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Júlia Figueirêdo – PINESC IV VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: IMPACTOS E EPIDEMIOLOGIA DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO BRASIL: A violência doméstica e familiar é definida, segundo a Lei 11.340/2006 (também conhecida como Lei Maria da Penha), como a agressão baseada no gênero, sendo praticada dentro de casa, em contexto familiar (havendo ou não vínculo consanguíneo), ou em qualquer relação íntima de afeto, independentemente da orientação sexual da mulher, podendo resultar em óbito, lesão, sofrimento (físico, sexual ou psicológico) ou dano moral/patrimonial à vítima. Esse tipo de violência constitui violação aos Direitos Humanos. Vale salientar que a Lei Maria da Penha não se restringe somente às relações amorosas atuais ou pregressas, podendo também tipificar como perpetrador pais, irmãos, filhos, sogros e padrasto/madrasta da mulher afetada, podendo inclusive englobar pessoas que moram juntas ou frequentam a casa, como cunhados. Embora apareçam como maioria nas pesquisas, os agressores não são apenas homens. Esse fenômeno é, infelizmente, frequentemente observado em meio aos atendimentos em Unidades Básicas de Saúde, dado que 2/3 dos pacientes atendidos em decorrência de violência doméstica/sexual são mulheres, com 51,6% dessas visitas indicando histórico de reincidência das agressões. Um dado ainda mais alarmante, extraído da pesquisa “Violência e Assassinatos de Mulheres”, realizada em 2013, aponta que mais da metade da população analisada conhece uma mulher que já foi agredida por um parceiro, e quase 60% atestam conhecer um agressor. Ainda em relação ao caráter de recorrência da violência doméstica, em 43% dos casos registrados pelo serviço Ligue 180 em 2014 apresentavam repetições diárias, com 35% das chamadas se referindo a episódios semanais. Para tornar esses dados ainda mais alarmantes, um estudo da OMS com mulheres brasileiras apontou que cerca de 20% daquelas que já foram vítimas de alguma forma de agressão pelos companheiros se mantiveram em silêncio sobre o ato, mesmo que apenas 2% da população estudada não tenha conhecimento acerca da Lei Maria da Penha. Com uma taxa de 4,8 assassinatos a cada 100 mil mulheres, o Brasil está entre os países com maior índice de homicídios femininos, ocupando a quinta posição em um ranking de 83 nações, conforme dados coletados em 2015. O feminicídio ainda se insere como uma evidente questão de saúde, pois o Atlas da Violência aponta que, em 2018, 4.519 mulheres foram assassinadas no Brasil, uma taxa de 4,3 homicídios a cada 100 mil habitantes do sexo feminino. Percebe-se, no entanto, que o percentual de óbitos em residências é 2,7 vezes maior para o sexo Júlia Figueirêdo – PINESC IV feminino, o que evidencia o papel da violência doméstica na composição desses índices. Dos 4.762 assassinatos de mulheres registrados em 2013 no Brasil, 50,3% foram cometidos por familiares, sendo que em 33,2% destes, o crime foi cometido pelo parceiro ou ex. A residência da vítima como local do assassinato aparece em 27,1% das notificações, indicando assim que a casa é um local de alto risco de homicídio para as mulheres. Entre 2008 e 2018, o Brasil teve um aumento de 4,2% nos assassinatos de mulheres, sendo que, entre 2013 e 2018, a taxa de homicídios na residência aumentou 8,3%, mantendo-se estável entre 2017 e 2018. . As causas para esse tipo de agressão são variadas, mas é evidente o impacto da desigualdade de gênero e de seus papéis para a deflagração de comportamentos agressivos. Nesse contexto, inserem-se estereótipos derrogatórios sobre o sexo feminino e a valorização da agressividade masculina. Numa tentativa de desvencilhar a responsabilidade do ato do parceiro, empregam-se atos como a culpabilização da vítima (“ela mereceu”) e o uso do alcoolismo como justificativa para a violência. Alguns dos fatores de risco apontados para a ocorrência de casos de violência doméstica são inerentes à mulher, como o sexo, a idade e o histórico de exposição a situações de violência e trauma, ao passo que outros, como o uso abusivo de álcool, podem ser mitigados. Júlia Figueirêdo – PINESC IV IMPACTOS À SAÚDE FÍS ICA E PSICOLÓGICA DA MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA: A violência é capaz