiquiátricos: alucinações visuais com- plexas; • Sintomas extrapiramidais: rigidez, bradicinesia, tremores disautonomia, hipomimia facial, instabili- dade postural. • Nesse caso, a demência não é sintoma principal. • Sintomas psiquiátricos e extrapiramidais aparecem em curto espaço de tempo entre um e outro. Diagnóstico é totalmente clínico, o diagnóstico por imagem é apenas para diagnóstico diferencial. Depósito dos corpúsculos no cérebro inteiro (Parkin- son fica nos núcleos da base – podem ter sintomas se- melhantes). TRATAMENTO Levodopa; inibidores de ache – rivastigmina, donepezil, galantamina; antagonista de receptores de neurotrans- missão glutamatérgica. • Evitar drogas anticolinérgicas; • Pode-se usar também antipsicóticos – porém cui- dado com hipersensibilidade a antipsicóticos típi- cos (podem travar o paciente devido a efeitos ex- trapiramidais). DEMÊNCIA FRONTO TEMPORAL Inicialmente denominada demência de Pick – variante fronto temporal e afasia primária progressiva (afeta + a fala); início entre 45 e 65 anos; incidência igual em homens e mulheres; evolução em 2-10 anos; grave. Al- terações de personalidade e comportamento impor- tantes e precedem as alterações de memória. • Atrofia frontal e/ou temporal unilateral ou bilate- ral. • 50% tem herança familiar com modo de herança autossômica dominante. • Tratamento: sintomático. HIDROCELARIA DE PRESSÃO INTERMITENTE Também chamada de hidrocefalia de pressão normal (HPN) – nome antigo. Causas: idiopática; hemorragia subaracnóidea, trauma, meningite Tríade: 1. Distúrbio de marcha 2. Incontinência urinária 3. Déficit cognitivo Geralmente, nessa ordem. NEUROIMAGEM FPM III JULIANA 6 Ventriculomegalia (desproporcional ao grau de atro- fia); parênquima cerebral normal; tamanho do lobo temporal normal. TRATAMENTO TAP teste: avaliação da marcha antes e após pulsão lombar (derivação ventrículoperitonial – pulsão do ventrículo para o peritônio – diminuição da pressão); se melhorar, TAP teste positivo. Melhora por uns três anos e depois volta. CONCLUSÕES Demência não é uma alteração normal do envelheci- mento; o diagnóstico é eminentemente clínico; o diag- nóstico diferencial é amplo. São importantes o diag- nóstico precoce e a identificação de causas reversíveis.
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