Buscar

Fraturas Expostas

Prévia do material em texto

Fraturas Expostas
DEFINIÇÃO
Fratura exposta é toda aquela em que ocorre comunicação do seu foco com o meio externo contaminado com germes. As fraturas expostas envolvem, em geral, elevada energia para sua ocorrência, com concomitante lesão das partes moles, o que favorece a infecção pelos germes, além de dificultar sua consolidação.
Dessa forma, a fratura exposta, de forma especial, está sujeita a infecção e a retarde de consolidação, que são os grandes problemas relacionados com ela.
HISTÓRICO
Muito se evoluiu desde os tempos de Hipócrates, quando o tratamento das fraturas expostas era dirigido apenas à consequência quase inevitável, a infecção.
O desbridamento e a ênfase na precocidade do seu processamento, os quimioterápicos (sulfa) e os antibióticos, especialmente a penicilina, foram marcos que conseguiram melhorar o prognóstico das fraturas expostas. No entanto, a elevação da energia envolvida nos traumatismos devido à maior velocidade dos automóveis e à maior potência lesiva dos armamentos continua a desafiar a capacidade do médico em restaurar a função em níveis satisfatórios. 
EPIDEMIOLOGIA
A incidência de fraturas expostas varia, evidentemente, de região para região, dependendo da atividade das pessoas, do tamanho das cidades, entre outras variantes. Court-Brown et al (1996) relatam incidência de 21,3% de fraturas expostas de ossos longos. Nesse estudo, o osso mais afetado foi a tíbia, com 21,6%, seguida do fêmur, com 21,1% das fraturas expostas.
CLASSIFICAÇÃO
Qualquer classificação tem por objetivo escalonar a gravidade e com isso ter implicações no prognóstico e na escolha do tratamento. Outro aspecto importante das classificações é permitir comparações entre diferentes casuísticas.
Brumback (1992) definiu muito bem os parâmetros mais importantes que devem servir de base para qualquer classificação. São eles: 
1) história e mecanismo do trauma; 
2) estado vascular da extremidade; 
3) tamanho da ferida cutânea; 
4) lesão ou perda da musculatura; 
5) desperiostização, desvitalização e necrose óssea; 
6) traço de fratura, cominuição e/ou perda óssea; 
7) contaminação; 
8) síndrome de compartimento. 
A avaliação diferenciada de cada um desses itens e todos somados é que vai fornecer a "personalidade da fratura". A completa avaliação só pode ser feita, em muitos casos, apenas após o desbridamento.
A classificação mais consagrada mundialmente e que, até certo ponto, está referendada pela prática clínica e pela literatura é a proposta por Gustilo e Anderson(4), em 1976. Três tipos de fraturas eram identificados: o daquelas secundárias à exposição através do fragmento que perfura a pele, ou seja, de baixa energia (tipo I); o daquelas secundárias a trauma externo de baixa energia que expõe o osso no local da violência, produz ferimento limitado (tipo II); e o daquelas mais graves, em que há extensa exposição, contaminação e/ou desvitalização (tipo III).
Em 1984, Gustilo et al(5) propuseram uma subdivisão do tipo III em três subtipos, com base na possibilidade de fechamento da ferida pelo tegumento cutâneo e a presença de lesão vascular (quadro 1).
Apesar de ser ainda a mais adotada mundialmente, a classificação de Gustilo e Anderson mostra baixa reprodutividade entre diferentes observadores(6).
O grupo AO propõe uma classificação mais detalhada, diferenciando entre a lesão óssea e a das partes moles. Para a lesão óssea propõe uma classificação alfanumérica bastante minuciosa, que é a mesma adotada para fraturas fe-chadas(9). Para as lesões das partes moles subdividem em três itens: lesão da pele, lesão neurovascular e lesão dos músculos e tendões. Também incluem as lesões de pele que não redundam em exposição inicial, mas, como enfatizado por Tscherne e Gotzen(8), se comportam como expostas.
Embora detalhada, a classificação AO é prática apenas para aqueles muito habituados a ela. A grande vantagem dela é permitir caracterização precisa das lesões, facilitando com isso a comparação de casuística de forma mais fidedigna.
