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1 Opinião Pública e Comportamento Político Aula 6 Prof. Wellington Nunes 2 Contextualizando Conforme visto na Rota anterior, a abordagem da Teoria da Escolha Racional, ou qualquer outra das abordagens clássicas, não dá conta de, isoladamente, abarcar a complexidade do comportamento eleitoral em democracias contemporâneas. Não obstante, a Escola Racional, a partir do trabalho seminal de Anthony Downs, tem dado muitas contribuições para a compreensão do comportamento dos eleitores, seja em relação a partidos e candidatos, seja em relação a temas de ordem diversa que compõem o “cardápio” dos pleitos eleitorais. O objetivo desta aula é justamente apresentar algumas dessas contribuições, notadamente aquelas relacionadas aos modelos espaciais de explicação dos votos. Tema 1 – Objetivo e Estrutura Básica dos Modelos Espaciais Os modelos espaciais do voto foram elaborados a partir do já citado trabalho de Anthony Downs, Uma teoria econômica da democracia. Inicialmente, eles tratavam de posicionar espacialmente eleitores e candidatos em relação a temas presentes em campanhas eleitorais. Essa abordagem inicial, no entanto, não conseguia explicar muitas das variações do comportamento racional dos eleitores. Ao longo das décadas que se seguiram, e com a realização de inúmeros trabalhos empíricos orientados teoricamente pela Teoria Downsiana, foram promovidos diversos avanços nesse tipo de modelo, a partir dos limites identificados, tornando-o mais complexo (Cervi, 2012, p. 164). Em termos gerais, o grande objetivo dos modelos espaciais é explicar o comportamento conjunto dos eleitores em relação a temas específicos a candidatos ou a partidos. Para tanto, são utilizados, em regra, dois tipos de modelos espaciais: o de proximidade e o direcional. Antes de abordarmos cada um deles, no entanto, é necessário entender a estrutura básica de um modelo espacial. 3 Nesse sentido, há dois componentes fundamentais na estrutura de modelos espaciais: o ponto central e o status quo. O primeiro deles é um ponto qualquer localizado em um contínuo, onde está concentrado o maior número de eleitores em dada competição e, portanto, torna-se estratégico para qualquer candidato saber qual é sua localização e como se aproximar dele. Para tanto, faz-se necessário identificar a posição do ponto central no contínuo em relação ao status quo. Este é o ponto com maior densidade de eleitores em determinada conjuntura. O ponto central, portanto, pode coincidir com o status quo, digamos, no início de um período eleitoral e, em função das modificações na conjuntura política (novas informações, debates etc.), deslocar- se, afastando-se dele (ibidem, p. 165). Caso as preferências dos eleitores fossem fixas, teria mais chances de vencer uma eleição (atraindo mais eleitores) aquele candidato ou partido que estivesse mais próximo do ponto central. No entanto, as preferências dos eleitores podem se alterar ao longo de uma campanha e, portanto, é preciso que os candidatos apresentem um diferencial maior do que os de seus adversários (isto é, uma perspectiva de ganho futuro para o eleitor). Além disso, de acordo com os modelos espaciais do voto, enquanto os candidatos se movimentam na tentativa de atrair mais eleitores, estes também se movimentam tentando identificar aquele candidato que pode lhes oferecer mais vantagens (ibidem, p. 165-166)1. Tema 2 – Modelo Espacial de Proximidade Em um modelo espacial de proximidade, candidatos e eleitores são dispostos em um contínuo em função de suas respectivas distâncias em relação a determinado assunto (política econômica, ideologia partidária etc.). Dessa forma, o objetivo desse tipo de modelo é representar, graficamente, as distâncias existentes entre eleitores e candidatos, em relação a um tema específico. Chama-se modelo de proximidade justamente porque prevê que a decisão do voto depende da distância entre eles, ou 1 Ver representação gráfica dessa movimentação de eleitores e candidatos na figura 6.1 (Cervi, 2012, p. 166). 4 seja, as chances de um eleitor votar em determinado candidato aumentam na medida em que a distância entre eles diminui. Em linguagem matemática, é possível dizer que a avaliação que o eleitor faz do candidato é uma função declinante da distância entre eles, ou seja, ela se torna mais positiva na proporção inversa da distância existente entre eleitor e candidato. Dito de outro modo, como a utilidade do voto aumenta quando atribuído a um candidato que está posicionado a menor distância possível dele próprio, o eleitor racional escolhe o candidato mais próximo. A representação gráfica a seguir (Figura 1), a título de exemplo, indica que o provável destino dos votos dos eleitores V2 e V3 são o candidato R. Diferentemente do eleitor V1 que, em função da proximidade, deverá destinar seu voto ao candidato L. Figura 1 – Modelo de proximidade – Representação gráfica Fonte: Cervi, 2012, p. 167. Tema 3 – A Predição do Voto no Modelo Espacial de Proximidade Após conhecer os componentes básicos dos modelos espaciais de proximidade, bem como sua lógica de funcionamento interno, podemos observar como as informações de um modelo desse tipo podem ser utilizadas para definir posicionamentos e estratégias em campanhas eleitorais. 