de desencadear, de forma indireta, um grande número de problemas à saúde, como mudanças fisiológicas induzidas pelo estresse, uso de substâncias e falta de controle de fertilidade e autonomia pessoal, além de índices mais elevados de eventos adversos quando o abuso ocorre durante a gestação, como abortamentos espontâneos, prematuridade e maior incidência de natimortos. Os efeitos da violência doméstica se estendem também às crianças inseridas nesse contexto, uma vez que a depressão e o estresse pós-traumático que pode surgir após tais eventos afetam a capacidade de demonstrar afeto e cuidar adequadamente de indivíduos dependentes. Outro fator relevante nesse cenário é que a aquisição de habilidades de campo social, emocional e comportamental pode ser retardada frente ao testemunho de tais atos, impactando no desenvolvimento global infantil. TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: A Lei Maria da Penha prevê, em seu escopo de monitoramento, cinco tipos de violência contra a mulher: violência física, psicológica, moral, sexual e patrimonial. Ainda que estejam organizadas discriminadamente, essas categorias por vezes se fundem, ampliando ainda mais os prejuízos à vítima. Violência física: essa modalidade de agressão corresponde a qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da mulher (espancamento, estrangulamento/sufocamento, atirar objetos, tortura, ferimentos causados por queimaduras, armas brancas ou armas de fogo); Violência psicológica: diz respeito a qualquer prática que cause dano emocional e diminuição da autoestima, prejudique e perturbe o desenvolvimento da mulher ou vise minimizar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, como ameaças, humilhações, constrangimentos, gaslighting e isolamento; Violência sexual: é qualquer conduta que force a mulher a presenciar, manter ou participar de relação sexual não desejada mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força. Também abrange a restrição da escolha quanto ao uso de métodos contraceptivos e ao planejamento familiar; Violência patrimonial: é definida como qualquer prática que implique em retenção, redução ou destruição de Júlia Figueirêdo – PINESC IV objetos pessoais, documentos, ferramentas de trabalho e bens de valor; Violência moral: abrange práticas que configurem calúnia, difamação ou injúria à mulher, como expor sua vida íntima, desvalorizar a vítima por suas vestimentas, rebaixar a vítima por críticas a sua índole. PONTOS CRÍTICOS DA DENÚNCIA DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: A violência contra a mulher não se encerra no momento no qual a vítima realiza a denúncia formal à delegacia da mulher ou ao Ligue 180, sendo esse apenas o marco inicial de uma longa jornada que ainda pode ser permeada de ameaças e desafios. O PAPEL DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER: Cabe aos profissionais de saúde identificar possíveis situações de risco para a ocorrência de violência doméstica, fornecendo especial atenção para mulheres que retornam com frequência acima da média para atendimento, têm queixas de dores não específicas e apresentem sintomas relacionados a depressão e outros transtornos psíquicos. Os atendimentos, não só, mas especialmente desse grupo devem ser registrados adequada e detalhadamente no prontuário da paciente, uma vez que esse documento pode representar uma importante evidência no processo judicial contra violência. A notificaçãocompulsória é obrigatória para os médicos, outros profissionais de saúde ou Júlia Figueirêdo – PINESC IV responsáveis pelos serviços públicos e privados de saúde, que prestar o primeiro atendimento ao paciente, em até 24 horas desse atendimento, pelo meio mais rápido disponível. Essa identificação deve ser realizada pelo preenchimento da Ficha de Notificação Compulsória padronizada, posteriormente ao Serviço de Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde, onde as informações consolidadas serão compartilhadas com a Secretaria de Estado de Saúde e a Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde. Apesar do dever legal de notificar o sistema de saúde e comunicar a autoridade policial, o médico não deverá entregar o prontuário médico da paciente sem sua expressa autorização.
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