Um grande problema que aparece em casos muito graves de lesão de partes moles é a decisão, ainda na fase aguda, de amputar ou tentar manter o membro. Classicamente, se diz que a condição mínima é a manutenção da perfusão. Também se dizia que de nada adianta manter uma perna que teve seu nervo tibial posterior lesado, o que resulta em pé insensível e não funcional. Também aqueles casos de síndrome de esmagamento são de indicação inquestionável de amputação. Atualmente, o julgamento é mais baseado em parâmetros como o resultado funcional final que se pode, provavelmente, alcançar, a duração e o custo desse tratamento, o impacto social (e familiar!) que a opção por não amputar acarreta, etc.
TRATAMENTO
Objetivos
Os objetivos do tratamento das fraturas expostas são: evitar a infecção, consolidar a fratura e preservar ou restaurar a função dentro do limite possível.
Alcançar esses objetivos pode tornar-se tarefa complexa que envolve combate aos múltiplos fatores que favorecem a infecção, especialmente a instabilidade do foco de fratura e a falta de cobertura adequada pelas partes moles.
Abordagem inicial - Manejo
A assistência ao paciente portador de fratura exposta deve começar no local do trauma. A ferida deve ser isolada o quanto antes do meio externo contaminado e contaminante(8). Para isso, o ideal seria aplicar gazes ou compressas estéreis, mas, na falta destas, roupas limpas, não usadas, ou mesmo um jornal novo pode servir (a tinta é anti-sépti-ca). Imobilização improvisada pode ajudar a evitar mais trauma às partes moles, mas tentativas de redução devem ser evitadas, pois, além de não se saber a exata natureza da lesão, existe o risco de levar detritos para a profundidade.
No primeiro atendimento, no hospital, ou na sala de urgência, é imperioso isolar a ferida, caso isso já não tenha sido feito. Esse ambiente é altamente contaminado com germes hospitalares. Se houver necessidade de examinar a ferida, isso deve ser feito em ambiente favorável, onde curativos contaminados não tenham sido feitos recentemente.
Quando possível, deve-se indagar sobre o agente causador e o mecanismo do trauma. É importante fazer exame da extremidade distal à fratura, pesquisando pulsos, motricidade e sensibilidade; os achados devem ser anotados no prontuário.
Existe tendência, em casos de politrauma grave, de não pedir radiografias nesse momento, para evitar perda de tempo, enviando o paciente para o centro cirúrgico. Isso acarreta, muitas vezes, dificuldade em obter radiografias adequadas, de forma que essa conduta deve ser reservada para casos que realmente a necessitem.
Desbridamento
O ambiente próprio para fazer o desbridamento é a sala cirúrgica. O objetivo é conseguir ferida limpa e sem tecidos desvitalizados.
A base do desbridamento é a retirada de todos os tecidos que tenham perdido a perfusão.
O uso de torniquete é excepcional, para aqueles casos que apresentem sangramento de difícil controle. Um boa tática é aplicar o torniquete, mas não inflá-lo, deixando-o apenas para quando necessário.
A pele é preparada lavando-a de forma centrífuga em torno da ferida, que não deve ser explorada ainda. Tricotomia pode ser feita, se isto for necessário. A pele é então pintada de forma também centrífuga, evitando a penetração da solução anti-séptica nos tecidos expostos. Os campos estéreis são então colocados. Embora não existam estudos prospectivos que indiquem que cirurgia em dois tempos seja vantajosa, é recomendável que, após o desbridamento, a pele seja novamente pintada e novos campos colocados. O material cirúrgico utilizado no desbridamento é descartado e a equipe troca de luvas. Só então começa a fase de estabilização da fratura e cobertura da ferida.
A ferida original muitas vezes é suficiente para o desbridamento. Caso necessário, pode-se ampliar a ferida, evitando, contudo, desperiostizações e desinserções musculares extensas. Ao final da cirurgia as extensões provocadas podem ser suturadas.
Atenção especial deve ser dada à musculatura. O músculo desvitalizado é excelente meio de cultura,principalmente para anaeróbios(8). Os clássicos sinais desfavoráveis em caso de dúvida quanto à vitalidade do músculo são: coloração escura (cianose), ausência de contratilidade após estímulo mecânico (pinça) ou elétrico (eletrocautério) e ausência de sangramento ao corte. Se a dúvida persiste e a remoção é por demais radical, pode-se aguardar a revisão após 24 a 48 horas, quando então as características do músculo necrótico não deixarão dúvida.