5 Gráfico 1 – Avaliação de gestão municipal Fonte: Cervi, 2012, p. 170 Gráfico 2 – Intenção de voto Fonte: Cervi, 2012, p. 170. O Gráfico 1 representa a avaliação da atual administração, em uma cidade hipotética. Como se percebe, o ponto central (onde se concentra a maior parte dos 6 eleitores) está posicionado entre as avaliações positiva e negativa – isto é, indica uma avaliação regular da atual gestão. Em modelos de proximidade, esse tipo de avaliação de gestão tende a aproximar os eleitores do ponto central dos candidatos de oposição. Dessa forma, como pode ser visto no Gráfico 2, quando a pergunta se refere à intenção de voto no candidato atual ou em alguém indicado por ele, o ponto central se desloca, aproximando-se das categorias “talvez” ou “não votaria”. Tema 4 – Modelo Espacial Direcional Nos modelos espaciais direcionais, por sua vez, a decisão do voto não é explicada pela distância (proximidade) entre eleitor e candidato em um contínuo, mas pelas direções do movimento esperado pelo eleitor e daquele assumido pelo candidato. Dessa forma, esse tipo modelo não se baseia nas distâncias entre eleitores em relação determinado tema, mas na direção que os eleitores esperam que determinada política se movimente. A partir daí, um candidato precisa convencer o eleitor de que ele é a pessoa mais indicada para mover aquela política (saúde pública, educação, saneamento básico etc.) na direção que ele (eleitor) espera (Cervi, 2012, p. 171-172). Graficamente, eleitores e candidatos são dispostos em um espaço em função de sua respectiva posição em relação a determinado assunto. A predição do voto, no entanto, não se dá pelas distâncias, mas pelo ângulo formado pelas direções dos vetores do eleitor e do candidato: a medida do ângulo é diretamente proporcional à distância entre as direções dos dois vetores, ou seja, aumenta quando as distâncias são maiores e diminuem quando são menores. Dessa forma, se candidato e leitor estivessem totalmente de acordo em relação à determinada questão, a medida do ângulo dos dois vetores seria 0º; por outro lado, se estivessem em total desacordo, os vetores das duas opiniões formariam um ângulo de 180º (ibidem, p. 172). Para alguns autores, no entanto, a direção da opinião do eleitor em relação a determinado tema não é condição suficiente para predizer seu voto. Isso porque os eleitores podem apresentar opiniões difusas, embora com direção definida, sobre diversos assuntos. Paraesses autores, para uma predição mais segura do voto, é 7 necessário considerar, além da direção, a intensidade das opiniões dos eleitores. Isso porque, mesmo apresentando a mesma direção, duas opiniões podem apresentar intensidades distintas, de acordo com a importância atribuída a determinado tema (ibidem, p. 173). Exemplo: Figura 6.5, na página 174. Tema 5 – A Predição do Voto no Modelo Espacial Direcional Depois de conhecermos os componentes básicos e a lógica de funcionamento dos modelos espaciais direcionais, nesse tema apresentamos dois exemplos práticos de como esse tipo de modelo pode ser útil para prever o comportamento do conjunto dos eleitores. Gráfico 3 – Relação entre classe social e avaliação do sistema de saúde Fonte: Cervi, 2012, p. 175. 8 Gráfico 4 – Intenção de voto por classe social Fonte: Cervi, 2012, p. 176. O Gráfico 3 mostra a direção da avaliação do sistema público de saúde por estrato social. Do ponto de vista prático, um candidato com base eleitoral predominante no estrato mais baixo da população precisaria alinhar a direção de sua opinião com a de seus eleitores (entre “ruim” e “bom”). Isso porque, caso o referido candidato adotasse, digamos, a direção “muito ruim” em seu discurso, estaria se distanciando da direção da avaliação de seus eleitores e tenderia a perder votos. Já o Gráfico 4 mostra o agregado dos eleitores por classe social para o mesmo pleito. Como se percebe, o ponto central (onde se localiza a maioria dos eleitores) está localizado entre os estratos “baixo” e “médio”. A direção da avaliação desses estratos, por sua vez, fica entre “ruim” e “bom”. Portanto, de um ponto de vista estratégico, um candidato que quisesse se aproximar dessa base eleitoral precisaria conduzir a avaliação presente em seu discurso para essa mesma direção. Na prática Os modelos espaciais do voto são muito utilizados em campanhas eleitorais. Isso porque pode ser muito útil ao candidato conhecer tanto as direções das opiniões dos eleitores quanto as de seus concorrentes. No primeiro caso, o comitê eleitoral de 9 determinado candidato monitora, durante toda a campanha, as direções de cada grupo de eleitor sobre os temas sensíveis daquele pleito. Dependendo do tipo de alteração que houver no cenário eleitoral, o comitê do referido candidato pode julgar estratégico modificar a direção assumida pelo candidato, com vistas a maximizar votos. Da mesma forma, também é útil monitorar a direção assumida pelos candidatos adversários durante o pleito. Isso porque, dependendo do movimento assumido por um deles ou por um conjunto de candidatos, também pode se tornar estratégico mudar de posição. Síntese Embora não consigam abarcar toda a complexidade envolvida em processos de escolhas eleitorais, os modelos espaciais do voto – sejam de proximidade, sejam direcionais – são muito úteis para prever o comportamento do conjunto dos eleitores. Essa previsão – seja em relação a partidos e candidatos, seja em relação a temas específicos – pode ser muito útil tanto em cenários eleitorais quanto nos processos de formulação, implementação e avaliação de políticas públicas. Referências CERVI, E. Opinião pública e comportamento político. Curitiba: Editora InterSaberes, 2012. DOWNS, A. Uma teoria econômica da democracia. São Paulo: Edusp, 1999.