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A origem da Filosofia Como começa a filosofia? Essa pergunta é essencial. De fato, a filosofia não aparece na história da humanidade a qualquer momento: ela nasce num contexto de efervecência científica (física de Demócrito de Abdera – em grego antigo: Δημόκριτος, Dēmokritos, "escolhido do povo"; 460 a.C. / 370 a.C.), de grandes descobertas matemáticas (teoremas de Tales de Mileto, – em grego antigo: Θαλῆς ὁ Μιλήσιος, o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia, 623 a.C. ou 624 a.C. –, de Pitágoras de Samos – em grego Πυθαγόρας ὁ Σάμιος, 570 a.C. / 495 a.C. –, de Euclides de Alexandria – em grego antigo: Εὐκλείδης Eukleidēs; 300 a.C.), de nascimento das grandes epopeias gregas, a Ilíada e a Odisseia, de Homero – em grego: Ὅμηρος –, mas também da democracia ateniense (século 6 antes de Cristo), que inspirará as nossas democracias contemporâneas e direcionará o nosso pensamento político desde então. Sócrates, que consideramos geralmente como o pai da filosofia ocidental, se caracteriza pela recusa de todo discurso dogmático ou preconceituoso. Seus primeiros embates se dão contra os Sofistas, denunciados por Platão em alguns de seus diálogos (o Protágoras ou o Crítias por exemplo). Os sofistas eram os professores particulares da época, encarregados de educar os jovens nobres de Atenas. É justamente porque Sócrates se recusa a receber um salário para poder educar os jovens livremente que ele foi condenado à morte pelos poderosos de Atenas, que viam na educação socrática a ruina de suas famílias e da nobreza ateniense. Sua crítica contra os sofistas consistia em dizer que eles ensinavam sem consideração pela verdade, por causa do salário que recebiam. Como eles eram pagos pelos pais de seus discípulos, segundo Sócrates, era impossível para eles dizer o que realmente pensavam. De forma geral, ensinavam aos jovens aquilo que seus pais pediam. Sócrates, ao contrário, se definia como “a mutuca que pica o cavalo adormecido de Atenas”, afirmando que seu dever era não deixar seus concidadãos esquecer o que era importante: a verdade e a Ética. Mas como nasce essa maneira particular de lidar com a realidade? Aristóteles, em sua Metafísica (L. I, 1), escreve: “É, de fato, o espanto que levou, como hoje, os primeiros pensadores às especulações filosóficas. No começo, seu espanto dizia respeito às dificuldades que se apresentavam primeiro ao espírito; depois, adiantando-se assim paulatinamente, eles estenderam sua exploração a problemas mais importantes, tais como os fenômenos da Lua, os do Sol e das estrelas, enfim a gênese do Universo. Ora, perceber uma dificuldade e se espantar, é reconhecer a sua própria ignorância (é por isso que mesmo o amor pelos mitos é, de certa forma, amor pela Sabedoria, pois o mito é uma reunião de maravilhas). Assim, logo, se foi bem para escapar à ignorância que os primeiros filósofos se dedicaram à filosofia, é porque com evidência perseguem o saber em vistas do próprio conhecimento e não para um fim utilitário. E o que se deu em realidade nos fornece uma prova disso: quase todas as necessidades da vida, e as coisas que interessam seu bem-estar e seu agrado, haviam recebido satisfação, quando se começou a buscar uma disciplina deste tipo. [Concluo então que, manifestamente, não temos em vistas, em nossa pesquisa, nenhum interesse exterior. Mas, do mesmo modo que chamamos livre aquele que é para si próprio seu fim e não existe para outro, assim essa ciência é também a única entre todas as ciências que seja uma disciplina liberal, pois é a única que seja seu próprio fim.]. Platão, no Teeteto (tratado sobre a educação), já afirmava que esse sentimento, o espanto, é próprio de um filósofo. Mas não se trata só do espanto como medo. É também o espanto como surpresa eencanto. Como diz Aristóteles, o espanto nasce diante dos mistérios da natureza e do nosso próprio ser: as coisas, os seres vivos, o próprio pensar estão em questão. Esse sentimento nasce antes de tudo com a consciência de que os nossos conceitos são muitas vezes ilusórios, que eles não correspondem de fato às realidades: são pre-conceitos. Assim, o espanto é também admiração diante da natureza e admissão de nossa incompreensão diante dos seus mecanismos. O espanto é então igualmente reconhecimento de nossa própria ignorância. Não é um acaso se Sócrates, o filósofo que dizia nada saber, foi também apontado pelo oráculo de Delfos, a Pitonisa, como “o mais sábio de todos os homens” (Platão, Apologia de Sócrates, 21a). Sabendo que ele nada sabe, como poderia Sócrates ser o mais sábio dos homens? Ele interroga então homens políticos, poetas, artesãos: em todos os casos, estes se revelam duplamente ignorantes. Porque pensam que sabem o que não sabem e não sabendo o quanto são ignorantes. Sócrates, por não achar que sabe o que ele de fato não sabe, e por saber da sua própria ignorância, é logo o mais sábio de todos. Nos seus princípios, a filosofia é ciência e toda ciência é filosofia. Segundo Platão, o efeito da educação (Paideia), é justamente de fazer os seres humanos pensarem não mais segundo suas opiniões (Doxa) mas segundo a ciência (Epistemé) (República, V, 475c6 / 480a13; também fim do livro VI). A distinção entre filosofia e ciência, ainda hoje questionável, só se concretizará no século 18. A filosofia, como vemos, tem por objetivo explicar aquilo que é. Ela pode nesse sentido se elaborar por uma série de enunciados sobre os mecanismos da natureza, que constituem a ciência em seu sentido mais amplo. Mas ela pode, e talvez deva também, colocar em questão o sentido de seus próprios enunciados, de sua própria metodologia e conclusões. Nascem assim as grandes questões dametafísica: por que algo existe em vez de nada? O que é o mundo? Será possível a existência de um ser supremo? Qual é o sentido de nossas vidas? Vemos assim que a filosofia, como prática da liberdade de pensar e de ser, tem uma dimensão fundamentalmente ética. Ela se estrutura como um instrumento de compreensão não somente dos mecanismos do mundo, mas também de nossas existências enquanto seres humanos, que vivem em uma sociedade: a filosofia tem uma dimensão científica e uma dimensão moral, que abordaremos nas próximas lições. Bom trabalho a tod@s!
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