A pele, quando desvitalizada, pode ainda ser utilizada como enxerto ou curativo biológico provisório. A gordura é retirada e a pele pode ser recolocada, ou guardada em geladeira à temperatura ao redor de zero grau por vários dias, podendo ser usada como enxerto livre ou como cobertura provisória.
Em lesão arterial ou venosa que requeira ligadura, esta deve ser feita com fio monofilamentado não absorvível, que resiste melhor à infecção. Nervo lesado e que requeira reparo pode ter seus cotos aproximados com fio monofilamento longo para facilitar a ulterior localização no momento do reparo definitivo.
O osso desvitalizado deve ser removido, mesmo que disso resulte perda óssea extensa. Fragmentos ainda aderidos às partes moles podem ser mantidos. Fragmentos articulares devem ser mantidos para a reconstituição da superfície articular. Detritos incrustados no osso podem ser removidos cuidadosamente com escova, sem aumentar a desperiostização. Somente após a completa retirada de todo o tecido desvitalizado a irrigação deve ser feita(14).
Por mais meticuloso que seja o desbridamento, pode permanecer tecido desvitalizado. Quando houver a menor dúvida, a ferida deve ser novamente explorada, sob anestesia e na sala cirúrgica, 48 a 72 horas após (second look).
Estabilização
Existe considerável evidência indicando que a fixação estável da fratura exposta diminui a probabilidade de ela tornar-se infectada(20,21). A antiga conduta de aguardar al-guns dias após o desbridamento para ver se a infecção ocorre ou não e, a partir daí, fazer a estabilização, não tem sustentação. Perde-se com essa conduta a vantagem da estabilização no combate à infecção.
A estabilização, com a reconstituição do comprimento e do alinhamento, restabelece a tensão das partes moles, reduzindo assim os espaços mortos e a formação de hematomas, além de abolir a mobilidade anormal e ulterior trauma adicional, que ocorreria com a fratura não estabilizada. Isso proporciona melhores condições às partes moles para lutarem contra a infecção. Adicionalmente, a estabilização possibilita movimentação precoce e indolor, o que ajuda a diminuir o edema e a estimular a formação de calo ósseo.
Muitos princípios usados para outras fraturas são válidos também para as expostas. Assim, as fraturas articulares e epifisárias devem ser tratadas com osteossíntese rígida, em geral com uso mínimo de implantes (parafusos e fios), ao passo que as da região diafisária são tratadas de forma elástica, com princípio de estabilidade relativa (fixador externo, placa ponte, haste intramedular). Na região metafisária o uso de placas pode ser adequado, ou então o uso de fixador externo do tipo híbrido pode ser alternativa para casos de má cobertura de partes moles.
A escolha do método de fixação deve resultar de um balanço entre o benefício da estabilização no combate à infecção e a desvitalização que ela requer; o balanço deve ser claramente positivo no sentido de mínima desvitalização.
Descolamentos musculares extensos e desperiostizações devem ser evitados.
Na fratura exposta de grau I a indicação de estabilização deve ser a mesma, como se ela não fosse exposta. Por exemplo, se o tipo de fratura é indicativo de tratamento conservador, o mesmo pode ser feito no caso de exposição grau (22). Da mesma forma a escolha do implante pode seguir a mesma orientação, conforme ditado pelo tipo da fratura.
As fraturas expostas de graus II e III são inerentemente instáveis, requerendo estabilização adequada. A escolha do implante vai depender do osso comprometido, do grau de desperiostização, da qualidade do envoltório de partes moles e da necessidade de procedimentos de cobertura ulteriores. 
Placa
A placa tem espaço claro na fixação das fraturas expostas que acometem a região metafisária. Nessa eventualidade, o seu posicionamento deve ser cuidadosamente escolhido, evitando que ela fique coberta com partes moles traumatizadas.
Nas fraturas diafisárias simples do "tipo A" em ossos com boa cobertura (úmero, fêmur), a placa de compressão pode ser empregada, garantindo excelente estabilidade e pouca desvitalização.
Haste intramedular
É a forma mais comumente usada de fixação definitiva na fratura exposta. No passado a haste já foi contra-indica-da nas fraturas expostas pelo risco de disseminação de eventual infecção através do canal medular(9).
Com a possibilidade de travamento, o potencial da haste aumentou. O aparecimento das hastes maciças permitiu a redução de seu calibre, abolindo o espaço morto no seu interior, possibilitando sua introdução sem o uso de fresamento, o que, experimentalmente, preserva substancialmente a circulação endostal, diminuindo, em caso de infecção, a formação de seqüestro tubular(23). A sua confecção em titânio garante mais resistência à infecção(24).
A supressão do fresamento trouxe, contudo, índice maior de retarde de consolidação, de desvios secundários e de quebra de implantes, pois o fresamento representa estímulo importante para a formação de calo ósseo(25).
Estudos mais recentes indicam não haver diferença, com relação à infecção, entre fresar e não fresar nas fraturas expostas(26,27), de forma que existe tendência mais recente de usar haste fresada nas fraturas expostas, o que acarreta-ria menor tendência a retarde e quebra dos implantes, em-bora esta conclusão careça ainda de mais evidências.
Fixador externo
É a forma menos invasiva de fixação; por isso mesmo, a que tem tido a preferência de muitos ortopedistas.
As montagens unilaterais com quatro pinos são as preferidas, mas, nas regiões epifisária e metafisária, quando o fragmento é muito curto, o fixador do tipo circular é vantajoso, pois garante maior pega e emprega fios mais finos.
A colocação dos pinos pode dificultar procedimentos de cobertura, de forma que ela deve ser bem planejada.
A consolidação retardada é freqüente após a fixação externa, motivo pelo qual a eleição do fixador como opção definitiva deve ser complementada muitas vezes com procedimentos adicionais, como a dinamização com ou sem flexibilização, através de desmontagem progressiva a partir, em geral, do final do primeiro mês e a enxertia óssea ao final do terceiro ou quarto mês.
Cada vez mais freqüente se torna o uso do fixador externo como fixação provisória, até que as partes moles este-jam em melhor estado. Aí aparece o problema da infecção que pode ocorrer quando se aplica placa e, especialmente, haste em osso com pertuitos dos pinos infectados. A litera-tura aponta como período limite seguro de implantação dos pinos até duas semanas(28), após as quais a probabilidade de infecção se eleva significantemente. Quando o fixador está há longo tempo implantado e está indicada a sua substituição por fixação interna, é prudente removê-lo, desbridar os trajetos dos pinos e aguardar um período de três a seis semanas em gesso ou órtese, para então se fazer a osteossíntese interna. Embora a presença de infecção de baixo grau não contra-indique totalmente o emprego da placa, é grande o risco quando a síntese empregada é a haste intramedular, que pode ativar e disseminar a infecção.
Cobertura de partes moles
É clássico que fraturas expostas não devem ser fechadas primariamente pelo risco de retenção de tecidos desvitalizados. Essa deve ser a conduta em praticamente todas aquelas em que exista trauma extenso às partes moles com ou sem grande contaminação. Entretanto, existem algumas fraturas expostas com pouco trauma de partes moles e praticamente limpas, que podem ser consideradas para fechamento primário. O fechamento secundário é feito muitas vezes sob anestesia local, sempre sem tensão da pelesuturada.
A enxertia de osso esponjoso, em geral do ilíaco, pode ser feita logo na terceira semana, em casos de perda óssea ou, mais freqüentemente, por volta do terceiro ou quarto mês, logo que se note a precariedade de formação de calo ósseo.
A flexibilização do fixador externo começa em geral a partir do final do primeiro mês. Ela pode ser conseguida através da dinamização, remoção de uma barra (quando são originalmente duas), aumento do distanciamento da barra ao osso. Isto pode tornar a montagem menos rígida, estimulando com isso a formação de calo ósseo.
A troca da fixação externa por interna deve ser diferenciada entre a troca precoce, e planejada, daquela que é feita tardiamente, quando os sinais de retarde e/ou soltura e infecção dos pinos motivam essa troca.
Na troca precoce, o fixador externo é removido em prazo não superior a duas semanas e a osteossíntese interna feita a seguir e imediata. O implante de escolha para substituir o fixador externo é a haste bloqueada, de preferência maciça e de titânio, que não deixa espaço morto e é feita de material que facilita a defesa do paciente contra os germes.

Continue navegando